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Este é um material transcrito a partir de ensinamentos orais de Lama Padma Samten. Ele é usado exclusivamente para apoiar os estudos e práticas dentro da sanga, pedimos não reproduzir em outros sites. O material está em constante revisão e melhoria; quaisquer erros encontrados são devidos às limitações das pessoas envolvidas na transcrição e na edição, e serão corrigidos assim que possível.
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Tabela de conteúdos
- Retiro – prática do ponto último na vida cotidiana
- 1.dia – Noite
- 2.dia - Manhã
- Meditação 5 elemento/lungs
- 4 faixas de operação da mente
- Entendendo as bolhas de realidade
- Saindo das bolhas e faixas
- Samsara, impulsos e energia
- Relacionamentos e energia
- Perguntas e Respostas
- 2.dia – Noite
- 3.dia - Manhã
- Objetos externos e conteúdos internos – co-emergência
- Bolhas de realidade e 6 reinos
- Complementariedade e ciência
- Sabedoria Primordial
- Natureza de Buda
- Compaixão e meios hábeis
- Meditação
- Shamata Impura
- Shamata pura
- Metabavana
- Quadro de 200 e 240 itens
- Mandala
- Perguntas e Respostas
- Motivação Mahayana – Nascimento no Lótus
- 3. dia - Noite
- 4.dia - Manhã
- Liberdade Natural do Espaço Básico
- 3 Animais e Visões de mundo
- Experiência do ‘eu’
- 5 Diani Budas
- Roteiro de prática
- 5 sabedorias nos bardos
- Perguntas e Respostas
- 4.dia - Noite
Retiro – prática do ponto último na vida cotidiana
– Viamão – youtube - 17/04/2014 a 21/04/2014
https://youtube.com/playlist?list=PLO_7Zoueaxd6Sox8bDHcS4DMHKnPt-qIE
Transcrição Mirtes Ho - CEBB Rio
1.dia – Noite
Perguntas e Respostas
P: Estar na mandala é faixa 3 ou 4?
L: É faixa 4. No fim ela se manifesta nas outras. O aspecto de faixa 3 tem algo analítico. O 4 invade os sentidos físicos. A pessoa tem aflição mental. Não é a resposta de algo que está acontecendo. Não é analítico ou causal, apenas sente alguma coisa. Pode ser uma bênção em faixa 4, sem análise. Deve seguir um caminho. A pessoa sente esse referencial dentro dela. Essa intuição. Não consegue justificar.
A mandala é um processo de lucidez, é uma visão clara. Tudo que brota da natureza primordial não tem como traçar, brota perfeito, de natureza misteriosa. Num outro sentido a mandala estaria fora dessas faixas, mas está mais próxima da faixa 4.
P: Como manter a motivação para estar sempre ajudando outras pessoas.
L: Na abordagem dos Ouvintes essa motivação é extemporânea, primeiro se libera. Depois os outros. A abordagem mahayana é que vai nos impulsionar de fato.
Quando temos interesse auto-centrado, isso flutua. Se olhar para os outros com motivação de bodicita, percebe que precisa continuar melhorando para ajudar os outros seres.
Na compreensão da vacuidade é como se houvesse um engano que tocasse todos os seres. Estão presos num mundo onírico e temos essa motivação de beneficiar os seres.
Na noção de Mahamudra ou Dzogchen, Grande perfeição é como se tudo o que formos nos engajar fosse perda de tempo. Nós vamos entrando em várias bolhas de realidade e pensa que não vale à pena entrar em coisas limitadas no tempo e significado. Não tem porque ficar preso.
Daqui surge a compreensão de se manter livre e com a capacidade de penetrar nas várias bolhas de realidade. Ajudar os seres que estão presos ali dentro.
Isso é como se fosse uma descrição cognitiva. Tem a descrição mais próxima que fala no nosso ânimo, nossa energia, nosso lung, como esse movimento aparece. Porque eu posso ter o raciocínio, mas não tenho a energia correspondente que move isso. Esse movimento não é apenas da energia. Porque posso ter a energia, mas não tem impulso. Esse impulso seria o lung, o acionamento, como se fosse uma centelha de vida, não é força muscular, mas é um brilho e vamos olhar esse brilho associado aos cinco elementos, que se misturam, num aspecto grosseiro/material, sutil/energético e secreto/silencioso.
No aspecto sutil é importante observar dentro da própria meditação como a energia aparece e como se move. Vamos descobrir que as energias acompanham os vários tipos de compreensão. Então quando temos uma compreensão verdadeiramente compassiva, surge Cherenzig, surge o lung correspondente a manifestação de Cherenzig. Se surge a compreensão verdadeira com relação às pessoas, o nosso olho brilha naturalmente e surge a energia correspondente. Na linguagem de Thinley Norbu, tântrica, quando surge o Buda, que é a compreensão, surge a consorte, que é o movimento da energia. Quando surge a compreensão verdadeira da dor dos seres, surge junto a energia para ajudá-los. Se não surge a energia, é porque a compreensão não surgiu bem, porque não tem nada artificial.
Nós podemos fazer meditações conduzidas que vão nos colocando nessa condição e mais facilmente brota isso.
Quando a gente olha o nascimento no lótus, a gente pode tomar situações objetivas, compreendendo a água como a dor dos seres, as lágrimas. Compreendendo o fundo do lago como o lodo, a negatividade, a ignorância. Podemos estudar longamente a ignorância através dos 12 elos da originação dependente, através da roda da vida, e quando a gente entende claramente isso, a gente entende a dor correspondente. Quando entendemos a dor, as causas da dor, em nós pode surgir o talo do lótus, corresponde a este aspecto milagroso, esse movimento, o acionamento que nos leva a buscar beneficiar aos outros e nós contemplamos isso. O aspecto mais importante não é o raciocínio, mas o fato dessa energia que aparece.
Se estamos meditando, por exemplo, shamata nos 5 lungs, fica fácil observar. Porque aprendemos a olhar os lungs. Se a gente não aprendeu a olhar ainda, a gente tem uma visão difusa de energia. Mas essencialmente, resumindo, essa energia brota de forma natural, acompanhando a compreensão.
L: Esses dias vocês tem aspiração de ouvir ensinamentos ou praticar? O interessante é que a prática seja o ponto de transformação. O estado de lucidez não tem nenhuma artificialidade. A prática tem. A gente senta. Nos estados lúcidos não tem. A gente pratica o caminho para se livrar do caminho. Parece contraditório, sai do samsara para ficar sério e depois volta para o samsara.
P: Porque existe o retiro de 3 anos, 3 meses e 3 dias?
L: Não sei. Nossos retiros não têm data fixa. Acho muito importante a gente não criar coisas muito fixas para não prender as pessoas dentro do samsara. Quando as pessoas pensam que devem ficar 3 anos, 3 meses e 3 dias em retiro, pode ser que a motivação delas já não fique boa.
A motivação real é obter a liberação e estabilizar a mente em alguns aspectos. Quando a pessoa passa por isso, pode ser que ela pense que irá ganhar uma medalha no peito: passei 3 anos, 3 meses e 3 dias! É bem interessante. Mas ela vai encontrar pessoas que ficaram 6 anos, 6 meses e 6 dias em retiro, depois irá encontrar as que ficaram 9 anos, 9 meses e 9 dias, sempre tem alguém com mais... Não é um bom caminho. O caminho é a lucidez.
P: Forma é vazio, vazio é forma. Quando começamos a olhar para a realidade e ter esse tipo de percepção e compreensão, tem um ponto que isso toca uma espécie de indiferença com relação às coisas, às pessoas, às relações, ao mundo e o outro extremo disso. Como avaliar o ponto onde consigo a compreensão dessa realidade e a compaixão pelos seres, a partir desse ponto olho para os seres eu compreendo e depois eu ajudo?
L: A vacuidade é a natureza das coisas. Não é que as coisas não existem. O teor delas é vacuidade. Isso é muito interessante. Esse ponto, à medida que nos relacionamos com as coisas que tem por essência a vacuidade, a gente pode entender que tem coemergência nisso, ou seja, se eu não tiver uma posição interna, eu não vejo aqueles objetos.
Então o que vai acontecer? As pessoas de modo geral olham os objetos como externas, elas não têm a visão da vacuidade. Elas têm uma visão eternalista. No eternalismo a gente pensa que os objetos são independentes, são externos. A gente pensa que nossa relação com os objetos se dá pelas qualidades que o objeto tem e a gente se surpreende, porque surge impermanência, surge insatisfatoriedade, eventualmente os próprios objetos produzem sofrimento.
A gente descobre que a feição do objeto, a cara do objeto não é fixa, ela vai depender desse aspecto interno co-emergente. Logo as características que estamos vendo, elas não são de um objeto externo, elas brotam de uma forma viva. O mesmo processo que faz aquelas propriedades surgir de um jeito, podem fazer outras propriedade surgirem.
Então tem esse aspecto de vacuidade que é essa natureza de liberdade natural. Esse é o ponto.
Agora se nós nos movermos com essa relação de separação com relação aos outros seres, nossa compaixão vai ter obstáculos.Vai ser algo relacionado à identidade.
A gente ouve os ensinamentos do sutra do diamante, as 6 perfeições e vamos praticar as perfeições da generosidade, moralidade, paz, energia constante, concentração e sabedoria.
Desse modo, nós praticamos compaixão. Efetivamente, quando surge compaixão no nosso coração vão surgir essas qualidade todas. Vai surgir naturalmente generosidade, não é uma generosidade comum, é a perfeição da generosidade, é como quando beneficiamos o outro. Também somos beneficiados, não tem separação. Não tem a sensação de que alguém é superior ao outro. É como uma boa relação de pais e filhos. Pais se alegram de livrar os filhos dos obstáculos.
Disso surge a perfeição da moralidade, não há alguém praticando a moralidade em relação ao outro. Quando está praticando essa sabedoria da igualdade, não vai produzir sofrimento para o outro imaginando que vai produzir uma vantagem para si. A vaidade não surge, não tem alguém para se colocar superior ao outro.
Quando há a perfeição da generosidade e moralidade, surge a perfeição da paz. Tem uma natural condição interna sem stress, sem luta, sem esforço de ser melhor ou pior.
Da perfeição da paz surge a energia constante, a energia se estabiliza, a mente se tranqüiliza, daí ela naturalmente manifesta sabedoria.
São as 6 perfeições, é a forma mahayana de andar no mundo com esses 6 olhares, 6 sabedorias, que manifestam essencialmente compaixão. São sabedorias que não são de alguém, que cada pessoa pode utilizar, mas não é algo que a pessoa possa se apoderar. Não é propriedade de alguém e a pessoa não ficaria vaidosa. Se ela se conecta com essa qualidade é uma coisa boa.
Se não se conecta, irá se conectar com as emoções perturbadoras. O auto-centramento, a pessoa está centrada em si mesmo e surge orgulho, inveja, desejo e apego, carência e raiva.
Mas se a pessoa tem uma visão ampla, está além da própria identidade, surgem as 6 perfeições. A compreensão da vacuidade conduz às 6 perfeições. As 6 perfeições conduzem à vacuidade.
P: Pode falar dessas 5 energias?
L: Esse é o primeiro tema amanhã.
P: Pode comentar “todos os fenômenos são não causais?”
L: É que na compreensão eternalista todas as coisas são causais. A gente aperta o barro e surge o vaso. A partir de faixa 3, vemos que o vaso surgiu de forma inseparável do mundo externo e interno. O vaso surge de modo não causal, as coisas são todas assim. Aquilo que nós vemos, essencialmente, vai depender do processo interno que manifestamos. A não causalidade é o processo essencial de tudo, é a mesma coisa que dizer que a natureza das coisas é vazia.
Junta todos os tijolos, faz um projeto, paga arquiteta, paga construtora, a vacuidade é a liberdade natural. O fenômeno de reconhecimento do templo é não causal.
Eu posso criar tudo e montar aquilo. A experiência de ver e experimentar as coisas necessita de um componente interno nosso que espelha as aparências.
As aparências sustentam um estado interno. Se as condições externas sustentar outras coisas, eu vou dar outros nomes e dar outras utilidades, isso é coemergência.
Por isso a gente pode ter a liberdade. Faz assim e vive de outro jeito. Eu posso ter percepção das coisas de certo modo que pode ser compartilhada com um grupo de pessoas. Num outro grupo, esse mesmo conjunto de coisas eu posso ter outra compreensão e jogo o jogo dentro da outra visão.
E com os mesmos elementos e eu olho de outro modo. As realidades são paralelas. Elas não são competitivas, são mundos paralelos.
Um adolescente na casa da mãe tem a percepção diferente da casa com relação à própria mãe. De modo geral, tem uma objetividade com o trato com a mãe e com os amigos. A visão dele e dos amigos é uma. A visão da mãe e do pai outra. Ele olha aquilo e fica equilibrando. A casa é a mesma, mas a visão é diferente. E são apenas 2 visões, podem ter inúmeras visões.
Isso não tem nada de religioso, é a percepção das coisas como elas são.
Se a outra pessoa tiver outra tradição religiosa, ela também pode perceber que as coisas não são fixas. No budismo, a gente usa a meditação para acessar isso. Essa é uma forma de superar o sofrimento também. As pessoas sofrem, pois estão fixadas a um certo tipo de visão. Por vezes as causas que a pessoa aponta como causas do sofrimento elas não cessam, mas o sofrimento cessa. Porque aquilo que a pessoa aponta como causa do sofrimento não é verdadeiramente do sofrimento. Os fatores verdadeiros da causa do sofrimento mudam e aquilo que era a causa não muda.
A pessoa tem uma sanidade interna que vai mudando os parâmetros interno. Quando a forma de olhar muda, irá sustentar outro tipo de experiência interna. Espelhavam uma experiência de sofrimento, agora não mais. Espelham outra situação.
Também tem as pessoas que tem habilidade inversa, aquilo está bom e a pessoa sempre dá um jeito de sofrer.
P: Lama poderia falar um pouco de como o Sr vê nosso momento histórico, como a gente deve se preparar para o futuro?
L: A gente vê agora muitas atrocidades e muitas complicações. O passado colonial dos povos europeus, as guerras. Do outro lado, a gente tem a crise ambiental, alteração climática imprevisível.
Já vi surgir muitos líderes, movimentos, mas o que eu vi ampliando sempre foi a consciência ambiental. Não é uma coisa de modismo. Nesse tempo de informação, o samsara está trazendo a limitação do que seria a limitação da cultura globalizada.
Os jovens que tem energia de realização estão trancados. Europeus gerando desequilíbrio em várias regiões. Jovens europeus saindo dos seus países por falta de emprego e imigrantes de países pobres entrando na Europa, onde são descriminados. Há dissolução da economia.
Em curto prazo, devem partir para uma sociedade completamente diferente com simplicidade, auto-suficiência, saúde, aprofundamento nas questões essenciais da vida. Pensar em pós-doutoramento para arranjar emprego é complicado. A única coisa que podemos ver é o movimento ecológico indo para certa direção. Os movimentos de auto-suficiência, auto-organização, têm muito que fazer.
P: Lama a gente quando quer ajudar uma pessoa, pega alguma semente de virtude e irriga. Como fazer para não se auto-enganar? É válido?
L: Pode usar. Sempre que tem um desequilíbrio, vai aprofundando e vai avançando. Não só o fato de que as coisas melhoraram um pouco, mas olha os obstáculos como lição. Olha e vai aprendendo.
P: Sobre os jovens, ocorreu que estamos ficando mais longevos e não tem estrutura social para nos manter. Trabalha-se até 70 anos, se não morre faz o que? É difícil para uma família de aposentados que está vendo que os filhos não estão saindo de casa...
L: Isso é a sociedade do emprego. A muito se diz que a sociedade do emprego vai terminar. Continua se falando isso. É melhor pensar que terminou, mas tem ainda. O perfil é a gente aprender saber trazer benefício aos outros e aquilo anda.
Emprego nem sempre é uma boa idéia. O exército está empregado. A fábrica de armas também. Mas assim pago as contas, levo as crianças no parque, tenho dinheiro. Mas a pessoa está montando arma para matar gente. Ela está num emprego.
Se a gente puder avançar internamente, trazer benefícios para os outros seres olhando do que as pessoas precisam, a própria economia se reorganiza, tudo se organiza.
P: A experiência do estado desperto da mente do caminho do praticante é alguma coisa que marca a vida do praticante ou ele tem essa experiência e vê que não tem nada de especial?
L: Ela marca. Porque quando a pessoa opera dentro de uma consciência comum é como se o mundo fosse um quebra cabeça, as peças se ajustam, vou procurando um lugar e vou encaixando, na verdade ela nunca encaixa. Ela encaixa, mas quando está encaixada, se sente desencaixada. Ela não quer ficar encaixada em lugar nenhum.
Como alguém que conseguiu um emprego no BB. Depois de um tempo acha que está perdendo tempo ali dentro.
Quando a gente encaixa, aquilo pode não ser uma boa coisa. Ela olha os feriados, espera os fins de semana chegar, querendo aumentar as férias, olhando se tem ano sabático e contando que faltam 25 anos para a aposentadoria. A pessoa se encaixou, mas ficou aprisionada, quer escapar daquilo.
Agora quando a pessoa olha, vislumbra essa noção de vacuidade, realidade vajra, o que vai acontecer? Ela não tem a sensação que está numa situação rígida ou fixa, tem a sensação que pode construir as realidades, e pode.
A visão de realidade é muito diferente. Ela não pensa que está vendo de um mundo que tem uma certa regularidade, certo fluxo. Tem um fluxo aparente e qualquer coisa pode acontecer em qualquer direção. A pessoa pode ser a protagonista, criar esse movimento e alterar completamente. Tem aquilo disponível porque vê como a realidade funciona. É capaz de movimentar o aspecto cognitivo, material e energético das coisas, é muito diferente.
Quando a gente inicia no mundo dentro de uma visão limitada, o mundo é todo rígido. A gente espera que as portas se abram, que as coisas se movam, tudo parece sério e fixo. Mas as coisas não são assim.
É só ver o número de corruptos, gente que descobriu a vacuidade na área da economia e da política, das finanças e das tramóias. Criatividade nos balanços econômicos, nas justificativas das tramóias. Banco do Brasil, Petrobras. As pessoas percebem que as coisas não são rígidas, mas não tem motivação adequada, tem motivação convencional. Estão aflitas, nervosas, ansiosas, usando certa visão de realidade para produzir coisas que vão trazer sofrimento para ela e para os outros, mais dia menos dia os problemas acontecem. É necessário que se junte essa moralidade.
A compreensão verdadeira inclui esse aspecto de moralidade na qual a pessoa aspira o benefício de todos, lucidez e 5 sabedorias. Se a pessoa opera com 5 sabedorias, não tem mais um ponto pessoal que a pessoa aspira atingir. Ela tem energia para se mover, o aspecto mais importante é a energia presente e aquilo anda. As 5 sabedorias a gente usa para se mover, a energia está presente.
Quando a gente pensa: quero chegar a um patamar, certo ponto elevado. A gente não quer aquilo, a gente quer usufruir a energia daquele ponto. A energia de um ponto é sempre frustrante. Depois que atinge, aquilo passa rápido. Mais ou menos como atingir o Everest. Chega e sai correndo, senão morre sufocado ou de frio, um problema grave. Esses lugares são rápidos.
Os cientistas todos se juntaram durante a segunda guerra, montaram a bomba nuclear e pensaram: agora sim, vai se a paz geral, com uma bomba dessa ninguém vai querer fazer guerra. Aquilo foi rápido. Daí houve a proliferação das armas nucleares, e os cientistas se juntaram e falaram com os governantes. Foram lá e todo mundo riu deles.
Então criaram os movimentos pacifistas. Parecia que ia dar uma grande coisa, depois afunda. Daí surge energia nuclear como fonte de energia elétrica, parecia maravilhoso, vários líderes religiosos falando que era o alvorecer de um outro mundo, de paz, energia infinita, abundância para todo mundo. Hoje olhamos: foi ao pico e afunda, samsara tem essa característica.
Os seres que atingem certa lucidez não têm mais a sensação temporal. É muito curioso.
O próprio samsara, a gente tem muito apego ao país, cultura, biosfera, mas tudo isso é transitório. Vivemos em bolhas dentro de bolhas, e mais bolhas.
Quando a gente fala da biosfera, o diálogo de querer proteger a biosfera, tem que proteger essa abertura para podermos acessar a compreensão da coisas e atingir a liberação. Biosfera é nossa casa, significa vida humana preciosa, vida preciosa de todos os seres. Quando a gente entende a preciosidade da vida, a gente protege a biosfera. Fala-se de proteger a nós mesmo e outros seres, trazer benefício a eles, a biosfera também vai passar.
2.dia - Manhã
Nosso tema é viver o cotidiano no ponto último. Eu vou iniciar descrevendo a meditação, depois vou explicando isso.
Meditação 5 elemento/lungs
Uma das vantagens dessa meditação é que não é conceitual. Em shamata, costuma ter o observador contemplando o objeto, numa perspectiva condicionada. O objeto é construído por nós e sustentado pela natureza livre da mente. A energia vem geralmente do processo condicionado, a partir do objeto. Depois meditamos observando a criação dessa energia. Espantosamente, os objetos podem perder o aspecto atraente.
Ovo de páscoa, por exemplo, olhamos para os mesmos objetos e depois eles mudam na nossa cara.
As coisas nos atraem porque elas produzem energias. A substância delas é energia. Vamos começar a fazer esse exercício.
Vamos pegar os 5 elementos que no aspecto sutil, são 5 energias, na linguagem indiana é prana, na linguagem tibetana é lung. O aspecto mais sutil em nós é o lung, a energia.
Tem o aspecto secreto que é o silêncio e tem o aspecto grosseiro que é o corpo, a materialidade das coisas.
Vamos meditar no aspecto sutil que é a própria energia. Sentamos em silêncio. Pode ser que depois de um tempo a energia comece a diminuir, ou ao contrário, à medida que vai ficando mais no silêncio, a mente se aguça, tem sensação de felicidade, de algo muito especial que acontece dentro do silêncio, a energia aparece. Têm outras pessoas que não, elas tem a sensação de que nada está acontecendo, depois divagam com a mente e a energia afunda. Esse exercício é muito importante porque mantemos a energia, sem ter nada para fazer.
Para deixar mais claro, usamos os 5 elementos, que são a base da nossa vida. Surgimos pelos 5 elementos, e desaparecemos com a cessação dos 5 elementos.
O aspecto grosseiro dos 5 elementos não explica propriamente a nossa vida. O aspecto grosseiro: terra, água, fogo, ar, espaço ou éter não explicam a vida. Porque o corpo morto também tem terra, água, algum calor dentro, algum ar dentro, espaço não cessa, mas o lung correspondente, ou seja a ativação correspondente ao elemento terra, o aspecto sutil do elemento terra desaparece.
Porque ainda que tenha o elemento terra como matéria, não tem a ativação do elemento terra que corresponde à firmeza. O aspecto água, ainda que tenha a materialidade do elemento água, não tem o elemento sutil da água que é a flexibilidade, mobilidade. Ainda que tenha alguma temperatura, não é zero absoluto. Se a gente fotografar em infravermelho o corpo, ainda terá energia. Do mesmo modo que o nosso planeta Terra, mesmo que não seja uma estrela, ela também irradia energia. O aspecto fogo está presente, no aspecto sutil, nós não temos mais a ignição, geração de fogo, isso parou, o lung do elemento fogo parou. Na perspectiva do elemento ar, não há mais a ignição, o acionamento da respiração, o vigor da respiração. O lung do elemento ar cessa. O lung do elemento espaço segue, o elemento éter segue. Mas a nossa mente não está vendo isso, porque está estreita, obtusa, fechada. Ainda que o espaço esteja disponível, ele é usado de uma forma muito estreita.
O processo da vida é o que vamos fazer na meditação, vamos focar isso.
Éter
Em primeiro lugar, o aspecto Éter é como se fosse a vivacidade da mente. Nós podemos facilmente entender isso. Podemos estar deprimidos, obtusos, desinteressados e a mente murcha, mas podemos ativar esse lung pelo brilho.
É muito importante entender que temos essa disponibilidade de mudar esse estado interno. Naturalmente, podemos mudar esse estado interno a partir de coisas externas. Por exemplo, se a gente parar para ouvir o ruído da folhas, o caminhar das formigas, esse som do silêncio.
Cherenzig diz: esse som do silêncio aguça a mente, que fica mais atenta através da audição. Se temos algo débil para a visão, isso cansa. Mas débil para a audição aguça.
Tokuda-san falava do som dos vales, as montanhas e o vale, não tem som, é super silencioso, mas isso aguça a mente. Esse primeiro aspecto é o éter.
A mente se abre, gera um aspecto agudo, uma vivacidade. A mente pode estar obtusa ou pode ter esse acionamento.
Vamos usar essa linguagem: o lung do elemento éter. O lung pode ser substituído por chi, ou ki, ou prana. A definição não é muito clara, pode ser usada em diferentes ambientes e contextos. Nos textos de yoga, prana está relacionado à respiração. Alguns autores dizem que prana é O³. Eles encontraram uma definição grosseira/física, para um aspecto sutil, é como se prana fosse ozônio.
É melhor esquecer essa descrição grosseira. Prana é naturalmente sutil, por exemplo, parem de respirar e ampliem a mente, como a gente amplia a energia se não está nem respirando? A energia não depende da respiração. Nós podemos modular, tem esse aspecto que vamos encontrar. A energia pode ser modulada a partir da natureza livre da mente, tem esse poder de fazer surgir ou não.
Não vamos encontrar uma causalidade, um fator que seja necessário para que essa energia brote. Podemos estar numa condição de cansaço, mas podemos fazer surgir a energia. Tem uma fonte primordial que se refere ao ponto último. Nós sentamos e acionamos esse primeiro elemento, éter. Se tiverem dificuldade em fazer isso, podem visualizar como se quisesse ouvir algo em algum lugar, não precisa ouvir, melhor que não ouçam, alguma coisa impossível como as formigas de pantufas ou as folhas das árvores.
Ar
O segundo aspecto que vamos observar é o lung do elemento ar. Não o ar que entra e sai, mas o acionamento da própria respiração. Aquilo que nos produz impulso de respirar. Se a gente está deprimido ou se aproximando da sonolência, o lung do elemento ar se suaviza, vai respirando suavemente. No processo de morte também. Aqui a gente vai reduzindo ou ampliando.
Quando amplia o elemento éter, amplia o elemento ar. Pode deixar entrar o ar um pouco pela boca entreaberta e pelo nariz, faz menos ruído, é mais leve.
E de onde vem esse impulso? Não é de processo causal. Posso modular, reduzir e ampliar de forma não causal. Esse objeto lung, é algo que não vem de fora, é inseparável da minha própria mente.
Fogo
Na seqüência, usamos o elemento fogo. A gente produz uma tepidez, aquece um pouco o corpo, descobre como fazer isso. Uma forma fácil de perceber é quando fazemos em pranayana a respiração de fole. Quando respiramos rápido aumenta o calor. Podemos inspirar no ritmo normal e expirar prolongado, focando o calor no corpo e sentindo que o corpo de aquece.
Estão acionando o elemento fogo desde uma fonte não causal, estão dirigindo isso. Não é porque algo aconteceu que irá brotar esse calor, estamos dirigindo isso.
Esse processo do fogo pode ser dirigido para alguma parte ou outro do corpo e também está associado ao processo curativo. Pode visualizar parte do corpo e dirigir essa energia do fogo e aquecê-lo. Pode fazer uma varredura em todo o corpo, dirigindo o elemento fogo para cada parte e se tiver alguma parte que não está bem, aquilo pulsa, arde um pouco, sente alguma coisa nos lugares que não estão bem.
Água
E vem o elemento água, vocês evitem qualquer tensão no corpo e na mente. O corpo é o aspecto grosseiro, a mente é o aspecto sutil. Se nós estamos com o corpo apertado em algum lugar, é porque no aspecto sutil estamos com alguma coisa apertada também.
Ninguém fica com um músculo apertado se não está com a mente apertada. Então tratem de relaxar isso.
O aspecto água nos ajuda a não responder. Passamos um gancho na água e nada fica, nada é preso. Se há rigidez o gancho prende. Os pensamentos que surgem são como ganchos.
O elemento água significa que não responde, não engancha nos pensamentos que cruzarem, mesmo que os pensamentos possam surgir o aspecto sutil. Não altera em nada, a gente não se fixa. É flexibilidade, fluidez.
Terra
No fim, temos o elemento terra, temos uma firmeza. Essa firmeza parece tão obvia que por vezes a gente não nota. Precisamos ficar doentes para notar que ficar sentando não é fácil.
A gente precisa ser perturbado para perceber que para manter a mente estável não é fácil. Temos que perceber essa estabilidade que vem do elemento terra.
Quando chegamos ao final do elemento terra, voltamos para o elemento éter. Pode ser que tenha diminuído um pouco e de novo ampliem. De novo observem o elemento ar, fogo, água, terra.
O exercício é esse. A gente vai circulando nos vários elementos, isso é shamata impura.
Aproveitem o sino para acompanhar o som, tentem ficar atentos até o final enquanto tem som. Cherenzig explica que o som do sino é especial porque é um objeto que aguaça a mente. Vai ouvindo, o som vai diminuindo, a mente fica mais aguda, no final ele mesmo termina e nos deixa somente com a mente aguda, sem objeto.
Vamos fazendo essa prática e quando a gente levanta, mantém os 5 lungs. Não interferem nos aspectos cognitivos porque não é uma meditação cognitiva. Então mantemos esse foco. Podemos pensar e manter a energia. O aspecto cognitivo não é invadido ou perturbado pelo aspecto da energia. Estamos desvinculando isso.
Por outro lado, dentro do mundo convencional a energia e a cognição seguem juntas. Quando penso numa certa coisa, a energia acompanha aquele pensamento, mas não precisa.
O aspecto do samsara quando se raciocina sobre isso, começa a contemplar cognitivamente, a gente vê. Começa a entender os ensinamentos do Buda, dos mestres e vai entendendo a Roda da vida e os obstáculos todos.
4 faixas de operação da mente
Agora vou começar a descrever a visão da vida cotidiana sob o ponto de vista cognitivo.
Quando a gente contempla os vários seres sob o ponto de vista da operação da mente deles a gente reconhece que há as 4 faixas. É útil perceber nosso comportamento a partir disso.
Faixa 1
De modo geral a maioria dos seres opera em faixa 1, ou seja, eles dão solidez à experiência da mente separativa, a separação entre observador e objeto.
Movem-se a partir do que eles vêem como objeto, tem um automatismo. São como as crianças olhando os ovos de Páscoa. Eles não pensam se é bom ou não, são só atraídos. Se eles tivessem meios hábeis próprios já iriam comprar os ovos. Não pensariam em quando poderiam comer, comem direto. Também não pensam quanto poderiam comer, comem até passarem mal.
Isso é um aspecto de faixa 1. É um movimento por impulso que brota claro e a pessoa segue.
Os seres humanos, a imensa maioria opera em faixa 1. É difícil ter disciplina, dela ou dos outros. A pessoa pensa que a liberdade ou experiência de liberdade é seguir o impulso. É como se a prisão tivesse internalizada e tivesse mudado os significados. Assim, aquilo que é prisão ganha a aparência de liberdade. O local de prisão se torna o local de segurança. Samsara é nosso local de prisão, mas a gente termina adotando como se fosse local de segurança.
A maior parte das pessoas olha para as coisas e se move. A meditação que equilibra isso é a contemplação das 5 energias. Porque o que impulsiona a nossa mente não é o aspecto cognitivo, mas a energia que acompanha o aspecto cognitivo. A gente entende isso, equilibra a energia e já não é arrastado.
De modo geral as coisas aparecem diante de nós, vemos como separadas do conteúdo da nossa mente, nos aproximamos ou nos afastamos. Isso é o 6º, 7º e 8º elos dos 12 elos - Contato, sensação e desejo e apego. Esses 3 elos criam um quarto que são as ações intencionais.
De modo geral acumulamos ações que nos dão sensação de segurança. A gente não só tem o impulso, mas sabe atingir os resultados que a gente aspira (9º elo). Entendemos que sabemos obter os resultados, temos o nascimento no samsara. Eu sei me mover - 10º elo, Bhava, nascimento.
Do 10º elo em diante temos Jeti – circunstâncias da vida, 11º elo, onde vamos utilizar essas habilidades para nos mover no mundo. Vamos encontrar muitas dificuldades, tromba aqui, tromba ali. Não conseguimos obter, temos irritações, desconfortos, desequilíbrios, tensões sociais. No sentido mais amplo temos guerras.
Esses fenômenos sociais e globais também passam, tem o tempo daquilo e depois passa. A mente muda e o tipo de impulso muda.
Faixa 2
Tem um grupo de pessoas que de modo geral domina as coisas, que opera em faixa 2.
Tem um nível a mais de capacidade, elas não se movem apenas pelo impulso. Observam em que direção o impulso leva e tem uma visão estratégica. Entendem a direção para onde querem andar. A pessoa tem foco, mas pode desviar.
É treinamento de faixa 2. Quem tem visão estratégica anda melhor.
Alguns animais armazenam alimento, pássaros fazem ninho, mas é uma visão curta. Tem territorialidade, estabelecem domínios uns sobre os outros, tem nível de faixa 2, mas não há propriamente sabedoria. Eles facilmente são desviados.
As abelhas tem mecanismo de faixa 2 mais estruturados. Estão constantemente em atividades dentro de uma visão estratégica. Elas ficam super fortes, fazem coisas complexas. Se a colméia está muito apertada, elas saem todas. Tomam decisões coletivas. Pousam num galho de uma árvore, formam uma bola de abelhas com a rainha ao centro. Dali muitas saem em diferentes direções. Quando encontram um lugar, é tomada uma decisão coletiva e voam em grupo para aquela direção. São como um conjunto de inteligências individuais, mas são capazes de se mover desse modo, chegam num lugar e começam a trabalhar imediatamente. Montam uma nova casa, fazem cera do suor e vão construindo a colméia. Colhem resina das diferentes árvores, vão grudando e fechando os buracos contra os inimigos naturais, os piores são as formigas.
As abelhas também tem um nível de faixa 4, pois tem intuição. O período de vida de cada abelha é de 3 meses, nascem e já vão se movendo. Tem algo dentro, algo no nível cármico que a impulsiona numa certa direção sem que elas precisem reelaborar em cada vida aquilo. Fazem algo complexo e não tem tempo para aprender.
Faixa 3
Depois temos faixa 3, uma coisa completamente diferente. As pessoas podem operar em faixa 3 contemplando a co-emergência. Quando as pessoas são capazes de entender que o passa na mente do outro é diferente do que passa na sua própria mente e também é diferente de qualquer outra pessoa. Vê que cada pessoa pensa de um jeito, tem impulso de uma forma diferente.
Esse é um processo de sabedoria do espelho. Entender como a experiência sensorial estabiliza uma dimensão interna. É assim que a mente funciona. Nós temos condicionantes internos e as aparências sensoriais estabilizam esses condicionantes. Começamos a entender como funcionamos e como os outros funcionam.
Por exemplo, as abelhas podem ser muito hábeis em se locomover a tipos específicos de flores. Em faixa 3 observamos isso. Os apicultores sabendo disso manipulam as abelhas. Oferecem as flores que elas produzem mais e melhoram a produção. Surge essa observação.
O samsara é assim, a vitória tende a perpetuar a desgraça, pois cria a fixação.
De modo geral estamos presos em: faixa 1 – comportamento intuitivo, nós olhamos para as coisas e fazemos; faixa 2 – quando temos uma visão que a gente pode mudar, decide para onde vai, pode elaborar um aspecto estratégico, como construir um templo, raciocina, vê quais sãos os recursos que precisa, as habilidades que precisa, para construir isso, faz um planejamento e consegue executar isso; faixa 3 - é um processo interno, como se o caminho espiritual aparecesse. Não sei se algum animal pode acessar faixa 3. Tem que ser alguma coisa mais complexa, precisa ter capacidade de mudar internamente, habilidade de transformar os conteúdos internos e transformar voluntariamente as aparências externas a partir da mobilização dos conteúdos internos. Isso é muito mais complicado.
Faixa 4
Ai surge faixa 4, é como se houvesse direções que nos impulsionam, mas elas não são lógicas.
A pessoa pode ver como caminho espiritual. Tem a sensação que a vida não é apenas isso e deveriam fazer uma outra coisa. Não sabe explicar, tem outro referencial interno. Pode seguir o que os outros estão falando por um tempo, vai olhando e encontra outros rumos para direcionar sua vida.
Tem intuição interna. Pode ter, por exemplo, a intuição que irá encontrar um mestre. Pode ter aspiração de encontrar um mestre. Pode ter clareza que a vida não é simplesmente esse processo ilusório e obsessivo que as pessoas estão vinculadas.
Também em faixa 4, incluo também tudo aquilo que opera como tendência interna que nós não conseguimos explicar mas seguimos.
A gente consegue localizar pessoas com nível de perturbação mental. Como as pessoas que se sentem perseguidas. Pode ter depressão, síndrome de pânico, não tem razão para aquilo, mas tem uma sensação de algo e passa a ser importante, não consegue deixar de lado.
Há também coisas culturais como ter que casar, ter filhos, ter casa, pode ser mais profundos. Há períodos da vida que fica dominada por certos pensamentos, impulsos.
Está acima de faixa 2, não consegue organizar aquilo, colocar dentro de uma visão estratégica. Pode perturbar a visão estratégica. A pessoa está bem, acontece uma coisa e passa a fazer outra coisa. É comum acontecer essas coisas.
A melhor aspecto de faixa 4 é Guru Yoga, tem uma conexão tranqüila com Guru. O Guru pode nem ter aparecido, mas a pessoa tem a sensação que em algum lugar, alguns seres entendem o que está acontecendo e aspiram estabelecer conexão desse tipo. Aspira que o ser olhe para a pessoa e a ajude a gerar compaixão. Desejam que isso possa acontecer. É intuição.
O pior aspecto de faixa 4 é quando a pessoa escuta vozes, tem visões perturbadoras correspondentes ao reinos dos infernos. Esse é o pior processo. São obsessivos, intensos. Perturbam a capacidade da pessoa agir de modo razoável, racional para poder desenvolver relações com os outros, pois tem algo muito perturbador. Isso pode acontecer também.
Essas 4 faixas são aspectos dentro do samsara. Por outro lado como vamos sair do samsara? Vamos olhando que em nenhuma das 4 faixas seguimos o aspecto racional, seguimos o movimento da energia. Precisamos entender isso.
Na faixa 1 os objetos nos atraem, mas depois não é mais atraente. A descrição é igual, mas não nos atrai mais. A mente muda essas estruturas cámicas internas.
Entendendo as bolhas de realidade
Num sentido mais profundo, começamos a entender as bolhas de realidade. Quando estamos numa bolha, temos impulsos de um tipo. Quando estamos em outra bolha, brotam outros impulsos. Mesmo que estejamos vendo os mesmos objetos que pareciam que deles brotavam os impulsos, aqueles impulsos brotam dentro da condição da bolha.
P: Essas faixas não são estanques, posso visitar a 4 e passar pela 2?
L: A gente passa pelas 4 faixa.Não é que estamos classificando as pessoas. Estamos classificando as formas de operação da mente. Uma pessoa pode praticar várias coisas. Não é especificamente de uma faixa.
A gente vai olhando essas bolhas de realidade. Dentro de um tipo de bolha de realidade, ficamos operando em determinada faixa e pode mudar isso. Os próprios objetos e o significado dos objetos dependem da faixa que a gente está operando. Então a gente vai estudando como o samsara vai operando.
É importante entender o mecanismo das bolhas de realidade, é uma coisa prática. Olhamos em volta e começamos a descrever as coisas de um certo jeito. Descrevemos a paisagem e também a bolha de realidade.
É como os deuses em algum lugar e olham tudo como fonte de felicidade. Os semi deuses no mesmo lugar olham como fonte de competição e luta. Os seres humanos olham como suporte para a vida, com capacidade de melhorar suas coisas. Os animais naquele lugar e tendem a amortecer.
Os seres famintos olham e sentem carência. Os seres dos infernos olham para aquele lugar e sentem raiva.
Isso são as bolhas de realidade, são capazes de se mover coerentemente. Não é um pensamento.
Eles têm uma visão de mundo, dentro daquilo ele se move coerentemente aos pensamentos, que são coerentes a essa visão de mundo.
Essa visão de mundo, ou seja, essa bolha de realidade é compartilhada com outras pessoas. Podem compartilhar aquelas mesmas sensações, podem conversar sobre isso e reforçar a sua visão. A forma pela qual eles operam.
Eventualmente eles encontram outras pessoas que dizem: não, isso não é assim! e não conseguem dialogar direito.
Não conseguem convencer um ao outro das próprias visões, por vezes nós operamos de um jeito por um bom tempo. Lá pelas tantas a nossa visão muda. Como os adolescentes olhando para a casa da mãe e depois aquilo muda. Eles começam a olhar de forma mais profunda. Ás vezes leva muitos anos. Deve estar na idade que a mãe viveu aquilo para pensar e fazer essa relação.
Quando tinha 12 anos eu fugi de casa, a minha mãe tinha 48 eu acho que ela enlouqueceu! Agora eu enlouqueceria se a minha filha fugisse. Às vezes começamos a pensar assim.
Ela vai se dando conta, ela troca de posição. Pode levar muitos anos. Os fatos são aparentemente os mesmos, as descrições podem ser as mesmas, mas a pessoa está numa outra bolha de realidade, está olhando de outro jeito.
A gente pode olhar os cuidados com a saúde. Como era num tempo atrás e agora. Cuidado dentário, fio dental, ortodontia. Vão surgindo outras visões. E essas visões são outras bolhas de realidade.
O que as pessoas comiam, não tinha uma avaliação nutricional. Essas coisas vão mudando, nosso raciocínio toma outros referenciais para ser utilizado.
Num tempo onde as rádios tinham alcance limitado, não havia TV, as viagens eram difíceis, a visão planetária era bem mais complexa. As imagens de outros lugares eram de mais difícil acesso. Havia sentido de nação, regionalismo mais arraigado, dentro dos estados, as cidades eram diferentes.
Agora somos mais misturados. As coisas têm um consciência mais planetária. As coisas que acontecem longe, em outros lugares também são importantes.
As realidades mudando nas formas de bolhas de realidade produzem impulsos diferentes. Tem impulso diferente em faixa 1, planejamento diferente em faixa 2, análises em faixa 3 que ganha aspecto particular e começa a surgir outras intuições em faixa 4.
Saindo das bolhas e faixas
Ainda assim, continuamos a agir nessas quatro faixas regidas pelas bolhas de realidade.
O budismo como um todo, vai nos ajudar a sair das bolhas e 4 faixas.Não é qual a bolha melhor. Vamos migrar para fora das bolhas. O processo de treinamento para isso começa com shamata.
Vocês vejam a importância disso!
A gente senta em silêncio. Não estamos ali impulsionados por alguma coisa, estamos deliberadamente ali. Não estamos ganhando nada, não estamos trocando com coisa alguma.
No entanto, a gente mantém a liberdade do olhar. Elemento éter, não é faixa 1, pois não estou respondendo impulsivamente algo. Também não é faixa 2, não estou com planejamento para atingir algo. Não é faixa 3, pois não estou utilizando para análise. Não é faixa 4, pois não estou com intuição atrás de algo, estou simplesmente presente. Isso é um nível de liberdade. Estamos manifestando a liberdade de energia e da mente frente a cada uma das faixas.
Pela primeira vez estamos respirando sem uma intencionalidade de chegar para lá ou cá. Estamos aquecendo o corpo sem intencionalidade. Estamos manifestando o elemento água sem prisão alguma e exercemos firmeza, sem intencionalidade.
Como mestre Dogen diz: é a prática de apenas sentar.
Imaginem as abelhas saindo da caixa e meditando ao invés de trabalhar? A abelha é faixa 1 saem chispando. Mas sentam em meditação e ouvem instruções: vocês acumulando mel, atraem seres humanos, melhor simplicidade. Um pouco de mel é o suficiente, aproveitem o tempo e meditem, pousem sobre as árvores, flores e meditem, estabilizem a energia. Não precisam ficar compulsivamente atrás de néctar. Essa é a nossa prática e vamos meditando.
Se vocês pretendem alguma emancipação do samsara, precisa ficar emancipado do automatismo de faixa 1, do planejamento de faixa 2, da análise de faixa 3, dos processos intuitivos de faixa 4, caso contrário a nossa mente simplesmente segue impulsionada de modo cármico.
Samsara, impulsos e energia
Se vocês dentro da meditação, observarem o que acontece, vocês vão ver pensamentos surgirem e impulsos. Deixe esses pensamentos e impulsos ocorrerem e observem o que está acontecendo de modo sutil. Os pensamentos são acompanhados de visões, essas visões não são o ponto.
O ponto é a energia que acompanha essas visões. Vejam como a energia se move a partir das visões. O pensamento é o processo que vai deslocando os conteúdos, transformando em visões e nós vamos avaliando aquilo sob o ponto de vista de energia.
A gente diz vamos limpar a casa? A pessoa se vê com a vassoura, e com o estado de energia a 10% - não estou a fim não. E hoje o que vamos comer? O que vocês acham? Batatas – 6; Rúcula – 2. Agrião – 3; Pizza – 9! Vocês vejam. Uma opção por pizza ela não vem por uma razão nutricional, vem por uma razão do brilho do olho, é só isso.
Se fosse praticante mesmo, numa mais comeria pizza. Corta churrasco, chimarrão, pizza, pronto, acabou a sanga. Café, açúcar, o templo está vazio, permite umas barraquinhas lá fora e enche de novo.
Mas daí a gente pensa de novo, tem uma intuição do café, do açúcar branco, talvez não seja intuição, talvez seja carma. Aquele impulso está ali, não tem uma razão cognitiva, não tem explicação nenhuma, é só energia. Examinem isso.
Vejam esses espelhos especiais. Uma foto de uma xícara de café, com bolinhos em volta, samsara tem seu valor. A pessoa olha uma foto de pizza e uma cerveja gelada. Ali não tem a pizza nem a cerveja, mas onde está aquilo? Está dentro, por isso é um espelho especial. Pode ver com música, imagens, dá pra ver se está iluminado ou não.
Samsara tem essa característica, é acionado por energia. Queremos atravessar isso.
A primeira coisa é cara de iluminado, não pode ser tenso, não pode ter cara muito feliz, não sei qual é a cara de iluminado, não pode rir demais.
A gente senta. 5 lungs. Não estamos seguindo nenhuma energia convencional, estamos gerando energia. Esse é o ponto, não estar preso cognitivamente e no aspecto da energia.
Hoje à tarde vamos fazer essa prática, dividimos em sessões de 15min, trocando de posição, vai flexibilizando e vai melhorando. No final estarão melhores do que quando começaram.
Se praticarmos a estabilização da energia, a gente tem alguma chance, senão não temos chance nenhuma.
Mesmo se a gente estudar o samsara inteiro, muitos ensinamentos, não vai adiantar. Porque mesmo estudando nutrição, a pizza continua com poder. Porque a pizza é sustentada pela energia, a racionalidade não adianta.
A gente toma decisões de como vai se relacionar com as pessoas. Não deve ter medo, deve ser compassivo, amoroso, super difícil. Esquecemos tudo, ou até lembra.
Vai à nutricionista que dá uma receita, chega ao Buffet, olha a receita e esquece. Vê outras coisas e quer as outras coisas. A pessoa tem que chegar ao Buffet com os 5 lungs, com a energia equilibrada. A gente não está olhando o Buffet para ver se energia brota em nós, senão o carma aparece. Estabiliza a energia e olha para as coisas desse modo.
Relacionamentos e energia
Tem um ou outro praticante que treme diante das meninas. Dou uns conselhos. Olhe para elas à distancia. Elas não são fontes de refúgio, não trazem iluminação, tem confusão e sofrimento dentro. Mesmo que seja um ser maravilhoso, com o tempo surge insatisfatoriedade e também pode acontecer do ser maravilhoso virar fonte de sofrimento.
É necessário uma inteligência. Esse ser tem dificuldades, fragilidades, estruturas cármicas. Vejo que as estruturas cármicas irão trazer sofrimento para aquela pessoa e ai você reze para ele: que supere as causas do sofrimento. Veja as qualidade dessa pessoa, aspire que essas qualidades positivas e inteligências aflorem e cresçam. Que as causas da felicidade se ampliem e as causas do sofrimento reduzam. Que possa amadurecer as causas da felicidade e possa evitar o amadurecimento das causas do sofrimento. Que o sofrimento desapareça e a felicidade surja.
Olhe os exemplos, veja em volta, a insatisfatoriedade é um fato, impermanência é fato, circunstâncias virarem sofrimento é fato. Não tome refúgio nos seres, mas reze o mantra om gate gate paragate parasamgate bodhi soha, quando a coisa estiver mais grave, ou o mantra doGuru Om ah hum vajra guru pema sidi hum.
Olhe para os seres com esse olhar. Só de ter a capacidade de olhar para os seres e não repetir o olhar comum é uma grande coisa.
Não olhe com orgulho, inveja, desejo e apego, ignorância, carência, raiva, rancor, ódio, às vezes olhamos os serem com uma sensação de carência nossa. Não é uma boa coisa.
É como se o nosso olhar fosse um olhar que não vai trazer felicidade para o outro. Nós também não somos fontes de refúgio para o outro.
A gente pode ouvir tudo isso e não adiantar. Porque não adianta? Porque a gente continua com essa inteligência. Vemos as outras pessoas e vemos como nossa energia flutua enquanto a gente olha. Quando a energia sobe, nós temos proximidade com aquelas pessoas. Mais adiante a energia muda.
É o samsara usual. Vamos saltando de uma bolha para outra. E assim vamos seguindo.
Não é que tenha um grande obstáculo. O grande obstáculo é o samsara comum. Nós saltamos de uma bolha para outra, trabalhando para obter configurações onde nossa energia fique de um certo jeito, como se aquilo fosse alguma solução. Não é.
Vida após vida, vamos fazendo isso. Vamos procurando bolhas, trabalhando dentro das bolhas para obter resultado e nos transferimos para outras bolhas.
Isso não é um grande obstáculo, é o samsara. Como a gente sofre aí dentro, então tem uma aflição de tanto em tanto. Dependendo das pessoas, a aflição pode ser constante ou temporária. Dependendo das circunstâncias e da região onde está atravessando, isso essencialmente é o samsara.
O processo de andarmos no samsara é gerarmos a energia e nos aproximarmos com a energia estabilizada. Não nos aproximamos olhando como as coisas vão produzir energia sobre nós, mas produzimos energias sobre as coisas.
Assim conseguimos fazer as coisas andarem. Pelas nossas costas podemos ajudar outras pessoas. Vamos dando exemplos, as pessoas vão vendo aquilo, elas vão construindo e vão fazendo.
Isso é uma boa coisa, especialmente com as crianças. Ajudamos a andar de uma forma bem melhor.
Quando estiverem praticando hoje à tarde, lembrem disso: estão praticando pequenos espaços de liberdade no samsara. Não é uma meditação comum. É uma meditação onde a gente pode se aproximar de lugares onde as pessoas têm raiva, rancores, competição, etc sem ser maculado. Pode se aproximar e trazer benefício a eles nesses ambientes.
Perguntas e Respostas
P: Para poder sentar em meditação ou estar aqui, tem muito de faixa 2 e faixa 4. É uma mistura. Tem uma antiga faixa 4 que sempre busca algo especial, além do samsara. Quando o Sr. diz que sentamos saindo das bolhas e das faixas, eu pensei: ainda sento em faixa 2 e 4. Tem uma motivação um pouco medíocre até, de saber que se eu não fizer isso, vou ficar na confusão, que primeiro eu tenho que me libertar de mim mesma, para depois ter uma motivação mais verdadeira de ajudar os demais, porque senão eu não tenho capacidade.
L: Parece contraditório, mas o caminho budista é para ser abandonado num certo ponto. Quando digo abandonar isso num sentido de realização, é um futuro.
P: Eu não posso querer estar assim agora? Eu me cobrei assim um pouco, não estou livre dessas faixas. Mesmo em meditação, quando começa a baixar o éter eu ativo o racional, a minha motivação.
L: Melhor que ativar a motivação é ativar o éter, mais puro, não causal. Eu posso fazer surgir através do nascimento no lótus. Mas a gente pode saltar lá pra cima, sem precisar das considerações do sofrimento etc. Essa é a forma de simplesmente posicionar a mente, estabilizando essa energia. Se aproximar das várias situações com essa energia estabilizada. Essa é uma boa motivação. Mais do que uma motivação, já é um exercício. Simplesmente exercita. É uma ação primordial, uma sabedoria primordial.
P: é como abandonar o raciocínio de tudo e estar presente?
L: Como a gente pode não conseguir sempre, vamos trabalhando de diversos modos para remover os obstáculos que impedem isso. Às vezes eu vejo as crianças brincando sério. Tem impulso e reage. Estamos trabalhando a estabilidade da energia frente a várias coisas. Nas defesas finais de grau de Geshe, tem um auditório grande e todo mundo grita para distrair a pessoa. A pessoa recebe as perguntas usando as palavras do próprio texto de memória, sem se perturbar com aquela confusão toda.
L: O lung, o aspecto sutil que eu estava me referindo não tem nenhuma imaginação,
P: eu não consigo entender isso.
L: calor do corpo você sabe? Firmeza do corpo, você sabe?
P: seria mais no sentir?
L: sim é no sentir, não é um raciocínio. Pode-se dizer que o corpo está firme ou mole. Pode estar deprimido e sentir dificuldade em ficar sentado. Pega uma criança e diz senta aqui e faz meditação. Começa bem, depois vai caindo. Qual o ponto do elemento terra? Surgem coisas na mente, o elemento água se engancham em tudo. A vivacidade da mente, se foi - elemento éter. Do elemento ar, a respiração é curta, não tem impulso, é isso.
P: Passei muito tempo fazendo meditação com visualizações e eu acho que agora fica sempre muito confuso isso.
L Se você visualizar uma imagem, ela pode produzir éter em ti ou não, pode achar que a visualização é super maçante, cansativa, precisa colocar energia naquilo ou não. Então não precisa abandonar as imagens. Se quiser visualizar tudo bem, mas quando visualizar a imagem faz o éter aparecer, o ar aparecer, são os 5 lungs da deidade. Porque eu posso visualizar e não ter poder nenhum. Para ter poder tem que ter energia. O poder da deidade é a energia. Posso manifestar energia sem precisar visualizar.
P: é justamente isso que eu não consigo
L: Tu consegues. Tu não consegues ver. Tu está sentada, falando, sorrindo, os 5 elementos estão aí. Pensa que não consegue, mas estão ai. Tem calor no corpo, tem impulso para respirar...
2.dia – Noite
Perguntas e Respostas
P: Passando pelos ciclos dos lungs, na parte de flexibilizar o corpo, no lung da água, foi uma dificuldade tremenda, não era uma rigidez. Pelo fogo senti ardência, mas não conseguia soltar...
L: Tem algo que se sente como o ombro alto, que quando solta abaixa? Parece que o pescoço espicha? Tem uma forma para a gente colocar o corpo na posição: é levantar os braços e espichar e soltar bem.
No zen tem uma modalidade que ajuda a flexibilizar. É fazer o movimento pendular lateral, amplo, depois curto, até encontrar um ponto. Depois pendular para frente e para trás, de repente tem um ponto. De modo geral é mais pra trás do que pensamos. Respiramos e soltamos profundamente. Essa prática de shamata é super importante. Ela vai traçar a diferença de entrar no caminho ou não. Se a gente acessa cognitivamente as coisas, mas a gente não te o poder de dirigir a mente e nem a energia, qual é a chance que temos? É como consultar catálogo de viagem, destinos de férias, mas não tem capacidade de pegar o avião e viajar. É inútil.
A gente começa a estudar como a mente deve operar, mas não tem a menor chance de dirigi-la. A shamata é super importante. Vai ampliar o espaço entre estímulo e resposta dentro de uma coisa que acontece. E o que vamos fazer como resposta? Nesse intervalo vamos colocar essa compreensão mais elevada. O que a gente tiver. Dentro desse espaço é que a gente vai colocar alguma coisa. Se não tiver a capacidade de abrir esse espaço, qual é a chance? Nenhuma.
O fato de encontrarmos obstáculos não é problema. Já vi gente persistente. Pessoas que têm a mente muito agitada, dificuldade no corpo, nessa condição, vão persistindo. Ás vezes aquilo me comove. A pessoa fala: a única coisa que faço na minha prática de meditação é ficar sentado, o resto é um caos. Não é que a pessoa por fé, faixa 4 continua. No final de um tempo, 1 ano, por exemplo, a pessoa começa a melhorar, quando pergunta algum detalhe de como usar a mente. Mas antes ele dizia: o Lama fala uma coisa e eu entendo, mas 5 minutos depois não lembro mais o que o Lama falou. Tamanha a agitação da mente. Isso acontece. São os praticantes.
Darma do Buda depende de seres desse tipo, tempos de degenerescência. Mas não é o Darma que pega essas pessoas? Elas vão indo se arrumando e de repente eles estão bem? Maravilhoso! Eu não acreditava nisso. Impressionante! Bonito de ver. Mesmo as crianças, elas são super agitadas. O Darma funciona.
Shamata tem essa diferença. Não importa o conteúdo a gente treina parar. Com o tempo ficamos serenos.
Ampliamos o espaço entre o estímulo e resposta para colocar na resposta algo mais lúcido.
Isso também produz uma economia na carteira no final do mês. Toda vez que ela pega a carteira, ela pára. Tem um sininho na carteira. Pára 1 minuto e nesse 1 minuto a pessoa desiste de comprar.
Na nossa abordagem de shamata, essa meditação é preparatória. É algo inicial. Na abordagem do Zen, a pessoa não tem shamata ela tem Zazen.
Zazen é a prática da iluminação. A pessoa senta. Por isso que se diz que o Zen é rápido. A pessoa chega a primeira vez: o que é a prática? A prática da iluminação.
O mestre Dogen não deixa por menos. Você vai praticar o Samsara? Se não é iluminação é samsara. A pessoa já pratica a meditação da iluminação. Se deu certo ótimo, se não deu ela segue praticando até a coisa engrenar.
Na abordagem de shamata, temos essa motivação de ampliar esse espaço para permitir vipassana. Permitir a sabedoria. A sabedoria vem em vários níveis e vamos avançando dentro disso.
Então as formas que o professor Alan Wallace trouxe que são ensinamentos de Dudjon Limpa, é maravilhoso que a gente possa guardar isso na sangha como alguma coisa preciosa. A gente tem essa capacidade de guardar essas instruções.
Tem esses meios hábeis. Como a gente que não tem ainda tanta experiência consegue meditar horas? Há esse método de a cada 15 minutos trocar de posição, ajustando, alongando. Isso permite que a gente fique um longo tempo. Vai trocando de músculos. Com o tempo isso não é mais problema.
Lembro que quando eu comecei, não tinham essas instruções. Comecei dentro do Zen e era um pouco difícil. Comecei meditando dentro do Yoga e depois não tinham sessões, era livre.
Dentro do Zen, eram sessões de 40 minutos, era um pouco longo para quem está começando. É inevitável, se a pessoa não se mover termina pinçando alguma coisa nas costas.
Eu tinha essa sensação que eu tinha que ficar completamente imóvel e agüentar firme. Com o tempo, com as costas firmes, ficaria melhor e iria andando.
Esse caminho de 40 minutos sem alongamento, começar desse modo, é muito difícil. No Zen tinha essa instrução: não se mova. Pode ser que no momento que se mover, você distraia a pessoa que está ao lado. A pessoa ao lado poderia estar num momento muito especial de atingir a realização. Se mover, distrai. Então não se mova.
Lembro do Tokuda-san contando dos retiros no Japão. Super difícil, muito frio, paredes de papel, piso irregular, pedras grandes irregulares geladas. E eles têm que fazer aparecer calor por dentro senão não tem como. Aqueles horários estritos, kyosaku, exato, a pessoa tem que se ajustar completamente.
Aqui é um treinamento super facilitado. A gente começa. Eu acho uma grande vantagem. Não acho vantagem apertar demais. Acho que é muito melhor a gente fazer uma coisa ampla, que mais pessoas possam fazer e melhorando progressivamente. Muito melhor.
Então as posições, não precisam fazer de lótus. Pode fazer 3 posições de pernas: meio lótus – um pé em cima do outro pé; birmanesa – um pé na frente do outro e lótus. 15 minutos numa posição depois troca, o pé que estava atrás vem pra frente e o que estava na frente vai pra trás, seria a segunda posição. E tem a terceira posição que seria meio lótus de um lado e quarta posição, meio lótus do outro lado. Aí já passou 1 hora. Com o tempo, se a pessoa já faz meio lótus de 1 lado e meio lótus do outro lado, tem um momento que a pessoa puxa os dois pés e consegue fazer lótus completo, 15 minutos ela agüenta. E vai indo, a cada 15 minutos alonga um pouco, troca de posição, distensiona as costas.
Se a gente não fizer isso, tiver esse cuidado com as costas, depois que der uma fisgada, é uma semana para endireitar. Vocês vejam, a gente descobre que tem muitas pequenas diferenças. A gente senta numa posição, mas senta um pouquinho para o lado, ai troca os músculos. Depois senta mais um pouquinho para o outro lado e troca os músculos de novo. Se for um pouco mais pra frente, troca. Se for um pouco mais para trás, troca. No fim, eu posso trocar os músculos. Se eu sentir qualquer pressão, qualquer desconforto que seja, a gente troca um pouquinho a posição e o músculo muda.
Almofada é muito importante. A do zen não é uma boa idéia tem uma borda muito alta. Tem que fazer uma almofada que seja em rampa. Ela tem que apoiar o cóccix, não senta em cima dele. O certo seria se inclinar bem para frente e apoiar a almofada até onde vier.
Porque tem um problema de projeto. Os ossos da bacia são um pouco baixos. Quando a gente senta, se a gente encostar os ossos da bacia no tapete, não precisava de almofada. Mas tem uma altura, dependendo da pessoa.
Se não tiver almofada, a coluna vai ficando arredondada. Apoiando com a almofada, apóia a coluna. Ela pode fica reta. O peso superior do corpo depende da coluna. Se eu apóio a coluna, eu sustento o peso. Ajuda um bocado a almofada. Casca de arroz é bom, melhor com alpiste, desliza e acomoda. Mas a melhor é com palha de paineira é mais leve e não amassa.
Aí vamos fazendo esses intervalos: a cada 15 minutos vai trocando a posição. Uma hora, passa rápido. Massagear ao lado dos joelhos, pois os líquidos ficam pressionados enquanto torcemos o joelho na postura. Quando puxa as penas de novo, estão melhores do que quando começou.
Com o tempo vai melhorando. Com a própria meditação, as pernas vão ganhando flexibilidade. Não façam força. No inicio, deixe numa posição mais confortável, menos apertada, à medida que vai meditando, o corpo vai se ajustando, fica bem melhor.
A gente pode ter uma atitude de impor a postura sobre o corpo. É uma atitude natural. Dá ordens e ele tem que se ajustar.
Outra forma melhor é mostrar interesse e obtém colaboração do corpo. Vai se ajustando. Cede a rigidez, se entrega. Tem progresso rápido. Sem lutar contra o corpo machuca.
Se a gente fizer a prática regularmente, todo o dia, o corpo rapidamente se ajusta.
Se fizer a prática de vez em quando, pode ser que a cada vez que a gente faça, tente chegar na posição, machuca um pouco o corpo e fica com a sensação que o corpo não está apto.
Tem a sensação que sempre que vai praticar tem um problema, mas é a falta de prática. Se fizer a prática regular sem forçar, o corpo se ajusta rápido.
P: No começo da sua prática, tem alguma lembrança de faixa 4 que teve que pode apontar para o que veio a ser o Cebb hoje? Insights que a gente pode ter e talvez nos ajudar e deva alimentar?
L: Eu tive, mas não sei se é útil. Eu vi o símbolo do Yoga, a letra Om, tive um impacto. Mais adiante me dei conta porque aquilo me deu essa sensação.
Porque aquilo era claro que essa questão da origem do universo, de onde as coisas vêm, o que elas são. Tinham pessoas que tinham pensado nisso e chegado em visões claras.
Então para mim, o impacto foi esse e eu fiquei feliz por isso. Tive certeza que valia a pena andar nessa direção porque essas respostas não existiam.
Isso é típico de faixa 4. Mas a minha postura inicial não foi muito boa. Porque eu forcei muito, lutava contra o corpo, lutava contra as coisas, então meu o progresso foi lento, mas não me esmoreci. Não conseguia ficar na posição e forçava e ficava o tempo que podia, eu pensava: eu forço e com o tempo obtenho resultado. Não tinha noção de um progresso gradual.
Estranhava que não tinha ninguém com quem pudesse conversar e pensava: onde é que poderia ter alguém com interesse por esse tipo de coisa? Achava super estranho. Onde é que estavam as pessoas? Não tinha nada. E foi muito tempo até encontrar.
Era um tempo muito difícil, de como vinham as coisas. Tinha uma convicção de que dentro do conhecimento oriental tinha alguma resposta.
Teve uma época que eu fiz contato com a filosofia ocidental e eu as múltiplas correntes se digladiando, pensei: isso não iria levar a lugar nenhum. Não ia conseguir estudar isso tudo e ainda chegar numa opinião que faça uma convergência em certa direção. Já o pensamento oriental, mesmo que tenha certas diferenças, tinha algum ponto ou sensação de convergência, em faixa 4 foi assim. Eu tinha a sensação que dava para entender o universo, desvendar. O que me levou em direção a ciência.
P: Pergunta da internet - Lama por muitos anos tive questões perturbadoras sobre minha chamada existência. Até que um certo dia, numa avalanche de dilemas mentais percebi que eu estava separado dos pensamentos, como se eu fosse o silêncio que os observava e que os pensamentos nada eram. Desde essa surpresa, esses pensamentos ruins cessaram quase totalmente e se raramente eles começam, sei o modo de pular fora sem ser arrastado. O mesmo ocorre com outros sentimentos ruins. Tenho 4 perguntas:
1. Essa capacidade, que agora se tornou natural, seria a liberação em certo nível?
2. Se sim, seria parte da liberação ao nível do 6º elo, spasha, por exemplo, ou 7º elo, vedana?
3. Ao liberar-se de elos mais densos, como a ideia de corpo (namarupa), a liberação poderá ocorrer de forma tão natural como liberar-se de um pensamento ruim, como um interruptor que pode ser ligado? Isso explicaria, por exemplo, o fato de certos monges atearem fogo no próprio corpo sem aparentemente nada sofrerem?
4. Pode-se dizer que a percepção da vacuidade é uma decorrência direta ou simultânea da percepção de anatma ou não-eu?
L: Resposta é sim. (risos) Esse ponto de sentir-se separado dos pensamentos é uma coisa boa, mas tem que ver o aspecto de energia. Ainda que ele se sinta separado dos pensamentos, na hora a energia segue o que?
Isso é nível de liberação, é um resultado de shamata. Ele descobre uma região silenciosa atrás dos pensamentos. Os pensamentos não são tudo. Tem os impulsos todos, tem também percepção, os sentidos físicos acionados, eles vêem coisas e reconhecem, esses reconhecimentos também são ilusórios, também são confusão.
Então quando a gente vê alguma coisa dentro da visão, já tem a ignorância, tem a separação sujeito-objeto, a gente vê no objeto as marcas e já tem problemas. Os pensamentos decorrem disso, tem percepção e pensamentos que decorrem disso. Posso perceber esses pensamentos, mas ainda segue essa questão da energia, se ela estão condicionadas. Segue a questão da clareza com respeito à operação dos sentidos físicos, precisaria ter isso.
Se ele tem essa visão, 6.elo é sparsha-contato, o sentido físico opera e a pessoa reconhece o que é favorável e desfavorável. O 7.elo (gosto ou não gosto), ele que vai poder responder isso, essa separação com relação aos pensamentos, se ele está livre das sensações que brotam dos sentidos físicos, se está livre da percepção dos sentidos físicos, não sei, isso ele vai saber para dizer isso.
Se ele estiver livre das percepções e das sensações tem que ver se está livre das bolhas de realidade correspondente. Então quem vai operando desse modo, termina percebendo que os pensamentos não são o ponto central e sim a bolha que dá sentido ao pensamento.
A pessoa se vê direitinho tendo blocos de pensamentos, sai de uma bolha e vai para outra bolha e tendo pensamentos. É um salto quântico. Não precisa ter uma coerência entre uma bolha e outra. Não precisa ter ligação, salta de uma para outra.
A gente se vê ao longo de uma vida, fazendo só isso. Experimentem e meditem, sentem por um bom tempo. Quando sai da meditação, pensa: agora vou tomar banho, terminou se arrumou e assunto encerrado. Acabou a bolha, depois vou jantar ou tomar café da manha, é outra bolha.
Dali o que vou fazer? Estudar, viajar, receber pessoas, responder emails, são outras bolhas, só isso, mais nada.
Se as bolhas não tiverem energia, a pessoa passa mal. Ela fica procurando qual a bolha que vai apresentar a energia. A mente fica vagueando. O que vai fazer, não tem coerência. Não é viver a vida. É bolha depois de outra, é uma sucessão de bolhas, vidas após vidas.
Não é uma sucessão de pensamentos, porque os pensamentos são articulados, produz resultados. Dentro de bolhas de realidade, não tem muito significado.
Se a pessoa não tomar banho naquele dia tudo bem. Não precisa comer aquela refeição, ela pode escolher. Vai de uma coisa e vai para outra, tem coerências em certos níveis fechados, ali dentro os pensamentos, as relações fazem sentido.
As nossas vidas são bolhas que não precisam estar conectadas umas as outras. A gente está fazendo uma coisa, ai tem uma bolha que vem vindo e bate na porta. Ou vem por email, entra ou não, que são interessantes. Cada email está dentro de outra bolha, a pessoa tem que ter flexibilidade de bolhas.
Do lugar livre circula pelas bolhas. É como a pessoa zapeando na internet entrando em diferentes sites, cada site um mundo diferente, outras realidades. Nós temos essa natureza livre, mas nossas vidas são um conjunto de universos oníricos. Manda o email para aquela pessoa e ela responde. A gente telefona e combina uma coisa. Está tudo girando dentro de um espaço, abandonamos e saltamos para outro, essa é nossa natureza.
Ao longo da vida a gente só vai fazendo isso e não vai para lugar nenhum. Não importa o quanto a gente acelere por dentro de cada bolha, não vamos para lugar nenhum. Mas se a pessoa está fora do samsara, ela consegue se distanciar não só dos pensamentos mas também das bolhas, ela vai ter uma liberação disso.
O aspecto de liberação está ligado especialmente à energia. Se a pessoa conseguir equilibrar a energia ela não é arrastada para os vários lugares, a energia que gera a estabilidade. O conteúdo que aparece das diversas bolhas já não a arrasta, então esse é o ponto.
A liberação da ligação ao corpo é uma liberação desse movimento da energia. Se ela estiver focada na energia, a liberação do corpo é mais fácil. Se vocês gerarem esses 5 lungs, a estabilidade dos 5 lungs, se ampliar o elemento éter, podem interromper a respiração, sem angústia. Se vier um traço de angústia, ampliem o elemento éter. Desaparece.
Se estiverem apertados num lugar e não conseguir respirar e quiserem respirar, vocês passam mal. Porque depende de como estamos estabelecendo a base da realidade. Se estabelecer a base através dos lungs, a angústia cessa. Qualquer angústia cessa.
A percepção da vacuidade é melhor vir dentro da compreensão da forma. Caso contrário a compreensão da vacuidade fica atrelada a negação da forma ou de um eu. Com relação ao eu e as coisas, é melhor que a vacuidade venha do reconhecimento de como ela surge. Então esse exemplo do pote, a pessoa pega uma bolota de barro e dá uma configuração de pote. O outro não vê mais a bolota apenas o pote. Aquilo que a gente vê, é a estabilização de uma estrutura interna, que é estabilizada por uma aparência externa. Por exemplo, eu não tenho o pote de barro, mas uma fotografia de um pote de barro. Olho a foto e vejo o pote de barro. Como posso ver o pote de barro se ali não tem pote de barro? Eu vejo o pote de barro porque tenho o pote dentro e o pote de barro fora também é o pote de dentro. Pois se não tiver o pote dentro vejo a bolota ou outra coisa que eu tenha dentro.
A co-emergência é um fato muito importante e vamos utilizar a co-emergência como compreensão da vacuidade. Assim vemos como as coisas aparecem. Uma vez que tenho o conteúdo interno, ele se reflete na aparência das coisas. Como se a aparência das coisas pudesse sustentar esse conteúdo interno. Funciona desse modo, um espelho especial, não é um mundo com seus objetos, é o mundo com seus espelhos que refletem os seus mundos internos. É melhor compreender a vacuidade desse modo.
A pessoa pode ter 2 rodas, uma chapa, grades, uma vara, mas não tem uma carreta. Aquilo não é uma carreta. São peças. Junta aquilo tudo, não agregou nada, apenas juntou as peças, mas a gente olha para aquilo e vê uma carreta. Então a carreta precisa de uma estrutura interna que me permita vê-la. Então a carreta é vazia, é um exemplo do Buda.
Também diz que os guampas/chifres de um touro não são feitas de substancias de chifre de touro, são feitas da nossa percepção sobre aquilo. A gente que vê o chifre de touro, a gente tem essa relação cármica com isso. Outros seres talvez não vejam. Então isso é a vacuidade.
No caso do eu, tem as bolhas de realidade, em cada bolha tem um observador, um eu e os objetos, diferentes bolhas, diferentes identidades. Isso é espantoso! No dia de trabalho tem a identidade de trabalho, no ambiente de casa tem outra identidade, na casa da mãe ele vira filho de novo, e assim vai indo. Agora experimenta visitar a mãe e não ser filho? Não vai dar certo. Tem que comer o bolo, as comidas que ela diz para comer, a gente tem identidade em cada lugar.
Eventualmente a gente cansa dessas bolhas e não quer aparecer mais. Interessante esse ponto das identidades. Com essa modernidade das famílias, tem essa plasticidade. Tem esse tecido que se monta, desmonta e remonta de outro jeito, interessante e desafiador.
Eu sempre aconselho: namore para vocês verem, casem para vocês verem, essas relações são muito intensas. A gente se joga inteiro, a energia, a economia, conta bancária, vai tudo junto. Ai é bonito de ver quando explode. Leva um tempo para endireitar e juntar os pedaços. A vacuidade fica clara.
A gente não entende muito bem, quando as pessoas estão nesse bardo de separa ou não, vai para cá ou lá. Uma hora a pessoa olha para o outro como se fosse uma maravilha. Daqui a pouco olha como se fosse um monstro.
Acompanhei uma pessoa que estava nessa situação e no fim foi parar numa clínica. Ele olhava para a esposa como um ser salvador, num outro momento como um ser horrível. Ai o ser horrível venceu porque separou, mas a pessoa fica dividida porque a pessoa está numa bolha e aparece de um jeito. Ela se transfere para outra bolha e aparece de outro jeito.
Se for comparar os pensamentos dela mesmo, fica super confuso. Esse é o ponto da vacuidade. Quando a gente começa a entender as bolhas, a noção da vacuidade perde o ponto. Porque aquilo fica tão claro, a gente entende a vacuidade na forma, nas aparências das coisas, a gente só não acredita na vacuidade quando está tão dentro de uma bolha que a gente não pensa que é uma e pensa que aquilo é um mundo. É o certo. É o real.
Está preparada para levar uma boa rasteira. Está estabelecido.
Guru Rinpoche de modo geral é implacável. Não perdoa e a gente reza que o carma amadureça rápido. Tudo que tiver que cair, que caia rápido. Viver perigosamente, com Guru Rinpoche é assim, pode apertar.
Aquilo a gente tem as fixações, fragilidades, a gente reza para que aquilo voe em pedaços. O que é artificial tem que andar logo. Não vamos ficar montando artificialidade e apertando parafuso de coisas artificiais. Isso é a liberação.
P: Na meditação é possível ultrapassar o observador, ou seja, é possível dissolver a noção daquele que observa?
L: É possível. A meditação shamata tem observador. Quando estamos dentro das bolhas temos observadores. Quando estamos meditando no espaço não tem observador.
P: Para iniciar a meditação, é importante participar de um retiro ou não?
L: é importante receber instrução, não precisa ser retiro formal e nem coletivo, se tiver as instruções e entender, pode começar.
P: Medito regularmente e percebi uma percepção aguçada. Desde esse dia tenho isso como referência.
L é uma coisa boa, ela meditou e obteve resultado, mas realmente não deveria se fixar nisso com certeza. Não deveria tomar isso como parâmetro. Não é uma coisa essencial para a prática. O objetivo essencial da prática é atingir o objetivo que a gente está se propondo. No nosso caso, estabilizar os 5 lungs. Se ela tiver outro objetivo também, fixar nesse objetivo. Tem que entender bem qual é a proposta da meditação e fazer. Nenhuma meditação tem um foco ligado a paladar por exemplo.
P: Sempre tive Jesus Cristo como Buda, pode falar algo a respeito?
L: Eu também acho. Se quiser ver a proximidades a gente vê, as diferença a gente vê. Melhor ver as proximidades as diferenças não são importantes.
Aquilo que vai diferindo das tradições, talvez seja aspecto que não seja tão importante. Os aspectos que vão unindo as tradições, naturalmente vão falar daquilo que é o ponto último. Quanto mais próximas estas estão da visão de um ponto último, mas convergentes elas estão. Diferenças de um modo que em geral não são importantes. Tem diferença porque aquilo não se refere a ponto último.
Dalai lama olha essa questão de Deus como uma questão complicada. Ele vai dizer eterno absoluto, ele troca a palavra. Diz que todas as tradições, de algum modo, têm que ter relação com o eterno absoluto.
Por exemplo, Deus não seria construído em lugar nenhum. Então ele é eterno, um absoluto, não tem uma predisposição para alguma coisa, tem uma natural liberdade. Quando a gente começa a olhar isso, a gente vai encontrando similaridade com o absoluto no Budismo.
Se a gente observa o aspecto interno, ele está incessantemente presente além do tempo, ele é o construtor das realidades.
Ainda assim no Budismo se diz que não pode pensar que é um Deus criador, dividido no número de pessoas, também não é assim. Mas essas coisas, não são para serem explicadas. Porque as explicações só alcançam até certo ponto. É melhor desistir.
O ponto essencial é saber se a gente tem essa liberdade ou não. Então eu vejo que todas as tradições religiosas falam da possibilidade da liberação, porque se não fosse possível a liberação, Cristo nem iria pregar. Pregar para quê? Se está pregando, ele acredita que as pessoas podem mudar. Porque elas não são aquilo que elas estão mostrando, elas são uma outra coisa.
De modo geral, todas as tradições acreditam que as pessoas têm uma face e podem abandonar aquilo, elas têm liberdade. Quando abandona aquela face aquilo é o não eu, ela abandonou aquilo e vai exercer a liberdade natural.
As tradições acreditam na liberdade natural, exceto interpretações muito rígidas do antigo testamento que vai fixar o inferno, a pessoa entra ali e não sai mais. Mas já vi interpretações que não são desse tipo. Mesmo no inferno, tem a possibilidade de sair. Assim os seres não são do reino dos infernos, eles têm a natureza livre, podendo ultrapassar esses obstáculos todos. É muito próximo do pensamento budista. Se a gente quiser ver diferença a gente pode escolher para ver as diferenças.
P: Como a gente pode entender a vida dos grandes mestres que atingiram grandes realizações e depois passaram a viver uma vida completamente comum, sem se dedicar a ensinar? Os mestres do passado.
L: Acho que faltou alguma coisa, porque essencialmente junto da compreensão, inseparável das mandalas tem a energia correspondente, a intenção iluminada. Se a pessoa está tecnicamente na primeira volta do darma, atinge a realização disso, aquilo é insuficiente, não é uma realização completa. Quando os seres atingem a realização completa, eles têm a compaixão que vem junto com a compreensão.
P: E a permanência em retiro por muitos anos? Sendo que a realização já está ali.
L: Acredito que ainda falta alguma coisa, ou ali de dentro ela sente que está trazendo benefício. Pode ser que ela se mantendo em retiro, ela tenha uma rede imantada de pessoas, que se conectam e mantém essa rede toda. Tem grandes mestres contemporâneos que a gente não vê mais eles.
Esses grandes mestres, já deram os ensinamentos e tem outras pessoas ao redor que repercutem os ensinamentos e outros ao redor destes que repercutem adiante. A tarefa principal deles é manter contato com os mais próximos de maneira que a irradiação segue.
Agora os mestres do passado eram um pouco diferentes. Porque eles não tinham meios de comunicação como se tem hoje.
O Buda falava para 1250 discípulos. Isso é um número mítico. Ele andava pelo mundo encontrando pessoas. Naquele tempo, 1000 pessoas, era muita gente. Ele andava em aldeias pequenas, aquelas pessoas chegavam ali, não sei a logística disso. As pessoas comem, encontram água e seguem assim, não é muito fácil. Mesmo para falar para 1000 pessoas tem que tem gogó. Chega na hora do almoço, faz o quê? Difícil entender.
Nos sutras mahayanas ainda tem seres de vários níveis. Todos presentes, número incontável de seres em todas as direções, isso dá para entender. O que não dá para entender é muita gente com corpo físico.
Mas o Buda deu 84000 ensinamentos, andou por todos os lados. Deu ensinamentos todos os dias. Tinha esse interesse. Guru Rinpoche também, super articulado. E continua se manifestando nos termas. Isso na tradição tibetana.
O Buda Sakyamuni não tem terma. Tem os tertons que são emanação de Guru Rinpoche. É a mente que vê a mesma coisa, interessante. O modelo de manifestação búdica é o Dalai lama, incansável. Ele fala a linguagem das pessoas, para diferentes níveis de pessoas, tem interesse permanente pelos seres. Incansável. Nasceu em 35, vai fazer 80 ano que vem, está super bem.
Essa capacidade de entender as pessoas em seus mundos, os outros mestres, as outras tradições, entender a ciência, entender cada coisa nos vários nichos. É um exemplo maravilhoso.
3.dia - Manhã
Ontem estávamos focando shamata. De manhã eu trouxe esse tema e de tarde vocês praticaram. Hoje queria ir mais adiante nessa abordagem.
A gente começa a fazer a meditação, fazendo shamata, para ganhar um espaço entre os pensamentos ou bolhas de realidade, para poder tomar uma outra direção.
Por dentro desse espaço, a gente pode colocar algum nível de sabedoria. De modo geral, nós atuamos responsivos, faixa 1, faixa 2, tendo um plano definido ou simplesmente respondendo automaticamente o que está a nossa frente.
Precisamos desse espaço para colocar algum nível de sabedoria e redirecionar a nossa vida. E ontem eu trouxe também a questão da energia, sendo um aspecto essencial.
Uma vez que a gente vê que o aspecto cognitivo, mesmo estabelecido, nem sempre a gente tem uma capacidade de redirecionar a ação. Pois vem o aspecto cognitivo, mas a energia está apontando para outra direção e terminamos obedecendo a energia.
Na medida em que Buda foi sentando, sentou um bom tempo antes de atingir a iluminação. Ele fez um bocado de prática, nessa vida, na última vida. Isso o pessoal do Zen gosta de lembrar: se o Buda meditou 6 anos, por que faríamos diferente? Todo mundo gostaria de atingir a iluminação bem rápido, sem esse trabalho todo. No Zen, também se lembra de Bodidarma que meditou numa caverna por um tempo tão longo que tinha uma entrada de luz por um lado e ele estava sempre ali. Então a sombra dele ficou marcada na rocha, porque a luz passava no entorno. Onde ele estava, a luz não passava. Então começou a dar uma diferença de cor na rocha devido a isso. Aí eles inventaram a fotografia. Não foi assim (risos)
Para atingir a iluminação precisa de tempo. Bodidarma ficou 10 anos. Bodidarma tinha uma mente confusa, mas nós vamos mais rápidos.
Vamos supor, a gente vai praticando e o que vai acontecer? O que acontece? Surge essa dicotomia. A gente pratica, retoma o contato com o mundo, o mundo flopt, é reidratado e volta. Que estranho isso! Quando estou meditando é uma coisa e quando levanto é outra. O que acontece? Por que se isso? O Buda mesmo critica.
Os praticantes sentam, pensam que atingiram a iluminação, mas quando põe os sapatos e saem para rua tudo ressurge de forma comum, ordinária.
Objetos externos e conteúdos internos – co-emergência
Como é esse segredo? E o Buda segue sentando. Com o tempo, percebemos que a operação da nossa mente depende de um conteúdo mais sutil interno. Ele não é simplesmente o movimento diante dos estímulos sensoriais e das coisas que parecem surgir como obstáculos ou objetos concretos na nossa frente ou situações concretas.
A gente percebe que essa experiência de objetos concretos começa a depender de fatores internos. Por exemplo, num jogo de futebol, diferentes pessoas com diferentes fatores internos vêem o jogo de forma diferente. A gente começa a entender. No jogo de xadrez, diferentes pessoas começar a ler o jogo e têm impulsos diferentes no mesmo jogo porque estão com uma estrutura interna, num referencial interno diferente.
Quando a gente não entende muito bem isso, vamos dizer que esse referencial interno é simplificado é diz: eu prefiro assim ou eu vejo assim. Tem um eu que é a uma forma de nós associarmos ao conjunto de referenciais que estamos usando naquele momento. Não há nem mesmo uma coerência dessa noção de eu, no sentido de que o sentido seja sempre o mesmo.
A noção de eu é de que o conjunto de pressupostos, que eu não estou nem sabendo que existam, o conjunto de referenciais que a mente está usando, é usada de forma cega e validamos aquilo. Validamos um conjunto de referenciais que a gente nem mesmo sabe qual é. Mas esse conjunto de referencias aparece como uma compreensão cognitiva e como um movimento de energia.
Se a gente pensar: eu sou isso, vamos ter uma surpresa, porque passa um tempo, vamos ter outras compreensões e outros movimentos de energia. A gente pensa: como é possível? A gente associa ao tempo. Num tempo atrás eu pensava assim, agora assim e segue esse movimento, a gente procura algo verdadeiramente sólido. A gente imagina: quando eu tiver 50 anos, enfim eu vou obter uma solidez, quando eu tiver 60, ou 70... Melhor desistir pessoal. Vamos estar simplesmente em outras bolhas com outros referenciais, até morrer. E até lá é assim, não tem grande novidades.
Mas se a gente segue meditando acontece alguma coisa. Porque percebemos esses conteúdos internos, começa a gerar essa habilidade. Do mesmo modo que nós podemos sentar e ver que tem impulsos, mas não seguimos, começamos a recuar. Coloca-se num lugar mais sutil vendo aqueles movimentos.
No final de um tempo, a gente começa a ver os pressupostos da mente, aquilo que está sendo colocado de forma que poderíamos dizer que estamos olhando o inconsciente.
No budismo inconsciente é algum tipo de desabilitação. A pessoa está puxando com uma perna só, é um manco. Aquilo não é uma situação normal, inconsciente também não é uma situação normal. É como se a gente estivesse suficientemente confuso a ponto de não ver os conteúdos que estão operando dentro. Vamos chamar de inconsciente. Se a gente admite o inconsciente já estamos com problemas, com certeza, nivelando por baixo.
No Budismo tem a possibilidade de ir iluminando, vai recuando para regiões mais silenciosas e vamos conseguindo ver aquilo e com o tempo vamos para regiões mais sutis. Foi o que o Buda fez. Ele começou meditando, mas com tempo ele vem recuando. Num desses níveis, vamos passar pelo Prajnaparamita, vamos perceber esse aspecto da co-emergência. Como os fatores internos estão espelhados nas aparências externas.
Aquilo que aparece como uma aparência externa surge como um espelho que reflete os conteúdos. Eu gosto de tomar esse exemplo das fotos, a gente olha para uma pessoa, para namorada ou namorado. Surge uma compreensão e uma energia juntos, pensa que isso é irradiação da pessoa. A gente tira uma foto, só está no visor, ali não tem nada, ou imprime a foto, papel e toner, olha de novo e se alegra de novo. Vocês vejam, o que temos diante de nós é um espelho, papel e manchas de tinta do qual o conteúdo interno aflora e ah! Guardem como um documento precioso e espera. Passado um tempo, olha novamente e algo muda. O papel é o mesmo, o que mudou? Não foi o papel, mudou o conteúdo interno.
Vocês podem ter certeza que o que estamos olhando do lado de fora reflete o conteúdo interno. A gente descobre esse conteúdo interno. Prajnaparamita mais ou menos é isso. Isso também está ligado a noção de vacuidade. Aquilo que estamos olhando não é aquilo. É uma experiência coemergente.
A gente raciocina: eu tenho esses conteúdos internos que fazem as coisas aparecer de certo modo. Essa é a razão pelo qual as coisas vão mudando, aquilo se altera. Essencialmente surge essa experiência e olhamos o conteúdo interno.
A experiência do Buda é que podemos ir sutilizando isso. Vamos a um ponto que o Buda olha para as coisas sem um conteúdo prévio. Essa é uma experiência possível. Essa ausência de conteúdo interno é o espaço básico, natureza primordial da mente. É super importante entender.
Bolhas de realidade e 6 reinos
Vai olhando os pressupostos e vai se colocando atrás. No meio disso, acho importante essa noção, que também está na tradição hindu, que é loka, noção de mundo.
Surge essa experiência dos 6 reinos. Teve uma época que a minha compreensão de vacuidade estava diretamente ligada a isso. A forma como eu raciocinava com o Chagdud Rinpoche. Era difícil explicar a vacuidade, mas eu dizia isso é como os 6 reinos, como por exemplo da água. Para os deuses a água é como um néctar, para os semi-deuses um instrumento de disputa, para os seres humanos é água, para os animais é um lugar onde podem viver, para os famintos é algo que nunca atingem, para os infernos como lava fervente que queima e mata.
Então o que seria a água enfim, para a gente é uma coisa completamente natural, mas a gente começa a entender: não é que eu olhe a água desse modo ou outro ser olha, são grupos de seres, tem inter-subjetividade, uma bolha de realidade, tem objetividade, a gente pode se juntar para usar água de um certo jeito. Para matar gente, por exemplo. Pode usar a água para irrigar. Pode juntar em grupos de seres operando numa certa realidade e aquilo funciona. No mesmo lugar a mesma água, diferentes seres tem experiências diferentes. Falava-se sobre como os seres famintos olham a água, vêem a água como as moscas vêem pus. Tem super apego. Nós temos o embrião dessa noção de bolha de realidade. Nós podemos compartilhar um com os outros, aquilo é o objetivo, diferentes pessoas entendem, temos uma linguagem comum, mas não significa que é perfeito. Aquilo finalmente é aquilo.
Temos exemplos como jogos de futebol, jogos de xadrez, várias situações da casa de uma pessoa, o templo. Parece que é. Compartilhamos com outros, sentimos como verdadeiro, mas aquilo não é finalmente aquilo. Essas compreensões culminam nessa visão de Maitreya que diz: a visão Madyamika, o Caminho do Meio, é quando a gente entende que: aquilo é, aquilo não é, aquilo é.
Por exemplo, a água enfim é como a gente vê, mas não é a água como a gente vê, mas por fim é. Estamos operando desse modo, é a água como a gente vê. Quando a gente diz novamente que isso é, não estamos usando uma verdade final, unilateral, é uma experiência conjuntural, não é verdade filosófica, independente separada. Isso é Tathata. Vejo com é, mas não fixo, reifico daquele modo.
Ainda que aquilo tenha uma aparência, a essência daquilo é a liberdade, pode ser muitas coisas. É muito importante entender a noção de bolhas de realidade.
Complementariedade e ciência
Elas se aplicam perfeitamente à ciência. Os cientistas usam as teorias e compreendem certas coisas, depois outras teorias e outras compreensões, como se fossem bolhas de realidade.
Por serem bolhas, nenhuma delas consegue dar conta de todos os experimentos relativos ao objeto de estudo, terminam precisando de outras bolhas para explicar outros pedaços da experiência. Daí surge a noção de complementariedade. Preciso de várias bolhas para poder dar conta de vários tipos de experimentos que apresentam.
Na área da medicina tem exemplos bem claros. Uma pessoa tem dificuldade em caminhar. Visita um reumatologista que diz que precisa de uma infiltração. Visita um ortopedista que pede um raio X. Visita um osteopata, apalpa e vê que tem uma bola, massageia e sai caminhando. Não é que um tem uma visão menor, mas cada um olha na sua especialidade. Se fosse um problema de reumato, maravilhoso que chegou ao reumato.
Na medicina tibetana e ocidental também tem isso. Os médicos aprendem a olhar isso. Isso é doença de médico ocidental e manda para o hospital. Tem doenças que eles tratam e outras que não. Infecção bacteriana, virótica, é melhor deixar. Eles fazem outras coisas. Isso é complementariedade. Nós temos diferentes visões. Cada visão tem um conjunto de recursos e forma de olhar, uma espécie de diagnóstico. Todas essas formas de olhar são úteis e dependem de um conjunto de pressupostos.
Mas o que o Buda faz é recuar dos pressupostos, vai até o ponto da mente livre, que é uma coisa difícil porque de modo geral estamos presos de algum modo.
Sabedoria Primordial
Um aspecto que eu considero, tem vários níveis que eu considero de grande importância, um deles é o fato de que se vamos até esse ponto livre de pressupostos. Segue surgindo a inteligência. Não é que a mente se apague ou tenha algum problema. Tem aquilo que chamamos de sabedoria primordial, que está ligada a compreensão dos pressupostos que estão atuando nas diversas realidades. Estamos atuando livres desses pressupostos e surge uma sabedoria atrás que nos permite ver esses pressupostos, isso é sabedoria primordial.
Na linhagem Nyngma, a sabedoria primordial é um ponto crucial. Ela está muito associada a iluminação. Pode-se dizer que ela atingiu a sabedoria primordial como se tivesse atingido a iluminação. Isso é de grande importância.
A mente do Buda é essa que vê a partir dessa natureza livre. Quando ele vê a partir da natureza livre, tem desdobramentos. Por exemplo, os Bodisatvas podem se colocar dentro do mundo das pessoas sem ficar preso. E também é a mente tathata.
Como o avô jogando com o neto, ele não está jogando de fato. Ele está dentro do mundo/bolha do menino, joga, mas não está preso, enquanto que o menino está preso.
É possível esse retorno. Esse retorno, por sua vez, tem uma expressão super importante. Nós começamos a entender que os vários níveis de realidade como são vistos, eles surgem a partir dessas bolhas e produzem um tipo de inteligência que se origina na inteligência primordial com o referencial que faz surgir a bolha. A pessoa troca o referencial e surge outro tipo de realidade. Não há inteligência do samsara e inteligência búdica, não tem isso.
Porque o princípio ativo do samsara, não dá nem para falar de samsara, é operar a mente de uma forma livre de referencias. Vejo todos os referenciais ocorrendo. Isso é a mente do Buda que gera o Darma.
Eu posso pegar a mente livre que vê e raciocina, faço trabalhar dentro de alguns referencias. Brota um tipo de realidade. Por exemplo, a pessoa faz aquilo aparecer e não fica presa naquilo. A liberdade continua sendo a característica básica. Em qualquer momento, pode trocar os referenciais por outra coisa e operar. Ela recua e opera de outro modo.
Os Bodisatvas são capazes de entrar em vários mundos e realidades. Entendem como os seres estão operando. Tentam elucidar e ajudar os seres a ver novamente a realidade ampla. Porque dentro daquela realidade, a energia se move dentro daquilo. Surge a bolha de realidade que é difícil a pessoa ultrapassar. Pode ultrapassar quando o jogo termina.
Mas às vezes estamos vivendo coisas muito complexas. Uma identidade profissional. Fez um concurso, foi admitido, começa a trabalhar, o salário permite o aluguel de um apartamento maior, permite fazer prestações, permite casar, pagar o colégio dos filhos, dentista, médico, seguro-saúde. A pessoa vai se encaixotando total. Cada segunda é mais segunda. A pessoa sente que a vida está toda estruturada, pensa que isso é a vida.
Mas na verdade é uma bolha se estabelecendo. Ela talvez não saiba como sair. Mais dia menos dia a bolha termina. Se não terminar de uma forma comum, termina porque a impermanência vem e derruba aquilo.
Os fatores que produzem aquela interrupção não vêm de dentro da bolha. Vem de outro lugar porque a natureza segue livre. Essa liberdade se manifesta pela própria impermanência surgindo.
Natureza de Buda
O aspecto importante é entender como juntamos essa experiência com esse aspecto interno. Surge uma inteligência específica. Podemos raciocinar com aquela inteligência, mas ela não é limitada. É uma experiência da natureza livre sob condições. Os Budas e mestres vão dizer todos os serem tem a natureza búdica.
Ultimamente, tenho me alegrado a ver os carreiros de formigas. Eles encontram alguma coisa na mesa ou no chão, a gente tira aquilo e elas continuam iguais, qual a razão disso? No mundo interno delas nada mudou. Portanto elas não estavam se movendo pela comida que tinha em algum lugar. Aquela comida terminou mobilizando o mundo interno dela e elas seguem. Portanto esse engano de seguir uma estrutura interna que não diz respeito à realidade, isso é uma característica da mente búdica. Ela constrói uma realidade e vai indo. É interessante ver quanto tempo elas levam para se dar conta disso. Como é esse mecanismo de comunicação? Como descobrem algo e se comunicam.
Surge essa compreensão. Os seres operam segundo uma característica interna.
Interessante ver as plantas. Vão crescendo embaixo do telhado. Em quanto tempo ela se dá conta? Mas elas vão fazendo isso, outras vão contornando e saindo. Tem uma resposta ao ambiente, tem intencionalidade, está se dirigindo para a janela. Tem referencial interno. Está respondendo ao ambiente, tem uma visão de realidade. Não é acadêmica ou discursiva. Responde com energia, tem esses referencias. Se mudar esses conjuntos internos, o impulso e a resposta são diferentes.
O processo básico é o mesmo, a fonte do movimento, a fonte da energia é a mesma. Por isso os Budas vão dizer que todos os seres têm a natureza de Buda. É como uma ferramenta que tem muitas utilidades. Posso colocar várias coisas, mas a fonte primária é a mesma. Aqui eu posso ir trocando as bolhas de realidade, mas a fonte primária é a mesma.
Por isso os mestres vão dizer que a gente reze para reconhecer Darmakaya em todas as aparências. Mesmo naquilo que é confuso e complexo, difícil, ali mesmo tem uma realidade operando sob condições. Que a gente veja isso. Tem esse ponto importante que é a inteligência búdica se manifestando em diferentes condições segundo diferentes referencias.
Compaixão e meios hábeis
Isso nos permite começar a entender o processo dos ensinamentos.
Ontem, a gente iniciou a meditação abrindo os espaços. Agora a gente vai entender o que os Budas fazem. Eles olham para nós como Cherenzig, e não desistem. Não é fácil. Ele olha para nós e vê.
Não adianta falar o aspecto último da realidade. Ele entende que é necessário falar dentro das bolhas que as pessoas estão operando. Produzir ali dentro um trajeto de tal forma que a pessoa consiga romper aquilo e ir adiante.
Esse processo tem a manifestação da compaixão e meios hábeis.
Vamos sofisticando as bolhas e substituindo por outras. O budismo inteiro é uma bolha de realidade. Um conjunto de bolhas de realidade. A gente constrói uma coisa artificial.
Vamos chamar de Budismo. Viaja dentro dessa nave, desce das bolhas usuais e pula para dentro disso e vamos andando. Essa nave Budista termina se desintegrando na natureza livre da mente. É mais fácil a gente viajar numa nave budista para a natureza livre da mente que viajar nas bolhas do samsara. As bolhas do samsara são mais complicadas. Estou usando uma linguagem de Alto Paraíso, a nave desce dentro da nossa bolha, a gente é abduzido e vai andando assim. É esse o processo.
Mas é importante a gente entender qual o papel dos ensinamentos. Tem esse desafio. Precisa falar com as pessoas dentro do mundo onde elas estão, senão não adianta. Portanto tem um nível de artificialidade.
Mesmo as 4 nobres verdades. Eu gosto de ouvir a verdade do sofrimento, das causas do sofrimento, da dissolução do sofrimento, do caminho para a dissolução do sofrimento. Eu gosto de ouvir quando no prajnaparamita, se diz na vacuidade não há sofrimento, nem causas do sofrimento, nem extinção do sofrimento, nem caminho para a extinção do sofrimento.
Quando estou falando na vacuidade estou no ponto final, não estou mais olhando um caminho. O caminho é super útil. É muito importante ouvir sobre o sofrimento, causas do sofrimento, cessação do sofrimento e caminho para a extinção do sofrimento. Mas o coroamento disso necessita que a gente diga isso na etapa final. A gente fez o caminho, então não há sofrimento, nem as causas do sofrimento, nem extinção do sofrimento, nem caminho para a extinção do sofrimento. Originalmente não há isso.
Mas quando a gente ouve o Buda falar sobre as 4 nobres verdades, cosmicamente é assim. Há o sofrimento, as causas do sofrimento, etc, não tem como escapar, é isso. Como se a gente tivesse falando de coisas fixas, de algo fora, mas isso é uma experiência, a gente pode ultrapassar.
Não precisa ser Budista para sempre. Não precisa ficar preso a alguma coisa A gente utiliza os ensinamentos, entende a compaixão dos mestres, entende essa dimensão de lucidez que os mestres utilizam, eles geram os ensinamentos que são como remédios, no final não precisamos mais tomar. É confortador imaginar que não está trocando um tipo de ilusão ou fixação por outra fixação. Estamos seguindo um caminho e nós vamos liberando isso.
Isso nos permite e nos dá mais liberdade de criar os processos artificiais, a nave que irá nos levar.
Meditação
Por isso a meditação é tão importante. Senta em meditação para encontrar esse espaço, onde iremos fazer outras coisas. Aqui estamos utilizando esse roteiro de 21 itens. Começa com motivação, shamata impura e shamata pura. São artificialidades, mas são métodos compassivos para encontrar as pessoas nas bolhas de realidade onde elas estão. Mais adiante iremos ultrapassar isso tudo.
É uma compreensão muito importante, que talvez não seja fácil no inicio.
É entender que a inteligência comum é a inteligência búdica operando sob condições. Não tem duas inteligências, tem só uma, a inteligência búdica. Mas quando ela começa a operar sob vários tipos de condições, ela gera diferentes bolhas de realidade, diferentes formas de compreensão, que dependem desses pressupostos e fatores. E na medida em que nós ultrapassamos esses fatores que estamos atuando, outras bolhas surgem ou recuamos para uma lucidez maior.
Shamata Impura
Então na nossa seqüência, a gente pratica shamata impura e nós começamos a praticar shamata pura. Quando a gente for praticar shamata pura, o referencial é bastante diferente. Parece shamata, mas é diferente.
Em shamata impura eu tenho um foco, no caso esse foco pode ser simplesmente a contemplação dos 5 lung, correspondente ao 5 elementos, é minha sugestão, como se a gente tivesse andando muito rápido.
Eu vou explicar o porquê. Se a gente tiver um Buda na frente, vou fazer meditação olhando para o Buda. A âncora da minha mente é a visão do Buda. Eu pouso o meu olhar ali e tento associar a minha mente ao objeto que estou vendo. Esse objeto, no entanto, tem um obstáculo. Ele parece externo a mim. Eu não me dou conta imediatamente que preciso de uma visão interna do Buda para poder ver o Buda do lado externo, que é um espelho que reflete. Seria uma elaboração mais complexa.
Tenho simplesmente a experiência que está do lado de fora. Utilizo apenas uma sensação vinda do órgão físico do olho para ancorar e apoiar o funcionamento da minha mente.
Se usarmos algo como elemento éter, não conseguimos localizar sensorialmente. Não consigo dizer que cheiro, ouço, vejo. Não é um objeto. Já tem uma experiência interna, um olho interno vendo isso. Não tenho a sensação que o elemento éter seja algo separado de mim. Não tem como pensar isso. É inseparável da própria experiência.
Eu vejo que tem uma liberdade natural que pode fazer surgir a experiência do elemento éter, que pode se ampliar e se reduzir. Do mesmo modo, cada um dos 5 elementos, é um objeto que já é coemergente. É muito mais sutil do que ver o objeto na minha frente.
Dudjon Rinpoche dá a sugestão de ver um Hum vermelho na altura do coração, também é parecido com a noção de energia. Com os elementos é mais sutil. Quando vejo, parece que é separado. Estou visualizando. Mas é mais sutil, se eu tapar um objeto externo, já não vejo. O Hum não tenho como tapar.
A energia não diz respeito a órgão nenhum. Ela não pode ser bloqueada. Não só isso, como posso manipular, surgir, ampliar. É inseparável de mim, como um objeto sutil.
Quando estamos contemplando os 5 lungs, em shamata impura, nós não deveríamos olhar, ou ouvir qualquer outra coisa, devemos focar só isso. Se conseguirmos praticar de forma intensa e bem clara, não vemos e não lembramos o que se deu ao redor, é o critério de qualidade. É shamata impura. Estou fechado, bloqueado, como se tivesse uma bolha específica da própria meditação.
Shamata pura
Na shamata pura tem uma diferença importante. Porque eu mantenho essa energia, mas o critério de qualidade é assim: não só vejo o que acontece em volta, mas também lembro no final da meditação. Eu não me perturbo e não dou seqüência, uma vez que surge um pensamento, não fico elaborando por dentro do evento e aquilo vai. A gente não faz isso, não raciocina. A gente vê e se mantém equilibrado.
Nós estamos fazendo uma prática super importante que é ampliar o espaço entre estímulo e resposta sem ser arrastado e exposto às coisas.
Em shamata impura, eu tento manter equilibrado, abrir esse espaço sem nenhuma interferência.
Em shamata pura eu permito as interferências, mas eu não sigo. Como se eu tivesse em contato com o mundo buscando ampliar esse espaço de não resposta para colocar outro conteúdo. Isso é shamata pura.
Metabavana
Como a gente começa a ganhar esse espaço, agora a gente tem essa possibilidade. Olhamos para os outros e procuramos não nos perturbar. Agora nós temos um conteúdo para colocar dentro quando olha para o outro.
A gente poderia olhar para o outro e simplesmente brotar raiva, rancor, ódio, medo, etc, emoções perturbadoras - orgulho, inveja, desejo e apego, ignorância, carência. Agora vou fazer aparecer outras coisas. Nós vamos treinar.
Esse é o quarto passo do roteiro de 21 itens. Nós vamos treinar com metabavana. Ser capaz de olhar para a outra pessoa que causou ou causa problemas para nós. A gente entende a bolha de realidade que o outro está atuando. Portanto, quando entende a bolha que o outro está atuando, a gente não consegue mais culpar. A pessoa deixou de ser um ser culpável e passou a ser um ser dentro de uma bolha submetida a obstáculos.
A gente não consegue mais ter posição de hostilidade, por isso mesmo que a gente diz, que essa pessoa se livre do sofrimento, das causas do sofrimento, encontre a felicidade e as causas da felicidade. Diz assim claramente, aspira isso.
Qual o objetivo dessa prática? Melhorar nossa vida diretamente. Esse é o tema do nosso retiro. Olhando a nossa vida cotidiana desde o ponto último.
O ponto último é essa compreensão dessa natureza livre que propicia e cria vários níveis de compreensão segundo referenciais Agora nós estamos olhando as pessoas, olhando como elas se comportam. Nós entendemos elas submetidas àquelas bolhas de realidade e colhendo os obstáculos. É isso que está acontecendo. Não tem ninguém para culpar, não dá para culpar ninguém.
Com isso, a gente olha para eles e brota compaixão. Brota aspiração de que se livrem dos obstáculos e do sofrimento. Junto com isso. Vemos os serem com qualidades. Aspiramos que ele manifestem essas qualidades e encontrem a partir disso a felicidade. Ainda que a noção de felicidade seja limitada, a gente olha desse modo.
Isso é metabavana. É importante porque as bolhas de realidade que nós estamos operando produzem outras visões das pessoas que estão ao nosso redor. Elas produzem visões que são operativas, instrumentais. Estamos andando dentro do mundo e esperamos que as pessoas façam coisas que a gente precisa que elas façam.
A gente não consegue olhar as pessoas no mundo delas. A gente termina olhando as pessoas sempre a partir das bolhas de realidade que estamos operando.
A proximidade e o afastamento que temos em relação a eles dependem justo disso. Se estão sendo instrumentalmente úteis ou não. Se são úteis, são o máximo. Se deixam de ser, aquilo termina. É uma incapacidade de olhar o outro dentro do mundo dele. Todo mundo tem isso, é muito fácil acontecer isso.
Nesse mundo de celulares, um casal de namorados, cada um almoçando com seu celular. Não estão mais conseguindo namorar direito. A pessoa mergulha na sua bolha e perde a sensibilidade de ver o outro operando. Em metabavana, nós vamos treina esse olhar, vamos olhar os outros. Pode olhar a distância, porque nosso olhar não é físico. É o que estamos utilizando para olhar.
Quando estamos à distância, mesmo olhando para a própria mãe, pode ser assim: que ela seja feliz, encontre as causas da felicidade, supere o sofrimento e encontre as causas do sofrimento. E lá pelas tantas a gente consegue arranhar um pouco e ver de forma mais profunda. Pode ser que a mãe tenha morrido, mas de alguma maneira aquela mãe internalizada, ela está ainda estruturada. E se começamos a olhar isso, ela vai mudando. A mãe muda depois de morta.
A gente descobre que o defunto estava vivo e ainda causando problemas, tipo encosto, ainda operando. Aquilo operando dentro de nós e a gente fixado naquela bolha, forma. Enquanto a gente não olhar para aquela mãe, onde ela esteja. Aspire: que seja feliz, encontre as causas da felicidade, supere o sofrimento e as causas do sofrimento. Enquanto a gente não disser isso direito, ainda estamos presos.
Se tiverem um inimigo mortal, a melhor coisa para fazer é isso. Que ele seja feliz, que ele encontre as causas da felicidade e desencoste. E que ele supere o sofrimento e as causas do sofrimento. Aí pronto, está liberado. Vai virar uma pessoa maravilhosa. E que me ajude, se atingir a liberação que me puxe e me leve em direção a uma coisa melhor.
Se a gente olhar para as pessoas que causam problemas para nós com hostilidade, nós estamos presos no mesmo mundo deles que eles estão presos. Eles estão no sofrimento e o sofrimento deles nos colocam em sofrimento. A ignorância deles, o lugar onde estão, tem o poder de nos arrastar junto. Não é uma bóia coisa.
Quando surgem pessoas que trazem obstáculos, a gente imediatamente se contamina. A gente vira algo que luta contra e isso é uma limitação que se estabelece sobre nós imediatamente.
Precisamos dessa capacidade de gerar metabavana. Quando geramos metabavana, as relações começam a mudar. A gente gera um outro olho, vê de outra forma e é capaz de estabelecer relações de outro modo e as coisas mudam.
Quadro de 200 e 240 itens
Depois de metabavana, no caso de estarmos lidando com a vida cotidiana, eu acho interessante a gente introduzir os quadros de 200 e 240 itens. A gente ainda não estudou prajnaparamita, se vier vindo progressivamente, mas o quadro de 200 itens de modo geral ele vai surgir bem mais adiante, depois do prajnaparamita. Depois de presença, depois temos dissolução de identidade, aí surge o Bodisatva e surge o quadro de 200 itens.
Mas aqui nesse ponto podemos fazer uma introdução do quadro dos 200 itens. Porque a gente não abriu totalmente esse espaço. Uma vez que é preciso gerar mais prática de shamata e também é preciso gerar capacidade de compreensão do prajnaparamita, vacuidade, bolhas de realidade etc. A gente não tem isso ainda, mas um pouco nós já podemos entender.
O quadro de 240 itens trata dos obstáculos que a gente passa. Eu considero super curativo, um processo de análise psicológico. Não buscamos localizar eventos que causaram isso ou aquilo, mas procura localizar estruturas que estão operando de nós.
A gente não precisa imaginar como essas estruturas vieram se manifestar em nossas vidas, mas vê as estruturas e não precisa segui-las.
Dentro das estruturas de bolhas de realidade a gente vai recuando. Na prática do quadro de 240 itens, a gente recua para poder olhar esses conteúdos a partir desses itens todos.
Uma sugestão é tomar pessoas com quem a gente se relaciona ou situações e mesmo locais físicos. Quando tem experiência de trabalhar um tempo e ser demitido. Experiência de viver com pessoas em alguns lugares, depois vem disputa, briga, separação, a pessoa sai. Às vezes os locais ficam impregnados de sofrimento. Pode ser que a pessoa não consiga voltar à casa da sogra. A pessoa fica com dificuldade de encontrar o ex.
A gente precisa do quadro de 240 itens. Porque metabavana não está dando certo. Que a pessoa seja feliz. Aham. Que supere o sofrimento. Aquilo não está dando muito certo. A gente corre o risco de adoecer. É importante cuidar para não adoecer. Observem que a gente não vive em locais físicos e sim sutis. Os locais onde a nossa mente esvoaça e que são locais de sofrimento, quando a gente olhar para esse lugar, a gente crispa. Tem adrenalina internamente. Esses fatores vão produzir adoecimento. Estamos literalmente com um ferimento. Estamos atingidos. Estamos com um tipo de veneno e todo dia aquele veneno é jogado nas veias. É super importante que a gente reduza o potencial de envenenamento físico, mental, emocional, energético que brota das relações. Isso não é outra pessoa, mas como olhamos os outros.
Há grandes exemplos de pessoas que se separam e se dão bem. Eu vi uma senhora com 2 filhos, casou com uma pessoa da sanga. Tinham vários amigos. Depois de um tempo, se transferiu para outro amigo. Eram super amigos, continuaram viajando juntos, fazendo coisas juntos. Quando ela se transferiu para o amigo ela deixou os 2 filhos com o ex-marido, que ficou feliz. Isso é um modelo. Todos continuaram amigos. No RS é mais um caso de jornal. Matou os filhos, a esposa e fugiu para o Uruguai.
A gente percebe que o mundo interno pode produzir todos esses sofrimentos, fica incomodado, torto, atormentado.
Metabavana é importante, mas às vezes não dá certo. Pode ser que se sintam adoecendo nessa circunstância.
É importante o quadro de 240 itens. Estou tendo essa dor a partir de orgulho? sim, inveja? sim, desejo e apego? sim, ignorância? sim, carência? sim, raiva? sim E qual são os impulsos? Matar? sim, roubar? sim, difamar? sim, mentir? sim, criar discórdia?sim. É próprio inferno.
As ações não virtuosas brotam nítidas, vivas. A gente olha esse desejo de matar, uma cara horrível. Não é uma boa idéia. Pode aprontar, mas não fica tão mal. A gente olha como ultrapassar e não ficar contaminado.
Então a gente tem 240 agulhas espetadas, não é apenas um raciocínio, a nossa energia está afetada. Não é a mente, nosso corpo está afetado, nosso imaginário está afetado, estamos completamente arrastados, fragilizados, pois surge raiva em nós. A gente pensa que é forte, mas aquilo é manifestação de uma febre, um tipo de doença. Tipo de problema que a gente tem, pode ficar dominado por um longo tempo, por vidas. Fica dominado por bolhas de realidade que brotam desse modo.
Então a gente precisa fazer essa prática que está associado ao mantra de Prajnaparamita ou Cherenzig. A gente olha uma pessoa perturbadora e vê se não é a partir do orgulho ferido, Om mani pe me hung.
As vitórias são rápidas e as tragédias seguem. Nós pensamos que as vitórias vão ser duradouras, mas são a entrada num âmbito de sofrimento. Onde elas serão sucedidas por derrotas e vitórias. As coisas não têm futuro. Não temos razão nenhuma de se manifestar com orgulho ferido, inveja, desejo e apego para estar naquele lugar, são bolhas de realidade. Parece que se movem, mas elas estão presas. Não tem coisa mais aprisionante que a vitória. A derrota libera, mas a vitória nos aprisiona. Quando temos vitória, pensamos que está tudo indo muito bem, que o caminho é esse e estamos aprisionados.
Samsara é vasto. As pessoas acham que tem vitórias, atingem grandes coisas, mas não atingem coisa alguma. Ai vão curando o coração. Curando do orgulho, inveja, desejo e apego. Curando da indiferença, carência, raiva. Quando o coração vai se curando, nós não estamos mais afetados com os eventos externos. Quando olhamos para as coisas, é como se tivesse olhando para a foto. Antes perturbava, agora não mais. A gente começa a rezar, muda o aspecto interno, recita o mantra, vai entendendo aquilo e não afeta mais. A pessoa olha e vai curando.
Om mani pe me hung está associado a compaixão.
Om gate gate paragate bodi soha está associado a lucidez. O mantra da prajnaparamita corta a ignorância, enquanto o outro gera um sentimento compassivo.
É muito útil os dois. Na verdade são inseparáveis. Quando a gente entende as coisas como são, pode ter compaixão. Não há compaixão maior do que a compreensão da coisa como ela é.
Ai a gente olha, eu teria impulso de matar? Eu teria impulso de roubar? Não apenas propriedades materiais, mas também imateriais como prestígio, com objetivo de derrubar. E a pessoa vai curando. Tenho impulso de ação sexual imprópria? Alguma coisa violenta? Tenho impulso de agredir com palavras?
Dá dó no coração ver as pessoas seguindo e fazendo coisas que funcionem, que sejam boas e que andem. Elas têm frustrações. É inevitável! Que os Budas protejam e a lucidez venha.
Eu tenho impulso de mentir e ganhar algo? Tenho impulso de criar discórdias, fazer pessoas olharem de forma hostil uma a outra? Nós vamos limpando uma por uma as ações não virtuosas.
Temos impulso de falar inutilmente? Tomar o tempo das pessoas de uma forma sem sentido?
Tem impulso de ficar fixado em coisas estreitas, associados à limitação da visão, dentro de uma bolha? Tem impulso de ficar preso na sensação de carência? De falta? Tem impulso de má vontade em relação aos outros? Raiva hostilidade?
Vamos curando literalmente. Quando olharem para a outra pessoa, não tem mais essas perturbações todas. Quando a gente encontrar porque a mente vagueia, aquilo também não nos afeta. Quando encontrar nos sonhos, aquilo também não afeta. E assim vamos curando esses fatores todos através do mantra da compaixão, do Buda da Compaixão, Cherenzig ou através do mantra de Prajnaparaminta. Vai recitando e vai curando.
Nas nossas vidas, devido à ignorância, nós vamos criando inimigos. Quando os inimigos passam de um certo ponto, começamos a passar mal. Quando o número de seres que a gente olha ao redor é ameaçador, ou seja, o número de seres ameaçadores que a gente olha ao nosso redor pelo fato que geramos relações ou esses seres geraram relações negativas sobre nós, mas a gente aceitou aquilo, quando o número desses seres passa de certa proporção, começamos a passar mal. Vamos adoecer.
É super importante curar isso, fazer essa cura. Vocês vão perceber que fazer a recitação do mantra de Cherenzig vai curar tudo literalmente. Quem mora aqui ou circula por aqui, pode circum-ambular o templo – Om mani pe me hung.
Agora isso é a fala – recitação de Om mani pe me hung. É importante que isto esteja na mente. Então é importante observar, se a minha mente mudou. A gente vai perseverando até que a mente mude. Segue recitando até que a energia mude. Segue recitando até que tendo a mente mudada, a energia mudada, as nossas ações de corpo mudem também. Nosso corpo muda. Nós vamos curando. E seguimos recitando até que a bolha de realidade onde estamos imersos e dentro da qual esses seres habitam na nossa mente, ela mude também.
Quando tem essa mudança a nível de bolha de realidade, temos uma mudança efetiva. Mas isso ainda é uma nave dentro do espaço da mente. Ainda é algo artificial. Mais adiante nós temos que ir adiante disso. Pegar essa nave e ir seguindo.
Nós precisamos de Shamata para ganhar esse espaço. Dentro desse espaço eu opero essa transformação. Essa transformação ainda não é o ponto último, mas ela melhora consideravelmente a nossa vida. E como agora estamos mais calmos, mais centrados, com mais saúde, nos relacionando melhor em todos os lugares e todas as direções, nós começamos a flutuar e nos deslocar verdadeiramente.
Mandala
Naturalmente essa nave, essa bolha de realidade, mais adiante, ela vai se transformar na Mandala. A mandala brota a partir de um olhar de sabedoria da própria natureza búdica. Gera um olhar de sabedoria. Esse olhar de sabedoria substitui o olhar negativo. Totalmente.
Nós não precisamos mais fugir de lugar nenhum. Não temos mais uma bolha que a gente esteja andando, reprogramando os olhares. Nós estamos operando com as dimensões de sabedoria.
As mandalas são simbolizadas, às vezes, graficamente. Como aqui no teto é a mandala dos 5 Diani Budas. Poderia dizer que é a mandala principal. Sobre a porta temos os 5 diani Budas também.
A gente pode dizer que essas são as inteligências principais.
No início, nós não conseguimos migrar para essas inteligências. Então a gente precisa operar com o quadro de 240 itens e vai se libertando dos processos aprisionados a partir do mantra de Prajnaparamita e Cherenzig.
Mais adiante nós vamos escolher inteligências especificas para utilizar. No caso, o quadro de 200 itens. Isso a gente vai fazer num outro momento.
Vou deixar espaço para alguma pergunta que vocês tenham.
Hoje à tarde vocês podem tomar isso, fazer uma relação de seres que vocês queiram matar, torturar, etc. Seres que nos perturbam. A gente pode estar numa roda de amigos e chega aquele ser e a gente começa a passar mal! É certo que vocês são praticantes, provavelmente não tem nenhum ser que perturbem vocês. Mas pode acontecer.
É tão curioso, mesmo na escola, vocês vão encontrar, as crianças se olham um pouco assim e tem problemas, pequeninos. Nem sabe falar direito. O outro bate em mim! Bate por quê? Para os adultos não é muito importante, mas na vida deles é super importante.
Ai tem dia que a criança não quer ir para a escola. Porque tem aquele que bate em mim. Os pequenos também não confessam que também batem, aprontam. Eles têm o mundo deles, as bolhas deles. As bolhas deles se encontram com a dos outros. Eles olham os outros de modo instrumental, fazem o que querem com o outro e o outro também. É assim. Um encontro de universo, de bolhas. Os obstáculos surgem em qualquer idade.
A pessoa que vai ficando mais velha também. Vai perdendo a força, a etapa de decrepitude não é muito fácil. A pessoa começa a perder a força sobre os outros que estão ao redor. Os outros começam a disputar e no fim, a pessoa não sabe mais o que fazer. Bem difícil.
A prática de metabavana, o quadro de 240 itens são super importantes.
Para nós, vamos supor que a gente está se aproximando da morte, se vocês estiverem nessa situação, no meio de disputas, é praticar Om mani pe me hung. A gente chega sem nada, é melhor partir sem nada.
Perguntas e Respostas
P: Eu gosto muito de caminhar. Caminhadas de 1 dia, 1 semana, 1 mês, 40 dias. Um passo após o outro e quando vê chegou. Fiz muito caminhos, mas desses caminhos, eu consegui teorizar que existem 3 fases. A fase do corpo que dói tudo, mesmo que treine. A fase da mente, onde o pensamento vem e responde já pensei, já está resolvido e vai embora. E a terceira fase que eu gosto de falar que é a do espírito, porque não achei outro termo, os meus amigos falam que quando eu volto, o olhar é diferente. E é assim, é incrível, a gente não pensa mais em nada. É puro amor, mas aquilo vai se perdendo conforme vai entrando na bolha do cotidiano. A minha questão e dúvida, a partir da minha experiência é assim: ao atingir essa mente pura, que o lama fala, que os Budas falam, provavelmente não é essa experiência que eu tenho nessas caminhadas. Faz sentido essa experiência e qual é a diferença dessa fase do espírito com a mente pura?
L: é uma boa pergunta. É difícil avaliar o que está se passando ali dentro, porque acredito que diferentes pessoas que estejam caminhando lá devem ter diferentes experiências, provavelmente não é todo mundo que vê da mesma forma. Mas quando surge essa experiência amorosa, talvez você pudesse avaliar se elas alcançam todas as pessoas.
P: É assim, meus amigos dizem que o olhar é de um iluminado. Eu não queria dizer isso, mas eu sei que não é, porque quando volta para o cotidiano...
L: e a ‘iluminação’ vai diminuindo
P: mas não tem primeira, segunda intenção, é puro amor. Olha nos olhos das pessoas, só quer o bem das pessoas, encontra pura bondade, é uma compaixão vivenciada mesmo. Essa experiência que a gente está tendo aqui, a minha iniciação no budismo, eu tenho procurado fazer essa comparação e percebo que o caminho do budismo e essa mente pura, talvez seja algo que a gente vai e acopla. Começa a vivenciar isso, ao invés de ir perdendo no cotidiano.
L: Numa explicação curta, pode ser que isso seja uma bolha. A bolha da caminhada. A nave que está caminhando. Tem uma forma de olhar. Agora para estender essa visão, era bom enquanto caminhar ir olhando os seres à distância e ir incluindo eles dentro disso. Agora a queda disso se dá quando retorna e entra numa bolha comum literalmente. Tem que olhar para os outros a partir da bolha comum, é o olho criminoso de novo. O olho comum.
Mas se tu conseguir não olhar a partir das bolhas convencionais seria bom. É natural que volte com bolha de trabalho, família, etc. Seria importante, enquanto está caminhando, dissolver as outras bolhas. Nessa bolha eu não quero mais entrar, nesse outra também... Ou então tu olhas para as bolhas que vai entrar quando retornar, mas toma refúgio na bolha amorosa. Tu entras ali não para operar dentro daquele processo daquela bolha, mas está ali dentro e estabelece relações a partir da outra.
É o que os Bodisatvas fazem. Eles entram no mundo comum para dar benefício aos seres que estão naquela condição. Mas eles não estão ali propriamente jogando aquele jogo.
É tipo Cruz Vermelha, Médico sem Fronteiras, eles não estão jogando a guerra. Estão ali dentro se arriscando e muitas vezes são mortos. É mais que os repórteres, correspondentes no meio das guerras. Às vezes, eles têm posição própria. Mas a melhor posição de um correspondente é não ter nenhuma posição. Mas os médicos têm, eles são Bodisatvas. Eles estão ali dentro para agir. Então entre os médicos sem fronteiras e os repórteres cobrindo as coisas, seria preferível os Médicos sem Fronteiras. Eles estão cuidando indistintamente das pessoas. O ponto central é não entrar na bolha na volta.
P: Quando o lama diz que não há inconsciente, eu queria que o Sr. explicasse novamente porque para mim, não ficou claro essa questão de retroceder, ir olhando. Se na psicologia a gente chama de inconsciente, no budismo a gente chama de que? Esse espaço que a gente não tem luz sobre?
L: A gente pode utilizar o que a psicologia vai descrever também. Mesmo a noção de inconsciente, não há um grande problema. O problema da noção de inconsciente é nós imaginarmos que ele é verdadeiramente inconsciente, sólido e estabelecido.
Nós podemos estar operando com essa experiência de não localizar os conteúdos internos e a gente pode não só não ver os conteúdos internos, como não ver que não está vendo. Então, estamos totalmente presos ao que se chama avidya.
Está dentro de uma bolha, não vê que está dentro de uma bolha e não vê que não vê. Parece que simplesmente vai fluindo em meio ao mundo.
Quando a gente não vê a bolha e não vê que não vê, isso é o inconsciente operando. Mas se a gente parar em silêncio, nada nos impede de acessar isso.
É como alguém que não fala japonês. A gente vai diagnosticar: esse é um iletrado em japonês. Ele não fala, não lê, mas quando eu digo isso, eu não estou tirando a capacidade da pessoa vir a aprender.
Mas quando falo em inconsciente, eu estou tirando a capacidade da pessoa de elucidar o inconsciente. Como um diagnóstico psicológico, psiquiátrico: isso é esquizofrênico, já estão dizendo alguma coisa, vão dizer não tem como curar isso. A pessoa vai ter que viver com isso.
Isso é uma coisa parecida com esse obstáculo, que também não é verdade. Mas há um diagnóstico. É só isso.
Então, o que a pessoa não está vendo? Ela não está vendo como a mente dela está operando. Não está vendo que está operando por bolhas. Não está vendo os 6 reinos, os 12 elos da originação interdependente. Não está vendo nada disso, e não vê que não vê. Então não tem falta nenhuma, não sente falta nenhuma. Ela simplesmente se move de forma natural. Ela se sente de forma natural, como qualquer criança se move. A pessoa está presa, mas pode se liberar, pode sair disso.
A gente pode olhar os conteúdos e vai encontrar alayavijnana, depósito das marcas mentais. A gente vai ver que as pessoas não só não vêem, mas transmitem umas pras outras isso. As pessoas vão acessando os mundos mentais umas dos outros, vão transmigrando por dentro disso.
Mas a pessoa pode elucidar e sair disso. A meditação é o caminho que se usa para isso. Não precisa ser apenas a meditação em silêncio, tem outras formas de meditação como a visualização, práticas de sadana e outras práticas.
P: O Sr. Falou dos primeiros itens do roteiro dos 21 itens, não sei se já falou, mas poderia falar um pouco mais de motivação que parece ser o primeiro?
L: 5 Famílias de praticantes
Existem vários tipos de motivação. Isso gera as 5 famílias de praticantes. Diz-se que todos nós temos a natureza búdica. Então todos nós podemos atingir a superação desse aspecto inconsciente, desse processo todo, a gente tem esse poder.
Porque nós não somos o conjunto de marcas mentais que respondem automaticamente dentro de nós. Nós somos uma liberdade de se manifestar com lucidez a partir daquilo que é chamado sabedoria primordial. Esse é o aspecto mais constante, mais estável dentro da nossa mente.
Agora a gente pode não ver isso. Simplesmente vai fluindo por dentro dos impulsos e vai se movendo assim. Agora algumas pessoas perceber esse problema. Elas se dão conta disso e se tornam praticantes.
Outras pessoas não se dão conta disso, simplesmente vão fluindo. Esse é considerado o grupo 1. A imensa maioria das pessoas está nesse grupo 1 chamado de Potencial Cortado.
Ainda que elas tenham o potencial de atingir a liberação, elas estão com o potencial cortado porque elas não têm essa motivação. Elas simplesmente se movem no mundo de forma inconsciente.
Vem o primeiro grupo dos praticantes - o potencial Sravaka. No contexto budista, numa cultura budista, a gente ia dizer: as pessoas são assim. Dentro de um contexto de múltiplas tradições religiosas, o potencial Sravaka não precisa ser algo budista especialmente, mas pode também ser uma manifestação que surge em outras manifestações. No caso específico do potencial Sravaka, é que a pessoa olha para o mundo e acha o mundo muito desafiador, muito difícil. E surge uma motivação interna de isolamento. A pessoa pensa: eu me isolando, eu vou fazer práticas e assim eu me livro desse tumulto externo que torna tudo muito difícil. Então a pessoa tem esse impulso de isolamento. No potencial Sravaka, a pessoa se une com outras pessoas, que geram ambientes como se fossem monásticos, regidos por regras e vão tentando praticar cotidianamente, melhorando sua própria condição, própria lucidez.
Existe o potencial Pratiakabuda, que é o terceiro. Nesse potencial, as pessoas se isolam, mas elas não aspiram estar juntos com os outros, são chamados rinocerontes. Eles tentam viver isolados, individualmente isolados.
É como se uma comunidade monástica fosse um pouco perturbadora também. E não só isso, internamente, ela tem uma lembrança. Quando ela fica em silêncio, ela começa a ouvir internamente os ensinamentos, brotam visões internas que vem de outro tempo, de vidas anteriores. Em vidas anteriores a pessoa já tinha uma compreensão e agora aquilo começa a retornar.
É como se a prática principal dela fosse ficar em silêncio e ouvir essas manifestações internas de lucidez. É natural que todos nós tenhamos um pouco de Sravaka ou Pratiakabudas.
Temos o quarto potencial que é o Flutuante. A pessoa tem uma direção, ela anda, mas dependendo das companhias, do que acontece, ela se perde totalmente. E também nós temos uma boa componente disso. A gente é um pouco Sravaka, Pratiakabuda e potencial flutuante.
Tem o potencial Mahayana, que é aquele que a gente considera o melhor. Naturalmente o nosso, sem nenhum auto-centramento, enfim. O potencial Mahayana é o melhor. Quem está seguindo o potencial Sravaka ou Pratiakabuda não concorda. Mas o potencial Mahayana é chamado caminho amplo, se a pessoa se isolar, ela se isola para o benefício dos seres. Se ela anda no ambiente aberto, ela tenta avançar, ela está constantemente lembrando como aquilo que ela está descobrindo pode ser útil para os outros. Está constantemente se movendo assim. Só que isso não é apenas um movimento intelectual, racional, discursivo. Quando a pessoa descobre alguma coisa, a pessoa verdadeiramente se alegra. Olha em volta e vê para quem ela pode compartilhar aquilo e como os outros podem se beneficiar com aquilo. Ela se alegra com os outros. Isso é o potencial Mahayana.
A pessoa tem esse movimento, tem essa energia, se move assim.
Quem está no potencial Sravaka, a energia vem de dentro dos ossos para manter as disciplinas, manter as regras e fazer tudo exato.
Motivação Mahayana – Nascimento no Lótus
Já no potencial Mahayana, a pessoa tem alegria, porque a pessoa tem compaixão, alegria pelos outros. Compaixão, amor, alegria e equanimidade, olha todas as direções com esse olhar. Enquanto ela não descobrir como ela ajuda os outros verdadeiramente, ela não descansa. É retornar e olhar de novo. Como ela pode fazer para ajudar aqueles outros seres?
O potencial Mahayana a gente pode imaginar que ele tem várias etapas. São simbolizadas pelo nascimento do lótus. Então a gente faz essa meditação baseado nessa imagem de Guru Rinpoche. Ali tem água na parte de baixo, embaixo da água tem o fundo do lago onde tem o lodo.
Apecto 1 – Lodo
- O lodo significa as emoções perturbadoras: orgulho, inveja, desejo e apego, ignorância, aquisitividade, rancor, ódio, medo e várias outras coisas perturbadoras e as ações não virtuosas correspondentes, isso cria o lodo, os nossos obstáculos.
Aspecto 2 – Água
- Esse lodo inevitavelmente produz a água, que são as lágrimas do sofrimento. A parte de baixo, ela é uma forma simbólica de se apresentar o mundo em geral. O mundo está imerso em lodo e água. Lodo e sofrimento. É como as duas nobres verdades do Buda. Ele diz sobre o sofrimento e as causas do sofrimento.
Brota, milagrosamente, o lótus. O lótus não se contamina nem com o lodo, nem com a água, mas ele tem a sua força no lodo e na água.
Aspecto aspecto 3 – Talo
- Brota o talo do lótus. Então olhamos dentro de nós e quando nos defrontamos com a negatividade, a ignorância, os obstáculos todos ao nosso redor e vê o sofrimento. Se isso nos faz também ficar negativos, contaminados em sofrimento ou se surge o milagre do talo de lótus em nós? Então a gente precisa ver. A motivação vai começar nesse ponto. O talo do lótus surge. Isso é muito importante porque freqüentemente somos alcançados por coisas negativas ao nosso redor.
A gente precisa ver se nós somos também não só alcançados, como arrastados para essa dimensão negativa. Mas a gente é capaz de manifestar compaixão, amor, alegria e equanimidade. Se a gente consegue manifestar isso, isso é o talo do lótus.
Agora pertence a nossa experiência brotar isso e não ter meios hábeis de ajudar, brota isso, mas não sabe como ajudar.
Aspecto 4 – Flor
- Os meios hábeis são simbolizados pelas flores. Buda está sentado sobre um lótus, um disco de sol e lua sobre esse lótus. Esse é um ponto bem interessante. Com o tempo, a gente começa a gerar habilidades de trazer benefícios. Isso é muito importante nas nossas vidas. Que a gente consiga viver tendo essa consciência de meios de trazer benefício para outros seres. Isso é essencial. No caminho do Bodisatva esse é um ponto crucial. Nós treinamos para gerar essas habilidades.
Aspecto 5 – Nascimento
- Agora depois que a gente gera essas habilidades, será que a gente senta sobre o lótus, ou segue uma vida comum. O Buda senta sobre o lótus. Ele vai viver desse modo. A perna de Guru Rinpoche está sobre um lótus pequeno, ele está com uma perna para frente. Isso significa que o Buda está sentado, mas está pronto para se levantar e ir atrás dos seres. Beneficiar os seres. Mas quando ele se levanta, o pé dele continua sobre o lótus. Tem um lótus que acompanha o pé dele, não vai abandonar a lucidez, a motivação, os meios hábeis. Ele não sai do lótus. Ele caminha sobre lótus.
Aspecto 6 – Radiância
- Quando ele senta no lótus, significa que ele não tem segunda, sábado, domingo, não é um Buda das 8-12h, das 8-18h, segunda a sexta. Porque nenhum Buda vai agüentar mais do que isso. Se o próprio Deus descansou no sábado, porque o Buda não pode descansar? Bodisatva não tem descanso.
Quando isso acontece, a pessoa vê a irradiação. Significa a energia naturalmente presente que sustenta ele. Não é sustentado por uma energia artificial. Na verdade ele irradia energia, tem fonte própria, que é a natureza primordial. A lucidez da natureza primordial.
Aspecto 7 – Céu
- Tudo isso, toda essa manifestação: o lodo, a água, o talo, a flor, o Buda e a radiância, ela culmina no céu. Tem um céu que é o espaço ilimitado. O próprio Buda, ele ainda é um nível de artificialidade. Tem essa construção. Tem muitos diferentes Budas, muitas diferentes inteligências que podem se manifestar. Mas o que há de permanente nisso é o espaço básico, onde diferentes manifestações podem ocorrer.
No Budismo, o Buda é como se fosse o aspecto sutil. O aspecto secreto é o aspecto final do Buda que é a origem dele mesmo que é o espaço básico.
Buda está sobre o lótus, na mão direita ele tem um Vajra, que significa que ele consegue ver toda a realidade como inseparável de Darmakaya, da natureza primordial. O dorje, numa ponta é o samsara, outra ponta a lucidez, o centro é tigle, o foco da mente. O foco da mente pode se deslocar tanto para o samsara, como para a lucidez, mas eles são inseparáveis. Não há como separar uma única peça.
Na mão esquerda ele tem a copa de crânio, e dentro da copa de crânio um vaso. Esse vaso representa o espaço básico e a copa de crânio é a mente. Dentro da mente traz o que? O espaço básico.
A partir dessa experiência do espaço básico, ele tem a experiência da mandala Vajra, ele vê com lucidez em todas as direções. Mas esse Buda montado desse modo, ele é antropomórfico, essa situação da lucidez ser antropomórfica é um caso particular do espaço básico.
É muito importante seguir relembrando o espaço básico, onde não tem nada antropomórfico, onde a lucidez não precisa ter um aspecto humano. É a lucidez, que é o espaço básico, silêncio, natureza sem condicionantes.
O Buda se manifestando em corpo físico, ele está, especialmente, para benefício dos seres humanos. Acima do Buda, Amitaba, que representa o Buda Primordial, que representa o espaço também, sabedoria discriminativa que brota da natureza primordial.
Então essa é motivação. A gente treina isso. A gente está em alguma etapa. Mais comum é que esteja grudado no lodo ou na água. Aspirando aparecer um talo do lótus em algum lugar, com algumas dúvidas, a gente não quer que apareça sempre.
Nós estamos num método circular, mesmo que ela seja o primeiro ponto, a motivação só vai se realizar, depois que a gente cumprir todo o caminho e retornar a ela. Mas a gente faz todo o caminho e ainda falta um pedaço, tem que passar várias vezes por tudo. A gente vai indo.
Isso é o giro da roda do Darma. A roda do Darma vai girando, cada pedaço vai ficando mais claro.
3. dia - Noite
Ação na vida cotidiana e ponto último
A gente está com esse ponto de ação na vida cotidiana e ponto último.
Eu queria descrever as 4 ações no mundo.
A gente precisa observar isso, saber como interpretar essas ações. Precisa de meios hábeis de como andar em meio ao cotidiano.
Podemos fazer brotar essa motivação, como está na imagem de Guru Rinpoche: começa com o lodo, água, surge o talo do lótus. Tem o momento que a flor de lótus surge a partir dos meios hábeis, as pétalas são meios hábeis. Então Buda senta sobre um lótus de mil pétalas, ou seja, meios hábeis infinitos, dos mais variados que podem se ampliar sempre.
Na verdade, os meios hábeis precisam se ampliar sempre. Isso é um pouco dramático, é um pouco perturbador, eventualmente. Porque ainda que o Buda tenha dado todos os ensinamentos, o samsara se ampliou, ou seja, a confusão se ampliou do tempo do Buda para hoje.
A mente expansiva, que vai criando conexões e fazendo coisas, vai se ampliando. Essa mente coletiva, alayavijnana vai se tornando mais complexa.
Quando Buda viveu, 2600 anos atrás, o samsara era mais simples. Agora o samsara se densificou, se tornou mais complexo, mais sólido. Isso não quer dizer que o samsara não tenha se densificado muito até o momento do Buda.
Olhem a relação com o próprio corpo. Tomamos o corpo como uma coisa pré-existente. Tem uma inteligência própria em vários níveis. Todos esse níveis são do samsara. Levou um tempo para se estabelecer e estamos acrescentando níveis adicionais de samsara, de respostas automatizadas, limitadas, vendo outros níveis que continuam se estabelecendo.
Hoje o Budismo tem que dialogar com outras ciências como psicologia, ciência, filosofia, economia. São coisas que não havia na época do Buda. Não tinha que lidar com esses obstáculos, ou com essas visões estabelecidas.
Hoje o samsara tem sensação de solidez. Nesse sentido, os ensinamentos têm que se defrontar com esses aspectos todos. A expansão do samsara obriga a expansão também da lucidez, da capacidade de compreensão de como essas coisas são limitadas. Elas são vacuidade. Brotam de inteligências atuando sob condições. A gente precisa entender isso.
Naturalmente em cada geração os desafios diferentes são um pouco diferentes. Não podemos encontrar no Buda o encontro com a psicologia, filosofia, as múltiplas tradições religiosas, nem tampouco com a ciência, economia, o Buda não se defrontou com esses obstáculos. Mas a mente búdica, que vem da dimensão aberta do espaço básico, a mente do espaço básico vai propiciando esses ensinamentos.
O mestre Thinley Norbu, que considero um mestre completamente iluminado, filho de Dudjon Rinpoche, pai de Dzongsar Khyentse Rinpoche, no texto Magic Dance, ele discorre sobre coisas do tempo contemporâneo. Ele viveu por agora, morreu recentemente, morreu aos 80 anos de idade.
Mas teve tempo de ter esse contato próximo com a cultura contemporânea.
Ele lembra isso, ele cita várias coisas do mundo contemporâneo. É muito precioso ver o Darma fluindo numa linguagem desse tempo, lidando com os obstáculos que estamos lidando. Ele adaptando a linguagem tradicional, dentro de exemplos contemporâneos.
Isso na linguagem Nyingma, vamos dizer que ele é uma emanação, um terton, de Guru Rinpoche. É capaz de manifestar a mente de Guru Rinpoche em meio às condições atuais como se Guru Rinpoche estivesse vivo. É capaz de manifestar a mente do Buda em meio a condições atuais como uma mente viva.
Porque a mente de Buda é uma mente viva. Não é a mente de alguém que passou. O Buda não é um Nirmanakaya.
No final da vida ele mesmo diz: eu manifestei um corpo de sonho, para seres de sonho, imersos em sofrimento de sonho, eu não vim e não vou.
A mente de Buda pertence ao Sambogakaya e Darmakaya. É uma mente que perece no tempo, não está limitada ao corpo físico.
Do mesmo modo que em nosso sonho a gente vê, escuta dentro dos sonhos, se move dentro dos sonhos, no entanto, não tem nenhum movimento, não tem nenhum corpo, não tem olho ou órgão dos sentidos. Do mesmo modo, nesse nível sutil, os Budas se manifestam.
A capacidade de pensar, olhar e trazer benefício aos seres independente de ter ou não ter um corpo físico, todos nós temos essa liberdade de manifestar isso.
Queria trazer o tema das ações em meio ao mundo, é um ensinamento tradicional. Há 4 formas de ação. Nós estamos presos dentro das várias circunstâncias.
Ação de poder
A forma de ação mais importante é ação de poder. Tem como característica não ser afetado com a negatividade ao redor. Como o talo do lótus. Está enraizado na negatividade e no sofrimento, mas ele mesmo não manifesta a negatividade ou sofrimento, está completamente imune. A compaixão se alimenta da negatividade e do sofrimento. O talo não se confunde com o lodo e água, não é perturbado.
A primeira visão é não se perturbar, não perder o equilíbrio diante dos obstáculos. Na shamata dos 5 elementos, quando desenvolvemos o equilíbrio da energia vindo de uma fonte primordial que independe de causas, naturalmente, se nós mantivermos a energia estável diante das coisas, nós não somos arrastados.
A base da ação de poder não é processo cognitivo no qual a gente se opõe ou se isola dos obstáculos como ele surge. Essencialmente, vendo os obstáculos, nós não alteramos a nossa condição de energia, abre esse espaço entre estímulo e resposta. Abre isso tão amplo quanto se queira. Equilibramos a energia diante dos obstáculos, eles aparecem, mas é como se tivesse um corpo translúcido. Aquilo vem, toca, atravessa e não perturba. Isso permite que os obstáculos cheguem muito próximo e podemos fazer outras ações.
Outro aspecto da ação de poder é o fato de simplesmente manter o equilíbrio da energia e uma atitude de mente positiva focada. Apenas essa posição já quebra o aspecto ilusório ao redor. Já desmancha as bolhas de realidade que nos arrastariam ou que arrasta as pessoas.
Uma pessoa lúcida num ambiente é o suficiente para iluminar uma sala escura inteira, quebra a escuridão. Se simplesmente mantivermos esse equilíbrio, o aspecto ilusório se quebra. As pessoas olhando para nós, elas aprendem pelas costas, não tem o aspecto verbal. Pelas costas elas já percebem e o aspecto de escuridão se quebra.
Como vamos praticar esse equilíbrio? Essa capacidade? Praticamos com shamata. Com mais capacidade, praticamos como Guru Rinpoche, ele tem um Vajra na mão direita que usa na posição de atemorizar as negatividades. Vai usar na posição que se defronta com as negatividades e o que obstaculiza, ele dissolve as negatividades. O vajra é compreensão da vacuidade, de como os objetos surgem, como as aparências surgem inseparáveis, o aspecto primordial e o aspecto condicionado aparecem juntos. Na medida em que vemos isso, temos essa proteção natural.
Guru Rinpoche tem essa capacidade de ver o aspecto primordial presente nas manifestações comuns. Esse olhar retira a fragilidade frente às aparências. Como se nós não fossemos arrastados para dentro das bolhas de realidade, mas se tivesse capacidade de reconhecer as aparências nas formas como elas verdadeiramente são e não como o aspecto ilusório surge. É base para ação de poder.
Na mão esquerda de Guru Rinpoche, a copa de crânio, ou seja, a mente dentro dela, o vaso. Então ele se mantém nessa condição de espaço amplo. O vaso significa o espaço básico, por isso ele tem a compreensão do vajra. Isso seria o aspecto de perfeição dessa atividade de poder.
Percebe perfeitamente as coisas como são e não é arrastado por coisa alguma. Mantém a mente dele completamente equilibrada com o espaço básico. Desse espaço básico brota toda a compreensão. Ele é um Buda. Só um Buda tem copa de crânio em uma mão esquerda, dentro dela o vaso e o vajra na mão direita, elementos de um Buda. Isso é ação de poder.
Onde ele está dissipa a ignorância. Ele rompe a aparência ilusória e é completamente inabalável frente à negatividade que possa surgir ao redor.
Uma das emanações dele é Dorge Drolo, que simboliza o devorador ou destruidor de demônios, que são negatividades internas em nós ou nos outros.
Na verdade, os demônios não são seres. Eles estão antropomorfizados. Os demônios são orgulho, inveja, desejo e apego, ignorância, raiva, rancor, ódio, medo - aquilo que nos perturba. Então Guru Rinpoche é devorador da ignorância que se manifesta como essas emoções perturbadoras e que nos arrasta.
Por vezes, essas emoções perturbadoras surgem em outras pessoas. Guru Rinpoche é devorador das emoções perturbadoras que surgem dos outros também, ele destrói isso. Ele manifesta ação de poder e ação irada. Dorje Drolo manifesta ação irada. Ele manifesta isso. Ação de poder é muito difícil e ação irada também é muito difícil.
Ação irada
Ação irada significa que não deve deixar a negatividade vencer. Não só deveria ficar imune a negatividade, como não deveria deixá-la vencer, dentro de nós ou dos outros. Se ela vence, a medida que os seres obtém sucesso a partir de ações negativas, eles tendem a perseverar naquilo e vão fazer ações iguais ou piores.
É falta de compaixão fechar o olho e deixar a negatividade seguir. A gente pode não saber como lidar. Não sabendo, não ter meios virtuosos de intervir, talvez tenha meios não virtuosos de intervir, não é interessante.
Isso significa que vamos gerar ações não virtuosas a partir das ações não virtuosas dos outros. Não adianta, é a mesma coisa que estar contaminado. Como se a ação de poder não fosse possível, porque nos perturbamos a ponto de fazer ações não virtuosas para as outras pessoas, porque eles estão fazendo ações não virtuosas.
Na verdade, é como se estivéssemos aumentando o carma do outro. Um faz ações negativas, o outro também começa a fazer, então as ações negativas se ampliam a partir da ação de alguém. A gente não deveria fazer isso.
Se não sabe o que fazer a gente recua. Essa é uma ação. Não fazer as ações não virtuosas já é uma boa coisa. Deveria abster-se disso. Quando a gente não consegue se defrontar e evitar as ações não virtuosas, não quer dizer que desista, a gente não sabe como fazer. Pode esperar oportunidade melhor, pode aspirar numa outra condição. Aparecerem os meios hábeis que a gente sabe intervir e não desiste. Mantém um cuidado constante.
Ação pacificadora
Todos nós gostamos de fazer, a gente chega a algum lugar e as pessoas estão perturbadas. A gente consegue tranqüilizar a pessoa e consegue acalmar aquilo. De modo geral, ficamos super felizes quando temos êxito. Ação pacificadora parece ser a única ação. Porque eu vou exercer a ação de poder para fazer a ação pacificadora.
Se estou sendo atacado, perturbado, o que tenho que fazer é acalmar o outro e colocar o outro numa condição positiva.
Ação pacificadora, por vezes, ela parece ser a única ação real, mas se a gente olhar a ação irada, a gente também vai pensar: eu faço a ação irada para poder fazer a ação pacificadora.
A gente rompe a negatividade, acalma o outro, deixando numa condição mais equilibrada. A ação pacificadora parece ser a mais importante.
À medida que vemos a ação pacificadora, ela pode ser mais ou menos assim: A gente olha as ações não virtuosas – não matar, a gente se move para que os outros não matem. A gente eventualmente está fazendo uma ação irada, está interrompendo alguma coisa. A ação pacificadora correspondente é cuidar da vida dos outros seres, é uma ação positiva.
A pessoa tem um impulso de roubar. Se a gente consegue evitar isso, é uma boa coisa. Se a pessoa matar e der certo, roubar e der certo, a pessoa terá a tendência de repetir. Nós ajudamos a pessoa a proteger as vidas ao invés de matar. A gente ajuda as pessoas a manifestar generosidade no lugar de roubo.
Tem as ações sexuais não virtuosas ou impróprias, a gente evita que isso aconteça e promove as ações que sejam virtuosas.
Do mesmo modo, a pessoa agride com palavras, com ação pacificadora a gente vai promover a fala virtuosa, a fala tranqüilizadora.
As pessoas criam discórdias, falam mal uma das outras, nós ajudamos as pessoas para que falem bem uma das outras e evitem isso.
Pegamos cada uma das ações não virtuosa e promove a ação virtuosa correspondente. Vamos pacificando.
Evita que as pessoas mintam e promove que falem a verdade. Tudo começa a se organizar. Ajudamos aos outros para que não olhem os outros de forma negativa, mas que dêem um nascimento positivo aos outros. Que a pessoa não fique presa as negatividades que o outro manifesta, mas que a pessoa veja as qualidades do outro e seja capaz de relacionar-se com o outro a partir das qualidades.
Assim vamos desenvolvendo a ação tranqüilizadora.
Ação incrementadora
Tem a ação incrementadora na qual a gente entende que poderia reunir e oferecer condições favoráveis para que os aspectos virtuosos sejam praticados pelo outro.
Ajudamos o outro a fazer coisas melhores. Ajuda que o outro tenha os meios para se mover de forma virtuosa.
Podemos cuidar das crianças, ajudar pessoas que estão em dificuldade. Os médicos também podem estar exercendo ações incrementadoras. A pessoa é ensinada a como se alimentar melhor, evitar doença para andar no mundo.
Ajudamos o outro a interromper a sua fixação a aspectos negativos que estejam se manifestando. Faz esse esforço e evita que o outro fique preso naquilo.
Ação nos 6 reinos
Essas 4 ações, tentem olhar com cuidado como ela poderia se exercer em cada um dos 6 reinos.
Entre os reinos mais difíceis, está o reino dos infernos. Os seres com intenção negativa imaginando que ao perseguir os outros eles podem ter alguma vantagem. É natural que quando os seres estão nos seres dos infernos, a ação irada seja inevitável, precisa usar isso. Eles têm um impulso natural por ações negativas e precisamos evitar isso. Por outro lado a compaixão é completamente necessária. Praticamos, em qualquer âmbito, compaixão, amor, alegria e equanimidade são nossos meios hábeis.
Às vezes a situação no reino dos infernos é tão intensa que a pessoa não pode nem chegar perto. Eu já vi, até recentemente estava em contato com uma pessoa nessas condições. É uma situação super difícil. Toda a proximidade que ela tiver, a pessoa usa como uma coisa negativa, para causar obstáculos em muitas direções.
Se ela se aproxima do Cebb, ela pode mais adiante, falar que está próxima do Cebb e que se misturou com ela. Ela começa a usar isso como se fosse uma forma de se apresentar para as pessoas para depois obter vantagens que são completamente sem sentido. A proximidade da pessoa possibilita que ela tenha uma postura diante dos outros, como se ela tivesse um respaldo. É muito difícil isso. Vou consultando a sanga para saber o que fazer. Tem pessoas que são super articuladas e é super difícil de lidar.
Por outro lado, nosso voto é compaixão, a pessoa está agindo de forma negativa. Isso não é uma vantagem para a pessoa. Então a gente evita que a pessoa tenha vitória, que consiga expandir a negatividade. Tem que ter ação de poder, para manter a moralidade na forma exata. Para não ser atingido. Essas pessoas ficam procurando formas de atingir por uma índole dos infernos. Acontece na vida particular em todo o âmbito.
Talvez o mais difícil também seja lidar com as pessoas no reino dos deuses. Porque as pessoas que estão no reino dos infernos estão fritando, estão muito mal. Aspiram sair daquilo, não estão felizes ali. Já as pessoas do reino dos deuses elas são sedutoras, não se aproximam de forma ameaçadora, logo localizamos. Aproximam-se de forma sedutora. Então é mais difícil localizar os obstáculos. As ações do reino dos deuses são negativas porque pertencem ao samsara. Mas a pessoa naquele âmbito do reino dos deuses, ela mesma não tem sofrimento. Ela mesma não localiza os obstáculo, é mais difícil.
É mais fácil sermos arrastados por pessoas do reino dos deuses do que dos infernos. A pessoa do reino dos infernos tem uma cara horrível, é mal cheiroso, mal intencionado, é visível. Agora o pessoal do reino dos deuses é uma devastação, a gente cai direto. Vão oferecer coisas favoráveis, são sorridentes, inteligentes. São inteligências que pertencem ao samsara e nos conectam. Podemos levar anos sem perceber. Desviam-nos do rumo e vamos aparecer não sei bem onde.
Houve uma época que eu ouvi essa história e lembro direitinho. Era um grupo zen e tinha uma praticante num outra cidade e apareceu um ser alado. Avião particular, o que fazer, fez contato, fez prática, super sedutor. Levou a moça para todos os lados, mas um dia disse tchau e ela voltou a meditar, se deu conta que Buda é constante. Sempre disponível. Se ele não tivesse deixado ela de volta, estaria voando por ai.
Reino dos deuses é um perigo, se chega alguém mal cheiroso, pé descalço, assustando todo mundo, despacha urgente.
Mas para um Bodisatva não. Entra aquele ser e ele diz: tome um banho, alimente-se, descanse um pouco, relaxe, porque sua cara está horrível. O ser está assim cheio de golpes variados, nós temos que olhar para aquilo e não permitir que fique tão próximo, nem tão longe e de algum modo vá se beneficiando. Não é uma coisa fácil
Os seres humanos também são um pouco problemáticos. Eles são atraentes. Entra pela porta, não vai dizer: vou levar você de avião para lá e para cá. E sim: eu tenho um apartamento pequeninho, se quiser eu vou ficar feliz, até se você tiver uma renda ajuda a pagar o apartamento, ou o aluguel, nós podíamos ser felizes nós dois. Na verdade tenho umas 3 namoradas, mas você morando lá tudo bem! Esses são os seres humanos. Aquilo vai indo do jeito que dá! Tentei trabalhar e não consegui muito, minha mãe me ajuda e a sua mãe não te ajuda? Vamos juntar as mães! Eu pensei um dia ter um emprego, mas estou um pouco desistindo... Mas eu tenho um tio, ele teve sucesso! Trabalhei 2 anos com carteira assinada, bem sério. O patrão era horrível. O reino humano tem um pouco menos de charme.
O reino dos semi deuses já é um pouco melhor. Eu já ganhei disso, ganhei daquilo. Fiz aquilo. Eu sou maior que aquele, eles estão lá em cima, mas eu ainda não cheguei lá. Tem uma disputa constante. Na verdade eu entrei na mesma escola que ele, só tive um problema, ele subiu e eu estou aqui, mas... Eu conheço bem, não é nada não. Era o pior da turma, não sei como subiu. Eu dava cola para ele. São seres competitivos. O meu chefe, tá por cima, nós trabalhamos e ele mostra o relatório, isso é injusto, quem trabalhou? Ele não se lembra da equipe. Quero um aumento do salário.
Os seres do reino dos animais têm um pouco de fumaça, surfe, nenhum planejamento, nada e vai indo. Se pintar alguma coisa, vai indo.
Tem os seres carentes tem menos magnetismo e grudam de vez em quando. Eventualmente, chegam com olhar no infinito, diz que nunca ninguém compreendeu a não ser a falecida mãe. Ai o coração feminino é tocado: esse ser eu vou cuidar.
Eu acho que a natureza feminina, Arya Tara realmente existe. Vejo a capacidade de acolher os seres em qualquer um dos reinos. Qualquer situação. Se vier alguém do reino dos infernos, ela fica firme na hora. Com um pouquinho de carinho, a gente faz um bolo, um chá, arruma a cama para ele descansar, acomoda o outro e a pessoa vai florescer.
A sorte do mundo é Arya Tara. Socorre os seres de qualquer reino. É certo que elas preferem socorrer as pessoas do reino dos deuses... A gente precisa desses meios hábeis.
Nos infernos, a gente precisa de ação de poder, ação irada, ação pacificadora e ação incrementadora. Vai girando. De tanto em tanto, ação irada. É inevitável. A gente não pode simplesmente concordar. Tem que interromper.
Naturalmente essas ações, em todos os casos, brotam da compaixão, amor, alegria e equanimidade, generosidade, moralidade, paciência, energia constante, concentração e sabedoria. Que é o quadro de 200 itens.
No mínimo, as 4 qualidades incomensuráveis - compaixão, amor, alegria e equanimidade. Que se manifesta como ação de poder, ação irada, ação pacificadora e ação incrementadora.
Para saber qual ação usar, precisamos fazer shamata. Ganhar estabilidade. Shamata pura. Estabilidade em meio a condições, para a gente escolher a ação.
Caso contrário, estamos tão responsivos em faixa 1 que as coisas acontecem e já respondemos imediatamente. A gente não tem chance nenhuma. Chance Zero.
Se a gente não praticar shamata, a gente já precisa ter nascido com aquilo. Já tem que ter essa habilidade de saída. Se não tivermos, vamos precisar ganhar essa habilidade. Meio hábil. Precisaremos de meditação em silêncio.
Perguntas e Respostas
P: Qual ação devemos utilizar no reino dos deuses?
L: O primeiro ponto que a gente precisa pensar é que eles não são fontes de refúgio. Chegam os seres poderosos, tem visão ampla, meios amplos e que eventualmente tem olhar protetor. A gente pensa, eles são fontes de refúgio. Precisa ter muita clareza com respeito a isso.
O segundo pensamento com relação aos deuses é que eles são candidatos muito fortes a se transformar em seres dos infernos. Fazem ações positivas, geram méritos, mas a mente deles é condicionada. Operam tentando obter resultado. Num certo momento, eles podem se frustrar. Por mais ações condicionadas que eles façam, nunca conseguem resolver tudo. Não conseguem manipular todas as coisas e eles pensam: eu ajudei tal pessoa, mas ela está manifestando coisas negativas. Lentamente aumentam a frustração e desistem.
Uma pessoa pode tentar manipular o samsara através de ações positivas condicionadas imaginando: eu trago benefício para as pessoas, vão se transformar em alguma coisa e vão dar algum nível de retribuição para mim. É caminho para o reino dos infernos direto.
Começa a fazer ações positivas intencionais. Ele está cobrando alguma coisa. As pessoas não vão fazer isso, o resultado é incerto. Não tem garantia nenhuma que as pessoas vão se comportar bem ou vão fazer coisas positivas.
Se a gente tiver essa cobrança, a gente vai ter as ações correspondentes. E paulatinamente vamos para o reino dos infernos. Pode chegar ao ponto que a gente não ajuda ninguém. Todo mundo que chega pedindo ajuda, a gente tem vontade de bater. Porque hoje a pessoa é ajudada, mas amanhã ela trai, faz uma atrocidade. A pessoa começa a transformar o impulso de ação positiva em impulsos de visões negativas.
Esse é o giro da roda. Na roda da vida, isso corresponde ao lado direito do segundo aro. Quando as pessoas estão num ponto elevado e repentinamente elas caem em direção aos infernos. No reino dos deuses a gente tem que ter muito cuidado porque as pessoas passam mal. Já vi várias pessoas no reino dos deuses em situações muito difíceis.
Justo por isso, às vezes são pessoas que herdaram, falam várias línguas, mas não consegue lidar com o samsara de tal modo que aquilo funcione. Começa a ser cercado por pessoas que vão explorando elas, vão fragilizando, gerando ações negativas. Eventualmente, os próprios parentes vão produzindo isso. A pessoa vai envelhecendo, vai perdendo poder, o que estão em volta vão roendo, destruindo aquele conjunto de méritos que a pessoa herdou e montou. Eles vão predando.
A pessoa vai se amargurando e não tem ninguém que ela confie. Quem está em volta começa a predar. Como um animal ferido.
Eu já vi várias pessoas do reino dos deuses em situações assim. Quando vai conversar com a pessoa, ela tem educação, se importa, mas já tem idade e não tem mais como manter. Akira Kurosawa, no filme RAN fala sobre a decadência do rei, do poder. É muito comum que esses seres passem mal em certo momento.
P: Estou vivendo uma situação no trabalho com uma colega que está no reino dos infernos infernizando todo mundo. Alimenta-se de fazer mal para os outros. Tenho feito metabavana, meditado, mas ainda sinto raiva. Quando entro em contato, não consigo ter compaixão. Entendo que ela está numa bolha, entendo o sofrimento dela, mas prefiro nem enxergar a pessoa. Eu me sinto fragilizado, não sei como agir.
L : É difícil, às vezes a pessoa pode fugir. Há situações que a pessoa não consegue fugir, nem agüentar. O samsara tem essa característica. Às vezes a gente consegue trabalhar. No mínimo, ao praticar metabavana e gente tenta entender que aquilo não é bom para a pessoa. Não há nada de interessante. Ela está perturbada e está super difícil.
Às vezes, não tem nada para fazer a não ser rezar. De modo causal, não há nada para fazer, também pode esperar a oportunidade. Acho interessante não perder contato. O mínimo que não cause dano, pode ser periódico com espaçamento possível. Porque os seres que estão no reino dos infernos estão muito isolados. Ninguém quer seres dos infernos por perto. Eles estão em grande solidão.
Essa é uma boa oportunidade de desenvolver contato, uma resposta positiva, criando um canal de comunicação, que mais adiante amadurece. Então se torna um canal possível de trazer benefício. Tem um período que pode ser longo, que a pessoa pode não ter essa sensibilidade. Ela só bate, só agride.
Eu gosto dessas situações. Essa ainda é uma situação branda, têm outras muito negativas. Essas pessoas começam a reagir, a melhorar, mas nada menos que 5, 10 anos para fazer uma mudança efetiva. Mesmo que ela queira, ela não consegue.
Às vezes a pessoa está numa região de alayavijnana, submetido a um tipo de carma que foi estruturado por experiências anteriores, então a pessoa leva um tempo. Mesmo que elas aspirem. não conseguem mudar, levam um bom tempo. Nessas situações de carma, estruturas cármicas, 10 anos não é um tempo muito longo. Eu não gosto de dizer isso, porque é desanimador.
O aspecto positivo disso é melhorar 5%, não é tão difícil. Melhorar 2% não é tão difícil. A pessoa faz uma pequena melhoria e isso produz uma alteração interna que coloca a pessoa em marcha.
Como se a pessoa estivesse num ambiente que faltasse ar. E a pessoa respira 5% do que precisa, mas não morre, daí ela sofre. É doloroso.
Se a pessoa tiver possibilidade de ir para bolhas melhores, do samsara, é uma boa coisa. É uma forma de transmitir méritos. A gente consegue ajudar a configurar as situações positivas. Consegue que os outros ao redor dêem nascimento positivo para a pessoa. Uma coisa que pode parecer milagroso é nossa capacidade de ver qualidades dentro do outro, ao invés de olhar obstáculos, a gente vê qualidades. A gente vê as qualidades e dá nascimento ao outro a partir das qualidades. Ou seja, a gente tenta estabelecer conexão com aquelas qualidades. E como aquelas qualidade estão existindo, a gente estabelece uma relação por ali.
É como se estivesse criando uma outra bolha. A pessoa está inserida num contexto que é super negativo e a gente cria, descobre coisas, que a pessoa pode se movimentar. A gente começa a se relacionar a partir dessas coisas.
Quando vem a região de problema, pode dizer: esse tipo de coisa eu não quero lidar, eu prefiro lidar com isso. E a gente começa a regular isso, essa é uma forma.
A sanga representa isso. Todos nós estamos no samsara. Nós temos vínculos com todos os reinos, incluindo os infernos, os deuses. Podemos transitar por dentro do samsara, de alayavijnana, como tem se manifestado com todas as negatividades. A gente tem essa capacidade. Mas quando a gente se reúne na sanga, fica todo mundo com cara de anjo, porque a gente se relaciona desse modo. Quando a gente vai conversar com o outro não fica procurando as cracas, procura as coisas positivas. Isso configura a sanga. A sanga é um lugar maravilhoso.
Quando a gente chega aos locais, se a gente começa a olhar os seres a partir das qualidades positivas deles, a gente vai estendendo a sanga. A sanga vai se ampliando.
Chagdud dizia que lidar bem com pessoas pacíficas e positivas isso qualquer um faz, qualquer mestre faz. Ele classificava os mestres assim. Os mestres que lidam com seres muito problemáticos, esses são raros. A gente pode pensar: as pessoas que fazem ações negativas, são hostis, amargas, difíceis, estão muito sozinhos. É muito difícil alguém chegar do lado e ajudar. Pode ser que de nós brote a compaixão. A compaixão vai se manifestar especialmente olhando as qualidades que a pessoa tem. Todos os seres têm qualidades. Mesmo os seres tão simples como os animais tem a capacidade de olhar e contornar os obstáculos e estabelecer uma conexão positiva.
P: O inconsciente seria ausência da lucidez. Aí pensei no inconsciente coletivo que seria uma sabedoria que transcende as identidades por isso ela é coletiva. E ela é inconsciente porque está além dessa consciência do samsara como a gente conhece. Eu tentei fazer uma associação do é, não é, é, com consciência, inconsciência individual e inconsciente coletivo.
L: Isso não é bem verdade. Esse inconsciente coletivo de Jung eu acredito que ele tirou isso do budismo mesmo. Porque no budismo tem o conceito de alayavijnana, que é como se fosse uma mente depósito. Vamos supor, um professor desloca o aluno para uma região que o aluno não está vendo, mas ele vê. Alguém que sabe alguma coisa introduz o outro numa região onde ele está.
O professor está numa região que o aluno não consegue entrar. Então o aluno segue a instrução do professor e começa a ver o que o professor vê. Então aquele conteúdo está disponível para todos, mas a pessoa não está acessando.
Estamos numa certa região, nossa opinião muda e começamos a ver como a outra pessoa. Essas regiões onde andamos não precisam ser certas ou erradas, são regiões que estamos andando. A gente tem a capacidade de introduzir o outro naquilo, como alguém que ensina uma receita.
Não sei como cozinhar palmito, não sei como extrair broto de bambu, mas alguém sabe. Posso nunca ter ouvido sobre broto de bambu, como a gente come, como a gente encontra, mas tem alguém que sabe.
Tem alguma coisa disponível e a gente acessa. São coisas cármicas, não são coisas amplas. Essa região inconsciente não é a região mais profunda. É a região que nós habitamos, mas é inconsciente. A gente olha para as coisas, brota natural e aponta os objetos. A gente não se dá conta que temos uma região cognitiva que estamos acessando quando vemos os objetos. Por isso é inconsciente.
A gente vê objetos. Não vê a região cognitiva que está atuando. Eventualmente alguém vê um objeto de um jeito e o outro vê o objeto de outro jeito e não consegue entender bem.
É como uma pessoa que está acostumada a viver nos centros urbanos e morre de fome numa floresta. Assim como uma pessoa da floresta morre de fome num centro urbano. Elas não sabem como lidar. Tem uma população grande que sabe andar na grande cidade, outros que sabem andar na floresta, mas se a gente não tiver iniciação daquilo a gente passa mal, passa fome literalmente.
Mesmo os indígenas eles tem que aprender. Isso é uma coisa bonita de entender de como eles vão lidando, são capazes de olhar as árvores e encontrar alimento. Outros olham as árvores e não vê o alimento. Esse é o ponto desse conjunto de compreensões que está disponível e a gente pode acessar ou não.
P: Sou advogado e vejo o sistema penal como algo muito ineficaz, pois se baseia exclusivamente no castigo, não atingindo realmente o ser e não o desestimulando a novas práticas delituosas. Como atingir alguém que há muito não pensa mais no próximo, mas somente a si mesmo?
L: Isso não é uma coisa muito fácil. Todos os seres têm inteligência. Isso não quer dizer que as pessoas que tenham feito ações não virtuosas ou ações criminosas que seja, elas não têm capacidade de ver o outro. Só que eles vêem o outro dentro de um processo utilitário. Eles vêem e aprisionam o outro naquilo.
Por exemplo, quando as pessoas estão muito auto-centradas, a vida delas é muito difícil. Elas começam a ficar com cara horrível, vão se sentindo mal. O fato da pessoa se sentir mal, torna ela vulnerável a alguém que possa abrir a visão.
Ela pode ouvir alguma coisa. Maharaja é implacável e destruidor com as pessoas que estão auto-centradas. A pessoa sente mal, pois a sensação de bem estar está ligado a algo mais amplo, se não gerar sabedoria da igualdade não tem felicidade possível.
4.dia - Manhã
Liberdade Natural do Espaço Básico
No que diz respeito ao ponto último estamos considerando o aspecto da liberdade natural do espaço básico. Fica mais fácil a gente olhar assim o ponto último. Ou seja, nós estamos imersos nas várias dificuldades, mas sempre vai espreitando o fato de que estamos dentro de bolhas de realidade, que são expressões de um tipo de opção de liberdade.
Nós olhamos os seres em todas as direções. Cada um dentro de suas bolhas. Não que cada ser tenha a sua bolha, mas tem uma diversidade de bolhas. Eles vão pulando e nós temos essa possibilidade, essa inter-subjetividade. Ou seja, podemos compartilhar espaços mentais, emocionais uns com os outros. Isso não quer dizer que ficamos o tempo todo naquilo.
As pessoas estão dentro de espaços, daqui a pouco pulam para outros espaços. E aquelas outras pessoas ficaram ali, daqui a pouco pluft, vão para outro lado.
A cada dia, o dia inteiro é uma sucessão de bolhas de realidade. Tem uma coerência, compartilha com o outro e depois transfere para outra bolha e vai indo.
A gente não tem propriamente uma continuidade de vida, isso lembra um pouco a definição dos estados quânticos. Similaridade, porque quando trocamos de uma bolha para outra, não tem propriamente uma causalidade. Não é porque a gente vem fazendo um certa coisa dentro da nossa bolha que a gente vai para a outra. A gente vai para outra simplesmente. Tem um momento e a gente passa para outra.
Quando estudamos física quântica, vemos que também não tem causalidade na transição dos estados. Eu procuro não olhar isso como se fossem realidades diferentes. Porque na verdade, mesmo quando a pessoa está olhando o mundo da física microscópica, da física quântica, a pessoa pensa que está olhando o mundo externo, mas ela está seguindo os padrões dela. Não tem como olhar qualquer coisa fora, se não como um espelho do que temos dentro.
Isso, na verdade, é a essência da física quântica. O fato de que quando estamos observando alguma coisa, a primeira coisa que a gente deve estar consciente é: quais são as nossas perguntas? Porque aquilo que a gente vai olhar fora vão ser as respostas que a gente tem ou os posicionamentos que a gente tem. Quando nós trocamos as perguntas e os posicionamentos internos, as aparências também mudam.
É visível e muito claro. A ciência moderna inclui isso. Isso não quer dizer que todos os cientistas entendem isso. Eles operam desse modo. De modo geral, é uma minoria. Mas há um número importante de cientistas que observa e entende isso.
Na visão budista existe um contínuo. A própria palavra tantra está ligada a esse contínuo. Existe um continuo que não se perturba dentro das manifestações das múltiplas bolhas. Vêm as bolhas, a gente entra nas bolhas, vai para outra bolha, mas há uma continuidade.
Se nós existíssemos apenas dentro das bolhas, quando a gente desaparece dentro daquela bolha vai dar um desaparecimento, a gente some. Na verdade, a nossa mente opera dentro de uma bolha e depois zupt para outra bolha.
Porque tem uma continuidade. O aspecto mais importante que a gente poderia focar durante o caminho espiritual e a própria vida é tentar encontrar esse contínuo que é o espaço básico ou vacuidade ou ausência de especificidade interna.
Os mestres vão gerando diferentes linguagens. Eu acho que diferentes linguagens, vindas de diferentes grandes mestres são interessantes. A gente vai olhando e vai entendendo a unidade dessa visão.
A visão de contínuo é uma boa visão, mas ela tem algumas dificuldades. Por exemplo, a gente tem uma sensação que tem uma decorrência temporal. Na verdade, nesse âmbito uma vez que tem a vacuidade, o tempo desaparece. Uma vez que não há alteração e não tem conteúdo. Não faz sentido mencionar tempo, porque não há nada mudando. O que há hoje, há amanhã, depois de amanhã, o tempo é o que? O tempo não é nada. Porque nada muda. Vou medir o tempo? Vou me referir a tempo pra que? Por quê? Se dentro desse âmbito nada ocorre.
Mas quando comparamos a mudança contínua das coisas, podemos imaginar que há uma continuidade. No sentido de que as coisas mudam constantemente, enquanto que a natureza não muda, podemos dizer que há continuidade.
Essa natureza é esse mistério. A gente pode pensar desse modo. Eu gosto dessa palavra mistério. Uma vez que não tem conteúdo dentro. Não consegue localizar nada dentro.
Mas misteriosamente, dessa natureza espacial, contínua brotam coisas extraordinárias, como sabedoria primordial, essa natureza livre tem uma capacidade cognitiva. A análise dessa capacidade cognitiva ela revela algo extraordinário.
A gente nem consegue entender bem o que é capacidade cognitiva. A gente entende o que a cognição propicia.
O fato de olhamos para as coisas e ser capaz de reconhecer pressupostos e bolhas de realidade, inter-subjetividade, isso é sabedoria primordial.
Existe um outro tipo de cognição que é nós mesmos dentro das bolhas vermos o que é melhor, andar para cá ou lá, a gente obtém resultado. Mas existe esse aspecto dentro da perspectiva do contínuo e do espaço básico. As realidades surgem como bolhas, elas não dialogam completamente umas como a outras, com os mesmos significados.
Mesmo as nossas próprias situações, como por exemplo, a pessoa tem um filho. Tem um momento que ela precisa fazer a transição de bolha. Ela está dentro de casa cuidando das crianças, quando ela sair para o trabalho, os elementos da bolha doméstica não deveriam acompanhar. A pessoa chega ao trabalho e foca no que tem que fazer. É assim ou pelo menos o chefe vai cobrar isso. Porque é outra situação. A pessoa pode até transportar alguns elementos, mas esses elementos não são interessantes.
Se a gente quiser analisar, eu fico constantemente contemplando estados perturbados, como eles se dão. Um dos elementos que eu percebi é o fato da pessoa sair de uma bolha e levar elemento de uma bolha para outra. Um nível de perturbação.
É quando chega ao trabalho, preocupado com o filho que está doente. Então esse é um ponto. Por exemplo, se a pessoa em casa, a pessoa está submetida a coisas que ela está achando ruim, ela pode chegar ao trabalho com uma nuvem acompanhando, a pessoa diz: em casa já me aconteceu tais coisas, agora no trabalho, segue acontecendo, a pessoa começa a intuir que tem um encosto, uma nuvem em algum lugar, já é um passo a mais.
Não há uma conexão em princípio entre as bolhas, mas eventualmente começa a arrastar elementos de uma para outra.
Aqui é uma cognição que está olhando o aspecto das bolhas. Porque estamos tomando o contínuo como base. Nós estamos tomando o espaço livre como base. Aí temos as bolhas. De modo geral, quando estamos no samsara não percebemos isso.
Pensa que temos várias coisas que estamos fazendo. As várias bolhas, eventualmente são entendidas como um exemplo que eu usava muito que é o fato de sermos como equilibristas. Temos várias coisas que estamos fazendo, como alguém girando pratos, os pratos vão girando. Esses pratos são diferentes coisas de diferentes bolhas. Cuida das crianças, trabalha, faz pós-graduação, tem um curso de dança, curso de inglês, mais um namoro, tudo girando assim. Quando um está caindo voltamos a girar e sustentar. Tem que fazer as unhas, ir ao cabeleireiro.
A gente só consegue falar de bolhas desde um ponto que não é propriamente bolha. Ou a gente consegue falar de várias bolhas a partir de um estado que talvez seja uma grande bolha mais estável que onde a gente olhe.
Mas a cognição, a nossa capacidade de reconhecer coisas, olhar coisas, ver coisas. De onde vem isso? Isso é um atributo. Isso Buda vai dizer, precisa de uma mente iluminada para dizer isso, alguém que vá até o ponto sem condicionamento. Vai recuando, recuando, até que sai das bolhas. Dessa condição livre, ele olha esse aspecto.
Thinley Norbu tem olho super agudo, ele vai dizer se a pessoa olha e vê algo, isso já é um estado condicionado. A condição primordial, a condição de rigpa, da natureza lúcida da mente, o aspecto primordial, secreto da mente é uma condição onde não há conteúdo. No momento que há conteúdo, há uma mente do samsara.
A gente tem a sensação de que, a gente está numa condição livre da mente e quando olhamos as coisas, reconhecemos elas de um certo jeito. Todo esse reconhecimento já tem um nível de dualidade. Está reconhecendo alguma coisa em algum lugar. Aquilo não é rigpa. Mas é uma inteligência a partir de uma natureza não condicionada.
Mas o que é o aspecto primordial? O aspecto primordial não é esse reconhecimento, mas é a natureza livre, atrás a partir da qual, eu tomando ela por referência eu consigo operar e ver os condicionamentos. Então a gente vai entender esse aspecto.
Segue esse mistério, como dessa natureza livre, desse espaço básico, dessa condição contínua, como dessa continuidade pode brotar um conteúdo que é uma capacidade de reconhecer coisas e uma capacidade de construir coisas, criar coisas, como isso ocorre? Isso é super interessante observar.
Então temos esse ponto que é o mistério.
Se vamos entrar em retiros longos, é sempre esse ponto crucial. Se vamos avançando na nossa prática, vamos trocando aquilo que vamos chamar de refúgio.
É muito comum nós termos refúgio no nosso emprego, na família, em alguma coisa assim. Significa que nós operamos a partir daquela visão e tentamos manter aquela condição estável. A gente faz grandes esforços para manter aquele estado.
3 Animais e Visões de mundo
Isso já corresponde à descrição dos 3 animais. Primeiro a ignorância, aquilo que a gente se fixa.
O segundo é que uma vez que estou fixado em algo, tenho que trabalhar continuamente para manter aquilo vivo. É como alguém girando pratos, tem que manter girando. Se a pessoa toma sua casa, seu lar, como base, como estabilidade, como referência, a pessoa vai ter que trabalhar um bocado. Trabalhar pelo resto da vida. Não que eu esteja criticando, o lar, a família como base. Qualquer base que a gente assumir, por exemplo, decidir morar sozinho, tem que se virar para manter aquilo girando Pode ser que ela desista. É muito comum elegermos bases e referenciais e lá pelas tantas se sente desgastado e migra, assume uma outra base, uma outra referência. É muito comum a gente migrar por diferentes situações. Mas todas as situações que a gente elege como algo particular, aquilo se torna uma bolha ou um conjunto de bolhas e a gente tem que ficar cuidando daquilo. Esse cuidado é o segundo animal o galo. Incessantemente estamos ciscando e fazendo esforços para sustentar aquilo. Isso são as nossas vidas. Essa é a razão pela qual a gente que não pode parar. Não tem como parar. Quando a gente parou está morto. E parou só o corpo, porque a mente dá um desmaiozinho e já continua trabalhando e trocando uma coisa por outra e vai se movendo. Estamos nessa situação.
Nós também temos grandes crises. Quando nossa base, nosso referencial se torna flutuante, oscila, temos obstáculos. Temos compreensões equivocadas, coisas aflitivas. Outro dia vi uma reportagem dos chineses focando no fato que muitas terras se tornaram ácidas, tóxica, envenenadas e improdutivas dentro da China. Agora eles estão trabalhando para recuperar essa terra.
Existe uma bolha de realidade que levou a terra até um esgotamento, agora eles fazem uma transição, mas mantém um tipo de comportamento até que aquilo fique insuportável, aquela bolha se mantém.
Dentro de bolhas, vão olhando coisas parciais, não consideram a questão ambiental, nenhuma outra questão, apenas números. É uma bolha super limitada. Quando eu vejo os chineses tentando recuperar a terra, eles foram até o extremo de uma região. Pelo menos nessas regiões eles estão no topo da bolha.
Mas quando a pessoa troca a bolha, aquilo ainda é uma bolha, só troca o foco. Esses são os seres humanos. Isso é o samsara. Primeiro é o javali, a ignorância. Fixa alguma coisa e temos o trabalho correspondente. Inevitavelmente chegamos ao terceiro animal. A frustração vem, nós temos que fazer mudanças. A cobra é alguma coisa heróica que nos leva a fazer grandes mudanças.
Nós estamos num ambiente onde, agora está faltando água no Brasil. 70 % da água brasileira é exportada na forma de alimentos, na forma de agricultura de exportação, não é nem para alimentar o povo aqui.
Por outro lado as grandes cidades, elas são lugares super desequilibrados. O mínimo que pode acontecer num espaço desequilibrado é faltar água. Está saindo barato. Parece que temos problemas de administração. São bolhas de realidade que se estabelecem e a gente vai perpetuando até se tornar insuportável.
Melhor quando a gente entende que pode recuar e olha desde uma visão ampla. A partir disso a gente elege outras prioridades. A gente não precisa ficar preso, limitado a levar as coisas até o extremo. Não é necessário.
Quando a gente vai recuando um pouco, a visão melhora. Os mestres comparam isso a subindo uma montanha. Vamos subindo a montanha e a visão já se amplia. A gente pode não ter chegado ao topo, mas a visão já se amplia. O topo é pros Budas. Eles chegam nesse topo e vêem 360 graus. Eles vêem todas as direções, não têm limitações na visão. Porque não tem condicionamentos. A limitação da visão vem dos condicionamentos. Aquilo que a gente mantém como fixo impede que a gente consiga ver. Como bolhas de realidade que surgem como realidades que são construídas de algum modo.
S.S. Dalai Lama diz que os cientistas são crentes e budistas são céticos. Os cientistas são crentes, pois estão fixados a alguns conjuntos de pressupostos que eles consideram realmente sólidos. Os budistas são céticos porque eles questionam todos os pressupostos. Uma vez que no budismo a base da compreensão vem da vacuidade. A vacuidade é um aspecto totalmente cético. Cético com respeito a construções artificiais.
Experiência do ‘eu’
Eu estava falando do aspecto misterioso dessa compreensão. Mas como desse silêncio brota a essa compreensão?
Tem um outro aspecto misterioso dentro disso. À medida que vamos mergulhando nesse silêncio, nós ficamos com dificuldade de delimitar o que nós somos. Porque a forma como falamos de nós mesmos é justamente quando há essa região inconsciente. A gente passa um círculo nesse inconsciente e chama de eu. Consideramos o “eu”, esse conjunto de coisas automatizadas que responde dentro de nós. Não temos explicação para isso. E chamamos de eu.
Esse eu não tem propriamente uma objetividade. Porque à medida que mudamos, o princípio do conteúdo do eu muda. Mas é curioso que continuamos a chamar de eu.
Se tomássemos 20 pontos que caracterizam o eu e marcasse isso, no final de um tempo olhamos aquilo e o eu mudou. Agora estou numa crise, não sei se eu sou aquele ou esse, o que eu sou no meio disso?
Mas a experiência do eu, ela segue. Porque a experiência do eu é o fato de que tomamos uma série de coisas que respondem automaticamente dentro de nós e chamamos de eu. Então se as respostas internas começam a mudar, isso não importa, não é o conteúdo que define o eu, o que define o eu é algo que não sei o que é que responde por mim, um conjunto de condicionamentos.
No Budismo, o eu é a sede das marcas cármicas e obstáculos e todas as fixações.
Porque o eu dói? Porque como temos fixações, quando aquilo torce, fazemos esforços muito grandes. Surge a cobra para evitar aquilo. Essa sensação de esforço e derrota produz um desconforto. Produz uma visão clara de algo que não está bem e que precisa mudar. A gente muda o eu. Encontra outros referenciais para não tem problemas. A gente descobre que não tem mais aqueles problemas, mas agora tem outros problemas. E vai girando.
Nesse tempo agora começa a surgir essa sensação de que se a pessoa pode ter um casamento homo afetivo, é uma maravilha, uma felicidade. Super ilusório! No mínimo, tanto sofrimento quanto o casamento hetero. É puro samsara, tem apego, ciúme do mesmo jeito. Tem descontinuidade, insatisfatoriedade, sofrimento, impermanência. Tem mais opções para agora. São outras bolhas criativas. Vamos criando esses panoramas e experiências.
Na visão budista, recuamos e olhamos. Tantas bolhas de realidade que as pessoas vão entrando e nós também. Durante o dia o que fazemos? Entramos numa bolha, depois noutra, noutra e no fim dorme na bolha do sono e acorda na bolha de ir ao banheiro, escovar os dentes, tomar banho e vai indo. Até o grande fim. Que não é o fim. As bolhas continuam. Porque tem o contínuo. E do contínuo brota essa luminosidade que nos permite construir as bolhas e vamos indo.
Se alguém quiser olhar para as vidas anteriores, olha assim. Se a pessoa sonhou e encontrou uma visão das vidas anteriores viu bolhas e bolhas infinitas, em todas as direções.
As bolhas de realidade surgem, sustentam por um tempo e cessam. Visões em tradições religiosas, visões da ciência, acho bonito ver essas visões mudando.
Esse olhar vem dessa região livre, vê as bolhas aparecendo, o conteúdo da bolha não é importante. O que a gente observa é o conjunto de pressupostos, estabelecimento daquelas verdades. As verdades são limitadas. Elas operam de um certo jeito. A gente pode estar dentro, mas não pode estar fora. Dessa natureza livre da mente pode brotar essas múltiplas compreensões.
A gente poderia pensar que a única alternativa são as bolhas, mas a verdade não é isso. A gente pode fazer outras coisas. Então vou falar sobre como a mente dos Budas e Bodisatvas operam no mundo cotidiano fora das bolhas.
5 Diani Budas
Vou me referir aos 5 Diani Budas: sabedorias, energias, ações todas. Eu vou comparar isso com a visão operativa das bolhas. Como isso é diferente. É de outro modo. Como são visões de sabedoria, não vamos nos referir a bolhas. Vamos nos referir a mandalas.
Buda Akshobya
A mandala do Buda Akshobya, cor azul, sabedoria do espelho, ela já é extraordinária. Não tem as características de uma sabedoria comum. Por exemplo, nosso funcionamento usual dentro da roda da vida se dá dentro dos 3 animais, temos coisas que estamos sustentando, tentando manter vivas e olhamos em volta para ver o que facilita e dificulta. O Buda Akshobya tem liberdade da mente, que é parecida com essa mente que olha as bolhas. É uma compreensão emanada do aspecto secreto, do Buda Primordial. Totalmente silencioso.
Dessa dimensão brota a sabedoria do espelho que reconhece como os seres operam dentro das múltiplas bolhas e mundos que estão operando. Nessa compreensão poderíamos pensar: os Budas vêem tudo que ocorre na mente deles. Mas na verdade, não importa o que estão pensando ou como estão operando. O que eles estão experimentando como mundo externo é reflexo do mundo interno. Isso é sabedoria do espelho. Eles se dão conta que as pessoas vêem a partir do seu conteúdo interno.
Olhem a mente do próprio Buda que está vendo isso. Vejam! Não tem nenhum traço de qualquer coisa inconsciente dele mesmo. Porque não tem ele mesmo. Ele está olhando o outro, está olhando como a operação da mente do outro ocorre. Ele para e vê como o outro funciona.
A pessoa percebe que o que ela chama de sua mente não tem localização espacial, nem está limitada a si mesma. Aquilo que a pessoa pensa que é a sua mente pode funcionar acoplada com a mente do outro olhando o interno da mente do outro. Isso é chamado onisciência. Ou seja, a mente não tem localização, não tem barreira, não tem limite, ela chega a qualquer lugar.
A mente do Buda é a mente do Buda Akshobya. É a capacidade de penetrar sem nenhum obstáculo nas formas como os outros operam a própria mente. Ele entende o outro, mas essa compreensão não é de alguém em relação ao outro. É uma mente sem alguém observando formas condicionadas de operação. O Buda Akshobya, com a sabedoria do espelho, naturalmente vê o sofrimento e os obstáculos que estão operando ali dentro.
Disso brota as 4 qualidades incomensuráveis. Brota de forma natural da sabedoria do espelho: compaixão pelo seres, porque a sabedoria do espelho permite ver o sofrimento – o talo do lótus. Brota também a capacidade de ver as qualidades do outro, ou seja, elementos que podem ser usados pela outra pessoa para atingir a liberação e superar seus obstáculos.
O Buda vê, quando eu digo isso, é melhor pensar: a mente vê. A nossa mente búdica vê. É como um professor ou a mãe vendo as dificuldades do aluno/criança. Ele vê e sabe o que fazer. Brota uma inteligência sobre o que deve ser feito. Compaixão, amor, alegria – uma energia que sustenta essa alegria e também equanimidade. Buda Akshobya olhando assim, ele perpetua esse modo de olhar. Onisciência. Ele se desloca para várias direções com esse olhar.
A gente pensa: Isso é o Buda, não precisa de mais nada, não precisaria dos outro 4 Diani Budas. Isso é onisciência, desapareceu o eu, a mente anda.
Agora comparem isso com as mentes associadas a orgulho, inveja, desejo e apego,baseadas na estrutura de um eu, limitadas a bolhas de realidade, aquilo dá dó. É doloroso. A pessoa olha sua própria mente, ela se vê dentro de sua bolha de realidade e se acha o máximo. É de chorar. O que é isso? Aquilo não é nada. A pessoa não tem só orgulho, mas tem inveja do outro que tem outra cor de olho, outro desenho de orelha, um pouco mais alto, um pouco mais magro, um pouco mais gordo, um pouco mais musculoso. Não dá! São mentes microscópicas. Desejo e apego – a pessoa fica fazendo esforços para obter coisas, como se aquilo fosse resolver. A pessoa fica a vida inteira, saltando de uma coisa para outra tentando obter alguma coisa, isso é muito estreito. Ou ainda obtusidade mental – a pessoa vai em direção a um estado profundo de amortecimento e acha aquilo o máximo. Ou carência – a pessoa fixa fixada: falta isso, falta aquilo, a pessoa tem a mente super ampla e ela fica presa. Ou raiva – a pessoa está incomodada com perspectivas e ela é tomada por uma coisa mortal.
Voltem a essa espacialidade, espaço amplo da mente do Buda, aspecto contínuo, livre das bolhas e olhem a capacidade onisciente de deslocar a mente que começa a entender as pessoas em vários lugares. Entendendo as dificuldades, penetrando naquilo. Não tem um eu, não tem orgulho, inveja, desejo e apego, não tem nada. Tem uma lucidez que olha isso, é Sabedoria do Espelho.
Quando isso opera de fato, tem energia que acompanha. Quando se estabelece a sabedoria ela é sustentada por uma energia. Esse também pertence ao aspecto misterioso, ele não é construído. A sabedoria não é construída e a energia também não é construída, ela aparece. Isso é o Buda se manifestando. Numa linguagem Vajrayana dizemos o Buda primordial – Samantabadra(sânscrito) / Kuantuzampo(tibetano) emana Akshobya.
Esses 5 Budas são aspectos do próprio Buda Sakyamuni. Buda Sakyamini é os 5 Budas. Guru Rinpoche é os 5 Budas. É uma linguagem para a gente explicar o que é um Buda. Esse conjunto de inteligências é o Buda Sakyamuni.
O que o Buda Sakyamuni fez onde ele se deslocava? Ele olhava com um olho da sabedoria do espelho. Ele entendia os seres. Ele não estava ali por inveja, vaidade, desejo e apego, ignorância, competição. Agora a pergunta para nós seria: será que a gente consegue de algum modo manifestar isso? E se a gente tentar manifestar isso na nossa vida cotidiana, a gente obteria algum resultado? Ou seria morte certa? Rápido.
Descobrimos que essas sabedorias são super úteis na vida cotidiana. Qualquer pessoa que operar desse modo, só sobe, mesmo dentro do mundo comum.
Imaginem o chefe, se ele tiver sabedoria do espelho, vai melhorar tudo. Ele está olhando a equipe toda. Ele entende cada um no seu mundo, nas suas bolhas, nas suas dificuldades. Uma vez que ele faz isso, ele vê os obstáculos e manifesta compaixão. Vê as qualidades e manifesta amor. Ele está dotado de energia que não vem do que ele está vendo, mas vem de fonte própria e age com todos de forma igual – equanimidade, nesse sentido de olhar, entender e promover um por um. É super favorável.
Se o chefe tiver dentro de uma bolha, não terá essa capacidade. Ele olha a partir de vedana, gostar ou não gostar, surge visão personalista. A própria pessoa tem dificuldades de compreender as sensações dela, vai dizer que aquilo é uma coisa intuitiva, mas na verdade vem das marcas cármicas que a pessoa tem. Ela se incomodou em casa e aquele dia também não vai ser bom no trabalho. Ela vai transportando as coisas de um lado para o outro. Ela tem essa flutuação.
Especialmente, tem grande dificuldade de entender o outro no mundo dele. Já o chefe que é capaz de entender o outro no mundo do outro, ele é capaz de ir cuidando, uma por uma, das pessoas e no fim cria uma equipe realmente favorável.
Por outro lado, se a pessoa for o subalterno do subalterno, ou seja, a pessoa é lavador de pratinhos de cafezinho, nem faz o café, só lava os pratinhos, ou a pessoa varre as migalhas do lanche. Se a pessoa tiver sabedoria do espelho, está resolvida a vida da pessoa.
Porque a pessoa entende quem está em volta. Vai entendendo o seu chefe, aquele que serve o café. Ela entendendo isso, ela consegue ajudar e com o tempo vai melhorando. Alegra cada um, vai cuidando e subindo. Não preciso entender aquilo, se entender as pessoas ele vai.
Qualquer pessoa que chegar, em qualquer organização, em qualquer setor de alguma organização, se tiver essa sabedoria do espelho ela avança. Se ela não conseguir compreender os outros, estiver fixada nas suas próprias idéias ela vai trombar. Super simples.
Se a pessoa for analfabeta, ela já consegue avançar, como por exemplo, a Dionísia. Ela tentou se alfabetizar várias vezes, a gente apoiou várias vezes, que eu saiba ela não conseguiu ainda, acho que consegue escrever o nome. Isso não quer dizer que ela não funcione. Ela entende a mente dos outros. Ela tem uma posição benigna. Uma vez que ela entende, ela ajuda os outros a funcionar. Ela tem muitos apoios por todos os lados, porque ela consegue desenvolver esse tipo de relação.
Isso não diz respeito à escolarização. Uma pessoa com baixa escolarização pode ter essa sabedoria natural e funcionar super bem.
Eu considero isso numa escola um ponto essencial. Se vocês olharem bem, o que aconteceu com a escolarização de vocês? A gente não aprende muito dentro da escola. A gente aprende porque tem interesse em aprender.
Olho assim, o que eu faço hoje, eu não aprendi na escola. Também as coisas que eu vivi e não tem a ver com a escola. É certo que eu aprendi a ler, geografia, história, matemática e geometria, isso foi útil para mim. Mas o que eu aprendi mesmo, foi quando eu comecei a estudar por conta própria, fui aprendendo as coisas.
Mesmo o budismo, não tem nenhuma escola de budista. Eu me lembro dum tibetano que eu conheci na Suíça, que me convidou para um programa Sun Summit Darma e fui falar de física para os Gueshes na Índia – Mosteiro de Sera. Ele me dizia, eu fui ensinado e você aprendeu. Ele se deu conta dessa diferença.
Porque ele foi para a escola monástica. Pegam ele e dizem: você vai aprender. Então ele foi ensinado. Aquilo entrou meio rasgando a garganta, machucando. Assim ele aprendeu o budismo, e ele dizia: você aprendeu por conta própria. É muito mais rápido. Qualquer coisa que a gente queira aprender. Tem aquele interesse e vai.
Eu considero que a escola é importante quanto ao conteúdo, mas o aspecto mais importante é primeiro equilibrar o outro e gerar curiosidade, gerar essa aspiração de aprender. Às vezes leva um tempo para a pessoa acionar. Mas se simplesmente pressionarmos eles para aprender os conteúdos, isso não é de grande importância. Até mesmo porque os conteúdos, muitos deles vão mudando.
Vocês imaginem, se eu tivesse aprendido história na escola e tivesse ficado limitado a isso, eu saberia muitos nomes e muitas datas, muitos locais. E ficaria por ali.
Mesmo geografia, aqueles conteúdos todos. Os continentes, nomes e capitais, estados, não eram grande coisa. Se tivesse aprendido aquilo tudo.
O aspecto mais importante é que a pessoa passe pela escola sem matar a curiosidade. Morrer um ser curioso que quer aprender. A escola matou a pessoa.
Essa capacidade de liberdade da mente, de entender os outros seres, isso começa com o Buda azul.
Por outro lado, se dentro da escola, dentro dos vários ambientes, somos julgados a partir das identidades isso é problemático. Porque nossa inteligência fica limitada. O tempo todo ficamos pensando se isso propicia minha identidade ou não? Fico mais bonito fazendo isso ou não? Qualquer coisa que a gente faça, quer mostrar para o outro para melhorar o currículo, para melhorar nossa situação.
Buda Akshobya não tem nada a ver com isso. Zero. É capacidade de deixar a mente livre e ver as coisas tal como são, entender os seres nos vários âmbitos. Se a gente conseguir operar desse modo, isso é muito próximo da mente de Samantabadra. Isso a gente pode fazer no cotidiano. É importante que a gente entenda.
Akshobya está ligado ao Buda da Medicina também. Diretamente ligado. Porque paramos e entendemos como o corpo está entortando, como o corpo está adoecendo. Porque aquilo está acontecendo. Quais são os fatores sutis que estão operando para produzir aquilo? Buda da Medicina é isso. Sabedoria do espelho é essencial. A gente para e olha. Vê como aquilo está se montando. Não precisamos pensar: quem é o inimigo? Pode olhar o que está propiciando aquele movimento? O que está acontecendo ali? A gente tenta entender a doença nela mesma. Como aquela manifestação está surgindo?
Um esquecimento total do Buda da Medicina é olharmos a partir das estruturas cármicas inconscientes, ou seja, a partir de nós mesmos. A gente olha para as coisas e diz: eu quero isso. Eu quero aquilo. Aquilo está me causando mal, estamos adoecendo. Mas eu quero.
A nossa sociedade como um todo, não pensa se estamos destruindo a sociedade ou não. Mas eu quero isso, quero aquilo. E destrói tudo.
Se a gente tiver uma percepção do Buda Akshobya – sabedoria do espelho, tiver uma percepção do Buda da medicina, a gente entende que aquilo não é o caso. E nem é necessário. Então a gente pode interromper esses fatores que são sutis, cármicos. A gente não está vendo. Pode interromper porque está causando obstáculos e sofrimento.
A gente não entendendo isso, não entende o Buda e vai se defrontar com Maharaja. A gente leva as coisas até o fim e encontra os impedimentos. Quando aparece o impedimento dizemos que é impermanência. Que horrível, que falta de compaixão, agora estou com tais problemas. A pessoa levou aquilo até o fim. É doloroso realmente.
Lembro do Mar Aral secando na antiga União Soviética. Tem dois grandes rios que convergem para o Mar Aral. São os rios que enchem o mar Aral. É um mar interno. Ali tinham barcos, navios, pesca, todo um funcionamento. Começaram a plantar algodão e irrigar. Os rios foram minguando, usados para a irrigação, o Mar começou a baixar o nível, nem se deram conta. Se olharem as fotografias atuais, vão encontrar grandes navios encostados no fundo, parece a represa de Cantareira. Tinha uma superfície de água grande, de repente, seco. A economia de toda a região afundou e a coisa segue.
Isso é Maharaja. Pega algo fixo, não entende aquilo, abandona o Buda da Medicina, não consegue entender os sintomas, não compreende como aquilo vem, não tem compaixão para fazer as mudanças, ai segue. Maharaja vai se instalando.
No final de um tempo, vira um deserto completamente seco o fundo do mar Aral. Como aqueles rios traziam toxinas das indústrias acima, todas as toxinas e poluentes, esses materiais de coisas horríveis iam se depositando no lodo do fundo do mar. Quando aquilo virou pó, o vento assoprou e levou de volta para as populações nas casas, tem um número enorme de pessoas nascendo com má formação nas cidades ao redor. A população remanescente. Como a atividade econômica afundou alguns saíram. Aquilo é super visível, é doença do ambiente, que adoece as pessoas, que vem da limitação da visão.
Buda Akshobya desaparecido daquele lugar. As pessoas não são capazes de manifestar aquela inteligência. Nem o Buda da Medicina, ninguém é capaz de ver aquilo. Vamos colhendo a dor. Começa a ver os filhos nascendo deformados. Não só de má formação, como as crianças nascendo mortas ou as mães abortando sucessivas vezes. Aquilo parece uma maldição, é uma estreiteza que tem, são bolhas de realidade.
Por outro lado, abandona os impulsos desse tipo, ser capaz de recuar e sentar numa posição livre. Isso não dá para fazer. Não tem como. Atualmente eles fizeram um acordo para deixar passar um tanto de água, então o Mar Aral começou a crescer. Num certo momento ele se dividiu em dois, como se tivesse uma cordilheira por baixo. Tinha uma parte que secou total e outra parte menor. Essa parte menor está enchendo de novo. As pessoas depois de muitos anos, parece que resolveram, limitadamente, alterar alguma coisa.
Se a gente olhar a nossa situação, tem muitas pessoas entendendo a questão ambiental. O que acontece? Isso é alguém olhando de uma forma distanciada das próprias bolhas. Por outro lado, quem está dentro das bolhas, está 1,8; 2,6, 1,0 as taxas de crescimento para o próximo ano. Uma coisa assim. Super estreita.
É como, por exemplo, as autoridades dizendo: temos que expandir as lavouras de algodão. Algodão precisa de muito pesticida. Se aquilo vai um pouco para água do rio, vai pro fundo do mar e vai gerando uma toxidez horrível. Isso é Maharaja.
A gente pensa: Por que há essa maldade toda? Essa dificuldade toda? Maharaja não existe. É continuidade das ações negativas que produzem obstáculos. Inevitavelmente.
O Buda da Medicina também. Nós em relação ao nosso próprio corpo, a gente também faz coisas e não percebe. Vão fazendo coisas e vai afetando.
Saúde física, mental, emocional, vai afetando. A saúde genética, neural, vai afetando tudo. E a gente não percebe. A gente segue a nossa própria vida.
Espantosamente, a pessoa procura um médico, se não for um médico que tenha o Buda da Medicina é bom. Mas tem talvez, a postura da medicina comum: vou fazer alguma coisa para você poder voltar a trabalhar.
A pessoa pulou para fora do sistema de fritar, o médico vai lá, dá um jeito e joga para a panela de novo. Aí ele frita mais um pouco e vai entortando. Se ele entorta de novo, dá uns 3 ou 4 remédios e consegue com os remédios se manter fritando. E ninguém olha o processo de fritura como um problema. Considera que o processo de fritura é isso mesmo. Isso é a vida. Tem aqueles que resistem duramente para entrar no processo de fritura. A gente diz que estes estão completamente mal. São pessoas desequilibradas. Equilibradas são aquelas que pulam alegremente na fritura. E a inteligência coletiva não consegue ver isso.
A gente vê setorialmente. Aquilo vai ser sempre uma inteligência menor. Mas isso é o Buda Akshobya olhando, o Buda da Medicina olhando. Nesse sentido, vem a recitação dos mantras.
Chagdud Rinpoche veio aqui e deu essa iniciação do Buda da Medicina aqui em Viamão, no Cebb, onde hoje é o alojamento feminino. Na época era a nossa sala de meditação. Tinham umas 100 a 110 pessoas, estava cheio. Entupido. Isso deve ter sido em 98 ou 99. Om Benkanze Benkanze Maha Benkanze Ratza Sambogate Soha. Ele tem uma prece antes e tem o mantra.
O ponto principal é olhar a nós mesmo e aos outros com o olho do Buda da Medicina. Esse olho é igual o olho do Buda Primordial. A gente recua para a base não condicionada e vê os condicionamentos que estão causando os problemas. Nós praticamos as 4 incomensuráveis e 6 perfeições. Brota naturalmente essa compreensão.
Na perfeição da generosidade não há eu. A pessoa está entendendo o outro e está promovendo o outro. Vamos supor que estamos molhando a planta. Poderia pensar: eu estou molhando a planta, olhe para mim. Eu estou aguando você. Veja minha bondade. Isso pode ser generosidade. A perfeição da generosidade é quando não tem ninguém ali para molhar. Está molhando, mas não tem a sensação de alguém que está molhando. O que está acontecendo é que tem uma inteligência lúcida sustentando a vida daquela planta.
A gente tem esse desafio com pai e mãe quando cuida das crianças. Você me ama? Eu estou fazendo comida para você. Você me ama? Estou dando banho em você. Você me ama? Estou abraçando você. Se lembre! Eu cuidei muito de você! Quando as crianças se puderem se livrar de nós eles vão!
Será que as crianças precisam desse olho de pai e mãe com uma inteligência livre, irrigando as qualidades e removendo os obstáculos? Super precisam. A gente não precisava surgir desse modo como se a gente tivesse reificando um impulso atrás. É muito comum as mães fazerem isso. Os pais também, e depois eles começam a lembrar, eu não fui ao cinema pra cuidar de você, não fiz aquilo para cuidar de você. Você é um ingrato, foi morar com o seu pai. Fica difícil.
A gente tem impulso baseado na identidade. Às vezes as mães falam longamente: eu pensei isso, eu pensei aquilo. Tive essa intuição, eu sou o máximo. Eu tenho sempre intuições certas nas direções que tem que ir. Entendeu meu filho. Eu cuidei de você e agora você vai, obedeça. Não vai funcionar.
Esse aspecto auto-centrado é totalmente desnecessário, Mas por vezes, a gente não sabe como fazer. Porque a gente está constantemente preso a isso e nem imagina que tem essa mente atrás com esse conjunto de impulsos que a gente não sabe a origem e pensa que é a gente mesmo.
A nossa segurança está em obedecer a esse impulsos e fazer com que os impulsos sejam vitoriosos. A gente precisa que eles sejam vitoriosos, mas que todo mundo reconheça, porque a gente é o máximo. E vamos misturando tudo. A gente pode até praticar generosidade, mas essa não é a perfeição da generosidade. A perfeição da Generosidade vem de uma mente do Buda Akshobya. Não tem um eu. Está vendo os outros seres dentro das limitações e produz benefício. E aquilo funciona.
A gente pratica as 4 incomensuráveis – compaixão, amor, alegria e equanimidade e pratica as 6 perfeições que são o caminho do Bodisatva. Generosidade; moralidade – a perfeição da moralidade – não tem um eu; paz – também não é paz de alguém, é a natural serenidade da natureza livre da mente – perfeição da paz; energia constante – virya; perfeição da estabilidade da mente, meditação – dyana e perfeição da sabedoria – também não tem eu, é mente lúcida. Praticamos isso, desde a sabedoria do Buda Akshobya, nós encontramos as 4 incomensuráveis e 6 perfeições geradas por isso de forma natural sem esforço.
Buda Ratnasambava
Buda Ratnasambava, cor amarela, significa riqueza. Aas qualidades propiciam abundância, fluir fácil no mundo. É sabedoria da igualdade, ou seja, é como se fosse extensão do Buda Akshobya, na verdade 5 sabedorias não se separam. No Buda Akshobya a gente entende os seres nos vários contextos e com o Buda Ratnasambava, nós temos essa qualidade extraordinária. Se o outro for bem, nós nos alegramos. Não tem separatividade.
Isso é a base da riqueza. Se nós formos capazes de nos alegrarmos com o que está acontecendo de bom com o outro, nós começamos a nos sentir ricos com os outros. Não preciso me sentir rico só comigo. Se as coisas estão indo bem com os outros, já me sinto enriquecido. Primeiro aspecto.
O segundo aspecto é assim: Se propiciamos coisas favoráveis para os outros, é completamente natural que os outros criem coisas favoráveis para a gente. Matematicamente arrasador.
Se a gente tiver uma posição de seres famintos, eu guardo tudo e não beneficio ninguém. Do outro tento arrancar tudo que for possível. A relação fica problemática. Ninguém irá ficar oferecendo nada para nós.
Se manifestamos generosidade e interesse em ajudarmos os outros, irá ter um número muito maior de pessoas olhando para nós, querendo nos ajudar. Isso é Ratnasambava.
A pessoa não deveria ter isso com essa intenção, mas aquilo é matemático. A pessoa não só se alegra com o outro na condição que o outro está, por exemplo, as pessoas que estão ajudando a escola, elas pensam que as pessoas estão bem e começam a ouvir relatos sobre como as crianças estão melhorando, situações difíceis que estão melhorando. Essas pessoas se alegram. Mesmo as pessoas que não contribuíram com a escola, se tiverem Ratnasambava, elas se alegram.
A gente se alegra com as coisas boas que estejam acontecendo com os outros. Como isso, nos sentimos felizes. A gente não precisa só ficar feliz com o que acontece de bom conosco, pode ficar feliz em qualquer direção. Olhem as plantas, nesse tempo que chove e faz sol, as plantas estão super felizes. Um perfume no ar.
A gente se alegra com as plantas, com outras pessoas, isso produz uma sensação de riqueza. Olhamos para todos os lados e estamos felizes. De um modo comparativo, para a gente poder entender melhor, a gente pode desenvolver visões ligadas aos seres famintos.
Por exemplo, a gente poderia dizer assim: eu me alegro com as plantas que estão aqui no Cebb, porque é nosso, agora do vizinho...Eu não acho muito bom. Exceto os galhos do vizinho que aparecem para cá. Pense! Por que eu vou me alegrar com o vizinho? Isso é um assunto dele.
A pessoa só teria o seu espaçozinho para se alegrar! Pensem! Agora olhem, se a pessoa tiver o olho de Ratnasambava, ela não tem o olho fixado ou baseado em alguma identidade. Tem olho amplo que permite ser associado, promover e alegrar os seres de todas as direções.
Eu gosto de lembrar essa questão dos nativos Guaranis do Brasil, o conceito de Tupã-baiã. Imaginem aquelas populações vivendo 5.000 anos, 10.000 anos, 15.000 anos. Elas nunca tiveram a sensação de carência. Por quê? Eles olham em todas as direções e tem grande riqueza. Não precisam fincar postes e botar cercas. Não precisa dizer: os animais são meus, as plantas isso aquilo. Eles nascem, vivem e morrem num ambiente luxuriante. Porque a natureza inteira é super generosa. Como a pessoa sai disso? Quando ela finca postes e bota cerca. Dá muito trabalho fincar poste, por cerca. No momento que a pessoa pôs a certa, ela só se alegra com o que está dentro da cerca. Ela fica esperando a oportunidade de empurrar a cerca mais um pouco.
A gente pensa que a propriedade é riqueza, mas na verdade a propriedade é pobreza. Por incrível que pareça é o contrário. Na medida em que nos consideramos contemplados só por aquilo que dizemos que é meu, nos limitamos.
Se operarmos com a noção de Tupã-Baiã, é o planeta inteiro. A gente pode andar nos vários lugares e não tem a sensação de que aquilo não é para ela. Se a gente olhar as culturas antigas, as florestas cobriam a maior parte dos espaços, toda a floresta era Tupã-Baiã . As pessoas andavam pelos vários lugares e não tinha a sensação que faltava alguma coisa. As aldeias tinham um pouco de senso de propriedade. As aldeias eram como bolhas. A natureza era muito mais ampla.
À medida que nós vamos fazendo como agora, tudo completamente esquadrinhado, dividido, hoje as pessoas que operam com conceito de Tupã-Baiã, elas estão correndo risco de vida. Elas vivem nesses lugares e eventualmente não têm nem documento de identidade. Não tem uma visão do Estado sobre ela. E as pessoas que tem visão de Estado, vão chegando e vão delimitando em cercas. E quem vive ali dentro, pode estar vivendo há 5.000 anos. Os seus antepassados todas ali, essas pessoas são condenadas a morte. Se eu matar antes das autoridades encontrarem não tem atestado de óbito, não tem crime. Ninguém vê. Vamos encontrar isso. Posseiros e indígenas, eles estão mesmo em risco. Vão encontrando grandes fazendeiros chegando, delimitando as áreas e empobrecendo tudo.
Essa pobreza não é só no nível material. Pobreza no sentido de, com o tempo, não saber mais operar de outro modo, só saber operar a partir de propriedade. Não tem mais esse sentido de Tupã-Baiã. Isso desaparece.
Já a sabedoria do Buda Ratnasambava produz riqueza, sentimos ricos. Pode não ser deus, mas é filho de deus, as coisas estão todas ali.
Por outro lado, quando olhamos os seres com esse olhar, brota compaixão. Vê qualidades, brota amor. Quando vê com compaixão e amor, brota alegria. A gente vê que deve olhar com esse olhar. Do mesmo modo, brota perfeição da generosidade, perfeição da moralidade, perfeição da paz, perfeição da energia constante, etc até a perfeição da sabedoria, As 6 perfeições surgem.
Aqui eu estou explicando o modo de como a gente pode agir no cotidiano. Agora vamos olhar na vida. A vida não é assim, já está tudo dividido.
As sabedorias não funcionam num mundo todo dividido, mas funcionam. Pega o chefe, por exemplo, que tem a sabedoria da igualdade de Akshobya. Ele é um bom chefe, com certeza. Porque ele está olhando para as pessoas e está se alegrando com cada um. Ele vai propiciando condições para que aquela pessoa progrida, ande melhor. Quando a pessoa anda melhor, aquilo é a alegria dele. Isso é um bom chefe. Não tem nada de competição e está promovendo aquilo. Como um jardim, ele cuida das pessoas. Já tem um olhar de Akshobya, agora tem olhar de Ratnasambava.
Se os outros estão bem de saúde, bem dos dentes, bem da mente, bem da energia, isso é a riqueza deles. Como pai e mãe, numa família, se os filhos estão bem, é a riqueza deles. O chefe também pode olhar com esse olho. Se ele olhar assim, o que vai acontecer? Toda a equipe vai ficar super bem, e ele também vai ficar super bem. Não tem nenhuma contradição.
O que não é uma boa idéia é pensar que ele está bem e os outros mal. O que é uma coisa super comum. Às vezes tem ambiente que, especialmente no âmbito dos comunicadores, empresas de jornalismo etc, as pessoas são devoradas. Eles já prevêem uma rotatividade. Ganham muito pouco, são muito demandados, eles aproveitam a juventude dos meninos e meninas saindo da faculdade, precisando de currículo. Trabalham demais, se esgotam, ai saem. No outro ano haverá outra turma. Isso não é uma boa idéia. Melhor olhar como pai e mãe que cuida deles e pronto. A pessoa tem uma felicidade com isso.
Ratnasambava é super vitorioso no mundo. Se a gente encontra isso é uma boa coisa. Brota naturalmente as 4 incomensuráveis e as 6 perfeições.
Se a pessoa não for chefe, for varredor das migalhas do que serve café e bolacha, se fizer isso, é fácil. Alegrar-se em fazer o seu trabalho, daqui a pouco estará servindo café super feliz. Não quer um chá verde, um chá calmante? O café não está muito bom, não quer um descafeinado? Você parece um pouco tenso, daqui a pouco está massageando as meninas todas. Ele está super feliz. Isso é sabedoria de Ratnasambava. Super fácil. A sabedoria da igualdade.
Buda Amitaba
Vem a terceira sabedoria, a gente pensa, essas duas já mataram, falta o que? Falta nada. Falta mais 3 ainda. Vem a sabedoria do Buda Amitaba.
Buda da cor vermelha tem visão. É como se fosse aquele que rege a sabedoria discriminativa. É a mesma da sabedoria primordial, o Buda Amitaba é inseparável do Buda Samantabadra. Ele repousa na equanimidade, no espaço livre da mente, na espacialidade da mente.
Dessa compreensão, ou deste estado na natureza livre e equilibrada da mente, ele tem a acesso a compreensão das bolhas de realidade, de tudo como surge. Ele gera sabedoria primordial, ele gera o Darma. Num sentido mais discriminativo, brota justamente a sabedoria de como as pessoas podem compreender dentro das bolhas.
Brota a sabedoria da roda da vida inteira. Ele olhando as pessoas, ele vê as bolhas de realidade, dentro das bolhas ele vê: javali, galo e cobra. Ele vê a impermanência, vê os 6 reinos, os 12 elos da originação dependente, ele vê o sofrimento, as causas do sofrimento, a dissolução do sofrimento, o caminho para a dissolução do sofrimento, motivação, as ações negativas que devem ser evitadas, as ações positivas que devem ser promovidas. Ele vai localizando tudo isso. Entende a meditação, shamata impura, shamata pura, prajnaparamita, entende natureza livre da mente, entende iluminação. Buda Amitaba é 10. Entende tudo. Entende todos os ensinamentos, dele brota os ensinamentos.
Ele entende que os seres estão submetidos à impermanência, não levam nada para casa. Nascem nus e morrem nus.
Mesmo quando a pessoa pensa: minhas alianças ninguém leva e engole, essas vão comigo! Não vai, porque o estomago não vai. Não vai nada. O máximo que pode acontecer, é se a pessoa for cremada, aparece uma pepita de ouro. Ele era um iluminado, mas não era. Era a aliança. Antes de morrer a pessoa come os diamantes todos, quando queima aparece tudo. Bota uma lupa e vê o nome do fabricante. Ela foi cremada e gerou um diamante com grife. Não leva nada.
Só leva o carma. Carma dá pra levar. Não precisa nem empacotar, já vai direto. Quando ele chega do outro lado, já está funcionando. Desempacotado. A pessoa consegue levar. Isso é o Buda Amitaba.
A pessoa está varrendo as migalhas e pensa: esses seres super atarefados, tomando açúcar, comendo bolacha, pensando que vão para algum lugar, não vão a lugar nenhum, o que eu posso fazer? Ele recita um mantra de Amitaba. Isso tudo gira e não sai do lugar. Serve o cafezinho com aquele olho de Amitaba. Esses seres estão mortos. Estou servido cafezinho para seres que já morreram. Super difícil.
Mas sendo Amitaba, ele vê que os seres têm a natureza primordial dentro deles. Tem que dar um jeito para fazer isso aparecer. Bota uma etiquetinha Cebb no fundo da xícara, o site do Cebb. Também não adianta. Como ajudar?
Como Amitaba e 5 diani Budas trabalham com Maharaja, diz: Maharaja, não tem outra solução, você dê um jeito. Aí a pessoa recebe o aviso prévio. A pessoa que recebeu avisa a pessoa do cafezinho que vai ser demitido. Pois é tem impermanência. A sua natureza tem um contínuo que não flutua, entende? Mas eu estou tratando da realidade. E as minhas contas? Você já ouviu falar dos 5 Diani Budas? Trate de trazer benefício para os seres que tudo isso se resolve. Não, mas o problema é que a mãe doente... É assim, a gente tem essa dificuldade.
Mas o Buda Amitada está lá, olhando como fazer aquilo. Você pense! Você tinha perdido a sua vida, agora você ganhou a sua vida de volta. Você não estava cansado do emprego? Agora está aí. Você tem a sua liberdade a sua frente. Pois é, tem a liberdade, mas não tem o dinheiro, como eu faço?
Seguro desemprego é de 3 meses depois ... Como eu ganho 8 mil e o seguro desemprego é 1.200, eu estou mal de saída. Como eu faço? Reze para o Buda que tudo se resolve. Super difícil.
Mas o Buda Amitaba está lá. O chefe está super poderoso, o Buda Amitada avisa: cuidado, isso tudo é impermanente.
Ele está no lugar certo. Melhor ficar assim com o Buda, o chefão. Não é muito seguro. Essa é a sabedoria do Buda Amitaba. Ele entende que esse processo das bolhas não dão segurança nenhuma. As bolhas inteiras afundam.
Buda Amogasidi
Tem a sabedoria da causalidade do Buda Amogasidi. Essa é super interessante. Nessa sabedoria, a gente olha as recomendações dos Budas que dizem o que não deveríamos fazer.
A gente não deveria fazer as ações negativas, tem as 10 ações descritas no quadro de 240 itens. Esse é o passo 2, 3 e 4 do nobre caminho de 8 passos. Evita as ações de corpo, fala/energia e mente. Não é interessante, pois causam confusão. A gente evita matar, roubar, sexo impróprio, mentir, agredir com palavras, criar discórdias, falar inutilmente, má vontade, carência e heresia. Assim evitamos 3 ações de corpo, 4 ações de fala e 3 ações de mente, que é a sugestão do Buda.
Vem o 5º passo do caminho de 8 passos que são as ações que deveríamos fazer no mundo. Se vocês pensarem quais são as ações: Quadro de 200 itens: 5 sabedorias, 4 incomensuráveis, 6 perfeições, em corpo, energia, mente e paisagem. A gente entende com a sabedoria da causalidade que se fizermos ações negativas, vai dar problemas. Mesmo que pareça ser vitorioso.
A pior coisa para a pessoa que faz ação negativa é ter sucesso, pois a pessoa segue fazendo as ações negativas. Ela fica presa naquilo. Num certo momento, não dá mais. Não funciona mais. A pessoa tem uma grande queda. Tem obstáculo.
Por isso que a gente reza para que o nosso carma amadureça rápido. Ou seja, a gente vai fazendo coisas negativas e os obstáculos propiciados pelas ações negativas apareçam rápido para que a gente possa entender isso e evitar essas ações. Por isso a gente reza. Os praticantes corajosos. Que o mundo desabe sobre a minha cabeça se eu tiver fazendo algo que não seja apropriado, se é que Guru Rinpoche existe que caia agora! A gente precisa disso e tem alguns praticantes que tem graça concedida. Eles aprontar e brum. É rápido. Os Budas não se esquecem deles. Mas têm outros que vão indo e vão acumulando obstáculos.
A gente reza. Maharaja onde está? Não faz nada? Guru Rinpoche não faz nada? Esqueceu dele.
Quando as pessoas vão fazendo ações negativas, os obstáculos vão se ampliando, a nossa mente vai se estreitando, nós vamos solidificando as bolhas de realidade onde estamos imersos. Isso é nossa prisão. Quando as bolhas rompem passamos super mal.
Às vezes vejo pessoas, principalmente no reino dos deuses. No reino dos deuses a pessoa tem a capacidade de evitar o resultado negativo das ações. A pessoa tem muitos méritos, fez muitas coisas boas, ela está apoiada pelas coisas boas que foram feitas. Então ela consegue perseverar nas coisas negativas por um longo tempo. Às vezes, não consegue nem ajudar as pessoas.
Está do lado da pessoa, ela está muito mal, mas não consegue explicar aquilo. A pessoa também não está disposta a ouvir e não tem como e ela vai colher as negatividades. Não tem como evitar.
Na descrição do reino dos deuses, diz-se que no fim da vida, eles percebem que a vida deles passou e eles não têm mais como reverter o renascimento negativo que tem. Porque não criaram novas conexões positivas e só criaram conexões negativas e vão usufruir daquele carma.
Estou me lembrando de uma pessoa de outra cidade, afundada. A pessoa já com certa idade, afundada, sem capacidade de ajudar.
Então é importante evitar as ações negativas e promover as positivas. E também é muito útil nas organizações, na base da ação de poder é não ser afetado pela negatividade ao redor. É crucial, senão a gente adoece.
Ser afetado é isso: Alguém manifesta uma negatividade e a gente entorta, depois entortando mais e não respiramos, estamos mal literalmente, começa a doer, porque os outros se comportaram mal. É muito importante shamata dos 5 lungs. Na verdade os outros não nos afeta pela cognição, eles nos afetam pela energia, é encosto. Tem o mantra – Vá de retro! (risos) Use essa outra expressão cristã: Bem vindos! Aquilo vem e não afeta vocês.
Como podemos ajudar alguém que não chega perto? A pessoa chega perto do jeito torto que elas podem chegar. Vem vindo com jeito torto, a primeira coisa é a pessoa não se perturbar.
Imagina o toureiro, vem o touro, colega de trabalho. Já botam no paninho o cheiro de incenso. Não podem ser vitoriosos. A gente vai usar as outras sabedorias.
Sabedoria do espelho, porque vão nos atacar? A gente entende ele.
Entende que tem qualidades positivas e tenta promover as qualidade positivas, sabedoria de Ratnasambava.
A gente tem a visão de Amitaba, entende os limites, está operando dentro de uma bolha. Não é nada. Quando tiver a vitória completa será o rei da bolha. Vai estar no Monte Meru da bolha, o ponto mais elevado da bolha. Não é nada. Não vão lutar por isso. Mas o ser está lá, quer ser o rei da bolha. Perda de tempo!
Vocês olham e pensam: quando ele chegar perto, é um bom momento de contato. Pode ver que tipo de relação que o outro está propondo. Eu não vou me perturbar por isso, mas vou ficar esperto para quando puder trazer beneficio, vou trazer. Pode ser que nesse momento não seja possível.
Vai olhando com esse olhar, isso é sabedoria da causalidade, Buda Amogasidi.
Com ele iremos treinar a ação de poder – de não se perturbar; a ação irada que é eliminar a negatividade que está atuando sobre o outro, destruir sem dó; e ação incrementadora e pacificadora. Vamos atuar com as 4.
Em meio a vida, o Buda Amogasidi é super importante, nos locais de trabalho, nos vários ambientes que a gente usa. A gente também tem que ter uma liberação, vocês estão num lugar de trabalho e não consegue escapar das ações negativas e não consegue fazer ação positivas é melhor sair.
Não deve ter apego, sai para praticar as sabedorias todas. É melhor praticar nos lugares possíveis.
Nesses lugares que não é possível, a gente deixa alguma conexão para no futuro a gente poder estabelecer relações.
Às vezes a gente consegue se relacionar com as pessoas quando está fora daquela bolha. É mais fácil do que quando está dentro da bolha jogando um papel.
Buda Vairocana
Finalmente tem a sabedoria de Darmata, o Buda Vairocana de cor Branca que é o centro da mandala. Tudo converge para isso. Já é a sabedoria da mente iluminada, todos os 5 são, mas esse é o que está mais próximo da compreensão da natureza primordial, natureza livre da mente.
Cor branca é o espaço, a espacialidade da mente, que brotam as 5 sabedorias, a gente entende o que está além da vida, da morte, das bolhas, nesse contínuo, dessa vacuidade.
Se não atingirmos isso, é como se a gente tivesse servindo cafezinho ou varrendo, mas não chegou bem no ponto ainda. A gente precisa compreender isso. Se não compreender o que em nós está além de vida e morte, além das bolhas, a nossa vida não se completou.
Roteiro de prática
Tendo entendido isso, a gente pode agregar o tempo das nossas práticas, a gente já olhou as situações aflitivas com quadro de 240 itens, usou o mantra de Cherenzig ou mantra do Prajnaparamita.
Agora nós vamos tentar utilizar as sabedorias dos 5 diani budas nas várias situações, pode pegar as mesmas situações, dificuldades, pessoas, locais, e pode também utilizar o mantra de Cherenzig, mas agora vão passando sabedoria por sabedoria e ver se consegue utilizar essas sabedorias nos vários ambientes. Se conseguirem usar, as situações estão resolvidas. Ela se resolve totalmente, é um processo de cura.
Na vida cotidiana usamos a espacialidade que é o espaço último para escolher formas especificas pelas quais vamos operar. Para gerar essa espacialidade usamos shamata nos 5 lungs.
Shamata nos 5 lungs nos habilita a usar as várias compreensões, escolher as compreensões. Primeiro a gente purificou as compreensões negativas, agora estamos escolhendo as ações, compreensões positivas não causais, não dependentes de identidade, que são as 5 sabedorias búdicas.
5 sabedorias nos bardos
As 5 sabedorias búdicas correspondem a esse âmbito que é chamado Sambogakaya. Não são nossas.
Do mesmo modo que a gente pode se ligar às estruturas de alayavijnana, que é deposito de carmas, também impessoal, nós podemos conectar-nos às estruturas de sabedorias que são totalmente disponíveis. Elas estão disponíveis durante a vida, quando a gente dorme e sonha, durante as meditações, quando estamos nos aproximando da morte, quando morreu, quando vai renascer, construir o mundo novamente. Seguem disponíveis.
Porque as estruturas de Sambogakaya não participam do aspecto ilusório dos 6 bardos. Os bardos da vida, sonho, meditação, morrer, pós morte e renascer são divisões artificiais. São bolhas especificas. A realidade maior, o aspecto da continuidade, da vacuidade, do espaço básico, das deidades de Sambogakaya, não são afetados pelos vários estados. Podem treinar isso a noite e tentar buscar as sabedorias. É um bom treinamento.
É maravilhoso a gente ser apresentado para aquilo que está além da vida e da morte. As sabedorias estão além de vida e morte.
São sabedorias que atravessam os sonhos, as nossas propriedades, as nossas companhias – casado, carimbado, só o juiz pode mexer naquilo. Quando a pessoa atravessa para o mundo dos sonhos, tchau, do lado de lá, estamos livres.
Porém, ainda que não leve nenhuma propriedade, filho, esposa, sogra, carro, a pessoa leva Sambogakaya. Leva a possibilidade de acessar a natureza livre da mente, a vacuidade e também ela leva a possibilidade de acessar cada sabedoria dos 5 Diani Budas. Nós vemos as artificialidades da divisão dos bardos. Não há isso.
Quando sentamos em meditação também deixamos tudo. Mas os 5 Diani Budas estão vivos, brilhando.
Quando a pessoa se aproxima da morte, ela está deixando tudo para trás, mas se focar os 5 Dani Budas, eles estão vivos, super vivos.
A pessoa enfim entendeu bolhas, a bolha está se dissolvendo. Pluft.
A pessoa entra numa inconsciência e quando a consciência começa a operar de novo, dentro do estado de sonho no pós morte, a pessoa pode encontrar de novo os 5 Diani Budas vivos.
Quando a pessoa pensar em se reconectar a alguma coisa, ela pode ver se conecta através da ignorância, ou através das 5 sabedorias. É uma prática que podemos fazer agora, na vida. Melhor se reconectar com as 5 sabedorias.
Tudo que brilha também gera uma bolha e gera uma possibilidade da pessoa afundar naquilo.
Qual é o sintoma disso?A pessoa leva uma identidade para dentro daquilo. Ainda que a iluminação seja sem identidade sempre tem a maldição da mãe: Olha mãe, eu iluminado. Cheguei lá! Tá certo que fui uma desgraça, não consegui trabalhar, mas pelo menos a iluminação eu consegui!
Enquanto a gente pensar que a mãe irá se alegrar com a nossa iluminação, estamos com problemas, parece que tem uma identidade, tem essa maldição. Se não tivesse o samsara não teria o budismo. Uma boa razão para ter o budismo é ter o samsara. Vale a pena, a gente se diverte.
Perguntas e Respostas
P: Eu construí uma bolha no meu trabalho, mas era uma bolha boa. Eu via as pessoas que trabalhavam comigo com amor, fiz tudo de bom para elas. Minha bolha vivia muito bem, eles me amavam, tem gente que trabalhou comigo e disse: não foi trabalho, foi férias, foi o melhor lugar que trabalhei. E corria tudo bem, só que essa bolha era dentro de outra bolha. Eu pagava o máximo que eu podia para incrementar com curso, fazia tudo o que eu sabia, com muito amor, e estourou. Demorou 15 anos no máximo.
L: Fazer o que? As bolhas explodem. Quem entende isso é Amitaba. Tem uma impemanência natural. Se olhar para o mosteiro de Samye, foi destruído. Guru Rinpoche fez aquilo junto com Tritson Deutsen lá no Tibete. Qual é o carma para ser destruído?
P: Eu fiquei pensando ao ouvir isso tudo, de repente eu estava no reino dos deuses dentro da minha bolha.
L: era ambiente perfumado? Pode ser..
P: então eu estava com orgulho, apego, muito sutil e depois que eu perdi, eu vi que não era sutil. Até porque o dinheiro não é sutil, é âmbito grosseiro. Ouvindo tudo isso, às vezes a gente acha que está fazendo uma coisa...
L: está dentro da bolha, o tamanho da bolha e a ligação da bolha está associado ao tempo da crise. Quanto mais fixação, maior o tempo de crise. Quanto menos méritos, maior o tempo de crise.
Por exemplo, nesse momento que você tenta andar de novo, olhe e veja como os 5 Diani Budas são super úteis. Se você tiver a sabedoria do espelho, você consegue entender os outros; se tiver a sabedoria de Ratnasambava, terá alegria em ajudar os outros, rapidamente você se reconecta. Termina descobrindo que aquilo que vivia como uma bolha. É quase um estado de morte. Comece a olhar de uma forma mais ampla.
Os 5 Diani Budas também ajudam a situação econômica, é matemático, com certeza. Começa se alegrando com as várias situações, ajudando as várias situações, no mínimo com a mente, com o coração, e logo em seguida está engajada e aquilo vai funcionando.
O ponto central é dar nascimento e gerar méritos. Ter bom coração, ter capacidade de trazer benefício, alegrar-se em trazer beneficio. Aquilo anda. Se a pessoa ficar negativa, lutando contra alguma coisa, não avança.
4.dia - Noite
Nesse ponto que é o ponto último, na relação com a vida cotidiana, tem outras áreas que eu nem entrei. Por exemplo, nós estamos olhando dentro do programa dos 21 itens e estamos olhando os primeiros itens. Transformação pessoal.
Eu não estou olhando numa área de como a gente vai utilizando dentro dessa abordagem aberta: como os retiros entram? Como a gente olha isso? Como são as etapas dentro disso? Eu queria falar sobre isso.
E tem uma outra área que são as aldeias Cebbs, esses vários lugares que a gente pode morar, desenvolver os vários projetos e como isso se insere.
Algumas pessoas ficam um pouco perturbadas com isso. Especialmente praticantes de outras sangas. Lama eu acho que isso é perda de tempo! Tem muito trabalho externo, será que não é perda de tempo? É importante a gente entender esse contexto. Vou falar um pouco sobre isso de forma sucinta, para caber no tempo. Eventualmente isso pode ser alongado.
O tema principal que eu estava olhando esses dias é essa transformação pessoal. Esse é o ponto.
Vou começar por aí, se der tempo, eu incluo esse aspecto mais amplo, senão eu vou seguir apenas nesse aspecto da transformação pessoal e trato o aspecto amplo de forma bem curta.
Etapas do Caminho
O ponto é assim, eu acho que dentro do nosso treinamento tem a etapa dos retiros e a etapa preliminar. Como se a gente pudesse dividir em dois.
Não adianta a gente pretender qualquer restrição ao nosso funcionamento do mundo, alguma modalidade de retiro ou algum tipo de disciplina, se nós não temos certo nível de shamata ou motivação. Sem shamata, as coisas vêm e eu respondo simplesmente.
Não adianta ficar pensando em criar alguma disciplina, senão será um stress. Vou lutando contra a disciplina e vou ter a sensação de que tem um lama, um pai severo, limitando a vida das pessoas que são criativas, que tem múltiplas conexões por todos os lados. Isso realmente não é o caso.
Etapa preparatória
A minha aspiração é que a pessoa viva bem. Aproveite essa primeira etapa aberta, que vou chamar de preparatória. Ainda que a gente não goste do nome: preparatória. Nunca é a coisa. É um treinamento numa condição aberta. Completamente aberta.
Às vezes, eu gosto de lembrar que esse ambiente completamente aberto possa andar, enfim, será o ambiente que vamos seguir andando mais adiante.
Porque numa certa etapa provavelmente faremos retiros de diferentes durações, vamos tentar aprofundar a experiência de meditação e à medida que avançamos isso, o objetivo não é perpetuar a experiência de meditação. O objetivo é se capacitar para voltar ao ambiente aberto e trazer benefício aos seres.
Vamos supor o Buda operou no ambiente aberto, andava por todos os lados, encontrando e ajudando as pessoas no contexto delas. Guru Rinpoche também, andou por todos os lados, por isso essas 8 emanações deles. Ele manifestou diferentes aspectos de acordo com diferentes circunstâncias e demandas. Essa é uma habilidade. Os Budas geram lucidez, eles andam e ajudam os seres.
O ambiente aberto é o ambiente final, mas ele também é o ambiente inicial, onde nós estamos. Tão aberto que vamos para uma bolha, depois para outra, saltitando entre bolhas e isso espelha a nossa vida. Não vai para lugar nenhum.
Quando estamos nesse ambiente aberto no início, a gente pensa: isso é a vida e é assim. Vemos que nas práticas, nos estudos das quartas feiras, eventualmente terça, quarta e quinta, talvez algum retiro de fim de semana, as nossas práticas são episódios de interrupção da própria vida.
A gente tem a própria vida e faz uns episódios de prática. Durante um longo tempo é isso. Eventualmente, a gente pode ter uma certa regularidade nas práticas, mas se acontecer alguma coisa muito importante na nossa vida, a gente interrompe aquilo para atender esse aspecto importante, que pode ser um novo emprego, uma nova namorada/o, uma coisa assim. Um convite para viajar não sei para onde, uma idéia criativa de morar na Austrália, no Canadá, passar férias em Bali, fazer algo mais criativo, se pensarmos só em iluminação, aquilo é muito opressivo.
Esse é o movimento de quando estamos nos aproximando e acreditamos que o samsara pode ser interessante. A gente nem usa muito a noção de samsara, a gente pensa a vida.
A vida pode ser interessante, pode dar bons resultados, pensamos no currículo, a gente fez isso, fez aquilo. Uma coisa natural, principalmente no início. É que eles gostam de viajar, encontrar diferentes mestres, encontrar diferentes ensinamentos, receber iniciações, é muito comum. Talvez não tão comum na nossa sanga, mas tenho visto muito em outras sangas. Isso já era observado por muitos mestres e Chagdud Rinpoche já dizia que as pessoas ficam colecionando diferentes iniciações, mas não faziam as práticas. Elas ficavam felizes de estar juntos ao mestre, ter viajado, conhecido os mosteiros. Chagdud criticava isso, pois ele dizia que a pessoa tinha que tomar a prática e fazer.
A pessoa tem um ponto que não tem esse sentimento. Ela pensa: na minha prática, fico um pouco sonolento, se eu vou assistir um mestre, aquilo brilha. Eu vou considerar que a minha prática mais importante seria fazer uma viagem até as cavernas onde yogis praticaram, os locais onde o Buda visitou e passou parte importante de sua vida. Começa a olhar assim.
Isso também não é uma coisa recente. Eu vi Mestre Dogen, imaginem no século XII, ele falando: Não façam viagens inúteis a outros países. O lugar da sua prática é onde seus pés estão tocando. Ou seja, nós levamos o lugar da nossa prática conosco. Esse é o ponto.
Se a pessoa está dirigindo a cozinha num centro remoto, aquele é o lugar da prática da pessoa. Não está pensando em fazer retiro, está lá trabalhando.
Surge essa noção, essa comoção de encontro com o Darma em suas diversas expressões, o importante é que a gente viva isso.
Aqui no Cebb, eu considero essa etapa importante e ela é trabalhada junto com os vários centros, com os vários horários, várias atividades, dentro dos diferentes horários. A pessoa olha para aquilo e se interessa por uma coisa, depois outra. É tudo aberto, não faz inscrição, não paga mensalidade. Porque o Darma pega a pessoa internamente, de um jeito que a pessoa não sabe como é. A pessoa não adivinha como é. Ela tem a sensação que vai seguindo o Darma através de um processo como uma escola, vai aprendendo coisas, mas não é. É mais sutil. É lá por baixo.
Eu fico sempre com a sensação de que as pessoas apenas não se afastam, só ficam ali dentro. A pessoa pensa que aquilo é o ponto principal, mas não é. O ponto principal é uma coisa mais sutil que vai transformando a pessoa por dentro e quando se transformar, ela nem sabe o que transformou. Não entende bem o que transformou, mas o imaginário dela começa a mudar. As mudanças verdadeiras são assim.
Não é a pessoa citar de cor coisas que Buda falou, sua S.S. Dalai lama falou. Essa mudança, a pessoa não sabe avaliar se ela ocorreu ou não. Mas a pessoa, no fim, ela começa a perceber que antes ela fazia algumas coisas, agora não está fazendo, está fazendo outras coisas naturalmente. Não tem a sensação de que ela está obedecendo alguma regra. É uma mudança da visão. A visão da pessoa começa a mudar. Eu confio nesse processo.
Acho esse processo curativo, verdadeiro. Quem quer andar muito rápido, eu não acho muito bom. Tenho a tendência de trancar um pouco a pessoa que quer andar muito rápido. Como se ela fosse andar de forma artificial. Não vai ter tempo de fazer essa transformação interna. Ela precisa. Eu não me importo se a pessoa tenha um comportamento flutuante, mais importante é que elas façam alguma coisa e elas consigam andar na velocidade natural delas.
Etapa dos retiros
Chega um momento em que a pessoa tem aspiração de fazer retiros. É inevitável. Porque a pessoa descobriu algumas coisas. E ela viu que aquelas coisas ela acessa. Mas quando quer acessar de novo, ela se esqueceu. Porque ela entrou em 32 bolhas entre a oportunidade de estudar aquilo e retornar naquilo. Ela tenta anotar para não perder aquilo. Encontra algumas preciosidades que ela sente que são transformadoras, quer estabilizar, mas não tem tempo. Chega em casa, tem criança, marido, outras complicações. A pessoa tem várias situações dessas.
Quando a pessoa vai encontrando isso, ela vê que não consegue manter na mente aquele aspecto criativo. Às vezes a pessoa tem a sensação que abre um nível de compreensão que ela começa a olhar as coisas e mudar. As coisas são vistas com outro olho e abre um tesouro.
De repente, alguém chama e a pessoa é obrigada a fazer alguma coisa completamente rotineira, e fica focada naquilo, Mas quanto tenta voltar, ela não consegue voltar, porque não é cognitivo. Aquilo é uma janela mágica que abre, e a pessoa deseja fazer retiro pra estabilizar isso. A pessoa aspira isso.
A pessoa não tem domínio sobre o processo de lucidez. O processo de lucidez é como janelas que se abrem como num sonho, num texto, numa meditação, no cotidiano. A pessoa com o tempo, aspira poder surfar numa janela dessas em silêncio, alguém trazendo comida e aquilo tudo funcionar. Estou iluminado! A pessoa tem uma sensação assim.
De modo geral, não é iluminação, mas uma complicação de outro nível. Mas a pessoa tem a sensação que aquilo é super importante, muito maravilhoso. Isso é realmente. Mesmo que não seja iluminação, é uma alteração da percepção das coisas. As alterações são muito importantes.
Começa a surgir a aspiração de retiro.
Essa aspiração deveria ser contemplada. Especialmente, esse é o parâmetro que eu uso, quando a pessoa desenvolveu alguma habilidade de andar no mundo, para valer a pena a entrada no retiro.
O caminho dos retiros é um caminho onde a pessoa entra num retiro curto, depois volta, mas na verdade, está entrando numa rota de fazer mais retiros. Essa é uma rota de se fechar um pouco. A pessoa não vai ter mais oportunidades, quando ela começar a fazer os retiros. Não vai ter mais oportunidade de gerar habilidade para andar no mundo. Os meios hábeis não vão ser muito trabalhados.
Eu aspiro juntar essa etapa de pacificação das relações, a compreensão do mundo, compreensão da roda da vida, os vários estudos que a gente faz. Eu aspiro que a pessoa vá processando a sua vida, as suas motivações, suas visões, suas relações e ao mesmo tempo, desenvolva habilidades, meios hábeis. Pode ser meios hábeis de organização, financeiro, culinários, construção, meios hábeis de várias coisas. Pois mais adiante, esses meios hábeis vão se juntar com as habilidades de realização.
Quando a pessoa sai dos retiros ela já tem um jeito de se inserir dentro do mundo. Ela consegue se inserir não apenas através da lucidez do Darma, mas também tem habilidade até mesmo para avaliar se o trabalho dos outros está bem ou não. A gente precisa de habilidade de saber como se relacionar com os outros. Eu vejo isso como uma coisa importante.
Qual é o sintoma que a pessoa está no ponto de entrar em retiro? Se a pessoa faz pequenos retiros e se a pessoa tiver aflição durante o retiro, de fazer contatos, sustentar coisas, fazer investimentos, acompanhar o movimento da bolsa, o campeonato de futebol e acompanhar tudo e manter algum controle sobre as coisas, então é melhor a pessoa ficar num retiro aberto, senão nós vamos criar uma tensão. A pessoa não está bem no ponto para o retiro fechado.
Eu aspiro que a gente estabilize isso. No Cebb, não é um programa de retiro propriamente, mas é um programa de estágios. Muitos horários de meditação, de estudo, com diferentes temas, diferentes facilitadores. Eu acho isso uma riqueza. Super bom para quem conduz, super bom para quem participa.
Retiros abertos
Para algumas pessoas que querem andar rápido, eu aspiro que elas façam traduções, transcrição. Isso ajuda, dá um foco. Eu posso dizer isso, porque eu fiz isso um bom tempo. Foi super útil, porque toma muito tempo. Então a mente fica ocupada, não faz outra coisa. Todo o tempo útil que eu tinha usava para traduzir. Aquilo não era uma tradução. Era uma tradução seguida de contemplação.
A minha aspiração de felicidade era uma mesa baixa e um tapete que dava para meditar e fazer yoga. E um lugar silencioso. Um paraíso, não precisava de mais nada. Eventualmente uma luzinha de cabeceira. Lápis afiado, era tudo a mão. Tinha sensação de felicidade verdadeira.
A pessoa não está em retiro, mas está retirada, focada. Isso é uma espécie de retiro aberto. Ela pode se mover, pode fazer contato com diversos lugares e girar o que precisa na vida, mas tem um foco.
Está fazendo uma coisa direta. Enquanto a gente vai estudando, ela acorda, a primeira coisa que faz é estudar e meditar. E antes de dormir, a última coisa que a gente faz é estudar e meditar. Guarda na mente questões que surgiram no próprio estudo. Elas ocupam a mente durante o sono e portanto durante o sonho também. A gente vai abrindo canais de avaliação mais etéreos, mais livres durante o período noturno. A gente ocupa a mente dia e noite. Ocupa com aquele conteúdo. Estudo de texto, tradução, ela vai propiciando isso. A gente ocupa a mente o tempo todo, não precisamos fazer outras coisas. Percebe mais facilmente as bolhas de realidade.
Antes de dormir, ao invés de pensar no texto pensa: teve uma menina que eu vi durante o dia. Pareceu um pouco solitária, abandonada... eu acho que, afinal como bodisatva, eu deveria tomar uma atitude. O que eu faço? Movido por essa compaixão profunda, desejo altruísta de salvar todos os seres, especialmente os femininos... Esqueci do meu mestre, esqueci do Buda, esqueci o Guru Rinpoche, mas tudo bem, foi uma motivação elevada. De noite a pessoa aproveita para planejar como vai ser o ataque no dia seguinte. Perda de tempo.
Quando aquilo está acontecendo desse modo, a etapa preparatória está numa condição média ou inferior. Quando a pessoa começa a usar bem o tempo, ela considera os temas super preciosos, a pessoa não está nem pensando que a vida é finita, a impermanênia existe, eu tenho carma. Ela pensa: tenho um tesouro extraordinário, vou focar meus olhos nisso e não vou perder nenhum instante. Isso já é um retiro aberto. A pessoa está uma condição aberta, mas está focada. Não está planejando fazer viagem para Austrália, querendo fazer concurso para o Banco do Brasil...
Surgem coisas interessantes. A pessoa descobre que o nível de felicidade, que vai ser uma das características desse processo, não está nas coisas que está comprando, mas no tempo que ela tiver para poder focar no que ela está focando.
Surge uma natural simplicidade. A pessoa tem dificuldade de comprar roupa, de fazer coisas desse tipo. A pessoa gasta muito menos, gasta super pouco. Está focando aquilo. Tem tendência a usar menos espaço, manter aquele espaço todo limpo, todo esquadrinhado, arrumado e as coisas funcionando.
Como surge uma energia dentro, surge também uma alegria para passar aquilo adiante. Fica uma pessoa muito útil nos grupos de estudos para conduzir atividades, meditações e estudos. Tem uma energia que acompanha. Essa energia numa linguagem tântrica do vajrayana seria a dakini. Toda sabedoria é o aspecto de compreensão. Toda sabedoria é acompanhada por uma energia.
Se estivermos com o aspecto da compreensão avançando, o aspecto de energia que acompanha a compreensão acompanha.
Nós não estamos com maturidade enquanto começamos a estudar e ficamos sonolentos e desinteressados. Não é um bom sinal. É sinal que tem alguma coisa. A gente pensa naquela menina de ontem e a energia volta. Então a dakini não está no texto, ela está do lado de fora, no aspecto grosseiro, aspecto material. E a gente vai olhando.
O critério da energia é importante para ver como estamos andando no caminho. Como a energia está circulando naturalmente. Isso determina como estamos andando.
Se a gente vai dentro do ambiente aberto aprofundando, pode ser que de repente, os textos que estamos estudando, vão convergir para algum texto extraordinário.
Dentre os textos extraordinários estão Magic Dance, os ensinamentos de Guru Rinpoche no Pico do Junípero. Esses são textos extraordinários que podem ser usados dentro de retiros mais profundos.
Aquilo não é uma coisa que seja possível avançar rápido. Tem que avançar devagar. Não tem uma única frase, não tem uma única sentença dentro de uma frase que eu consiga olhar, sem que aquilo me convide a meditar e observar alguma coisa muito profunda. Não tenho como ler. São textos que se medita. Isso é uma preciosidade. É a mente aberta de um Buda. Revelado como um tesouro precioso. Gostaria de ter esse tempo. A pessoa começa a contemplar aquilo e o olho brilha – éter, ar, fogo, água, ar - a pessoa brilha, se endireita naturalmente. A pessoa está com a bênção da dakini. É uma boa coisa fazer a prática.
Retiro fechado
Pode ser que a pessoa diga: agora vou fazer assim, vou tentar ficar num retiro fechado. Ficar num lugar por um tempo. Estudar e aprofundar esse tema.
Quando a pessoa está aprofundando esse tema, de repente ela tem aspiração de ficar simplesmente sem ler nada, contemplando os aspectos mais profundos. Também tem esse tipo de retiro. Não vou olhar nenhum texto, não vou fazer nenhuma prática de sadana, nenhuma recitação de mantra, nada artificial. Simplesmente olhar o canal de lucidez que abre.
De modo geral, esse canal de lucidez vem antes, na seqüência ou junto com algum texto muito profundos, onde os mestres tentam abrir justamente esse canal.
Estudos desse tipo devem ser feitos em condição fechada. A condição fechada, a gente vai considerar a maturidade – quando a energia acompanha. Se a energia não acompanhar, como a gente sabe que a energia não acompanha? A pessoa está dentro do retiro pensando nos filhos, ex-esposa, ex-sogra, ex-marido, ex-filho, olhando para outra direção Está pensando: quando eu sair daqui, como eu vou voltar? Ela está me esperando? Como vou ganhar a vida? Como vou pagar as contas? A energia dela está se movendo para outra direção, não está dentro propriamente. Então não é o caso de ficar dentro e sim fora.
Retiro Semi-aberto
Do lado de fora podemos ficar numa situação mais aberta, evita casar de novo, não tem outros filhos, evita fazer qualquer expansão dentro do samsara. Mas ali dentro, pode estar dentro de um centro de Darma, ajudando as coisas a funcionar, pode estar cuidando de tutorados se for tutor, poder estar ajudando na parte de organização, está estudando, fazendo os pujas, as meditações, usando o tempo, mas focado.
Tem o primeiro nível de retiro que seria: semi aberto sem tornozeleira – com uma fugidinha por ali e por aqui. O semi-aberto é quando a pessoa já não está nas tarefas de organização. Ela está simplesmente estudando e meditando.
Porém cuida dos tutorados, sustenta a família, mantém o cuidado com a família, pode estar morando com a família, mas ela está dentro de uma coisa completamente focada. Ela usa o tempo dela totalmente estruturado e focado dentro disso.
Semi-aberto, no final do dia a pessoa volta para casa. Na verdade, a pessoa passa o dia fora e volta para a prisão à noite. Aqui a gente passa o dia na prisão e volta para casa à noite.
Esse ambiente semi-aberto é de felicidade. A pessoa está super bem fazendo aquilo. Ela moderadamente faz alguma coisa que dizem respeito ao Darma. Eventualmente ela conduz algum retiro, eventualmente ela faz práticas abertas, conduz outras pessoas nas práticas abertas, os tutorados de algum lugar. É o que a Márcia está fazendo.
O Henrique está um pouco mais aberto, pois faz atividades de organização. Os meninos estão no fechado. Mesmo assim, as coisas flutuam um pouco. Nelson andou por aqui, pois tinha umas coisas para resolver. Isso não é um problema. Se tem alguma coisa importante para resolver sai. Ou a pessoa adoece, não é uma regra, é bom senso. De vez em quando saem, vão para minha casa em Timbaúba, ficam em retiro fechado. Sem estudo. Eles e o infinito.
A gente está com essa aspiração de criar outros lugares para eles praticarem isolados. Quando eles estão nessa etapa de prática onde tem algum estudo, um tema focado, porque eu vou lá e dou os temas para eles, eles ficam meditando sobre aquilo. Da próxima vez que eu for, eu vou dar outros textos, explicar outras coisas, e pedir para eles meditarem sobre aquilo. E vamos indo. Quando eles estão nesse ambiente.
Eles estão internamente abertos. Eles se vêem sempre. Estão na mesma sala, mas eles eventualmente trocam alguma coisa, conversam alguma coisa nos intervalos. Mas o foco não é esse. Eles estão dentro de um regime de silêncio. Estudando e avançando.
É importante que a gente veja essas várias etapas não como um currículo. Agora eu sou da etapa tal. Se começar a olhar assim vai ser uma tragédia. É importante entender que esses vários lugares que a gente pode fazer prática, todos eles podem nos alcançar, nos catapultar em direção a liberação. Mesmo a cozinha.
A melhor para nós é a melhor prática. Todo lugar que tivermos, nós podemos com os ensinamentos de Vajrasatva, a experiência que tivermos, podemos usar para atingir a liberação.
Porque não há experiência que não seja delusória. Não tem delusão que não pode ser vista como manifestação da natureza vajra das coisas. Não tem nada que não manifeste natureza Vajra que não traga de modo coemergente a natureza primordial junto.
Não precisamos realmente imaginar que a gente tem que estar com um tipo de prática específica, caso contrário a gente não consegue avançar. Não é isso.
Nós somos yogis do cotidiano. O lugar onde nós estamos, as múltiplas experiências são úteis do jeito que vierem. Eu só cuido para que a pessoa não esteja no lugar errado.
Por exemplo, ele está em lugar fechado, enquanto deveria estar num lugar aberto. Ou está no aberto quando devia estar no fechado, é isso que eu fico cuidando. Eu também cuido para que estando no lugar que ela está, aquilo seja bom para ela e que consiga avançar. Nem sempre consigo cuidar direito, mas pelo menos tenho a motivação de que isso funcione assim.
Essas são as várias etapas das práticas.
Aqui nós estamos nesse retiro. Não estou aprofundando as meditações. Estou falando de forma abrangente essa questão toda. Eu tenho aspiração que vocês consigam entender como o cotidiano é mágico, interessante, extraordinário. Como aquilo que acontece na nossa vida surge como bolhas de realidade com aspectos que tem coerência. Podem ter visões estratégicas no meio disso. E aquilo pode parecer muito sólido, mas são bolhas de realidade. Quando a gente diz bolha, não é para descartar. É para ver como bolha, é mágica, vajra. Não precisa ter nenhum tipo de amargor com relação ao samsara. Vamos olhando e reconhecendo isso. Vamos olhando também os 6 bardos, desde essa natureza livre, que está além dos 6 bardos. Olhamos essas experiências todas.
Esse é o caminho que mais ou menos estamos seguindo.
Experiência Coletiva
Por outro lado vem esses movimentos coletivos. De modo geral, dentro da tradição oriental isso não está muito definido. Como se a sociedade daquele tempo de algum modo pudesse já ser favorável, é como se o Darma já tivesse penetrado na sociedade. As pessoas regulam aquilo de algum modo.
Nós estamos num ambiente onde o catolicismo estivesse agora decadente. Estamos ainda num período católico. Se olharmos 40 anos atrás, as pessoas sentiam necessidade de casar na igreja, batizar todos os filhos.
Posso dizer que estamos num período que isso já esteja passando um pouco. Porque hoje um número menor tem vontade de casar na igreja ou batizar os filhos. Há esse sinal. Houve um tempo, 50, 60 anos atrás, que as pessoas se sentiam compelidas. Pois havia uma mistura de estado e religião. O catolicismo era como se fosse a religião oficial. Um poder. O casamento religioso vale como o casamento civil. As crianças são batizadas. Se a pessoa não fosse batizada, era uma tragédia. Não ser crismado ou não fazer primeira comunhão, tem um tipo de problema que acontece com a pessoa. Se não for à missa de domingo, não fizer confissão tem um problema. Como se tivesse um pecado inerente, uma dificuldade. As pessoas vivem essa sensação. Há um universo que representa um país cristão. Esse universo está muito menos presente, mas ainda está presente. Ainda estamos dentro de uma visão cristã. A nossa cultura é baseada na cultura cristã.
Em outros países no oriente, a cultura é oriental não é cristã. Não tem casamento com véu e grinalda, não tem batismo, é outra coisa, outros rituais, outras festas, outras datas para observação de coisas. Outro imaginário.
Mesmo nos países budistas, tem um imaginário budista. Nós não estamos no imaginário budista. A gente tem um trabalho, estamos numa região de fronteiras, periférica. Mesmo sendo praticantes budistas, não está enraizado. A gente vê os praticantes dizendo: seja o que Deus quiser, Nossa Senhora, vale me Deus, sangue de Jesus tem poder.
Tem essa etapa de construir as relações a partir de outros valores. Essa aspiração é importante nesse tempo de degenerescência. Onde a própria cultura atual não é milenar. É uma cultura recente e suicida. Se a gente simplesmente fechar os olhos para isso estamos com problema sério.
A gente está próximo de Porto Alegre, 25 km do aeroporto, 25 km do centro, região metropolitana. Mas eu não sinto a pressão urbana propriamente. Quando eu comecei a viajar, fui a São Paulo, depois para Sorocaba. Sorocaba deve ser maior que Porto Alegre. Começa a olhar do avião, de Congonhas, olha para um lado, tem edifícios até o horizonte. Olha para outro lado e edifícios até o horizonte. Pensa: qualquer coisa que acontecer aqui, não tem como evacuar. Não tem como ir embora. Pega a estrada e vai em direção a Sorocaba. Não parece uma viagem. Parece que está andando na cidade. Chega lá. Mais de 2 milhões de habitantes.
Aquela estrada já não anda em condições normais, se acontecer qualquer coisa, todo mundo está trancado mesmo. Qualquer pessoa que tenha uma avaliação logística, sente que aquilo não é uma boa coisa.
A gente vai olhando os edifícios sendo construídos. Ruas estreitas e mais edifícios. É natural que isso não seja uma coisa equilibrada. Está andando numa rota impossível.
As pessoas não sabem de onde vem o alimento delas. O alimento delas é produzido em larga escala, contaminado e aparece do jeito que aparece.
As pessoas vão tomando a água que elas podem, comendo o que podem. O lixo não é tratado, o esgoto não é tratado. Aquilo tudo vira uma confusão. Nós vamos cavucando terras, montanhas, transportando os rios.
Se olharmos com cuidados, não tem razão para isso. Para construir esse tipo de movimento. Nós estamos num tempo de degenerescência. A sociedade humana expandiu muito, o número de seres humanos é muito grande, as pessoas desperdiçam suas vidas. E estamos num ambiente cada vez mais frágil.
Eu acho importante, por várias razões, fazer algum nível de experiência coletiva com relação a natureza, com a arquitetura. Outra economia.
Até mesmo porque se a gente estabelece esses lugares, eles são um pouco mais estáveis do que os ambientes comuns. E tem outras vantagens.
Nos ambientes comuns, como a sanga vai se juntar? Cada um vem de um lugar. Cada um dentro de um carro, de um lugar, para uma reunião por um tempo limitado, sai correndo para pegar as crianças nas escolas, para ir ao supermercado, é difícil. Cidade grande é difícil. Mesmo que as cidades grandes funcionem, como Curitiba, mas ainda assim é difícil. Recife é uma cidade que praticamente não funciona, nos horários que todo mundo tem que ir para a rua, a cidade para. Se andar a pé, é muito mais rápido. Não consegue nem andar de bicicleta, as faixas são tão compactas que não consegue passar no meio dos carros. Tem que colocar a bicicleta no meio da calçada.
Eu vi uma senhora caminhando com certa dificuldade andar mais rápido que meu carro. Por um longo tempo, ela me ganhou. Se for dar uma palestra, tem que sair super cedo.
Em Recife tem que sair 6 da manhã. Já é tarde. Tem que sair 5h30 e já tem gente.
Aqui na nossa rua já é um pouco isso. Esse é um ponto difícil. É melhor gerar esses lugares.
O Cebb pode acolher as pessoas. Fico feliz de acolher as pessoas na escola. É muito bom. Tem o refeitório, tem nutricionista, vai cuidando das crianças, tem espaço de saúde.
Esses lugares são interessantes. A gente pode viver com muito menos. Qualquer pessoa que tem uma fração de dinheiro da cidade, num local como esse, funciona.
O Cebb consegue ajudar as pessoas, não é tão pesado. Milagrosamente vamos fluindo. Também os retiros, as pessoas pensam: como vou pagar o meu retiro? Como vou pagar comida? Sempre tem a sanga generosa, de algum jeito, a gente consegue os meios e aquilo vai fluindo.
Quem está do lado de fora, ajuda a escola, porque uma fração de recurso da cidade representa muito aqui. Não vou falar um valor de aluguel que ela paga numa grande cidade, o valor do condomínio que ela paga, ele é super importante aqui dentro, se a pessoa usar aquilo - uma pequena pensão, uma pequena, ajuda.
Mesmo os pais de adolescentes de 35 anos, é mais barato manter o adolescente de 35 aqui do que em casa. Aqui é um lugar, aqui ou nos outros Cebbs que a gente está estruturando.
Cebb Rurais no Brasil
Eles estão em diferentes estágios. O Darmata, nesse momento, ele está com foco especifico da meditação fechada.
Alto paraíso é maravilhoso, a sensação que tenho é que está andando muito rápido. Já está com a escola. Tem uma energia dos professores, energia de todo mundo. Só não anda mais rápido por causa dos arquitetos. A gente precisa amadurecer os projetos, não pode simplesmente começar a construir. Tem que projetar com cuidado antes de começar. Vai projetando e vai mudando, vão aparecendo outras variáveis. Então é esse momento de maturidade que a gente precisa, antes de colocar as pedras no chão.
Em Canelinha também está avançando rápido. Agora com algumas mudanças de sonho, algumas questões ambientais que surgiram com respeito às obras. A gente vai mudando isso. Mas faz parte do processo, vai se capacitando para entender e gerir essas várias coisas.
Esse movimento dentro do Cebb vai amadurecendo. Nós vamos brigando uns com os outros, vai se aliando, tensionando, amando, vai indo, e nós vamos gerando essas relações e vamos amadurecendo. Não tem ligação que a gente não possa ver pelo Darma. Não tem rompimento ou stress que a gente não possa ver pelo Darma. É maravilhoso. Em todas essas coisas, os obstáculos que surgem, as vantagens que surgem, as compressões que surgem, todas elas são dotadas de energia e vamos andando.
Também é muito bom para a gente ver Guru Rinpoche falando diretamente para nós.
A gente aspira fazer uma certa coisa. Aquilo vai indo e vai tomando outro rumo. Não toma o rumo que a gente está imaginando. A gente vai fazendo esforço e vai tomando outros rumos. Porque as coisas se desenham nas mentes das pessoas, o ambiente físico condiciona o funcionamento.
Em Darmata foi visível isso. O ambiente físico condicionou o que iríamos fazer. A gente não suspeitava. A gente não tinha pensado isso. Eu tinha pensado Darmata como Cebb Viamão, vai tomar outro rumo.
Alto Paraíso eu tinha pensado como uma extensão do Cebb Viamão, pegar aquilo e ampliar. Vai ser uma coisa diferente também. Porque lá tem um ambiente humano diferente.
Curitiba eu não sei ainda. Tem que começar a se movimentar para aquilo aparecer. Aparecer o que vai acontecer de fato.
Canelinha também está tomando um rumo próprio, mais parecido com Viamão.
Ainda tem o Cebb Recôncavo na Bahia, vai se desenhando, tem asfalto na porta como aqui. É um lugar ajardinado, bonito, com plantas bonitas, construções bonitas. Era uma pousada. A área não é muito grande, mas tem uma área de bosque, tem regato de água límpida. Eu acredito que dê para fazer eventos grandes. Talvez seja um local para fazer eventos grandes no Nordeste.
Enquanto que no Darmata ele não serve muito para isso. Porque está em áreas muito íngremes, e por outro lado tem a instabilidade do tempo. De uma hora para outra, se chover muito, fica completamente intransitável. A gente já saiu, uma vez que terminou um retiro, em cima de uma carreta, puxada por um grande trator. Senão a gente não saia. Teve gente que saiu a pé com água acima do joelho. Caminhando. Ninguém morreu afogado por enquanto. A coisa mais excitante do Darmata é que apareceu uma jibóia.
Esse movimento coletivo, esse retiros tem esse panorama. Estou aspirando a começar imediatamente os centros de estudos. Começar a fazer esses retiros abertos, focados, individuais. Com estudo permanente, transcrições, traduções e grupos de estudos. No caso dos tutores, é muito importante, para eles poderem visitar outras cidades e trazerem a experiência deles com relação a esses textos. Eu já pedi para o Juliano começar o estudo dele. A gente ainda não tem o espaço físico para ficar, porque não é retiro. Eu vou contemplando como isso vai andar.
Perguntas e Respostas
P: Existem mais de 15.000 eco-vilas espalhadas no mundo.Alguma tem a cola budista?
L: Não sei. Não tenho uma estatística e não tenho contato. Não sei dizer. Eu diria que os locais que não tem propósito definido não andam bem. Tem impermanência muito maior. Teve um tempo que eu evitava o termo comunidade para locais como nosso. Eu também estive perto do movimento comunitário desde os anos 70. A distinção que vejo é as comunidades em geral, vem da motivação da pessoa viver bem dentro do samsara.
Aqui eu prefiro dizer é um centro budista, ou seja, o nosso objetivo é atingir a liberação e beneficiar os seres. Tem um propósito. Não é um lugar que a gente simplesmente mora. Essa é uma diferença. Mesmo que a pessoa não tenha que assinar nenhum documento, eu tenho um propósito, eu confesso isso e dedico aquilo, as pessoas sabem que temos direções, que nos livra de muitos obstáculos.
A gente começa a aproveitar a vida. A vida fica mais útil. A gente avança. Mesmo quem pensa, eu vou para lá, é calmo, tranqüilo, cheio de budista, os budistas são ótimos.Pode vir.
Com o tempo as pessoas vão ficando amigas, vai colaborando e fazendo tudo funcionar. Mas temos um rumo, um eixo. Tudo que acontece aqui dentro, tem uma certa direção. Pode ser que tenha contradição, faz parte, ela nos ajuda e vamos aprendendo com o que não está muito bom, vai melhorando constantemente.
P: Quando a gente estuda, a questão da ética, outras culturas, filosofia é algo que abre bastantes portas. Mas é diferente a gente aprender alguma coisa de um mestre realizado. Como é muito diferente ler sobre uma comunidade e as pessoas falam que é uma utopia. E se viver num centro onde sente que aquilo, tem uma energia completamente diferente e aquilo flui com uma amorosidade que não acho em outro lugar. Eu queria registrar que tem essa diferença. Aproveitar um mestre vivo e a gente usufruir daquilo que ele tem de intenção iluminada. É fundamental como caminho. Para quem é católico, de qualquer religião. Se olharem um mestre e reconhecer um tipo de realização, é por ali que se tem que ir. No budismo, tudo que eu vi, vi realizado. Isso me move de maneira sutil. É diferente o treinamento.
L: Eu quando penso nas crianças me alegro. Esse ambiente eles nem notam. Os pais também não notam. Isso ajuda muito. Com certeza. É super benéfico. Outro dia estava o Henrique me dando uma aula de bananeiras. Ele dizia: o tronco da bananeira não é tronco, são só folhas. A própria banana, a casca é folha. O tronco está enterrado. Eu tenho aula de horta.
P: Como a gente está num retiro de ponto último, queria que o lama falasse um pouco do sobre o lama e a linhagem. A importância disso.
L: Eu vou pegar esse tema como o primeiro tema amanhã. Assim posso falar com mais tempo.
P: Em relação às transcrições, fiquei pensando que quando estou meditando, ou mesmo fazendo transcrições, acontece um fenômeno: tem um pensamento no primeiro nível, depois tem aquele que pensa, e que começa a fazer outros links com algumas experiências, alguns sentimentos, como se fossem vários níveis dentro de uma mesma pessoa. Como eu poderia ver esse fenômeno?
L: É assim mesmo. Aquilo que é interno, pode ir purificando. Quando estamos fazendo transcrição, a gente está tomando ensinamento de mestres como S.S. Dalai Lama, ou Thinley Norbu, Dilgo Khyentse Rinpoche, Gyatrul Rinpoche, Chagdud Rinpoche, estamos olhando esses ensinamentos. Quando a gente começa, a gente vai entendendo linha a linha o ensinamento, sem que a gente perceba, quando começa a entender esse ensinamento é porque estamos no lugar onde o mestre está quando ele fala. Este é o ensinamento mais importante.
É a gente se colocar no lugar onde o mestre está, e quando está naquele lugar, daqui a pouco o que ele fala fica claro. A gente está no lugar de onde ele fala. Aí a gente começa a olhar as coisas em volta, a gente começa a entender a partir do lugar onde ele tava, como se tivesse roubado a mente do mestre e tivesse gerado essa conexão de Guru Yoga sutil de tal modo que a mente do outro é igual a nossa mente.
Porque na verdade todos têm a mente búdica, mas diferentes mestres falam de diferentes pontos em diferentes momentos para beneficiar os seres. Para a gente entender alguém, a gente vai através do estudo, não só compreender o que está sendo dito, os referencias, as lógicas daquilo, mas especialmente a gente começa a se perguntar internamente se a gente diria aquilo.
Eu quando estudava, procurava usar um processo dialético, procurava negar o que estava sendo falado. Quando eu procurava negar, gerava clareza de que aquilo era assim mesmo.
Eu não entrava concordando. Será que é assim mesmo? Não seria de um outro jeito? Ai eu ia vendo desse modo.
Tem um momento que a gente entende. Ele está olhando desse modo. Aquilo fica super bonito e começa a usar a mesma mente que o outro usa. Isso é uma forma sutil de Guru Yoga.
A expressão é sutil mesmo. Não é última nem é grosseira. Tem grosseiro, sutil e último/secreto.
É sutil porque é uma posição particular de Sambogakaya. A visão de sabedoria.
5.dia – manhã
Guru Yoga
Tinha uma pergunta da Brenda sobre Guru Yoga, lama e linhagem e vou responder. Vou traduzir isso para Guru Yoga.
Esse tema de Guru Yoga é super importante, às vezes é meio perturbador. Para algumas pessoas, a noção de Guru ou Guru Yoga é super perturbadora. As pessoas querem seguir o Budismo, não quererem seguir nada de Guru, nada de Guru Yoga. Ou preferem seguir o budismo, mas sem budismo dentro do budismo. Ficam mais tranqüilas.
A noção de Guru dá uma sensação que tem que obedecer alguma coisa, tem que seguir uma estrutura, uma hierarquia, aquilo já complica tudo. Tem essa noção que eu acho até justa.
Nos ensinamentos, Guru é a palavra em sânscrito para lama, que é a palavra em tibetano. Guru na abordagem tradicional, como em Palavras do meu professor perfeito, Ornamento da preciosa liberação, do Lanrim dos textos todos, vocês vão encontrar essa passagem. Depois de entender os 4 pensamentos que transformam a mente: a pessoa entende que tem uma vida humana preciosa, tem muitas circunstâncias positivas para ela trilhar o caminho. A pessoa nasceu no lugar certo, o Buda deu os ensinamentos, tem algum nível de liberdade, senão não poderia estar ouvindo os ensinamentos, tem saúde, e condições favoráveis. Ainda que as condições favoráveis estejam presentes, a pessoa também tem que se dar conta que a impermanência existe.
Para algumas pessoas que já trilharam a sanga por mais tempo, tem umas sensações um pouco aflitivas que podem brotar justamente nesse ínterim: é quando a pessoa percebe que já trilhou várias coisas e aprendeu várias coisas. Só que aprendeu, pode mudar a mente de modo significativo, mas para isso viu passar 5 anos. Mudou outro aspecto e a pessoa viu passar 5 anos. A pessoa faz as contas e vê quantos aspectos faltam e mais quantos 5 anos ela tem. Aquilo começa a ficar desconfortável, meio lento.
Essas mudanças que ocorreram, pareciam mudanças finais, mas ainda tem toda uma região que ainda não resolveu. A pessoa vai avançando mais um pouco e percebe que avançou isso, mas ainda tem isso. Quase que na medida em que a pessoa avança, a pessoa descobre que ainda tem mais, quando a pessoa avança a visão dela se amplia, e percebe que falta muito. Quando a pessoa está na ignorância, está alegremente e não falta nada, está só fluindo. Está bem. A pessoa não tem a noção do tamanho do buraco.
Quando começa a andar e diz: tive essa realização. De repente começa a ter outras realizações, mas ao olhar direito, vê que ainda falta muito. A pessoa pode fica um pouco aflita.
Nesse momento, como a pessoa está andando, pode ser que ela entenda o aspecto do Guru, o Buda vai dizer, você está avançando, mas tem dimensão cármica interna, tem obstáculos internos, se eles amadurecem e afloram vão trazer problemas, inevitavelmente.
Todo mundo tenta resolver as coisas por um método mais fácil. Mas se tem que chamar um médico, chama. No caminho espiritual é a mesma coisa. Quando tenta atingir a iluminação sozinho, está indo bem... A gente não gosta dessa coisa de linhagem. Eu estudo os ensinamentos de todas as tradições, vou combinando aquilo e a iluminação é muito mais rápida! Nós estamos num tempo não sectário, aberto, vai combinando com a nossa inteligência, nossa lucidez. Começa a sair fumaça. A cada 5 anos a gente avança um certo trecho.
Quando a gente olha para frente, a gente vê: não seria interessante se viesse alguém que me entendesse e pudesse me ajudar a andar? Porque com a minha inteligência já estou andando bem, mas se alguém der alguma dica, pode ser interessante. A gente começa a imaginar um professor ou um médico. No budismo a gente vai dizer, como um médico. A gente adoece precisa de um médico. A vantagem do médico e que já estudou aquelas doenças e é mais fácil tratar isso.
Com o tempo, um pouco pelas nossas fragilidades, um pouco pelas nossas vitórias, a gente acredita que alguma inteligência é possível, se o outro puder ajudar, melhor. É como a pessoa para fazer pão, precisa farinha, fermento, água, óleo, forma, forno.
A pessoa amassa, põe no forno, é inevitável que o pão eventualmente não cresça e fique duro. O que será que está acontecendo? Botou fermento, óleo, deixou 40 min e não cresceu? Estranho, botou água? Precisava?
Às vezes, a gente precisa de 5 anos para descobrir que tem que colocar água. É meio longo. Se tivesse alguém para me dar uma dica, aquilo funcionava. E a vida teria melhorado. Mesmo com respeito à saúde, a gente vai descobrindo coisas que são boas, essa inteligência coletiva vai nos ajudando. Ou se tem alguém que pode nos ajudar é bom.
Quando fazia meditação, fazia tudo errado. Hoje está fácil. Esse é o papel, a gente começa a aspirar.
Quando encontrei Chagdud Rinpoche também tive essa conexão com ele. Ele não foi meu primeiro mestre. Tive outros mestres. Olhei para ele e parecia implacável. Isso me tocou. Implacável no sentido de que não vai me deixar afundando em alguma coisa, só porque ele não quer me desagradar. Se aquilo não é bom, ele vai me dizer. E não vai nem tremer, vai dar até uma risadinha mortal. É uma boa coisa. Ele não vai me deixar afundar no buraco, achando que eu estou indo bem. É bom encontrar algum! Mestre sorridente não ...
Tokuda San é meu mestre inspirador. Ele era muito interessante, gozado, espirituoso. Falava o aspecto profundo junto com os aspectos cotidianos. Me inspirava pelos exemplos, pelas coisas de fragilidade que ele contava, pelas histórias do Buda, dos vários mestres. Grande mestre inspirador. Muito antes de encontrá-lo pessoalmente, eu ouvia as histórias deles, o que ele já tinha feito. Eu sorria por dentro e aquilo me dava confiança no caminho. Só por saber que ele existia. Ele contava aquelas coisas e passava por aquelas coisas.
Ele não tinha 30 anos de idade e o mestre dele achou que já tinha realizado o Satori a iluminação. Mandou -o embora. O caminho era aprender no mundo. Tokuda veio para o Brasil ajudar o reverendo superior da América Latina, no templo no bairro da Liberdade em São Paulo.
Ele não era para isso. Não era para ser auxiliar de ninguém, tinha um brilho próprio.
Num tempo rápido, pegou a mochila e foi para Bahia, sem saber português. Mas sabia os gestos principais. A gente não pode dizer que ele saiba o português. Ele dá palestra em português. Eu transcrevi várias palestras dele em português.
Teve uma época que eu tranquei numa expressão. Era muito importante porque ele repetia muitas vezes chamava: som dos várias. Não conseguia entender. Levei muito tempo para entender que era som dos vales. O silêncio. Era uma linguagem poética. Aquela palavra não tinha contexto. Até hoje ele fala som dos várias.
Esses mestres inspiram. Quando eles falam aquilo ecoa dentro de nós, dimensões de sabedoria interna. A gente diz: uau! Que maravilha! A gente não está tão sozinho. A gente sente uma ressonância com esses ensinamentos.
Jamgon Kongtrul Rinpoche também foi muito tocante. Foi numa época que não se viajava muito de avião. Não tinha internet. Correspondência só pelo correio. Telefone não funcionava. Final da década de 80. A sanga Kagyu me convidou para ir num retiro dele. Estava sendo inaugurado o centro Kagyu. O Karmapa tinha mandado o Jamgon Kongtrul. Aquilo foi muito emocionante também. Peguei um ônibus e fui a São Paulo. Tive a felicidade de alguém me pegar e me levarem ao local. Era num tempo super apertado financeiramente. Eles pagaram o retiro para mim, senão não conseguiria ir.
Eu sentei em lótus, a sala super apertada. Não tinha como se mexer, senão iria bater nas pessoas. Era um retiro num subsolo de uma casa, devia ter 70, 80 pessoas no máximo.
Fique super comovido, o atendente era o Khempo Karthar Rinpoche, olhem hoje é grande lama. Ele que conduz os retiros da linhagem Kagyu. Já tinha cabelos brancos e o Jamgon era um jovem de 36 anos. Vi o velho lama fazendo prostrações para o jovem de 36. Ele explicou: vocês podem achar estranho eu estar fazendo prostrações para ele e explicou o contexto. Aquele era o Jamgon Kongtrul III. Do movimento Rimé no Tibete.
Anotei todo o retiro e publiquei na Bodisatva. Estão lá os ensinamentos. A Karma Tsotring Palmo que era a aluna que estava dirigindo o centro recém criado fez a correção e autorizou a publicação. Aparece em mais de 1 edição.
O que me chamou a atenção foi ele falando dos aspectos de compaixão, amor, alegria, equanimidade, generosidade. Naquele tempo, era estranho ficar falando sobre compaixão, amor, alegria, equanimidade. Eu me senti recompensado. Eu tinha essa intuição, mas esses ensinamentos pareciam que eram escritos num lugar remoto. Não parecia algo que pudesse ser aplicado na vida.
Vem um grande mestre e diz: pratiquem compaixão, amor, alegria e equanimidade. Evitem as fontes de refúgio inadequadas. Não se iludam com respeito às fontes de refúgio. Falando sobre a roda da vida, os 3 animais, 6 reinos.
Muito bonito ver alguém sentado falando de testemunho próprio. Isso dá uma segurança. Ele morreu logo em seguida, poucos anos depois, num acidente de automóvel.
Trulshik Rinpoche também. Fiquei muito impressionado com a voz dele. Eu o encontrei quando deu ensinamentos em Nova York, o vi acompanhado de vários monges, vários nova iorquinos ouvindo ele. Pessoas ricas ouvindo ele. E ele naquela simplicidade, trazendo benefício para as pessoas todas. Que riqueza, que maravilha, essas pessoas que tem essas vidas profundas e oferecem amorosamente esses ensinamentos. E a voz do Trulshik Rinpoche era super amorosa. Aquilo me impactou. Aquela profundidade.
Ele deu um ensinamento de Guru Yoga. Imaginem, o tradutor dele era Sogyal Rinpoche. Foi um período que tinha morrido Dilgo Khyenste Rinpoche, Dudjon Rinpoche e Trungpa Rinpoche, a sanga budista estava de luto.
Sogyal Rinpoche apresentou Trulshik Rinpoche e eu vi o ensinamento imediato sobre Guru Yoga. Porque Sogyal Rinpoche lembrou: Thulshik Rinpoche viveu em retiro a vida toda. Ele só saiu para ir a Índia fazer peregrinação nos lugares sagrados e voltou. Agora está vindo para o ocidente pela primeira vez. Era o ano internacional do Tibet 1991. Foi feito uma grande comemoração. Dalai Lama estava indo a Nova York com todas as linhagens, incluindo o Bonpo, foi um néctar.
Quando Trulshik começou a falar depois da apresentação de Sogyal Rinpoche, ele disse: eu não tenho essas qualidades! Viveu a vida inteira em retiro. Representa a linhagem toda dos mestres. Agora apontado pelo Dalai Lama como o superior da linhagem. E não tem as qualidades! Ele está falando isso porque não tem, senão não falava!
Mas Trulshik Rinpoche falou: se eu tiver alguma qualidade é de espelhar a mente do meu mestre. Ele deu a dica de Guru Yoga. Esse é um ponto importante.
Na verdade o ensinamento de Guru Yoga é super sutil. É diferente daquilo que a gente pode imaginar que é um ensinamento de Guru Yoga, quando a gente olha sob o olhar do samsara. É diferente.
Porque na perspectiva do samsara, a gente olha como se fosse um currículo, começa a fazer coisas e começa a colocar medalhas. Vai compondo o currículo, fez isso e aquilo.
Mas na perspectiva budista, a mente de sabedoria não é de alguém. Perfeitamente justo ele dizer que não tem as qualidades. Ele não pode se assenhorar daquilo. É como a gente apresentar alguém como o detentor da compaixão, amor, alegria, equanimidade, generosidade, moralidade, paz, energia constante, concentração e sabedoria, se a pessoa morre, desaparece as qualidades, não dá!
A pessoa pode guardar características de onde nasceu, quem são os pais, mas nada disso importa, porque nada disso fala sobre a natureza verdadeira da pessoa. Então aquilo que os grandes mestres começam a manifestar é a qualidade original da natureza da mente.
É isso que eles passam a ser, é a fonte de refúgio deles. Eles não tomam refugio em título, propriedade, nada. Não toma refúgio em nada disso, não são aquilo. Eles são essa dimensão.
Se olharem com cuidado, o mestre dele o que fez? Ele era isso também. Eram as qualidades incomensuráveis e as paramitas, se manifestando a partir na natureza livre do espaço básico da mente.
O aluno termina fundindo a mente dele com a do mestre, mas essa expressão não é separativa. Eu estou aqui e ele ali. Nessa linguagem não faz sentido. Não tem um eu ou outro, vai manifestar natureza que não é eu ou outro.
Aqui a gente entende melhor isso se a gente utiliza essa linguagem que vem do Vajrayana, que Thinley Norbu usa magnificamente. É o aspecto grosseiro, sutil e secreto.
Os mestre e lamas também têm aspecto grosseiro, sutil e secreto
Os alunos vão copiar especialmente o aspecto sutil e secreto dos mestres. O aspecto grosseiro não tem como copiar. Ele nasceu em outro lugar. O aspecto grosseiro não precisa ser copiado. Por exemplo, um mestre homem ele pode ter uma aluna mulher. A aluna mulher não tem como copiar o aspecto grosseiro do mestre. E o contrário também pode acontecer. Uma mestre mulher, pode ter alunos homens, e não vai copiar. Não é necessário, não é o ponto.
O ponto realmente são os aspectos: sutil e secreto.
O aspecto sutil dos mestres são as qualidades iluminadas: os 5 Diani Budas, Vajrasatva, Cherenzig, Manjushiri, Buda Sakyamuni, Guru Rinpoche, as várias expressões da inteligência búdica emanadas do espaço básico. Do espaço básico, por compaixão, brotam muitos meios hábeis que surgem como figuras dentro do Sambogakaya.
Essas figuras a gente associa a aparências antropomórficas, mas não são antropomórficas. São qualidades. A compaixão não precisa ser humana, vamos encontrar os animais manifestando compaixão. Uns pelos outros e pelos seres humanos. Tem essa dimensão, é possível a gente ver isso.
Essas imagens são expressões simbólicas, são aspectos de Sambogakaya. Qual o sexo da compaixão? Essa pergunta não faz sentido. Compaixão não tem sexo. A compaixão nasce ou morre onde? Não nasce e não morre.
A lucidez seria o que? Masculina ou feminina? É de seres humanos ou de outros seres? Como é isso? A gente reconhece que essas coisas não tem sentido. Não se alteram com o tempo. São estáveis.
Esse é o ponto: vemos que existem essas qualidades e todas pertencem a Sambogakaya.
É importante entender que desse espaço básico, brotam as qualidades e nós usamos as qualidades. Esse aspecto das qualidades são Sambogakaya.
Os mestres vão usar Sambogakaya, vão abandonando as características que vem do nível grosseiro, que vem de mãe, pai, na dependência do corpo, vão abandonando isso em direção a manifestar inteligência de Sambogakaya, que é o aspecto sutil
E tem o aspecto secreto que é o silêncio e o espaço básico. Se brotam as qualidade de Sambogakaya, brotam de onde? Desse espaço livre, que é essa dimensão do espaço básico, da natureza búdica, da natureza livre, da vacuidade. De lá brota isso.
E o que os mestres fazem? Tomam refúgio na natureza livre, expressam Sambogakaya, no corpo comum que é Nirmanakaya. Eles fazem isso.
Nirmanakaya, como o próprio Buda mostrou, decai, desaparece. Todos os mestres terminam de um jeito ou do outro, dissolvendo em luz, em arco-íris, de algum modo dissolvem. O Nirmanakaya é o meio hábil de andar no mundo.
Mas o aspecto sutil, ele não dissolve. Então no início, a pessoa pode desenvolver uma relação de Guru Yoga imaginando o Guru como Nirmanakaya, tudo o que ela vê. O corpo, a identidade, a personalidade, ela olha isso, então a pessoa só vê isso. Está bem.
Como nós nos ligando com o nosso pai e mãe que deram nascimento para nós nessa vida do samsara, pode olhar para eles com a aparência física deles. Como tempo, começamos a ver as habilidades, qualidades que eles desenvolviam, utilizavam, pode parecer interessante. Olha de forma mais profunda. Com o tempo a gente descobre que as qualidades deles e manifestações impermanentes com o corpo físico e as qualidades sutis também são impermanentes e não tem uma qualidade que possa resolver as dificuldades do samsara.
Mas com os mestres, contemplando os grandes mestres e Buda, a gente vê esse aspecto sutil da mente deles como alguma coisa que não pertence nem mesmo a eles.
A gente vai entender essa linguagem que tem o Buda Primordial no espaço básico. Do Buda Primordial surgem os múltiplos Budas de acordo com as diferentes eras e obstáculos, porque é inevitável.
Porque o espaço básico não é afetado pela dimensão comum da realidade. Na dimensão comum, construímos bolhas de realidade e vamos operando dentro daquilo. Essas bolhas vão manifestando níveis grosseiros e nós vamos acessando isso através dos sentidos físicos, dentro de um processo de degradação, mas o aspecto primordial fica intacto.
As inteligências comuns operando dentro das causas e condições dos corpos condicionados, essas inteligências ficam presos nas bolhas e nos significados comuns, mas sempre tem através da inspiração dessa natureza primordial, tem alguns seres que afloram e olham aquilo. Eles vêm que aquilo não vai levar a lugar nenhum.
É como numa manada de animais, um levanta da cabeça e dá uma espiada para ver a direção que estão indo. Ou também os pássaros migrando, tem um que vai andando. Às vezes me pergunto porque eles andam juntos? A última explicação é que, provavelmente não é completamente verdadeira, eram uma família. Mamãe, papai, irmãos, vão voando juntos e se acostumam.
Surge essa noção de alguém que vê. Através da visão, conduz os outros. Tem uns pássaros na frente andando e os outros vão simplesmente, com um pouco de obtusidade mental, batendo as asas e vão indo.
Como nós temos a possibilidade da natureza primordial, então a lucidez total é possível. Alguém pode abrir o olho e ver que tudo é um sonho. As pessoas trabalhando, mas como um sonho.
Vai aparecer um Buda novamente nesse tempo. Esse Buda não precisam ser humano, não há essa necessidade.
Há uma clareza sobre a situação dos seres. Esse é o ponto que os Gurus têm essa característica. Mas se olharem o que há dentro deles, há Sambogakaya e Darmakaya - aspecto sutil e secreto. Estão sempre presentes.
Do aspecto secreto que é o Buda primordial, brota periodicamente os novos Budas, porque os novos Budas brotam da lucidez da mente. A lucidez da mente sempre vem do espaço básico não condicionado olhando os condicionamentos. Na medida em que o samsara perdura, os condicionamentos perduram.
Mas como não afetam a natureza primordial, é inevitável que infinitos Budas virão.
Às vezes em períodos mais longos, mas eles virão. Todos os Budas têm o mesmo jeito, ou seja, eles são manifestações atemporais da lucidez que brota do encontro da mente livre com as mentes que também são búdicas operando sob condições. Então tem a história dos Budas todos.
Esses Budas não precisam pertencer à tradição budista. Os Budas são essencialmente seres lúcidos. Não pertencem a uma tradição ou outra, se a lucidez está presente ele está ali.
Surge esse ponto que Trulshik Rinpoche falou: eu não tenho essas qualidades. Porque não é alguma coisa do aspecto grosseiro. Ele estava sendo apresentado, fez isso, fez aquilo e ele diz: eu não sou isso. Se sou alguma coisa ou algum mérito é de operar a mente do meu mestre.
Ele olha assim, ele manifesta a natureza livre como os outros mestres se manifestaram.
Dali brota uma lucidez para trazer benefício aos seres. Essa lucidez vem a nível de Sambogakaya, que são as qualidade e no nível secreto que é o espaço básico. Qual é a nossa conexão com os mestres? É isso.
Quando a gente está preso no nível da identidade, estamos operando assim: a gente não quer desaparecer. Queremos ser gloriosos. Nasci em tal lugar, sou isso, aquilo, atingi o ponto final.
A gente quer atingir uma glória. Super complicado. É um desafio para as escolas. As escolas estão montando as identidades deles para ser alguma coisa, afundando eles num buraco infinito, com grandes habilidades, mas que no fim serão derrotados por Maharaja. Não tem solução.
É como um regato entrando num deserto. Ele não atravessa o deserto.
A gente vai reforçando os meninos e meninas para entrar no deserto onde eles vão cruzar. Estamos simplesmente engrossando o regato para ele ter uma frustração inevitável ou não.
É super importante sermos capaz de ajudar o outro a crescer para poder ver de forma ampla. Caso contrário a vida dele está perdida.
Então Guru Yoga é esse ponto, como se a gente encontrasse um jeito de acessar a mente original dos múltiplos mestres, dos múltiplos Budas.
Linhagem
Vem também a linhagem que é justamente o processo pelo qual essa transmissão se dá.
Nós podemos ter uma linhagem a nível grosseiro onde há mestre vivo, de corpo vivo para outro mestre vivo de corpo vivo. Mas se olharem, por exemplo, vão encontrar vários mestres que tiveram esse acesso via Sambogakaya.
Entre os mestres que tiveram acesso direto de Sambogakaya vão encontrar Dudjon Limpa. Ele não teve nenhum mestre vivo.
Vão encontrar o próprio Buda. Ele atingiu a iluminação sem ter nenhum mestre iluminado que tivesse dado a transmissão para ele. Vão encontrar vários mestres.
Vão encontrar os tertons. São a emanação da mente de Guru Rinpoche. Não vamos dizer que eles mesmos viram as coisas, eles são a emanação da mente de Guru Rinpoche. Isso é uma possibilidade. Todos os seres tem a natureza primordial, todos os seres tem essa possibilidade, a confusão é que impede.
O surgimento dos tertons e o fato de que os tertons acessam o conhecimento de modo direto, isso é importante.
Nos tempos de degenerescência, tem as linhagens curtas. Que são as linhagens que brotam dos tertons. Não vamos dizer que brotam deles, mas que brota de Guru Rinpoche se manifestando nos tertons.
Mas o que é Guru Rinpoche? Ele não é um ser, ele é a lucidez.
A gente vai encontrar essas linhagens, originalmente todas as linhagens brotam do Buda Sakyamuni. Que por sua vez representa a linhagem do Buda Primordial, Samantabadra.
Ele é uma expressão do Buda Samantabadra, junto com outros Budas que vieram e com os Budas que vierem depois. Mesma coisa.
Essa expressão antes e depois é uma coisa que faz sentido para nós que estamos operando dentro de uma sensação de tempo. Mas para os mestres essas palavras não tem muito sentido.
Porque é sempre a mesma expressão dentro de um tempo, além do tempo. Ou seja, a lucidez se defrontando com a ignorância e manifestando uma habilidade em meio ao mundo.
A gente pode olhar para as ondas do mar e pensar: essa onda veio depois da outra, mas para o mar, cada onda é uma onda, ela vem do encontro do vento com a água e as correntes de água por baixo que encontram o relevo submarino e produz as ondas. Para nós vem uma onda, depois outra onda, no fim são resultado de uma mesma coisa e quebra tudo.
Assim todos os Budas são diferentes, dando ensinamentos diferentes, mas enfim são a mesma expressão no aspecto secreto e sutil, são a mesma expressão atemporal.
A linhagem, podemos imaginar uma coisa no tempo, dentro do sentido grosseiro, vai dando o nome dos mestres, a época que eles viveram, quem é que tinha o poder naquele tempo, o que aconteceu com eles, fizeram isso e aquilo, mas tudo isso que a gente descreve é de menor importância.
O aspecto central é que a natureza desses mestres não tem propriamente um tempo, nem tem uma origem nas condições.
Quando nós nos conectamos, vai encontrar uma situação na qual nós, nos sentindo uma identidade, querendo avançar e o mestre vai nos ajudar a avançar. Mas ele já sabe que enquanto nós avançamos, vamos morrer, enquanto essa identidade que imaginamos que é esse aspecto temporal.
Ele vai nos matar, literalmente. E a gente vai aspirar morrer a nossa vida cármica para poder manifestar esse corpo dentro do aspecto de lucidez de Sambogakaya e do aspecto de lucidez do Darmakaya, que é o aspecto secreto. É isso que vamos fazer.
É melhor não aspirar preservar uma história pessoal, é melhor poder ultrapassar isso. Enquanto estiver sustentando uma história pessoal ainda falta um trecho. Com certeza.
Nós vamos em direção a dissolução dos aspectos pessoais, históricos, temporais, em direção a tomada de refúgio verdadeira no Guru. Que é a tomada de refúgio no refúgio dele. E o refúgio dele o que é? Sambogakaya e Darmakaya, aspecto sutil e aspecto secreto. Isso que é copiar o Guru.
A gente tem um aspecto paradoxal, que é comum dizermos: eu entendi tudo isso, mas eu vou pegar isso para mim e guardar para mim e com isso eu vou avançar. A gente tenta guardar um aspecto auto-centrado. É natural. Desse encontro ele vai indo.
Os mestres de modo geral têm paciência. Eles sabem que se ele não fizer, Maharaja faz.
Mais importante do que apontar o engano é apontar Maharaja, Guru Rinpoche. Leva até o ponto onde ela aspira que a estrutura cármica dela seja rapidamente apontada e que haja sempre uma situação de compaixão que o carma amadureça de forma rápida para a pessoa não perder tempo.
Quando o carma amadurecer sobre ela, que ela entenda que é o carma amadurecendo e que ela se livre do carma. Não pense que são inimigos, falta de sorte ou condições inapropriadas.
Que a pessoa consiga entender aquilo como o amadurecimento do carma de tal modo que ela possa aproveitar de forma elevada essas próprias circunstâncias.
Isso é habilidade na vida cotidiana.
Quando surgem coisas boas a pessoa agradece. Quando surgem coisas ruins e perturbadoras a pessoa agradece e sorri. Porque as coisas perturbadoras e sofrimentos vão nos ajudar a olhar as estruturas de ignorância que estamos sustentando. Se não aparecer esses problemas, vamos ficar presos como os deuses por um longo tempo em estruturas enganosas sem superá-las, pois não estão dando problemas e parece que está tudo bem.
O importante é a gente aproveitar os pequenos sofrimentos, com todo cuidado, se a pessoa não tiver grandes sofrimentos, aproveite os pequenos sofrimentos.
E se tiver grandes sofrimentos aproveitem. Se tiver médios também servem. Todo o tipo de sofrimento.
Se a pessoa não tiver nenhum tipo de sofrimento, olhe para o lado e veja os outros seres em sofrimento e aproveitem o sofrimento do outro. Não é que cultuemos sofrimento, mas o engano pode se perpetuar pelas vitórias.
Tem esse aspecto de Sambogakaya e Darmakaya, aspecto sutil e aspecto secreto que são a essência do Guru. A lucidez do processo. É importante entender o espaço básico de onde brota a lucidez. Ter a certeza que dali brotam os Budas, as inteligências, as inteligências em nós.
Isso significa verdadeiramente tomar refúgio no aspecto último, secreto e sutil do Guru. Precisa olhar e entender.
Aspecto sutil
Quando estamos trabalhando o aspecto grosseiro, a pergunta seria de onde brota a lucidez natural do Buda, dos mestres? Essa pergunta nos ajuda a sair da percepção grosseira dos mestres para a percepção sutil e secreta.
Surge uma nuance, que é pouco falada. Eu presenciei Chagdud Rinpoche se relacionando com os mestres como se fossem todos vivos e impessoais. Mesmo os mestres que já tinham passado. Eu assisti isso, eu o vi fazer isso. Quando ele chegou ao Brasil, no sul, levei aos terrenos que ele se instalou. Ele se sentou sozinho nesse lugar e contemplou.
Porque ele não queria fazer um movimento por vontade própria. Ele chega num lugar e vai dizer: vou me instalar aqui porque eu estou achando que seria o lugar. Ele olha: a minha vida é curta, eu tenho um tempo, aqui é um lugar para eu manifestar e construir um Chagdud Gompa ou não? Om Ah Hung Vajra Guru Pema Sidi Hung. Olha quilo, vem o vento. Om Ah Hung Vajra Guru Pema Sidi Hung. Esperando que ele possa intuir e ter a clareza se aquilo é ou não é.
Ele voltou para Porto Alegre, estava hospedado na casa do Cebb, quer era a casa da minha mãe, onde o Cebb começou. Tudo tem uma mãe. Dormiu na cama da minha mãe, fazer o que? Não que a minha mãe estivesse ali. Ele estava sozinho. Vamos deixar bem claro.
Vi-o na escrivaninha da minha mãe, jogando mo. O mo deu 3 vezes que aqui é um bom lugar. Isso é uma grande coincidência.
Ele rezava para Manjushiri, e jogava. Podia ser coincidência, mas deu 3 vezes.
O que significa? Quando ele reza e pede que se manifeste?
Tem que ter cuidado. Guru Rinpoche eu peço que se manifeste! Daí ele aparece e você está fazendo tudo errado!
Se vocês estudarem o Lótus Branco, eu aconselho, texto super importante. A gente começa a olhar Guru Rinpoche sendo capaz de manifesta as 4 ações – poder, irada, pacificadora e tranqüilizadora, independente da presença física dele.
A gente podia pensar o mestre a nível sutil e secreto não manifesta atividade de poder, pacificadora, incrementadora ou irada, como vai fazer isso? Não tem corpo e ai como é? Rinpoche reza: Por favor Rinpoche, manifeste a coisa como é! Mas tem Guru Rinpoche para manifestar isso? Essa é a pergunta. Ou é simplesmente Sambogakaya e espaço básico? Espaço básico não responde.
Om Ah Hung Vajra Guru Pema Sidi Hung. A situação é grave faça alguma coisa!
No lótus branco, vão ouvir isso, o mosteiro de Nalanda sendo atacados pelos Shivaistas. Os debatedores do mosteiro de Nalanda passando mal. O Mosteiro de Nalando iria mudar para a linhagem hindu. Vem uma pessoa e diz que só Guru Rinpoche pode resolver isso! Mas Guru Rinpoche está super longe. A dakini diz você reze para ele que ele aparece. Os monges sobem no telhado e gritam: Guru Rinpoche manifeste a sua presença. Ai surge a prece das 7 linhas. Invocando a presença de Guru Rinpoche. Daí Guru Rinpoche vence no debate.
O lótus branco vai culminar, isso é Mipham Rinpoche, introduzindo a chuva de bênçãos. Mas fica uma questão. Se Guru Rinpoche é Sambogakaya e Darmakaya ou seria uma coisa a mais em algum lugar? Faz sentido a gente rezar? Tem alguma coisa que escuta que faz ação irada, pacificadora, incrementadora, de poder? Tem isso ou não tem? É uma pergunta sutil! A resposta é... E aí? Diz o que? Para Chagdud aquilo era completamente claro. Com certeza, reza e acontece.
E como explicar isso? Fácil! Está nos ensinamentos do Buda. Quando estamos no âmbito do sonho à noite estamos sem corpo físico. Podem ver gente que já morreu, não podem? Esse âmbito de operação mental, que não estão operando dentro do corpo, tem um eu, uma intencionalidade, no meio do sonho pode manifestar as 4 ações – poder, irada, incrementadora e pacificadora. Vocês podem.
Isso pertence ao aspecto sutil, podemos gerar, os mestres podem gerar identidades no aspecto sutil para benefício dos seres.
No ensinamento budista, a corporeidade vem muito depois, o samsara surge de uma forma sutil por um longo tempo. As vidas das pessoas, no aspecto sutil, tinha uma longa duração. Quando começa a surgir o corpo denso, se olharem com cuidado, significa os meios hábeis de sustentar os aspectos sutis através dos sentidos físicos.
Olhamos a foto do namorado, não estamos vendo a foto e sim o aspecto sutil. Tanto que se mudar o aspecto sutil, pode queimar.
Aquela foto, ou o sentido físico não está sustentando uma coisa real do lado de fora. O sentido físico está apoiando o aspecto sutil. Assim surge no 4.elo dos 12, aspiramos através de um outro processo sustentar aspecto sutis da mente.
Esses aspectos sutis da mente produz uma sensação de identidade que já o 3.elo, vijnana. Já dá uma sensação de identidade a partir das marcas mentais.
O aspecto sutil da identidade, nós operando através desse inconsciente que brota, opera através do conteúdo do inconsciente. Pelo fato que a gente opera através de um inconsciente que dá a sensação de um eu.
Quando estamos dormindo à noite, temos sensação de um eu. Porque essa dimensão inconsciente cármica que opera está ali. Nós operamos desse mesmo software.
Vocês podem entender que os mestres geram processos hábeis para manifestar essas sabedorias. Vão entender que Guru Rinpoche pode se manifesta no sonho de alguém, ou no sonho de outro. São aspectos Sambogakaya. Não está restrito a uma região ou lugar, tem uma mente livre do aspecto grosseiro, mas aquela manifestação está ali, melhor pensar assim.
Então faz sentido a gente rezar e pedir essa conexão da forma mais densa e clara possível. Isso também tem uma dimensão de Guru Yoga.
Dentro dos ensinamentos tibetanos tem muitas histórias dessas. O mal aluno imaginou que era um mestre. Quando o barco dele estava afundando no meio do rio, reza pelo mestre, quando o mestre se manifesta ele escapa daquilo.
Como uma intercessão no nível grosseiro que vem do nível sutil. Melhor, no mínimo, guardar a virtude da dúvida. Não precisam acreditar, mas é um nível de Guru Yoga. Reza para os mestres que já passaram.
Rezem e desenvolvam essa conexão, Sempre lembrando que os mestres têm esse aspecto primordial e deste aspecto primordial surge habilidades específicas e essas inteligências continuam. O ser morre, mas aquilo segue. Tem esses testemunhos dos Budas, dos grandes mestres posteriores na sua conexão.
Chagdud Rinpoche
Chagdud Rinpoche inicialmente veio ao Brasil convidado pela Unipaz, em eventos organizados pelo Pierre Vail. Quando ele começou a vir, outras linhagens começaram a mandar os alunos para ouvir os ensinamentos dele e com o tempo, em pouco tempo, ele foi reconhecido como grande mestre aqui no Brasil e as pessoas, começaram a convidá-lo a vir regularmente.
Ele fundou Odsal Ling, que hoje é dirigido pela lama Tsering que foi fundado pelo Manuel Vidal e nós tínhamos uma conexão, porque ele tinha sido o tradutor do Dalai Lama e antes de traduzir o Dalai Lama, tinha traduzido Jose Ignácio Cabezon e Alex Berzin, que foram professores budistas que por sua vez também eram tradutores do Dalai lama e vieram para Porto Alegre várias vezes na etapa de vinda do Dalai Lama que ocorreu em 1992.
Quando o Dalai Lama veio, a tradução de inglês para português foi feita pelo Manuel Vidal. E o Alex Berzin também foi traduzido pelo Manuel Vidal, então a gente terminou tendo essa relação.
Foi uma época que o Cebb organizou tudo isso e a gente estava sempre junto. Ficamos amigos.
Manuel Vidal, num certo momento, tornou-se aluno de Chagdud Rinpoche e foi aos EUA, fez essa conexão com Chagdud Rinpoche e tornou-se o principal tradutor, propagador e apoiador da manifestação de Chagdud Rinpoche no Brasil naquele tempo.
Ele escreveu para mim a pedido de Chagdud Rinpoche, dizendo que Chagdud Rinpoche achava interessante a vinda dele a Porto Alegre e achava uma coisa auspiciosa e fiquei feliz. Para mim também não era uma coisa fácil ir para São Paulo. Eu vi Chagdud Rinpoche, fiquei encantado com a figura física, com os temas e a história dele. Fiquei muito feliz e fiz aspiração de fazer contato, ouvir os ensinamentos e poder seguir.
Chagdud Rinpoche veio em 93, nessa época senti que o Cebb deveria sustentar esses ensinamentos e manter isso tudo funcionando em Porto Alegre. Deveria abrir esse espaço e permitir que a linhagem Nyingma pudesse se manter aqui. Enquanto a gente segue o aspecto mais importante que é o Zen.
Na época, para mim, era bem claro que o zen era uma base excelente, como eu penso hoje, para seguir as práticas num caminho direto.
Eu tinha feito contato com a linhagem Nyingma através de Trulshik Rinpoche no ano anterior em 92, em Nova York. Nós estávamos estudando dentro do grupo zen, estudávamos textos Nyingma, Estudávamos Longchempa. Fazia nossos seishins e a na parte de estudo, Longchempa, natureza primordial, essas coisas.
Quando veio o Geshe Lopsan Jyamying eu mostrei esse texto. Ele disse que não era por aí. Tem que começar de outro jeito, deveria começar pelo Lamrin.
Mas para quem vem do zen, o ponto principal é o ponto último. Não é começar por bondade, amor e compaixão, é perda de tempo. Tem que começar pela visão última. Tivemos uma conversa interessante.
Hoje eu entendo perfeitamente o caminho gradual como muito importante. E o aspecto último também. Não se conflitam. Nos ensinamentos de Longchempa ele apresenta o aspecto último, se entendeu ótimo, se não entendeu, você tem uma mente média ou inferior, então vai fazer outras coisas. E vai apresentando outras coisas.
O caminho gradual surge de cima para baixo e não de baixo para cima. Quando a gente vê o caminho gradual de baixo para cima, a gente se aflige um pouco.
Chagdud Rinpoche vinha para oferecer os ensinamentos de topo, mestre Dzogchen realizado, aluno de Dilgo Khyenste e Dudjon Rinpoche, era super especial, tem que guardar isso.
Eu pedi para a secretária do Cebb, muito próxima de mim, que me ajudava muito: vamos fazer assim, ela passava para a linhagem dele e eu continuava no Zen. Você faz isso, eu te apóio, mantenho as práticas e fico fazendo o Zen como já venho fazendo...
Mas não deu certo. Porque tivemos uma ligação pessoal. Quando subi no avião para buscá-lo dentro do avião, estava sendo recebido como Dalai Lama, carro especial, a gente se deu uma olhada e achei que ele iria me matar. Com certeza. Achei aquilo super importante. Ele me deu uma olhada e nem tremeu! Agora eu vou matar este. Que bom!
Melhor que venha um mestre implacável. A gente não perde tempo.
A gente teve uma longa conversa com aquela que veio ser a lama Shepel, que foi atendente dele nessa viagem.
A gente sentou na sala do Cebb, ele perguntou o que eu fazia, quais eram os votos que eu tinha tomado. Mostrei a revista Bodisatva para ele. Ele achou que aquilo era muito trabalho.
Eu contei a meditação, como a gente funcionava, ele viu aquilo tudo operando, ele viu os ensinamentos de Tokuda Ssn, já tinha ido lá, tinha os registros de tudo que a gente fazia.
Não é como hoje, naquele tempo a gente era mais organizado, todo mundo que entrava na sala assinava, tinha data, tinha um livro de encontro. Nós já perdemos muita história. Naquele tempo a gente guardou. Tem os mestres que estiveram, têm as fotografias, esses documentos ainda devem estar por ai.
Quando Tokuda San veio e deu nome para a sala, tudo escrito em japonês, está no livro. Porque ele deu o nome, está tudo explicado.
Então Chagdud Rinpoche chegou e eu tive essa sensação que ele seria implacável. Sempre têm correções. Essa questão do tempo, a gente precisa aproveitar. Se eu for esperar avançar a cada 5 anos alguma coisa, eu estou arranhando com as minhas unhas, é difícil!
Se vem um mestre e oferece aquilo é uma boa coisa. Eu tive essa conexão, a gente conversou longamente e Chagdud Rinpoche me disse, segue fazendo o que você está fazendo. Não disse abandona isso e faz aquilo.
Ele também perguntou como é a sua meditação? Ele disse não corta. Já é a instrução da meditação da presença, como olhar a mente operando e como ela produz os pensamentos. Já dissolve os próprios pensamentos que estão sendo produzidos, tive um ensinamento direto.
Ele também falou que é mais fácil entender vacuidade na forma do que na ausência da forma. São dicas super preciosas! Pensei: que maravilha! Se ele me aceitasse como aluno seria uma boa coisa, e ele me aceitou. E deu o nome para o centro Yeshe Ling.
Vocês vão ver os cartões de refúgio, que a gente ainda tem no registro do Cebb, eu guardei esses cartões de refúgio, Chagdud GompaYeshe Ling com o endereço do Cebb em Porto Alegre.
Ali que começou, essa foi a conexão.
Rinpoche muito rapidamente me autorizou a dar os ensinamentos de Ngondro. Rapidamente assim: ele estava em Porto Alegre indo para São Paulo, daí eu sugeri que ele passasse em Florianópolis e Curitiba. A gente já tinha contatos de sanga Cebb em Florianópolis e Curitiba, ai ele passou por lá.
Ele rapidamente abriu centros nessas cidades.
Quando ele chegou em São Paulo, ele deu um retiro de vários dias de Ngondro. Eu achei aquilo maravilhoso. Ele me autorizou a conduzir os grupos de Ngondro e eu comecei a fazer a prática em grupo, como no Zen,
Fazia Zazen e Ngondro, não era muito fácil para as pessoas do Zen. No início a gente estava num grupo grande, 30 a 40 pessoas, período bem interessante, e como na sala não cabia toda a gente, usava outra sala maior.
Importância de Shamata
Agora eu queria, encerrando a sua pergunta, queria introduzir um outro tema, para encerrar o retiro.
Vou retomar o tema do quadro dos 240 itens e queria lembrar para vocês, a importâncias das 4 qualidades incomensuráveis e 6 perfeições, associadas a imagem de Guru Rinpoche. É um método super hábil de observar os ensinamentos aflorando nas nossas vidas.
A gente precisa dessa habilidade, é minha sugestão para vocês. Como se fosse um caminho gradual por enquanto, mas aqui como estamos falando de ponto último, estou introduzindo ponto último junto com shamata.
Porque praticamos shamata? Para não responder automaticamente. Quando nós temos essa liberdade entre estímulo e resposta, dentro desse espaço livre, eu posso oferecer algum nível de sabedoria.
Se eu estou completamente automatizado, não sou eu que respondo, é o carma que já responde automaticamente. É aquilo que já está estruturado. Vem um estímulo e eu respondo.
Então é completamente necessário a gente desenvolver habilidade de shamata.
A gente pode estudar muitas coisas, mas se não desenvolvermos essa capacidade de ampliar o espaço entre o estímulo e resposta, eu não consigo colocar sabedoria. Preciso de um espaço para colocar a sabedoria. Portanto preciso praticar silêncio.
Vêm pensamentos, vêm coisas, a mente flutua, mas de um jeito e de outro, eu começo a ampliar o espaço entre o que acontece e o que surge por dentro da mente, os impulsos e pensamentos.
Começo a ampliar o espaço entre isso e a resposta. Até mesmo porque estou parado.
Se tiver o celular ali, não respondo, nem falo, nem chamo ninguém, mesmo que tenha pensamentos sobre isso. Começo a ampliar essa capacidade de não responder.
Não responder, mas se mantendo lúcido. Não é não responder amortecido. É vivo, presente.
Dentro do espaço que surge, faz sentido colocar sabedoria que inicialmente eu posso trazer como se fosse alguma coisa externa. Como recomendações dos mestres.
Mais adiante, vamos colocar sabedoria como manifestação de Sambogakaya, manifestação do aspecto Primordial - Samantabadra, Amitaba. Os 5 Diani Budas vão aparecer nesse espaço. Se eu não criar esse espaço, não tem como aparecer.
Na medida em que vamos ampliando shamata, tem uma interpretação muito importante. Se eu estou praticando shamata, eu interrompo essa operação automatizada, mas me mantenho no âmbito da ignorância, do samsara.
Nós que ouvimos os ensinamentos Dudjon Limpa através de professor Alan Wallace, a gente vai entender que vai encontrar a mente substrato, que é a mente de alayavijnana, a mente comum.
Quando a nossa mente interrompe, não é que a sabedoria brote dali. Pois temos a suspensão dos aspectos condicionados, mas eles estão prontos para retornar. Isso é a mente substrato.
No entanto, a própria possibilidade de interrompermos a resposta automatizada da mente condicionada de manifestar essa liberdade, mesmo que alayavijnana , ou seja, a mente depósito das ilusões e das respostas automatizadas, esteja pronta para seguir, isso me permite entender que eu também posso abrir essa mente condicionada, de alayavijnana, da mente subtrato, com todos os seus conteúdos cármicos, eu também posso abri-la para surgir a mente primordial verdadeiramente livre.
Ainda que shamata não seja a abertura final, já é o inicio da abertura. Posso olhar assim.
Ela já é o exercício da liberdade primordial. Se o carma fosse realmente rígido, eu não conseguiria abrir isso. Eu simplesmente responderia de modo automatizado.
Se eu substituo um condicionamento por outro, se sou capaz de interromper um condicionamento e colocar outro no lugar, eu também posso interromper um condicionamento e colocar lucidez no lugar.
Essa interrupção é muito parecida com o silêncio primordial, ainda que se dê dentro do ruído cármico. Ela é um movimento de grande importância. Essa é a conexão com o aspecto primordial. Estamos interrompendo essa estrutura cármica, mesmo que aquilo seja preenchida novamente pela estrutura cármica. Nós estamos abrindo isso. Mais adiante, vamos abrir sem que este espaço seja preenchido pela estrutura cármica.
Vai abrindo isso, mantendo o espaço da liberdade primordial, preenchendo com as dimensões de sabedoria que são Sambogakaya.
4 qualidades incomensuráveis
Essas dimensões de sabedoria, eu gostaria de falar sobre elas de forma direta e rápida. E ver como a gente pode aproveitar isso na vida. Como a gente pode abrir esse espaço com shamata e deixar que de novo venham as ilusões? Como introduzir rapidamente as visões que vem dos 5 Diani Budas, antes que a ilusão chegue?
Se a gente preenche aquilo com outro conteúdo melhor, mais rápido.
Esse processo, a gente pode usar como apoio a própria imagem de Guru Rinpoche surgindo do lago. Nós temos o lodo na parte de baixo e temos a água como o sofrimento. O que a gente vai encontrando enquanto a gente se move no samsara é o lodo e a água.
Ás vezes a gente não se dá conta disso, mas há situações limite, específicas, que nos tocam muito e a melhor interpretação para essas circunstâncias é ver o lodo e a água.
Nós temos esse desafio: precisa ver o lodo e a água nas várias circunstâncias que a gente vai passando.
Ás vezes são pessoas que vêm e nos agridem, são situações difíceis que brotam e nos perturbam. A gente olha o lodo, a negatividade que produz isso na mente das outras pessoas e olha a água como o sofrimento inevitável que brota na mente daquelas pessoas e na nossa própria mente, a partir dessa obtusidade mental, desse lodo.
Compaixão
O ponto central que a gente precisa fazer acontecer é o talo do lótus. É o inicio do surgimento de Sambogakaya. O talo do lótus é compaixão. Brota em nós a compaixão.
Não é muito fácil ver alguém nos agredindo, trazendo problemas para nós e manifestarmos compaixão, não é fácil.
Se quiserem olhar esse ponto, olhem os 8 versos que transformam a mente, que é uma prática de S.S Dalai Lama. Como o inimigo pode se transformar num mestre. Como a gente pode conceder a vitória ao outro. Isso é super importante! Vem o outro forte e nos vence. A gente entrega a eles a vitória e diz: ande da forma mais lúcida possível. Agora eu já não tenho mais como andar. Ande você.
Isso está associado à compreensão de que as mentes condicionadas ou não, são mentes búdicas operando sob condicionamentos. Não são mentes do inimigo. São mentes operando sob outro aspecto, outro referencial dentro do nível grosseiro.
No entanto, quando a gente entende como as coisas andam a gente sabe que mesmo que a mente tenha intenção equivocada ou esteja pautada por um erro, um engano ou motivação equivocada, aquele ser que nos venceu irá se defrontar com Maharaja, roda da vida, frustrações da vida. É um regato entrando no deserto.
Mais dia menos dia, irá chegar no limite daquela força, daquela forma de manifestar e irá que se encontrar com a realidade das coisas. Quando ele se encontrar com a realidade das coisas, a gente aspira que seja útil a ele. Isso é compaixão.
Aspiramos que a pessoa encontre a lucidez em algum momento. Porque se ela não tem aquela lucidez, que ela se manifeste! Isso é compaixão.
A gente acredita que a pessoa tenha a fonte da lucidez e ela use aquilo. Mesmo que agora ela esteja pisando por cima de nós e vai ser o nosso fim. A pessoa segue. A gente transmite de coração: justo por vencer, você vai ter que levar aquilo adiante. Vamos olhar desse modo.
Samsara não tem solução. Pisou em cima de mim e venceu. Agora você vai ver o seu prêmio qual é! Que o samsara se transforme em lucidez, que ela atinja a liberação e se transforme, seja bom mestre e que traga beneficio para muitas pessoas. Isso é compaixão.
Amor
Surge uma qualidade mais difícil de praticar, especialmente nessas condições desafiadoras. É amor. A gente olha para o outro e vê que tem qualidades.
Difícil ver as qualidades do outro quando estão nos prejudicando. Ele tem qualidades. Essas qualidades são verdadeiras. Que elas cresçam e amadureçam e possam trazer beneficio a muitos seres.
Vejam como vocês podem se curar totalmente através de compaixão e amor.
Eu estou aqui pegando uma situação limite, difícil. Se a gente pegar situações médias, mais fácil. Situações favoráveis, mais fácil.
A pessoa veio e namorou a filha e levou. Perdi. Tranquei o que pude. Que seja feliz e ande bem pelo mundo e que aquilo funcione.
Ou a mãe que diz: levou meu menino. Ela veio se achando e levou meu menino. Eu eduquei, limpei a bunda, alimentei, fiz isso e aquilo. Agora, completamente sem nenhuma qualidade, a não aquele cabelão, leva o menino. Eu devia ter prevenido que mulheres que fazer assim com o cabelo não dá! Faltou esse detalhe. Levou o meu menino. Enfim, fazer o que? Rezemos que aquilo funcione, que ele seja feliz, porque não é fácil
Quando olhamos os jovens, eles logo descobrem que vão ter que comprar um apartamento, comprar um carro, pagar seguro saúde, pagar condomínio. Que desgraça. Começam a fazer a conta. Sobrou 258 reais esse mês. Isso não é nada, se eu quiser comprar um apartamento, ou comprar um carro. Não é nada. No máximo, consigo ir ao cinema.
Nos próximos 10 anos o que vai acontecer comigo? Nada. Não vou conseguir fazer nada. São os jovens encontrando a vida. Super difícil. A gente reza. Não desanimem. Não corram para as drogas. Não tomem álcool. Não corram com o carro. Sejam bons meninos.
Aí chega para a mãe e diz: Mãe! A Martinha está grávida! Ahhh que bom... que maravilha....Muito auspicioso! Muito bom! Você vai pagar as contas como? Eu não sei, mas a gente sempre pensa em você, mamãe!
Só faltava essa! Pensei que iria fazer retiro agora... Rezamos: que tudo dê certo! Que ele não desista da vida. A vida não é fácil. E vai indo e vamos olhando.
Compaixão e amor nos curam. É melhor assim.
Vemos as qualidades, vemos o que é possível fazer, como ajudar, como propiciar. Isso vem da sabedoria do espelho e da igualdade. O que acontecer de bom para eles é bom para nós. O que acontecer de bom para os outros é bom para nós.
Começa a olhar com esse olhar para todas as direções. Nós vamos olhando os 5 Diani Budas, todos com lucidez. Essa é a nossa prática.
A gente pratica compaixão e amor.
Alegria
A gente descobre que todas as direções que a gente olha com compaixão e amor, mesmo pra os chefes, mesmo para os vários ex- de várias coisas, se a gente conseguir olhar com compaixão, eles estão fazendo esforços, são como regatos entrando no deserto, super difícil para eles, a morte é certa, a vitória é impossível, no sentido comum, precisam fazer uma transição, senão! Isso é compaixão.
Eles têm as qualidades, mas precisam fazer as transições. Eles não vêem as transições. Não conseguem ver e nem querem ouvir, mas eles têm qualidades. Esse é o aspecto de amor. A gente olha e aposta nessas qualidades.
Compaixão e Amor. A gente reza para Guru Rinpoche. Guru Rinpoche manifeste a sua presença. Não esqueça esses seres.
A gente descobre que quando a gente olha com esse olhar, surge alegria em nós. Essa alegria é o sinal de Sambogakaya. É como se nós tivéssemos uma conexão verdadeira. Compaixão e amor surgem de fato, a alegria surge.
Essa alegria numa linguagem vajrayana significa a consorte do Buda. Nós estamos com o olhar inteligente, inteligência do Buda - compaixão e amor, daí brota a alegria junto que é a energia. A energia brilha e a pessoa ficou com alegria. Aquilo está presente.
Quando vem essa alegria, a gente se dá conta que a gente tem que olhar em volta para todas as direções sempre com esse olho. Se a gente olhar sempre com esse olha, a nossa vida flui.
Equanimidade
Pratico compaixão e amor, a alegria vem, há equanimidade. Nós olhamos para todas as direções com isso.
Experimentem, por exemplo, não olhar com esse olhar. Olhar com qualquer outro olhar tipo: orgulho, inveja, desejo e apego, ignorância, raiva, rancor, ódio, medo e etc olhem para a energia de vocês! Afundou!
Substituam isso por com compaixão e amor, aparece alegria de novo.
Substituam por desejo e apego, afunda. É fácil ver.
Na linguagem de Thinley Norbu, a inteligência condicionada produz a energia correspondente.
Se estou com uma inteligência condicionada negativa, a energia afunda. Ela é proporcional a clareza da nossa mente.
As 4 qualidades incomensuráveis é a essência da ação no mundo. Não é complicado.
Olhem o lodo e a água. Compaixão, amor alegria e equanimidade. Elas vêm na seqüência. São operativas. Não é assim; Eu agora vou abandonar a lucidez do mundo e vou praticar compaixão, amor, alegria, equanimidade. Quem sou eu para praticar isso? Eu sou gaúcho. Para mim é faca na boca. Dureza. Olhe para a cara dos gaúchos. Dão dá! A alegria está longe!
Compaixão, amor, alegria e equanimidade. Uma coisa baiana. Calma...
6 perfeições
Dessas qualidades brota naturalmente a perfeição da generosidade. Essa generosidade não é de uma pessoa para outra. A pessoa olha para aquilo e se alegra em participar.
Tem moralidade. A pessoa não vai prejudicar o outro imaginando um beneficio próprio. Não tem essa possibilidade. Experimenta fazer e veja como se sente. Rouba do filho e do vizinho. Para um pouquinho e agora vê. O que sente dentro? Sente super mal! A energia que acompanha as ações não virtuosas são super complicadas. Moralidade está clara.
Vem paz, está fazendo tudo direito. Está sustentado pela energia, tem paz. Paz não é uma artificialidade. Não é parar em um lugar, fazer atrocidades de depois OM. Isso não é paz. Não tem jeito. A pessoa não vai conseguir sentar e ficar. A paz não é uma coisa artificial. Ela brota naturalmente. É a perfeição da paz.
Generosidade, moralidade e paz, vêm energia constante. Se a pessoa está nessa condição, a pessoa se estabiliza. Não sei se algum de vocês tem a energia agitada, que flutua? A energia estabiliza. Está constante.
Se a energia está constante, há concentração. Estão sendo atacados, mas tem o olho que vê tudo. Não altera a respiração.
Compaixão, amor, alegria, equanimidade, generosidade, moralidade, paz, energia constante, concentração, vem a sabedoria. Sabedoria é esse aspecto transcendente. A sabedoria é Sambogakaya, Darmakaya, Guru Yoga, conexão como aspecto primordial.
Melhor praticar. Essas 4 qualidades incomensuráveis e 6 perfeições é mais fácil praticar no meio do mundo. Somos os yogis do cotidiano, os bodisatvas.
Quanto mais confusão melhor, a gente não precisa criar confusão, confusão já tem bastante.
P: Agora que a gente vai voltar para casa, poderia falar mais sobre como a gente poderia fazer as práticas de uma maneira mais organizada.
L: Uma boa pratica é 15 min de shamata. Depois pega a lista dos inimigos, lista de pessoas que tem contato constante, lugares, situações, pode fazer a prática de metabavana.
Metabavana é uma prática compacta de compaixão, amor, alegria, equanimidade, generosidade, moralidade, paz, energia constante, concentração e sabedoria. Olha com esse olho. Que o ser seja feliz. Ser feliz é poder praticar compaixão, amor, alegria, equanimidade, generosidade, moralidade, paz, energia constante, concentração e sabedoria.
Que eles encontrem as causas da felicidade. Quais são as causas da felicidade? Compaixão, amor, alegria, equanimidade, generosidade, moralidade, paz, energia constante, concentração e sabedoria.
Que eles possam tomar para si como referência.
Quando a gente tiver o olho de amor, a gente olha para eles e vê.
Será que eles poderiam praticar compaixão? A gente descobre que conseguem, pelo menos em algumas circunstâncias. A gente vai descobrindo um jeito.
Será que conseguem praticar amor? Podem em algumas circunstâncias.
Na medida em que a gente vai descobrindo isso, vamos dando nascimento positivo para o outro.
Antes a gente dava um nascimento negativo, agora a gente dá um nascimento positivo. O nosso olhar mudou. Se muda dentro, começa a ver outra coisa fora.
Se a gente começa a ver outra coisa fora, a gente estabelece outro tipo de relação do lado de fora.
Se as pessoas conseguem namorar, é porque fazem isso. Ele olha uma pessoa, olhou de novo, alguma coisa dentro. Se muda dentro, termina mudando fora. A gente vê o outro e fica vermelho. Fala com o outro e assim, começou.
Se o outro também olha para nós e alguma coisa muda, de repente surge uma co-emergência. Surge uma bolha de realidade ilusória, onde os dois vão sofrer dentro na seqüência. É muito bonito isso.
Como as coisas acontecem. As pessoas vão tentando entender o que acontece um no outro.
Será que o outro torce pelo mesmo time que o meu? Sim! Que bom! Tem vários fatores que produzem uma convergência. Aquilo parece super interessante.
Quando a gente faz alguma coisa, o outro ajuda o que estamos fazendo. Será que está forçando ou está fazendo com gosto? Eu adoro consertar tomadas! Eu nasci para levar o lixo para a rua! Eu gosto de pagar as contas! É o ser certo para mim! Tudo o que faltava é isso. Não sei o que vai acontecer depois de pagar todas as contas, arrumar todas as tomadas, levar todo o lixo. Não sei se serve mais para alguma coisa... A gente vai testando e no fim. Que maravilha. Aquilo funciona por um tempo.
Se a gente consegue fazer isso, é porque o nosso olhar mudou. A gente não tinha esse olhar. Vai testando e vai fazendo. De novo, com qualquer pessoa, isso pode ser assim também. Olha para o outro, com compaixão, amor, etc, pode mudar o nosso olhar interno.
É melhor a gente ter características positivas para olhar para os outros. Isso é a prática na vida cotidiana direto.
Praticamos metabavana, que enfim é um compacto disso.
A gente diz: que ele se livre do sofrimento. Se livrar do sofrimento, começa livrando das causas do sofrimento que são orgulho, inveja, desejo e apego, ignorância, carência, tudo o que tiver no quadro de 240 itens. São as causas do sofrimento.
Sofrimento é inevitável. Insatisfatoriedade, impermanência, sofrimento, são inevitáveis. Que ele se livre das causas do sofrimento.
Se ele se amparar, se segurar nas 4 qualidades incomensuráveis e 6 perfeições ele vai indo adiante, aproveitando os obstáculos para seguir no caminho e aprofundar a compreensão. As coisas fluem.
Eu acho que a felicidade é possível, apesar do samsara. Faltou dizer isso.
Acho que as pessoas podem se casar, ser felizes, pode ter filhos. Porque se a pessoa tiver essa base das 4 qualidades incomensuráveis e 6 perfeições, a pessoa está mais equilibrada e vai ser melhor. O funcionamento nunca vai ser perfeito. Mas a pessoa entende. O samsara é assim. Ela flutua e a pessoa aproveita as várias circunstâncias para avançar, para purificar a sua percepção. O fato de que o samsara não é perfeito, permite que a pessoa traga benefícios em muitas direções.
O caminho do bodisatva é possível. Eu brinco muito com as relações, mas acho as relações um bom campo para a pessoa treinar. Os filhos são mestres direto, implacáveis. Não tem um bom senso de ficar acomodando as coisas. São diretos.
Se querem um mestre implacável, um filho. Dois mestres implacáveis, dois filhos. Tem outra categoria de mestre implacável que são as ex-esposas. As pessoas falam mal das sogras, mas sogra não tem problema. Nossa ilusões, nossas complicações. A dificuldade para nós é se afastar de compaixão, amor, alegria, equanimidade, generosidade, moralidade, paz, energia constante, concentração e sabedoria.
Vocês olhem para as pessoas e as situações que a gente não consegue olhar com as qualidades todas, são regiões de atrito. A energia de vocês fica densa. Sofrida.
Para os bodisavas, se a pessoa tem esposa, filhos, ela só está trazendo benefício. Agora se a pessoa imagina que vai encontrar felicidade com esposa e filhos, isso que é o outro problema. A nossa felicidade é a prática. A prática do bodisatva. Tem um campo ótimo.
Mas se vamos imaginar que nós vamos encontrar alguma coisa tipo reino dos deuses, vai dar tudo certo, tudo funcionando, eu rezo para as pessoas que estão no reino dos deuses, que a aterrissagem seja branda. Que a pessoa não se atrapalhe na aterrissagem. Não fique presa às visões anteriores, vai sentindo frustrada e deprimida, porque aquelas condições flutuaram. Que a pessoa não passe por isso.
Que ela tenha nas boas e más experiências, tenha essa lucidez das 4 qualidades incomensuráveis e 6 perfeições. Isso é ótimo e a pessoa aproveita as várias circunstâncias.
P: Pode me dizer se existe diferença entre felicidade e alegria. A infelicidade é um engano?
L: Essa dimensão de felicidade é ilusória, pertence ao samsara. O que mais se aproxima disso é o fato da nossa energia estar brilhando.
Se as pessoas sentarem em shamata nos 5 lungs e fizer os 5 elementos brilharem, a pessoa tem uma sensação de felicidade.
Quando a pessoa tiver alegria é uma felicidade excitada, Aquilo também é possível. Não é um referencial fora do samsara.
Mas quando dizemos compaixão, amor, alegria e equanimidade, essa alegria é a palavra que a gente vai usar. Mas ela está associada a compaixão e amor. Não é uma alegria comum, tem um nível de sabedoria junto, que propiciou essa alegria.
A alegria comum condicionada ela flutua, está geminada, dança com o sofrimento junto, um momento alegria, outro momento sofrimento. Tipo Páscoa: alegria é comer o ovo, sofrimento é dor de barriga depois de comer o ovo. As alegrias do mundo são desse tipo.
A gente diz: não coma tanto. Aí já estou reduzindo a alegria do outro. Então pode comer tudo o que quiser. Você vai ver o que é alegria. Tem que ter lucidez, senão é alegria condicionada.
Dentro do mundo condicionado, a alegria vem geminada, inseparável do sofrimento, conversando dialeticamente com o sofrimento
A felicidade é possível. Se olharmos de uma forma ampla, a felicidade e alegria são possíveis.
A depressão é o oposto da alegria. A depressão não é necessária. Na depressão, estamos presos dentro de uma bolha de realidade e está dando tudo errado. Não conseguimos sair da bolha e começamos a engolir tudo que está de errado e tudo o que está surgindo como uma experiência aflitiva. Agente termina engolindo aquilo.
Às vezes a experiência não é tão aflitiva a ponto de não gritar de dor. Mas eu não tenho nada que produza brilho. Vamos ficando com uma cara murcha.
Por outro lado, a gente olha em volta, as opções de bolha são tais que nada faz o olho brilhar, pois estamos na dependência de coisas externas para o olho brilhar. Se não tem nada externo para o olho brilhar, faz o que?