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Este é um material transcrito a partir de ensinamentos orais de Lama Padma Samten. Ele é usado exclusivamente para apoiar os estudos e práticas dentro da sanga, pedimos não reproduzir em outros sites. O material está em constante revisão e melhoria; quaisquer erros encontrados são devidos às limitações das pessoas envolvidas na transcrição e na edição, e serão corrigidos assim que possível.
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Tabela de conteúdos
- PRAJNAPARAMITA
- 1. INTRODUÇÃO
- Sabedoria Última – 8º passo do Nobre caminho – Samasamadhi
- Correta Atenção – 7º passo do Nobre caminho - Samasathi
- Meditação Shamata – 6º passo do Nobre Caminho
- Estabelecemos relações positivas - 5º passo do Nobre Caminho
- Não causar mal aos outros seres – 4º, 3º e 2º passos do Nobre Caminho
- Motivação – 1ª etapa do Nobre caminho
- Primeira Nobre Verdade – Não vamos a lugar nenhum. Experiência Cíclica.
- Segunda Nobre Verdade – A prisão é artificial. Causas da experiência Cíclica.
- Terceira Nobre Verdade – Dissolução da Experiência Cíclica.
- Quarta Nobre Verdade - Caminho para a extinção da Experiência Cíclica
- Prajnaparamita
- Abordagem da Segunda Volta do Dharma – Prasangika Madhyamika
- Abordagem da Terceira Volta do Dharma –8º passo do Nobre Caminho – Samasamadhi
- 2. PRECES INICIAIS
- 3. ABORDAGEM SUTRAYANA - EXPLICAÇÃO SOBRE AS COISAS
- Diferentes tipos de dharma
- Viu que os Cinco Skandas eram vazios por natureza
- Os 5 skandas são vazios por natureza
- Todos os cinco skandas têm a natureza da vacuidade
- Forma é vazio, vazio é forma
- Forma é vazio
- Vazio é forma
- Temos as três etapas:
- Todos os dharma são vacuidade
- Não têm características
- São não- nascidos e não cessam
- Nem impuros, nem livres da impureza
- Nem decrescem e nem crescem
- 4. VACUIDADE
- Portanto, Sariputra, a vacuidade não tem forma nem sensação, nem percepção, nem formação mental, nem consciência
- Não em aparência, som, cheiro...
- Não tem os elementos de consciência...
- E não tem mente ou elemento de consciência da mente
- Do mesmo modo, não há sofrimento...
- Nem caminho; nem sabedoria, nem realização e nem não-realização
- Não tem nada para atingir
- Eles se manifestam através da confiança
- Obscuridades mentais
- 5. LUCIDEZ – SAMASATHI
- Todos os Budas dos Três Tempos, por repousarem no Prajnaparamita
- Atingem completamente...
- Atingem completamente a Iluminação Perfeita e Insuperável
- 6. ABORDAGEM MANTRAYANA
- O mantra do Prajnaparamita
- Uma vez que não produz engano – não tem nada construído dentro.
- Deveria ser reconhecido como verdadeiro – pode ser reconhecido como verdadeiro, ele é verdadeiro.
- 7. LOUVORES
- ESSÊNCIA DA ABENÇOADA PRAJNAPARAMITA
- TREINANDO NO PRAJNAPARAMITA
PRAJNAPARAMITA
O sutra que elimina todo o sofrimento
Lama Padma Samten
Ensinamento oral transmitido por Lama Padma Samten, CEBB-PE Recife, 25 de novembro de 2007.
Transcrição realizada por Zita Freitas, dezembro de 2007.
1. INTRODUÇÃO
O Prajnaparamita pode ser entendido como o barco que nos leva para a outra margem. Atravessamos da margem da ignorância para a margem da liberação. Ou seja, ele representa um trajeto. Não é a descrição do que poderíamos fazer a partir da outra margem, e sim a descrição do caminho que nos leva de uma margem a outra. Vai utilizar o que se chama a “dupla realidade”. Nós temos a visão comum e temos a visão extraordinária, obtida a partir da visão comum. Essa sabedoria do Prajnaparamita é chamada em tibetano sherab.
Sabedoria Última – 8º passo do Nobre caminho – Samasamadhi
A Sabedoria Última em tibetano é chamada yeshe . A sabedoria última é quando depois de atravessarmos, nós olhamos em volta. E então o que nós vemos? Vemos a Natureza Última. Este é um ponto extraordinário, tem um foco específico. Seria a Oitava Etapa do Nobre caminho de Oito Passos, chamado samasamadhi, o samadhi último, o aspecto Último da Realidade.
Correta Atenção – 7º passo do Nobre caminho - Samasathi
A etapa do Prajnaparamita, o 7º Passo chama-se samasathi, a Correta Atenção. Ou seja, quando olharmos para as coisas comuns, nós olhamos com o olho de visão correta. Conseguimos ver o que é comum, e dentro do que é comum, fazemos uma transição para a visão que ultrapassa o sentido comum. Esse é o objetivo do Prajnaparamita.
Meditação Shamata – 6º passo do Nobre Caminho
Por sua vez, o Prajnaparamita é uma sucessão da Sexta Etapa, ou seja, no Sexto Passo do Nobre caminho, nós precisamos desenvolver a habilidade de estarmos em contato com as coisas, mas não sermos arrastados por elas. Se não tivermos contatos com as coisas, não teremos como gerar lucidez sobre elas, não estaremos nem vendo. Mas se tomamos contato com as coisas, e somos arrasta
Então, a meditação shamata é crucial, corresponde a 6ª Etapa. Somos capazes de parar diante das coisas para contemplá-las e vê-las no seu aspecto profundo. Isso é shamata pura. Se tivermos essa habilidade, então podemos ser instruídos sobre como olhar. Mas se quando olhamos, somos simplesmente arrastados, não temos chance de olhar com profundidade. Não há nem espaço. Parece que não tem nem sentido. Parece que a nossa liberdade é simplesmente seguir os impulsos que aparecem. A noção de liberdade fica totalmente perturbada. Usualmente os seres sencientes dentro do samsara, dentro do giro da Roda da Vida, ao olharem para as coisas pensam que liberdade é seguir o impulso que brota a partir da visão das coisas. Nós vamos nos defrontar com esse obstáculo, com essa parede, essa montanha, através da meditação shamata.
Shamata não é mergulhar num estado particular, onde ficamos imunes, mas é conseguirmos nos manter equilibrados sem saltitar com a mente, mesmo diante das coisas que dizem “sim, agora faça isso, faça aquilo...”. Então essa é a nossa prática. Se quisermos entrar nas regiões cármicas mais difíceis para nós, precisamos de shamata pura, ou seja, precisamos entrar nas regiões de dificuldade, e lá, também não sermos arrastados. Depois vamos usar a sabedoria do Prajnaparamita ( 7ª etapa), como o conteúdo da visão que foca essas regiões onde queremos colocar lucidez. A seguir, na 8ª Etapa nós localizamos a Natureza Incessante, Luminosa, que está por trás de todas as experiências. Não precisamos mais escolher nenhuma experiência, mas seja qual for a experiência, nós podemos localizar essa Natureza.
Estabelecemos relações positivas - 5º passo do Nobre Caminho
Agora, a própria meditação em silêncio, shamata impura ou shamata pura vem depois do 5º passo.
No 5º Passo nós geramos méritos, ou seja, estabelecemos relações positivas dentro do mundo convencional, em todas as direções de tal modo que depois possamos sentar em silêncio e não sermos invadidos pela ações negativas que fizemos, que nos cobram ações urgentes para reequilibrar o desequilíbrio que causamos.
Estabilizamos a nossa vida de tal maneira que não tenhamos de nos defrontar com essas conjunturas, circunstâncias, de ações negativas que tenhamos feito e que agora aparecem como cobradores cármicos diante de nós, e que precisamos reagir de algum modo.
Então nós criamos méritos, criamos uma conexão positiva em todo lado, de tal modo que quando sentarmos para meditar, estaremos apoiados.
Não causar mal aos outros seres – 4º, 3º e 2º passos do Nobre Caminho
Para fazer isso, para estabelecer relações positivas em todos os lados nós precisamos da etapa anterior, ou seja, precisamos pelo menos da aspiração de não causar mal aos outros seres. Se tivermos impulsos de causar mal aos outros seres, é muito difícil que tenhamos impulsos de criar coisas positivas para eles. Então abdicamos das ações negativas de corpo, fala e mente ( 2ª, 3ª e 4ª Etapas).
Motivação – 1ª etapa do Nobre caminho
Antes de abdicar das ações negativas de corpo, fala e mente, ou seja, 2ª, 3ª e 4ª Etapas, nós definimos a nossa Motivação. Essa motivação vem como decorrência da compreensão da Primeira Nobre verdade.
Primeira Nobre Verdade – Não vamos a lugar nenhum. Experiência Cíclica.
Ou seja, se nós tivermos uma motivação equivocada, nós simplesmente ficamos presos dentro da Roda da vida. Simplesmente buscamos obter vitória, e essas vitórias nos levam para outras circunstancias, depois para outras, todas elas impermanentes. Não vamos a lugar nenhum, apenas nos desgastamos.
Segunda Nobre Verdade – A prisão é artificial. Causas da experiência Cíclica.
Então o Buda diz que ainda que isso seja a origem de Duka, do sofrimento, da prisão, essa origem, é artificial. Essa noção de que todo esse processo circular, é originado de modo artificial, é a compreensão da Segunda Nobre Verdade. Esta pode ser melhor compreendida pela descrição completa do quadro da Roda da vida, especialmente os Doze Elos da Originação Interdependente que são o circulo externo da Roda, e que Yama ou Maharaja segura. Com isso compreendemos a artificialidade e a mecânica toda pela qual a nossa circunstancia é montada.
Terceira Nobre Verdade – Dissolução da Experiência Cíclica.
Uma vez que tudo isso é artificial, então pode ser dissolvida. Ou, como se diz nos ensinamentos da Grande perfeição (Dzogchen) - tudo aquilo que é artificial, é naturalmente liberto. Não precisamos nem nos preocupar em dissolver, pois ao surgir, já tem dentro de si, sua extinção. Olhamos e reconhecemos a extinção natural de todas as coisas artificialmente surgidas, entre elas a nossa própria vida.
Quarta Nobre Verdade - Caminho para a extinção da Experiência Cíclica
É o caminho que nos leva a um processo deliberado em direção à extinção da Experiência Cíclica.
Esse caminho começa com a motivação - 1ª Etapa
Segue com a recomendação de não trazer sofrimento aos seres através do corpo, fala e mente -2ª, 3ª e 4ª Etapas.
Depois vem a 5ª Etapa - trazer benefícios aos seres.
Depois a 6ª Etapa – Meditação. Sentar presente, porém imune aos impulsos que brotarem, sem permitir que a presença das coisas nos arraste.
Então vem a 7ª Etapa – Prajnaparamita.
Prajnaparamita
Aprendemos a examinar o conteúdo daquilo que nos perturba. Vamos liberar a aflição, porque ao olhar esse conteúdo nós vemos que ele é co-emergido conosco mesmos. Não é um conteúdo externo que atua sobre nós, é um conteúdo que co-emerge com nossa disposição mental. Descobrimos então que não precisamos seguir aquilo. Podemos ultrapassar as contingências externas, ultrapassando as contingências internas, porque elas são inseparáveis.
Ao refletir sobre isso, sobre a criação desses mundos externos a partir das experiências internas, ao refletir sobre a co-emergência dos mundos externos e internos como inseparáveis, gêmeos, uma unidade, nós terminamos encontrando uma Natureza Ilimitada que é Livre, Luminosa, Compassiva, atribui sentido e energia àquilo que constrói, e que também dispõe de uma capacidade Cognoscente que olha para as coisas e é capaz de entendê-las e superar o engano. Essa capacidade cognoscente termina por gerar o Dharma.
Então, o segredo do Buda é repousar nessa condição de liberdade, olhar para aquilo que é construído com essa capacidade cognoscente. Ele olha, e gera o dharma. O dharma é o ensinamento que dissolve a artificialidade da construção. Podemos usar o exemplo do lenço com vários nós. Ainda que o lenço possua vários nós, ele continua sendo o lenço original. Isso é a compreensão da Grande Perfeição (Dzogchen). Ou seja, não importa quantos nós forem atados no lenço, ele é o lenço original. Agora, se quisermos recuperar a aparência original do lenço, então precisamos da capacidade cognoscente – olhamos o lenço, examinamos com os nós foram dados. Então desatamos.
O ensinamento do Buda sobre o Dharma diz: não há um Dharma fixo, não há uma doutrina final. O Dharma é essa capacidade cognoscente de olhar para as coisas e ao olhar, saber o que fazer. Não dá para ritualizar isso: pegue o nó, use a mão direita, puxe ... não tem como fazer assim, porque os nós são todos diferentes, e o samsara possui nossa capacidade construtora de nós e confusões, que por sua vez vai produzindo mais nós e confusões com outras configurações. Então é necessário uma inteligência ativa, não basta uma inteligência enquanto recomendação. Precisamos de uma inteligência ativa que olha e é capaz de desatar.
Abordagem da Segunda Volta do Dharma – Prasangika Madhyamika
Então, a Natureza Última dispõe de uma capacidade cognoscente, que pertence à própria vacuidade. Quando olhamos isso, podemos entender o que é a abordagem da Segunda Volta do Dharma, que muitos mestres chamam abordagem Rantong, ou abordagem Pransangika Madhyamika, onde vamos olhar para o mundo externo e vamos dizer “nada disso é sólido”. Essa é uma das abordagens do Prajnaparamita – nada disso tem substancia. Samasathi.
Abordagem da Terceira Volta do Dharma –8º passo do Nobre Caminho – Samasamadhi
Depois vem a abordagem da Terceira Volta do Dharma, específica do 8º Passo do Nobre caminho – samasamadhi. Nós olhamos a realidade e vemos que há uma dimensão além da própria dissolução da confusão. Na segunda volta nos dissolvemos a confusão, não há substancialidade na confusão. Na terceira volta nós descobrimos a Natureza presente que produz as coisas e que também tem essa Liberdade, Luminosidade, Energia dinâmica, Cognoscência. Ela mesma produz as aparências e ela mesma, produzindo os nós, é capaz de dissolvê-los, de desatá-los.
Então a nossa Natureza, a nossa vida, a nossa existência verdadeira se dá a partir dessa compreensão de samasamadhi, o 8º Passo do Nobre caminho. Nesse sentido a nossa mente é muito mais ampla, infinitamente mais ampla do que as mentes que operam sob condições. Dentro do samsara quando nós olhamos para as cosias, nós reagimos ao conteúdo delas, ficamos fazendo voltas dentro de sentidos limitados, presos a espaço e tempo. Quando compreendemos essa mente muito ampla. vemos que ela mente produz os significados todos das coisas e ali é que ela realmente opera e é ali onde nós verdadeiramente vivemos. As nossas vidas de fato se dão lá, além de espaço e tempo, mas entendemos como espaço e tempo podem surgir a partir da ignorância.
Dentro desse panorama geral, vamos estudar agora a Sétima Etapa do Nobre caminho, ou seja, o Prajnaparamita. Este ensinamento é crucial porque dissolve a rigidez da aparência diante de nós. Prajnaparamita é Lucidez. Chagdud Rinpoche dizia que o Prajnaparamita deve ser utilizado nas piores situações, é ótimo para as causas perdidas, usamos como recurso último nas piores situações, é o mais poderoso de todos. Ele dissolve a ignorância.
Ao morremos, olhamos para as coisas e atribuímos realidade para elas. Precisamos então ultrapassar esse sentido da realidade fixa. Isso é o Prajnaparamita.
Devemos nos lembrar que cada um de nós vai morrer, e nessa hora, melhor do que lembrar dos filhos, é melhor lembrar do Prajnaparamita. Prajnaparamita – lucidez. De lá, podemos então ajudar os seres.
2. PRECES INICIAIS
Essência da Abençoada Prajnaparamita
TCHON-DEN-DÊH MÁ-SHE-RAB-KI-PA-ROL-TU-TCHIN-PÊH-NIN-PÔH-SHÊ-TSHA-UÁH-SHUG-SÔH
MA-SAM-DIÊ-ME SHE-RAB-PA-ROL-TCHIN.
MA-KE MI-GAK NAM-KA-HI-UH-ÔH-NI.
Inconcebível, inexprimível Prajnaparamita.
Não-nascida, incessante, por natureza semelhante ao céu.
Inconcebível, Inexprimível
Refere-se à condição de que essa Sabedoria Prajnaparamita, esse princípio ativo Prajnaparamita, não pode ser descrito. Não é uma sabedoria que colocamos em um papel. Quando os mestres transmitem a mente para o aluno, eles estão transmitindo a mente, não o conhecimento. Eventualmente transmitem conhecimento, mas este é um meio hábil, não é a mente.
Por exemplo, vamos supor que vocês tenham uma habilidade no mundo. Não adianta ensinarem esta habilidade através de regras, é preciso que passem o talento dessa habilidade. Podem treinar as pessoas, mas se elas não tiverem talento elas não são capazes de improvisar, elas não têm a mente. É necessário transmitir esse talento, só que esse talento já está presente no outro, precisamos apenas desobstruir. Então o Prajnaparamita vai nos ajudar a desobstruir o que já está presente. Mas esse talento não é descrito nem pela quantidade total das habilidades de quem está transmitindo. Ele é transmitido, e quando o outro recebe esse talento, ele é capaz de gerar todas as habilidades, não precisa copiar as habilidades.
Então, nesse ensinamento – Prajnaparamita - o Buda transmite a mente, a mente que vê, portanto não precisa transmitir as visões junto. Transmite só a mente que vê.
Prajnaparamita representa essa mente lúcida que é capaz de olhar o mundo convencional e vê isso com clareza,e essa mente é inconcebível, inexprimível. O que é concebível e exprimível é o que foi visto. Mas aqui não estamos falando do que foi visto, mas da mente, do talento.
Não-nascida, incessante
Significa que não pertence ao mundo convencional, é uma presença Incessante e Luminosa. Já está lá. Nos acompanha o tempo todo. Já fizemos muitas coisas, já nos apresentamos de diferentes modos, nosso corpo mudou muito desde o nascimento. Ainda assim, essa natureza que é capaz de construir as realidades, está lá, presente, além de vida e morte. Se manifesta em cada olhar.
Por natureza semelhante ao céu
Significa que pode acolher qualquer coisa, assim como o céu acolhe qualquer objeto, qualquer pássaro. Qualquer manifestação, o espaço acolhe. Ou seja, o espaço permite que aquilo ande por dentro do espaço. Então a nossa mente, nossa natureza, é livre, ela acolhe os mais variados pensamentos ou construções, e nesse sentido, por natureza é semelhante ao céu.
SO-SO RAN-RIK YE-SHE TIÔ-IUL-UÁ.
TÜ-SUM GYAL-UÊ YUM-LÁ TSHÁ-SÁ-LÔ.
Experienciada pela cognição discriminativa prístina da consciência auto-reflexiva.
Mãe de todos os Vitoriosos dos três tempos, a você presto homenagem!
Experienciada pela cognição discriminativa prístina
Essa sabedoria é experimentada como uma cognição, ou seja, como um processo mental, discursivo, discriminativo, porém prístino, no sentido de que não tem nenhuma marca dentro. Uma vez que está dissolvendo, ele não está construindo coisas, é completamente puro, não é uma teoria. É a dissolução das teorias, a dissolução do próprio Budismo. Ou seja, é uma cognição discriminativa prístina.
Da consciência auto-reflexiva
Auto-sustentada, da Natureza Ilimitada.
Essas palavras são em português para alguma coisa que transcende, mas ainda assim, as palavras estão aí.
Mãe de todos os Vitoriosos
Ou seja, essa Liberdade Natural, gera os Budas (os vitoriosos). Ela á Mãe de todos os Budas, de todos os Vitoriosos. Não só os Budas do passado, mas os Budas do presente e do futuro ( os três tempos). Não há outro modo dos Budas surgirem que não seja através dessa forma.
À você presto Homenagem!
Presto Homenagem ao Sutra Prajnaparamita ou à Sabedoria Prajnaparamita (masculino ou feminino).
DJA-KAR-KÊTÚ: BHAGAVATI PRAJNA PARAMITA HRIDAYA.
PHE-KÊ-TUH: TSHOM-DEM-DÊ-MA SHE-RAB-KIE-PA-RO-TÚ-TIM-PE NIN-PÔ.
O Abençoado Coração da Sabedoria Transcendental
TSHOM-DEM-DÊ-MA SHE-RAB-KIE-PA-RO-TÚ-TIM-PÁ LA-TSHÁ-SÁ-LÔ
Homenagem à Bhagavati Prajnaparamita!
Homenagem à Bhagavati Prajnaparamita!
Homenagem à Abençoada Prajnaparamita, Abençoada Sabedoria Prajnaparamita. Bhagavati significa abençoada. Prajna é a sabedoria que transporta. Paramita é o tipo de ensinamento que uma vez compreendido, ele se dissolve.
É maravilhosa essa expressão. A maior parte das coisas que são sábias, verdadeiras, nós tendemos a escrever em ouro e grudar em algum lugar, como se fosse algo definitivo. No entanto, Paramita significa aquela verdade que uma vez exercida, perde a função. Isso é maravilhoso.
Todas as filosofias deveriam ser entendidas como Paramitas. Funciona e depois jogamos fora. Essa é uma noção maravilhosa, a de que nós temos a Natureza Livre, de que quando nos curamos, aquilo pode ser descartado. A própria sabedoria, a própria filosofia, a própria compreensão profunda, difícil, o extrato daquele esforço todo, tudo isso é para jogar fora. Por que jogamos fora? Porque não precisamos mais, já temos a visão.
3. ABORDAGEM SUTRAYANA - EXPLICAÇÃO SOBRE AS COISAS
DIH-KEH DAH-KIH TEH-PAH-TÜ TIK-NA
Assim eu ouvi.
TSHOM-DEM-DÊ GUÉL-PEH KÓP TSHÁ-GUÊH-PUM-PÊH-RI-LÁ-GUÉ-LON-KIN GUÉN-DÜN TCHEN-PO-TAN TSHAN-TSHUB SEM-PÊH GUÉN-DÜN TCHEN-PO-TAN TÓP-TIK-TU-SHUK-TÊ
Uma vez o Abençoado estava residindo em Rajagriha, na montanha do Pico dos Abutres, junto com ele estava um grande grupo da sanga dos monges e da sanga dos bodisatvas.
Essa é a descrição de um local físico. A sanga dos monges e a sanga dos Bodisatvas – o grupo de praticantes monges, e do grupo de praticantes Bodisatvas.
Qual a diferença entre eles? Os monges em princípio, buscam a condição de arhats, ou seja, a condição na qual podemos andar no mundo, mas ficamos livres de ter que responder a ele. É como se tivéssemos alcançado uma capacidade de shamata pura. E assim nos movemos no mundo. Os bodisatvas têm uma aspiração adicional. Partem dessa realização, mas dizem “ok, estou imune, mas meus filhos não estão, minha esposa não está, meus pais não estão, maus amigos não estão. Assim , vou me expor ao mundo, entender como eles estão presos e ajudá-los a sair daquela condição”. Então os bodisatvas retornam, é como se eles já estivessem um nível de liberação, mas retornam. Eles retornam e eles é que realmente vão ouvir o Prajnaparamita. O Prajnaparamita é um instrumento dos Bodisattvas. Os arhats diriam “Por que devo me preocupar com o mundo, uma vez que estou imune a ele?” Os Bodisattvas vão olhar para o mundo e dizer “Estou livre do mundo, porém os seres não estão. Como faço para eles se liberarem? Como posso ajudá-los a se liberarem, em suas várias circunstancias?”
Sob ponto de vista do Bodisatva, havendo a realização final, não há esse sentido de que ele não tenha se libertado. O fato de ele se interessar pelos seres, estar no meio do mundo ajudando, isso é já um sinal da realização.
O Buda Shakyamuni transmite o ensinamento para todos os seres. O Guru Rinpoche transmite os ensinamentos, mas ao mesmo tempo não desaparece como o Buda Shakyamuni. Ele vai atrás. Aonde houver confusão, estará lá. Este é o sentido de Bodisatva. Não está buscando a liberação, não está preso a isso, porque tem a visão pura. Sabe que o sofrimento é um sofrimento de sonho também. Ele vai dizer isso aos outros que não sabem. Ele está livre.
Podemos ter algum nível de liberdade, mas o nível de liberdade mesmo é aquele em que a gente consegue exercer a liberdade em meio á confusão. Poderíamos dizer “estou livre” por estarmos afastados da confusão. Mas Guru Rinpoche representa esse “lótus que nasce do lodo, flutua sobre o sofrimento”. Seu nome, Padmasambhava significa “Nascido do Lótus”. No meio da confusão, brota a pureza. A pureza não é perturbada pela confusão. Confusão não tem solidez. Essa é a clareza de Guru Rinpoche. Quando fazemos a Prece de Sete Linhas nós aspiramos ter a mesma realização. Para isso já andamos um longo caminho, porque para surgir o Lótus, tem que haver lodo e lágrimas, e essa parte nós já temos. Só falta a Flor de Lótus. Só falta a Lucidez, o Prajnaparamita, que é o teor do Lótus.
TÊH-TSÉ TSHOM-DEM-DÊ SAM-MÔ NAN-UÁ SHÊ-TCHÁ-UÊ TCHÊ-KI-NAMM-DRANG KI TIM-NIÊ-DZIN LA-NIOM-PAR-SHUK-SÔ
Em dado momento o Abençoado entrou no samadi que examina os diferentes tipos de Darma, chamado “profunda iluminação”.
Diferentes tipos de dharma
Diferentes tipos de fenômenos, objetos, circunstancias, manifestações. A palavra dharma no Prajnaparamita tem esse sentido.
Mas como trata-se da mente do Buda, ao mesmo tempo em que olha esses fenômenos (dharmas), brota o Dharma. Então o Dharma é inseparável do dharma. Os fenômenos, ou seja, o dharma comum, se tornam o Dharma da lucidez, no sentido de que os fenômenos são vistos na sua real manifestação. Então, mesmo essa expressão “fenômenos do mundo”, torna-se uma expressão de lucidez, que é o próprio Dharma, a lucidez diante dos fenômenos do mundo. O Dharma é inseparável dos próprios fenômenos.
Então o Abençoado estava olhando deliciado os fenômenos. Os tibetanos chamam frequentemente isto de êxtase – essa contemplação deliciada. Isso é simbolizado pela imagem de Vajrasattva. Na prática de Vajrasattva precisamos olhar os fenômenos, e coemergimos com eles. Então contemplamos.
Esse exemplo também pode ser descrito como Nankai Norbu Rinpoche transmite em um texto onde dá ensinamento sobre Bodicitta. Ele diz “quando nós olhamos uma imagem dentro do espelho, sabemos que essa imagem é ilusória”. Mas também podemos não saber. Olhamos no espelho e atuamos a partir da imagem. Então penteamos o cabelo, aparamos o bigode. Nós olhamos no espelho e operamos a partir da imagem que vemos. Então surge um mestre atrás de nós, sereno, que diz “a imagem que você está vendo é ilusória”. Porém o ensinamento mais profundo ainda não é esse (de que isso é ilusório). O ensinamento mais profundo é que através da imagem que ilusória que estamos olhando, nós descobrimos como o espelho funciona.
Com o Prajnaparamita estamos olhando e vendo a nossa própria ação profunda da mente que produz as aparências e imagens que passamos a ver. Através das imagens ilusórias nós vemos como elas são geradas.
Então, estava o Buda olhando a geração das imagens, olhando os fenômenos todos. Isso é chamado Profunda Iluminação. Quando ele olha os fenômenos, não é arrastado por eles, nem os rejeita, nem os amortece, nem deixa de vê-los com profundidade. Mas quando ele vê, os fenômenos estão automaticamente, instantaneamente liberados.
Por exemplo, se olhamos a imagem dentro do espelho poderíamos dizer “como me livrar dessa imagem, dessa aparência dentro do espelho?” Aí tentamos provar que a imagem não é real. Porém seria mais efetivo entender que ela não é real, entendendo como ela surge. Assim, já estaremos entendendo que ela não é real, em vez de olhar e tentar derrubá-la.
IAN-TÊH-TSÉ TCHAN-TCHUP SEM-PÁ SEM-PÁ TCHEM-PO PÁK-PÁ TCHÊ-RE-ZIK UAN-TCHUK SHE-RAB KIH PA-ROR-TÚ TCHIM-PA SAM-MÊÊH TCHE-PÁ NII-LÁ NAM-PARR-TA-SHIN PUM-PÔH NGA-PÔ TÊ-DÁ-LÁ-IAN RAN-SHIN KI TON-PARR NAM-PARR TÁ-OUL
E, ao mesmo tempo, o nobre Avalokitesvara, o bodisatva-mahasatva, enquanto praticava a profunda Prajnaparamita, viu que os cinco skandas eram vazios por natureza
Ele olhava como as pessoas vêem e alterava. Essa é a função de Avalokitesvara. Buda da Compaixão é isso. Ele entende como os seres vem ao mundo e vai lá dentro da confusão, olha como os seres entendem, e aí ele mesmo faz o trajeto, e libera. Liberar significa mostrar como aquilo que está prendendo a mente dos seres não tem substância.
Então o Nobre Avalokiteshvara estava fazendo o papel de Bodisattva. Ele é o Bodisattva-mahasatva, aquele que tem visão.
Viu que os Cinco Skandas eram vazios por natureza
Os 5 Skandas dentro da tradição hinduísta são a base da nossa existência. Quando estudamos Patânjali, os vedas, encontramos sempre a descrição dos 5 Skandas. Não é uma nomenclatura budista, mas dentro da cultura anterior, pré-budista. Também é importante dizer que dentro da cultura indiana, não há propriamente o budismo. Há os ensinamentos do Buda, mas o Buda pertence à cultura védica. Ele não se separa da cultura védica. É como um grande mestre como outros grandes mestres já vieram. Os budistas então se separam e geram uma visão específica. Não havia um budismo propriamente. Do mesmo modo como muitos diferentes mestres vieram e havia grandes mestres hinduístas contemporâneos ao próprio Buda. Naquela época mesmo surgiram os debates entre as várias correntes de ensinamento. Esses debates terminaram por gerar o budismo, porque marcaram a diferença entre a posição budista e as outras posições que então começaram a ser chamadas de hereges. Eram sutis diferenças. Por exemplo, a Roda da Vida, não é exclusiva do Budismo. Encontramos desenhos da Roda da Vida em outras tradições.
Mas agora estamos olhando o Budismo. Estamos olhando como esses ensinamentos terminaram gerando um corpo, que se protegeu, ganhou nome próprio, e seguiu. Mas mesmo na Índia há uma tradição de debate de grande proximidade entre os shivaístas e os budistas. Lentamente, o budismo foi totalmente reabsorvido pela cultura védica e desapareceu, evaporou dentro da Índia. Porém, no período onde o Budismo existia como uma tradição sustentada, esses ensinamentos se transferiram para a china e de lá se espalharam. Posteriormente, bem depois, esses ensinamentos entraram no Tibet. O budismo tinha uma universidade monástica de grande importância, a Universidade de Nalanda, que equivaleria no corpo humano, a uma glândula do sistema imunológico. Ou seja, absorvia visões heréticas, localizava-as todas, reprocessava dentro do budismo, convertia em budismo, e emitia os anticorpos para que aquilo não andasse por conta própria.
A universidade monástica teve grandes debatedores, entre eles Manjushrimitra, depois Tilopa,Naropa, o mestre de Marpa, por sua vez o mestre de Milarepa, por sua vez o mestre de Gampopa, que por sua vez é o mestre de Karmapa e daí surge então toda a linhagem Kagyu. Havia então os grande debatedores. Manjushrimitra se torna um dos defensores da visão da Grande Perfeição (Dzogchen). Ele vem antes de Guru Rinpoche, vai receber ensinamentos diretos de Garab Dorge, que é uma emanação direta de Vajrasattva. A Universidade de nalanda gerou grandes nomes, extraordinários. S.S. o Dalai Lama aspira recriar Nalanda. De certa forma, na verdade já está fazendo isso. Esse corpo de pensadores ao redor dele, expondo as culturas, e gerando antídotos para as próprias culturas, já é a ação de Nalanda. O esforço de se expor as culturas, não se fechar, de utilizar o Dharma, essencialmente através do Prajnaparamita, olhando as coisas com vacuidade. Olhando também a partir dos 12 Elos, porque todas as visões heréticas em algum momento apóiam algum dos 12 Elos como se esse fosse sólido. Aquilo que cabe nos 12 Elos é herético. Aquilo que está fora dos 12 Elos é Dharma.
Nagarjuna, grande sábio indiano diz: “Os 12 Elos são a essência do Budismo. A partir dos 12 Elos, brotam as Quatro Nobres Verdades, o Nobre Caminho de Oito Passos, a noção de Liberação, brotam todos os ensinamentos.”
Agora, olhando os 5 Skandas numa visão realista (também havia uma visão realista dentro do hinduísmo) – as formas são sólidas, as construções são verdadeiras, as percepções são verdadeiras, as marcas mentais são reais e as consciências também. São os 5 Skandas: forma, sensação, percepção, formação mental e consciência. Avalokitesvara olha para isto e descobre: as prisões são construídas de ferros de 5 qualidades: forma, sensação.... Quem acreditar na solidez disso (os 5 skandas), está preso.
Ele então diz que os 5 skandas são vazios por sua prórpia natureza. Ou seja, não preciso fazer nada neles. Eles já são vazios. Eles têm a substancialidade do sonho. Olhando o exemplo dos meninos que se reúnem ao final da tarde para jogar futebol,quando eles traçam com cal as linhas do campo, marcam o gol, dizem quem pertence a cada time, começam a jogar, olham para o tempo, sabem quanto tempo tem ainda de partida – tudo isso é sólido. Mas na verdade o tempo do jogo não é sólido, as linhas no chão não são sólidas, as barras do gol não são sólidas, os times não são sólidos, os componentes do time não são sólidos, o resultado final não é sólido. Nem o início, nem o meio, nem o fim, nada do que acontece ali é sólido. No entanto, mesmo assim aquilo acontece. Podemos olhar essa realidade como verdadeira, real, cósmica, ou olhar isso como algo construído.
Chenrezig (Avalokitesvara em tibetano) diz então que os 5 skandas tem essa substancialidade, não tem uma natureza em si mesmos. Por exemplo, as linhas do campo não têm uma natureza em si mesmas, nada daquilo tem uma substancialidade em si mesmo. Ganham substancialidade a partir da coemergência. Nossa mente atuando junto com aquilo dá a solidez daquilo. Portanto, ele descobre que os 5 skandas são vazios por natureza.
Para a compreensão disso é melhor estudar a Ignorância – Avydia, o 1º dos 12 Elos. Estudar com cuidado e então ver os outros Elos. Por exemplo, entre os 5 skandas, temos forma (rupa), que é produto da ignorância – avydia, 1º Elo. Depois temos sensações – vedana, 7º Elo, depois percepção (samjana), ligado á vedana e ligado á forma (rupa). As percepções (samjana) tem uma conexão também com o 6º Elo, contato (órgãos físicos em contato com o mundo). Ao estudar o 6º Elo vemos como os cientistas se enganam em suas percepções aparentemente neutras produzidas por instrumentos. Na física Quântica se estuda cuidadosamente como a percepção engana, como os experimentos enganam. Depois temos as marcas mentais (samskara), o 2º Elo. Podemos acreditar que elas são sólidas, mas não são também referenciais fixos.
A compreensão de samskara seria assim: nós temos a nossa natureza livre que pode operar com diferentes inteligências. Samskara são inteligências de certo tipo, contagiosas, podemos transmitir para o outro. Não é pessoal, exclusiva. O outro pega e começa a usar. A base da sabedoria comum do mundo repousa sobre samskara, sobre as marcas. Precisamos que essas marcas sejam transmitidas. Vamos para a escola para receber as marcas. Os professores nos introduzem em outras regiões, nos transferem as marcas, que vão passando pelas costas, de uns para os outros. Ou seja, nós agimos, e sem que precisemos falar coisa alguma, o outro vê o que estamos fazendo, entende, localiza e passa a operar com aquilo. Essa transmissão é a transmissão mais efetiva e mais rápida. Quando recebemos essa transmissão nem nos damos conta de que a recebemos. Passamos a operar em outras paisagens, ficamos presos. Nossa natureza é livre, nós recebemos a transmissão das marcas. Passamos a gerar a capacidade de entrar em outras paisagens, e aí dentro passamos a operar condicionados à mente e nem percebemos. Os impulsos de energia brotam, as ações de corpo se exercem, e nem sabemos que tudo está funcionando. Parece que tudo é natural.
Temos então o último dos 5 skandas, Vijnana – consciência. Vijnana são as consciências, essas existências, as identidades que transitam, e que parecem seres. Podemos ultrapassar isso, ultrapassar samskara. Podemos recuperar a condição natural, e operamos de um jeito ou de outro, mas com outra inteligência. Todos que tem samskara de certo tipo pode usar isso em um momento e em outro momento não usar, porque está em outra paisagem, em outra condição.
Mas aquilo está presente como uma disponibilidade (usamos para isso a palavra alaya-vijnana: alaya significando depósito; alaya-vijnana, depósito de impressões). Temos então um conjunto grande de “possibilidade” de operarmos. É como se houvesse uma grande região. A nossa consciência tem um foco como uma lanterna em algum lugar. Quando a lanterna ilumina uma parte, ela não vê a outra parte. Responde segundo aquilo que vê. Vai se deslocando nas regiões de alaya-vijnana, algo vai aparecendo e automaticamente outras regiões vão desaparecendo. Nossa consciência opera de modo pontual, mas não tanto, e sim em pequenas regiões de significados.
Por exemplo, hoje, agora, estamos operando em uma pequena região. Podemos fazer muitas coisas, mas agora estamos focando nossa consciência numa coisa muito específica. Estamos com uma luzinha dentro de uma região que já nem é alaya-vijnana, estamos na verdade indo para as Terras Puras. Só em Terras Puras é fazemos o que estamos fazendo aqui. Então essa nossa consciência livre pose se deslocar para essas várias regiões e essa é a natureza da nossa consciência, da nossa lucidez.
Então, formação mental são essas estruturas que não são nem nossas. Se quiséssemos poderíamos dizer que isso é a visão Transpessoal Budista. Não tratamos pessoas. Pessoa? Não temos como descrever uma pessoa, porque uma pessoa é liberdade mais condicionamento, porém o condicionamento não é fixo. É assim também a questão do perdão, da culpa. Não há culpa.
Temos essa liberdade que opera sob condições. As condições operaram em um determinado momento, mas não quer dizer que vão voltar a operar. Se nos consideramos culpados, então somos culpados do samsara inteiro, de todas as marcas de alaya-vijnana em que um dia poderemos entrar. Nós somos culpados por aquilo que pode acontecer mais adiante e do que já aconteceu. Então não há solução. Somos responsáveis pela tragédia toda, por todos os lados, mas na verdade a nossa natureza é livre. Espantosamente a nossa Natureza, por trás de tudo isso, tem a capacidade de dirigir o foco para onde ela quiser. Mais espantoso do que isso é que ela pode se colocar em regiões perturbadas, deixar aquilo aparecer, para exercer liberdade, e ajudar os seres a saírem. Esse é o teor do Prajnaparamita.
Vimos então o 4º e o 5º skandas: samskara e vijnana. Vijnana são as consciências, essas existências, as identidades que transitam, e que parecem seres.
Os 5 skandas são vazios por natureza
Ou seja, não tem substancialidade. Quando acreditamos que isso é sólido, então estamos presos na doutrina do mundo, que nos cobra assim: não sabemos quem somos, ainda não nos encontramos. Mas curiosamente quando a pessoa se encontra, é aí mesmo que ela está perdida. Quando a pessoa ainda não se encontrou, ainda há uma chance. Esse encontrar-se no sentido comum do mundo significaria a pessoa vestir uma artificialidade. Depois vem um trabalho longo do psicólogo, e a pessoa se estrutura com aquilo, gera um mundo a partir daquilo, não abre. E então se encontrou!
No Budismo o encontra-se significa encontrar a liberdade natural, que sempre esteve conosco. Não podemos ser derrubados dessa liberdade natural, nem mesmo quando nos confundimos e geramos alguma coisa particular, porque todo aspecto particular que geramos, ele será derrubado mais adiante. Vamos ser derrubados com certeza, porque aquilo não tem solidez. Diríamos assim, o Buda é infinitamente paciente.
TEM-NÊ SANGYE-KIH-TÜH TSÉ-DANG DEN-PÁH SHA-RIH-BUH TSHAN-TSHUB SEM-PAH SEM-PAH TCHEMPO PÁK-PÁ TCHÊ-RE-ZIK UAN-TCHUK LÁAH DIKÊ TCHÊ ME-SOU
Então, pelo poder do Buda, o venerável Sariputra disse ao nobre Avalokitesvara, o bodisatva-mahasatva:
RRIKÍ-PUH-AMM RRIKÍ-PUH-MÔH KAN-LÁ-LÁ SHERAB-KÍ-PAROR-TÚ-TCHIMPA SAMÊH TCHÊ-PA TCHÊ-PARR DÊ-PA-TÉH TCHI-TÁRR LÁ-PAR-TCHARR
“Como deveria proceder o filho ou a filha de nobres qualidades que quisesse praticar a profunda Prajnaparamita?”
TÉH-KÊ-TCHÊ MÊPA TAN TSHAN-TSHUB SEM-PAH SEM-PAH TCHEMPO PÁK-PÁ TCHÊ-RE-ZIK UAN-TCHUK KÍH TSÉ-TAN DEN-PAH SHA-RRÁ-DÁH-TÍH PÚ-LAH DIKÊ-TCHÊ ME-SOU
Por ter sido perguntado desta forma, o nobre Avalokitesvara, o bodisatva-mahasatva, disse ao venerável Sariputra:
SHA-RI-PUH RRIKÍ-PUH-AMM RRIKÍ-PUH-MÔH KAN-LÁ-LÁ SHERAB-KÍ-PAROR-TÚ-TCHIMPA SAMÊH TCHÊ-PA TCHÊ-PARR DÊ-PA-TÉH TCHI-TÁRR NAM-PARR TA-PARR TCHA-TÊH
“Ó Sariputra, um filho ou uma filha de nobres qualidades que desejasse praticar a profunda Prajnaparamita deveria ver assim:
PUN-PÔH NGA PÔH TÉ DÁK KIAN RRAN-SHIN-KIH TON-PARR IANG-TAK-PARR DJÊ-SURR-TÁ-O
Todos os cinco skandas têm a natureza da vacuidade
Todos os cinco skandas têm a natureza da vacuidade
Chenrezig está explicando o que ele viu. Ele viu além dos arhats, e isso é extraordinário. Os arhats dão solidez para o que estão vendo. Olham para as coisas e dizem: “Ah, isso sim. Ah, isso não”. Movem-se tentando contornar, movem-se por pequenos trajetos dentro desse espaço. Mas, inevitavelmente quando evitamos alguma coisa, então construímos céu e terra distantes, separamos céu e terra.
Mas na verdade não há essa separação. Quando separamos céu e terra, espantosamente criamos a terra, criamos o samsara como algo sólido e aspiramos ultrapassar o samsara e chegar à liberação como se houvesse uma grande separação entre céu e terra. Numa linguagem mais dura diríamos que a parir disso nós construímos os 6 Reinos, entre eles os infernos, damos solidez aos 6 Reinos, damos solidez à Roda da Vida.
Mas então vem Chenrezig e diz que os 5 skandas são vacuidade, ou seja, a Roda da Vida como um todo não tem solidez, e assim a liberação é possível. Entendemos os ensinamentos da Grande Perfeição onde todos os aspectos da Roda da vida, nenhum deles excluídos, são manifestações, são ornamentos da Natureza Última. Não há nada que não brote disso. Mas ainda assim, está lá o sofrimento. Então Chenrezig começa a explicar de forma mais detalhada.
SUK-TON-PÁH-Ô, TON-PÁH NIH SUK-SÔH. SUK-LÊ-KIANG, TON-PÁH-NIH SHE-MA-IN. TON-PÁH-NIH LÊH-KIANG SUK-SHE-MA-IN-NÔ
Forma é vazio, vazio é forma. Forma nada mais é do que vazio, vazio nada mais é do que forma.
Forma é vazio, vazio é forma
Quando entendemos isso a partir da coemergência, não sabemos distinguir uma expressão (forma é vazio) da outra (vazio é forma). A parir da coemergência nós evitamos entender de forma separada a forma e a vacuidade.
Por exemplo, dentro da 2ª volta do dharma, nós pegamos as formas e tratamos de decompô-las em vacuidade. Utilizamos a primeira expressão “forma é vazio”, e parece que a segunda (vazio é forma) não é necessária.
Forma é vazio
Vemos então muitos exemplos do Buda, alguns específicos. O Buda diz, “nós tomamos uma carreta, e tiramos as rodas da carreta, porque essas não são carreta. Olhamos e dizemos, ‘a carreta está lá, apenas sem as rodas’. Então tiramos as grades laterais da carreta. Dizemos que a carreta está lá, sem as rodas e sem as grades. Então tiramos o eixo da carreta. Dizemos que a carreta está lá, sem as rodas, sem as grades e sem o eixo. Aí tiramos o fundo da carreta. E aí a carreta...oh!... está lá, só que agora sem as rodas, sem as grades, sem o eixo, sem o fundo. Mas então o que era a carreta? A essência da carreta é a vacuidade. Não havia uma carreta ali. Havia rosas, chapa, eixo e grades.
Agora vamos analisar o contrário, vamos colocar o fundo, as grades, o eixo e as rodas. Plim! carreta! Então a carreta por si mesma não existia. Assim, um dos raciocínios da vacuidade é decompormos aquilo em pedaços. Mas aí vem então a expressão seguinte:
Vazio é forma
Não havia carreta porque não há a carreta. O que temos é fundo, grades, eixo e rodas. Porém agora, quando olho para isso, eu vejo carreta! Então o vazio (a ausência da carreta) se transforma em forma (carreta). Esse é o princípio da luminosidade. Nós juntamos os pedaços e quando olhamos, vemos mais do que o conjunto dos pedaços que havia ali. Somos capazes de nos relacionar completamente operativos. Mas se não tivermos a carreta dentro de nós, não veremos a carreta, assim como muitos objetos que somos capazes de olhar, mas não entendemos, estão fora do contexto, porque só entendemos a partir do que nós temos dentro. Esse é o sentido de co-emergência. Se surge uma carreta co-emergente interna e externa, então a carreta existe. Se apenas houver aquele conjunto do lado de fora, mas não tivermos a carreta dentro, então a carreta não surge.
(Perguntam ao Lama sobre a noção em psicologia de “projeção”, “dar significado” relacionando com co-emergência).
Resposta do Lama: No Budismo não usamos a noção de projeção, e sim a noção de co-emergência. Na projeção há um eu que projeta. Pressupõe a existência de alguém que projeta. No Budismo dizemos que a pessoa se constrói. Quando ela constrói o exterior, ela se constrói junto. Não tem alguém que preexiste e que produz aquilo outro. Ela co-emerge. Na verdade é uma visão transpessoal todo o tempo, onde somos uma vacuidade que opera com alguma coisa que não é nossa. Por exemplo, outra pessoa pode usar a noção de carreta, não posso me apropriar dela. Não posso explicar a minha identidade a parir da carreta que eu vejo, porque o outro também pode manifestar isso. Então eu produzo aquilo, mas não sou aquilo de fato. Mas talvez dentro da visão da psicologia, temos aquilo dentro, me aproprio disso e projeto sobre as coisas. Mas no budismo não é assim.
Vazio é forma... isso é extraordinário, é a 3ª volta do Dharma, onde vamos nos aprofundar no vazio que produz as formas. Mas, atenção! Eis agora uma coisa nova! Em vez de ficar pensando nas formas, pensamos “o que é essa presença anterior à forma, que dou origem às próprias formas com ela? O que é essa liberdade?
Essa liberdade, o Buda vai dizer, não nasce e não morre. Quando vemos Maharaja aparecendo ameaçador, olhamos para ele e dizemos: “Ah! Ah! Ah!” e ele dissolve, não resiste. Ele surge da coemergência, é produzido desse modo. É inseparável dessa visão, não é uma experiência externa. Então olhamos isso como manifestação da luminosidade. Essa é uma meditação que deveríamos portar. Depois mantemos isso na ação.
Temos as três etapas:
Visão - quando entendemos tudo isso. Entendemos, mas perdemos.
Meditação - quando estabilizamos essa visão.
Ação - quando somos capazes de mexer nas coisas, girar, produzir coisas do mundo condicionado, sem perder essa visão. O mais parecido seria a arte, que trabalha diretamente com isso. Produz o que não é. Escancaradamente.
No caminho do ouvinte nós vamos trabalhar longamente para provar a inexistência de um eu. Dentro dessa abordagem que estamos aqui falando, não precisamos provar isso, porque estamos vendo essa natureza livre podendo utilizar as várias inteligências. Justamente por ela poder se manifestar de modo múltiplo, não precisamos pegar a forma e ficar desmontando-a, um trabalho elaborado, difícil. Tradicionalmente estudaríamos assim: onde está localizada a mente? Está dentro do corpo? Fora do corpo? Dentro dos olhos? Atrás dos olhos? Onde está a mente? Está dentro dos sentidos físicos? Está no tempo? Até que respondemos: “não, não, não, não”. Ficamos confusos: “onde estará ela?”
Mas essa abordagem do Prajnaparamita que estamos usando aqui, do espaço que produz as coisas, pode nos fazer avançar muito rápido. Então nós dizemos: “Forma nada mais é do que vazio”.
TÉ-SHIN-TÚ TSOU-A-TANG DÚ-SHE-TANG DU-TCHÊ-TANG NAN-PARR-SHÊ-PAH NAM-TON-PÁH-Ô
Do mesmo modo sensação, percepção, formação mental e consciência são todos vacuidade
Do mesmo modo - os skandas restantes, formação....
SHA-RIH-BUH TÉ-TA-VÊ-NA TCHÊ-TAN-TCHE TON-PA-NIH-TÊH
Assim, Sariputra, todos os darmas são vacuidade.
Todos os dharma são vacuidade
Todas as experiências são vacuidade.. Poderíamos dizer que esse ponto é um resumo de todo o sutra – todos os dharmas são vacuidade.
TSEN-NIH-MEPA MÁ-KÊH-PA MÁ-GAK-PA TCHI-MAH-ME-PA TCHI-MAH-TAN-TEL-UA-ME-PA TCHI-UÁ-ME-PA KAN-UÁ-ME-PA-Ô
Não têm características. São não-nascidos e não cessam. Nem impuros e nem livres da impureza. Nem decrescem e nem crescem.
Não têm características
Se eles são vacuidade, não tem características. Ou seja, não tem características em si mesmos, elas brotam co-emergentemente.
São não- nascidos e não cessam
Ou seja, não seria assim: surgem, e agora eu vejo!
Na verdade surgem a cada vez que temos a experiência e contemplamos. Podem surgir de forma diferente, pois é vacuidade. Não cessam – não estão naquele lugar.
Nem impuros, nem livres da impureza
Não são livres de impureza, pois se a impureza tem algum sentido, então eles tem toda impureza. Mas também não são impuros, porque não há nada dentro deles que não seja a manifestação da própria vacuidade que produz aquilo. Por exemplo, poderíamos dizer que o jogo dos meninos é completamente impuro, um samsara complicado, que produz emoções negativas. Mas o jogo dos meninos é expressão da liberdade, o aspecto lúdico.
O mundo inteiro é um aspecto lúdico. Precisamos nos lembrar muitas e muitas vezes disso, porque rapidamente estamos dentro de ambientes e ficamos sérios. Olhamos de forma fixa, e aí nos complicamos.
Nem decrescem e nem crescem
Eles não evoluem. Isto está relacionado à Física Quântica também. Uma partícula está num ponto e ela surge depois em um outro ponto, mas ela não faz uma trajetória para se deslocar. Este é o sentido profundo da noção de salto quântico. A partícula tem uma forma e depois aparece com outra forma, dá um salto sem nenhuma explicação do que acontece no período do salto. Também não tem nenhuma relação causal entre o que aconteceu aqui e ali. Simplesmente desaparece de uma forma e surge em outra. Isto acontece por causa da co-emergência.
Olhamos um dia de um jeito, e outro dia vemos de outro jeito. Epa! Aquilo era de um jeito e agora é de outro, mas como foi essa trajetória? Não tem trajetória, porque a forma como as coisas se apresentam, não são “fora” e nem têm evoluções. Elas “são” e depois “são” de outro jeito.
Do mesmo modo, nós temos essa liberdade, porque as coisas são inseparáveis de nós. Nós surgimos de um jeito e as coisas surgem de certo jeito. Surgindo de outro jeito, as coisas também vão surgir de outro jeito.
Mantendo as paisagens e os pressupostos todos direitinhos, a causalidade ocorre, os objetos são externos, tudo funciona. Mas a explicação profunda das coisas é que através de causa e efeito não vamos conseguir nenhuma explicação final das coisas. Nós encontramos um sistema ambíguo, na linguagem quântica.
Niels Bohr diz que os sistemas desse tipo tem uma inconsistência interna, porque existe uma variável a mais que não está sendo considerada, por isso nunca conseguimos uma explicação final. Então quando essa variável muda, temos resultados que vamos chamar de ambíguos. Eu tinha um resultado, agora estou obtendo outro, e já não sei o que é que mudou. Ou seja, mudou uma variável que não estou considerando.
Então, os sistemas causais não tem dentro deles a não-causalidade. Só que a não-causalidade opera. E quando ela opera, o resultado é ambíguo. Por exemplo, um trem andando num trilho, mas não está previsto no sistema férreo que vem alguém, puxa uma alavanca e desloca o trem de uma linha férrea para outra. A causalidade seria o trem andar sempre naquela linha. A co-emergência é a lei, a co-emergência é a vacuidade, é a compreensão. Mas para entendermos melhor a vacuidade, entendemos a co-emergência. Nem decresce e nem cresce é isso. Causa e efeito nem decresce e nem cresce.
4. VACUIDADE
Essa parte é muito importante, Chenrezig vai expressar o que seria o grande ceticismo budista, em contradição com a ciência. Por exemplo, a ciência acredita que as coisas no fundo, são regidas por leis universais, que as leis estão lá, em algum lugar, atuando.
S.S.o Dalai Lama diz “os cientistas são crentes, nós budistas somos céticos”. Ou seja, não confie nos cientistas! eles são crentes, acreditam nas suas teorias!. Mas a cada vez que as teorias mudam, os mundos mudam, mas eles só vêem o mundo de certo jeito. Depois muda, e muda todo mundo de novo.
SHA-RIH-BUH TÉ-TA-VÊ-NA TON-PÁH-NIH-LÁH SUK-ME TSOU-Á-ME DÚ-SHE-ME DU-TCHÊ-ME NAN-PARR-SHÊ-PAH-ME
Portanto, Sariputra, a vacuidade não tem forma, nem sensação, nem percepção, nem formação mental, nem consciência.
Portanto, Sariputra, a vacuidade não tem forma nem sensação, nem percepção, nem formação mental, nem consciência
Chenrezig está descrevendo a vacuidade, mas não pensem que ele está se referindo à afirmação de que as coisas não existem. Muitas pessoas olham essa parte como a negação de todas as coisas. Não é isso.
Dentro da vacuidade não existe aquilo que estamos vendo, como estamos vendo. Tudo aquilo que estamos olhando é construído pela luminosidade, não é que aquilo não exista. Mas originalmente dentro da vacuidade não havia aquilo, nós construímos depois e é isso que ele está dizendo.
Então não tem forma, nem sensação, nem percepção.... tudo isso surge depois.
Como ? A partir dos 12 Elos, vemos isso direitinho.
MIK-ME NA-UÁ-ME NA-ME TCHÊ-ME LÜ-ME ÍH-ME
Não tem olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente;
SUK-ME DÁH-ME TCHI-ME RRÔ-ME REK-TSHA-ME TCHÊ-ME-TÔH
não tem aparência, som, cheiro, sabor, tato e objetos da mente;
MI-KIH-KAM ME-PA-NE ÍH-KI-KA-ME ÍH-KI NAN-PARR-SHÊ-PÊH KAM-KI PAR-TÚ-IAN-ME-TOH
não tem os elementos de consciências relacionadas aos olhos (e aos demais sentidos físicos), e não tem mente ou elemento de consciência da mente.
Não em aparência, som, cheiro...
Ou seja, não tem aparência (dos olhos), nem os objetos dos ouvidos (som), nem os objetos do olfato (cheiro), nem os objeto do paladar (sabor), nem o objeto do tato, nem os objetos da mente (os objetos abstratos).
Não tem os elementos de consciência...
Na vacuidade original não tem também os elementos de consciência relacionados a olhos, nariz, ouvido, língua, tato e mente. Tudo isso surge depois.
E não tem mente ou elemento de consciência da mente
Esse mente seria NAN-PARR-SHÊ-PÊH**,** que é vijnana em sânscrito. É consciência, consciência limitada, consciência do mundo. Está se referindo ao aspecto condicionado que surge do 1º dos 12 Elos.
MA-RIG-PA-ME MA-RIG-PA-SE-PA-ME-PA-NE GA-SHI-ME GA-SHI-SE-PE-PAR-TÚ-IAN-ME-TOH
Não tem ignorância, nem extinção da ignorância, nem ... (os elos subseqüentes) até velhice e morte e a extinção da velhice e morte.
Não tem ignorância (tib. MA-RIG-PA**,** obscurecimento da lucidez; rigpa, lucidez). Ou seja, na origem de tudo, na vacuidade, não há a ignorância, nem a extinção da ignorância (MA-RIG-PA-SE-PA-ME-PA-NE ), nem a extinção disso. Não há essa categoria. Nem a ignorância, nem a extinção da ignorância ( relacionado ao 1º dos 12 Elos) e continua até velhice e morte, e a extinção da velhice e morte (12ºElo).
TE-SHIN-DU DUG-NGAL-UÁ-TAN KUN-DJUN-UÁ-TAN GOG-PÁH-TAN LA-ME YE-SHE-ME TO-PA-ME MA-TO-PÁH-IAN-ME-TOH
Do mesmo modo, não há sofrimento, ou origem do sofrimento, ou extinção do sofrimento, nem caminho; nem sabedoria, nem realização e nem não-realização.
Do mesmo modo, não há sofrimento...
Do mesmo modo, na vacuidade originalmente não há sofrimento, na vacuidade originalmente não há origem do sofrimento, na vacuidade originalmente não há extinção do sofrimento. Sofrimento, origem do sofrimento e extinção do sofrimento se refere a usarmos a liberdade para construir o jogo, brincarmos e sofrermos ali dentro.É simples!
Não há nenhum sofrimento sem uma construção de paisagem, sem um campo demarcado, sem uma identidade construída, sem uma co-emergência que aciona isso tudo.
Quando estiverem sofrendo, pensem: Qual é o limite do campo? Qual é a identidade construída? Onde estão as traves do gol? Então vemos que não há sofrimento, nem extinção do sofrimento.
Nem caminho; nem sabedoria, nem realização e nem não-realização
Claro que não há caminho, porque originalmente não tem caminho porque não tinha ninguém perdido. O caminho seria o caminho de volta, porque primeiro tem alguém perdido, para então aparecer o caminho. Então não há o caminho.
Poderíamos pensar então – Ah! Restou a sabedoria. Mas não há a sabedoria. A sabedoria tem esse nome porque vem como caminho, como extinção dessas coisas todas. Seria a sabedoria do caminho, e não a Sabedoria Ùltima ( tib. Yeshe). Seria a sabedoria de desatar o nó do lenço, mas depois que o lenço foi desatado, para que serve a sabedoria de desatar o nó do lenço?. Esse é um ponto muito importante para que não fiquemos agora preservando o nó para poder preservar a sabedoria que afinal é o que somos. Não ficar guardando o nó. Não desmanche! Se desmanchar o nó, desmancha a sabedoria e nós desaparecemos no ar! Ou seja, construirmos uma identidade a partir disso.
Então, nem caminho, nem sabedoria, nem realização. Não tem ninguém atingindo realização, nem não-realização. A realização tem algum sentido condicionado, mas aqui não é o obstáculo à realização. A realização pode existir, mas originalmente não tem.
SHA-RIH-BUH TÉ-TA-VÊ-NA TCHAN-TCHUB-SEM-PA NAM-LA TO-PA-ME-PÊH-TIR SHE-RAB-KI-PA-ROR-TÚ-TCHIM-PA-LA TEM-TCHIN NE-TEH
Portanto, Sariputra, uma vez que os bodisatvas não têm nada para atingir, eles se manifestam através da confiança na Prajnaparamita.
Não tem nada para atingir
Ou seja, eles não estão se construindo em alguma coisa.
Eles se manifestam através da confiança
Retornam à Mandala original, os olhos deles olham e eles, a parir dessa sabedoria natural, yeshe, eles desmontam as construções.
A confiança seria assim: quando olham o lenço cheio de nós, nem perguntam se sabem desmanchar ou não. Eles olham e desmancham! Os bodisattvas se manifestam desse modo, através dessa confiança na dissolução da artificialidade.
SEM-LAH DIH-PAH ME-TIN TAK-PAH ME-TE
Uma vez que não há obscuridades mentais, não há medos.
Obscuridades mentais
Construções parciais entre elas a própria sabedoria. Faça isso, não faça aquilo! No sutra do diamante o Buda reitera que ele não obteve, não recebeu nenhum conhecimento do Buda Dipankara (o mestre dele). Não recebeu a transmissão de um sistema, recebeu a transmissão da mente. Isso significa não há obscuridades mentais na vacuidade. Se não há obscuridades mentais, não há nada para artificial para ser defendido. Se não há nada para defender, então não há medos. Os tibetanos chamam isso, às vezes, de orgulho vajra. Ou seja, brota uma espécie de orgulho, porque não importa o que samsara fizer, não tem poder.
Por exemplo, Maharaja vem atacar, mas na verdade não tem nada para fazer. Por exemplo, o menino no meio do jogo, se ele tem a visão que estava antes do próprio jogo, não será afetado pelo resultado do jogo. Se Maharaja disser que o resultado do jogo vai ser 10x0, o menino sorri porque sabe da insubstancialidade daquilo, não vai ter medo, porque não está preso a um sistema de crença, a uma obscuridade mental.
Se tomamos refúgio no guru, se damos a mão para o guru, tomamos refúgio nessa natureza, que é a Natureza da vacuidade descrita dentro do Prajnaparamita, se damos a mão para essa natureza, porque é que vamos tremer na dissolução daquilo que é artificial?
TCHIN-TCHI LOH LÊH SHIN-TU-DEN-NE NIÁ-NIEN-LÊH DE-PEH TARR-TIN-TOU
Transcendendo completamente as visões falsas, atingem o derradeiro nirvana.
Visões falsas – visões parciais.
Nirvana - Não é o nirvana do caminho do ouvinte, um lugar onde ninguém incomoda, onde ficamos imunes. Diante de toda a confusão, olhamos um ponto longínquo, e não respondemos. Não é esse Nirvana fechado. É o Nirvana capaz de olhar todas as coisas sem obscuridades, portanto não há como ser atingido. Esse é o derradeiro Nirvana.
5. LUCIDEZ – SAMASATHI
TU-SUN NAN-PARR-SHU-PEH SAN-GYE TAN-TCHIE KIAM SHE-RAB-KI PA-ROR-TÚ-TCHIM-PA DIH-LÁ-TEM-NEH LAH-NAH-ME-PA IANG-TA-PARR DZOG-PEH TCHANG-TCHUB-TU NGON-PAR DZOK-PAR SAN-GYE-SO
Todos os budas dos três tempos, por repousarem na Prajnaparamita, atingem completamente a iluminação perfeita e insuperável.
Todos os Budas dos Três Tempos, por repousarem no Prajnaparamita
Por repousarem nessa lucidez, nessa visão, na capacidade de desatar nós, ver o mundo condicionado, ver a liberdade disso, atingem completamente a iluminação perfeita e Insuperável.
Atingem completamente...
Não basta samadhi (samadhi é furarmos essa montanha, e podermos observar através dela). Completamente significa que nós vamos perseguir os conteúdos que não pudemos ainda praticar a liberdade frente a eles.
Então furar isso é ver. Mas agora pegamos essa capacidade de ver e entramos em meditação. Essa meditação se chama samasathi, vamos buscar cuidadosamente todos os obstáculos e é dentro desse sentido a frase que dizemos “entre confusão e não-confusão, é melhor confusão; ente confusão com dor e confusão sem dor, é melhor confusão com dor”. É esse o sentido de samapathi. Porque se nós conseguirmos habilmente proteger regiões de confusão e proteger regiões de dor sem lucidez, essas regiões ficarão aguardando.
No samapathi vamos passar por dentro de todas as coisas para poder praticar a vacuidade nessas regiões. Se alguma região os mestres não entraram, essa região vai ter um número imenso de seres armadilhados, porque ninguém entrou ali para dizer que é vazio, que pode sair dali. Que não se precisa ficar preso. Então é necessário que todos esses lugares sejam visitados.
Guru Rinpoche depois de andar no Tibet foi para a Terra dos Demônios canibais, porque lá havia outras regiões rígidas, fixas. Não é um lugar para arhats, estes vão todos para a Terra Pura. Guru Rinpoche transforma a Terra de Demônios Canibais em Terra Pura, com o poder do vajra, o poder da vacuidade, a ação irada. Ação irada é a destruição dos mundos.
No hinduísmo temos a Trindade hinduísta:
Brahma – o Criador, constrói o mundo.
Vishnu - o Protetor e Sustentador do mundo.
Shiva – o Destruidor do mundo.
Guru Rinpoche seria Shiva, o destruidor, aquele que vai destruir os mundos. Quando entendemos isso, o aspecto sustentador do mundo ao qual temos grande apego, Vishnu o torna menor, espantosamente. Vishnu é Chenrezig. Brahma seria o próprio Kuntuzangpo. Na visão limitada hinduísta, Brahma é aquele que constrói o mundo, como um deus criador, e o mundo passa a existir.
Mas na visão budista Brahma não terminou a criação, ele está vivo, estamos seguindo construindo, e essa construção é vazia. É um sonho de Brahma, não é uma construção física, e é por isso que o sustentador, Vishnu, vem para nos sustentar. Considero esse aspecto muito importante.
Por exemplo, Cultura de Paz, Responsabilidade Universal seria Vishnu. Precisamos estruturar a Vida Humana Preciosa porque ela é a base para podermos atingir a liberação. Se não tivermos tudo organizado por Vishnu, Shiva não tem como destruir direito isso. Se a destruição for condicional, ela não é destruição de Shiva. A destruição de Shiva é a destruição mesmo. Enquanto não estiver organizado na minha frente, não consigo matar! Então Vishnu organiza, pacifica e entrega, e aí Shiva, clept!
O Buda veio e deu o ensinamento como destruir o mundo a partir da visão humana. Por isso é necessário preservar tudo direitinho. Só que destruir é Nirvana, mas não é destruir propriamente, é Liberar!
O mundo é um jardim da própria Iluminação. Não precisamos destruir nada. O que destruímos é a ignorância, e quando a destruímos tudo se preserva, mas os mundos no sentido condicionado cessaram também. Essa é a verdadeira destruição.
Precisamos então preservar da destruição comum para poder fazer toda a ignorância convergir nas formas, e aí destruir a ignorância dessas formas. O Buda ensinou como fazer isso. Nesse sentido tem a Trindade viva.
Na visão Budista, Vishnu e Shiva seriam emanados de Brahma.
Kuntuzangpo, Natureza Última, emana realidade, emana os 5 Diani Budas, emana vajrasattva, Garab Dorge, Chenrezig (de forma direta ou indireta). Essencialmente todas as inteligência brotam constantemente, não é que brotaram do passado.
Iluminação é isso! A capacidade de estar imerso nesses aspectos, olhar e ver isso tudo, mas não estar preso, manter-se livre do sentido condicionado. Poder operar dentro da causalidade condicionada, mas não estar preso a ela.
Atingem completamente a Iluminação Perfeita e Insuperável
Insuperável porque não tem artificialidade dentro, não tem crença dentro.
6. ABORDAGEM MANTRAYANA
S. S. o Dalai Lama considera esta, a abordagem mais elevada. Trata-se da abordagem mantrayana. Já vimos a abordagem sutrayana. Então podemos viver isso – abordagem tantrayana. Mas podemos também viver isso na abordagem mantrayana, desde que o mantra esteja vivo.
Abordagem mantrayana - toda a sabedoria do sutra é colocada num mantra. Em vez de dizermos tudo aquilo, dizemos o mantra, que significa aquela compreensão toda.
Não precisamos falar do conjunto das palavras... forma é vazio, vazio é forma... Não precisamos dizer todo o sutra. Dizemos o mantra, porque ele carrega a lucidez correspondente ao sutra. É a chave que nos permite reacessar a visão que já desenvolvemos. Poderíamos dizer que o mantra é a transmissão da visão. No vajrayana temos iniciação, mas aqui temos a transmissão da visão, que se torna viva. E fazemos essa visão convergir para um conjunto de sílabas.
Quando recitamos podemos ver toda a sabedoria do sutra. E então perseveramos nisso (na recitação), praticamos longamente. De modo geral se diz, 1 milhão e 200 mil repetições do mantra, individuais. Ou melhor, 3 milhões, ou melhor ainda, 10 milhões. Com 3 milhões de repetição do mantra com certeza atingimos a visão estável disso.
TÉ-TÁ-VE-NA SHE-RAB-KI PA-ROR-TÚ-TCHIM-PÊH NGAG RIG-PA CHEM-PÊH NGAG LA-NA ME-PA NGAG MI-NHAM-PA-TAN NHAM-PÊH NGAG DUN NGAL TAN-TCHÊ RRAP-TÚH SHI-UAR-TCHE-PEH-NGA
Portanto, o mantra da Prajnaparamita – o mantra da grande lucidez - é o mantra insuperável, o mantra que torna igual o que é desigual, o mantra que pacifica por inteiro todo o sofrimento.
O mantra do Prajnaparamita
O som associado ao Prajnaparamita, o som da Grande Lucidez, o som insuperável, o som que torna igual o que é desigual, o som que pacifica por inteiro todo o sofrimento.
MI DZUN-PE-NA DEN-PAR SHE-PARR-TCHA-TÊH
Uma vez que não produz engano, deveria ser reconhecido como verdadeiro.
Uma vez que não produz engano – não tem nada construído dentro.
Deveria ser reconhecido como verdadeiro – pode ser reconhecido como verdadeiro, ele é verdadeiro.
SHE-RAB-KI PA-ROR-TÚ-TCHIM-PÊH NGAG ME-PA
O mantra Prajnaparamita é recitado assim:
TADYATHA OM GATE GATE PARAGATE PARASAMGATE BODHI SVAHA
OM GATE GATE PARAGATE PARASAMGATE BODHI SVAHA
Atravesse, atravesse com segurança, atravesse para a outra margem, a margem dessa compreensão, dessa lucidez.
7. LOUVORES
SHA-RIH-BUH TCHAN-TCHUB SEM-PAH SEM-PAH TCHEN-PÊH TE-TARR SHE-RAB-KI PA-ROR-TÚ-TCHIM-PAH SAM-MÔH-LAH LA-PAR-CHA-Ô
Sariputra, é desta forma que o bodisatva-mahasatva deveria treinar-se na profunda Prajnaparamita.”
Voltamos ao contexto inicial, à pergunta inicial de Sariputra à Avalokiteshvara, que conclui a resposta.
TEM-NÊH TCHOM-DEN-DÊ TIN-NIEN-DZIN-TE-LE SHENG-TE TCHAN-TCHUB SEM-PAH SEM-PAH TCHEN-PÊH PAK-PÁH TCHÊ-RE-ZIK UAN-TCHUK-LÁH LEK-SOH SHE-TCHA-UÁ-DJI-NE
Então, o Abençoado retornou de seu samadi e louvou o nobre Avalokitesvara, o bodisatva-mahasatva, dizendo:
LEK-SOH LEK-SOH RI-KI-PUH TEH TEH SHI-NÔ TEH TEH SHIN TEH
Muito bom, muito bom! Ó filho de nobres qualidades. Assim é! Assim é!
TCHI-TARR KE-KI TEM-PA TE-SHIN-TÚH SHE-RAB-KI PA-ROR-TÚ-TCHIM-PAH SA-MÔH-LAH TCHO-PAR-TCHA-TEH TE-SHIN-SHE-PA NAM-KIAN DJE-SU-IN-RANG-NGO
É exatamente como ensinou. Deve-se praticar a profunda Prajnaparamita. Todos os tatágatas irão felicitar.
Todos os tatágatas irão felicitar
Os tatágatas são os budas no mundo, aqueles que estão fazendo um esforço para que as pessoas saiam da visão comum e voltem à liberação. Esses são os tatágatas, o 9º estágio dos bodisattvas. São Budas, mas Budas em corpo. Estão em um lugar mas não estão em outro.
Dharmamega é como a lua. Está em todos os lugares ao mesmo tempo. Nesse momento, aqui nessa sala, o Buda se manifesta como Dharmamega, ou seja, estamos aqui sob efeito disso. O Buda está vivo para nós aqui. Em qualquer outra sala de meditação onde os ensinamentos sejam dados, o Buda está vivo lá dentro. Isso é Dharmamega. Na época do Buda, ele só estava vivo onde estava presente. Isto é tatágata.
TCHON-DEN-DE-KI TEH-KEH TCHÊ-KA-TSEL-NEH TSÉ-TAN DEN-PA SHA-RIH-BUH TAN TCHAN-TCHUB SEM-PAH SEM-PAH TCHEN-PÔH PAH-PAH TCHÊ-RE-ZIK UAN-CHUK-TAN
Quando o Abençoado pronunciou estas palavras o venerável Sariputra e o nobre Avalokitesvara, o bodisatva-mahasatva,
TAM-TCHÊ TAN DEN-PÊH KOR-TE-DAH-TAN LA-TAN MI-TAN LA-MA-IN-TAN TI-SSARR TCHIÊ-PÊ DIG-DEN IRAN-TÊ TCHON-DEN-DEH KI-SUM-PA-LA-NGON-PARR-TE-TOU
junto com toda a assembléia e todo o mundo com seus deuses, humanos, asuras e gandarvas, todos se alegraram, louvando o que o Abençoado havia dito.
Os deuses (reino dos deuses), os humanos (reino dos humanos), os asuras (os semideuses), e os gandarvas (seres que provavelmente estão entre os seres famintos, que se movem por cheiros) .
TCHON-DEN-DEH-MAH SHE-RAB-KIH PA-RUL-TU-TCHIN-PÊH-NIN-POH SHE-TCHA-UÁ-TEK-PAR-TCHEN-PHÊ-DOH DZOK-SÔH
Isto conclui o “Sutra do Coração da Prajnaparamita”.
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ESSÊNCIA DA ABENÇOADA PRAJNAPARAMITA
Lama Padma Samten
ESSÊNCIA DA ABENÇOADA PRAJNAPARAMITA
Ma-sam-diê-me-she-rab-pa-rol-tchin
Inconcebível, inexprimível, Prajnaparamita
Perfeição que está por detrás das formas e dos conceitos; opera de modo não causal para desmontar as fixações. Sabedoria que “desata os nós” não é baseada em conceitos, não está construindo mundos. Por isso Inconcebível, inexprimível.
Ma-ke-mi-gak Nam-ka-hi-uh-ôh-ni
Não-nascida, incessante, por natureza semelhante ao céu.
Não-nascida: base que permite liberar os “nós” é anterior aos “nós”, pois é dela que estes surgem. Nascer significa “dar forma”, portanto “não nascido” é igual a não ter forma.
Incessante: além do tempo, pois aquilo que é ligado ao tempo é construído, causal.
Natureza semelhante ao céu: livre, sem predisposições.
So-so-ran-rik Ye-she-tiô-iul-uá
Experenciada pela cognição discriminativa prístina da consciência autoreflexiva.
Surgimento do observador que contempla a natureza última de todos os fenômenos.
Auto-reflexiva: condição natural da Sabedoria Primordial.
Tu-sum Gyal-uê Yum-lá Tshá-sá-lô
Mãe de todos os vitoriosos dos três tempos, a você presto homenagem!
É desta compreensão que surgem os Budas e Bodisatvas.
Dja-kar-kê-tú Bha-ga-va-ti Prajna-pa-ra-mi-ta Hri-da-ya
Phe-kê-tuh Tshom-dem-dê-ma She-rab-kie-pa-ro-tu-tim-pe-nim-pô
O Abençoado Coração da Sabedoria Transcendental
Tshom-dem-dê-ma She-rab-kie-pa-ro-tú-tim-pá La-tshá-sá-lô
Homenagem à Bhagavati Prajnaparamita!
Assim eu ouvi.
Uma vez o Abençoado estava residindo em Rajagriha, na
montanha do Pico dos Abutres, junto com ele estava um grande grupo da Sanga dos Monges e da Sanga dos Bodisatvas. Em dado momento, o Abençoado entrou no samadi que examina os diferentes tipos de Darma, chamado “profunda iluminação”. E, ao mesmo tempo, o nobre Avalokitesvara, o Bodisatva-Mahasatva, enquanto praticava a profunda Prajnaparamita, viu que os cinco skandas eram vazios por natureza.
O Buda, repousando em Yeshe (Sabedoria Primordial, identidade completa com a unidade indiferenciada que a tudo permeia) olha para o mundo a partir de Sherab (cognição discriminativa) e contempla os cinco skandas, de onde advém todo o sofrimento.
Com o apoio da estabilidade do Buda, Avalokitesvara (mente de compaixão, Nirmanakaya) fitou o mundo condicionado e assim, da unidade entre a espacialidade da mente Darmakaia do Buda com as limitações do mundo condicionado magicamente surgido, brota a mente Prajna.
Tal mente vê a forma pela qual as individualidades surgem e, mesmo assim, são sustentadas pelo fluxo luminoso operando sob condições, carecendo de natureza própria. Avalokitesvara percebe que tais individualidades não têm existência própria, são inseparáveis de quem as vê, surgem por relação, são construídas e reconstruídas a cada momento.
Então, pelo poder do Buda, o venerável Sariputra disse ao nobre Avalokitesvara, o Bodisatva-Mahasatva:
Aqui, “pelo poder do Buda”, refere a pureza da motivação deSariputra, além dos interesses da roda da vida.
– “Como deveria proceder o filho ou a filha de nobres qualidades que quisesse praticar a profunda Prajnaparamita”? Por ter sido perguntado desta forma, o nobre Avalokitesvara, o Bodisatva-Mahasatva, disse ao venerável Sariputra:
– “Oh Sariputra, um filho ou uma filha de nobres qualidades que desejasse praticar a profunda Prajnaparamita deveria ver assim: todos os cinco skandas têm a natureza da vacuidade.
Os “objetos concretos”, (shiki), encontram na forma “rupa” sua concretitude. Mas forma é vacuidade, não tem solidez, nem existência em si mesma, nem permanência. Do mesmo modo que “rupa”, os demais skandas sensação (vedana), percepção (samjana), formação mental (samskara) e consciência (vijnana) têm a vacuidade por base, e não alguma natureza própria.
Forma é vazio, vazio é forma. Forma nada mais é do que vazio, vazio nada mais é do que forma.
“Forma é vazio” denota co-emergência de observador e observado (objeto). Forma não é algo concreto, mas algo a mais que adicionamos aos substratos. Possuímos apenas “substratos” ao andarmos no mundo que, pela co-emergência, passam a ganhar as formas com as quais nos relacionamos. Entendendo como as formas surgem, podemos liberá-las de nossas prisões.
Co-emergência: quando um mesmo fenômeno é interno ou externo, não sabemos dizer se é um ou outro. Não são dois, mas um conjunto. E as formas surgem exatamente deste espaço de possibilidades infinito, o “espaço básico dos fenômenos”, aqui entendido como o vazio.
1 – Puxamos a forma;
2 – Contemplamos a co-emergência (inseparável de quem olha);
3 – Contemplamos o aspecto vazio (não tem aquilo dentro);
4 – Percebemos o aspecto luminoso (tem aquilo dentro);
5 – Contemplamos aspecto vazio / luminoso;
6 – Contemplamos a energia que se movimenta em nós;
7 – Contemplamos a magia disso tudo;
8 – Sorrimos! É assim que o Samsara nos pega!
Pode-se resumir do seguinte modo: “Diante da energia, que brota da forma vazia e luminosa, eu sorrio!”
Do mesmo modo, sensação, percepção, formação mental e consciência são todos vacuidade.
Dentro da “forma” não há forma. Sensação (Vedana – gostar ou não gostar) é forma. Percepção (operação da mente ligada aos sentidos físicos), formação mental (Samskara – nossos carmas e hábitos mentais) e consciência (Vijnana – nossas identidades) também são formas. Os skandas são construídos pela liberdade.
Assim Sariputra, todos os darmas são vacuidade. Não têm características. São não nascidos e não cessam. Nem impuros e nem livres da impureza. Nem decrescem e nem crescem.
Darmas são todas as experiências do mundo, e são “vacuidade” por manifestarem os cinco skandas, não tem características próprias.
Portanto Sariputra, a vacuidade não tem forma, nem sensação, nem percepção, nem formação mental, nem consciência.
“Portanto” representa o 8º passo do Nobre Caminho, onde contemplamos a natureza de liberdade: lá não tem formas, nem sensações, nem os Doze Elos, nem as Quatro Nobres Verdades.
Na vacuidade não há nem mesmo a Iluminação. Não há natureza própria nos sete aspectos: características, nascimento, cessação, impureza e pureza, decréscimo e acréscimo. São todos surgidos pela co-emergência.
Não tem olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente. Não tem aparência, som, cheiro, sabor, tato e objetos da mente. Não tem os elementos de consciência relacionados aos olhos, e aos demais sentidos físicos, e não tem mente ou elemento de consciência da mente.
Não há natureza própria nos dezoito datus: olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, aparência, som, cheiro, sabor, tato, consciência relacionada aos olhos, consciência relacionada aos ouvidos, consciência relacionada ao nariz, consciência relacionada ao paladar; consciência relacionada ao tato, mente, objeto da mente e elemento de consciência da mente.
Não tem ignorância, nem extinção da ignorância, nem os elos subseqüentes até velhice e morte, e a extinção da velhice e morte.
Base da ignorância é um “eu” que reflete sobre algo separado, externo, criando categorias, julgamentos, discriminações.
Do mesmo modo, não há sofrimento, ou origem do sofrimento, ou extinção do sofrimento.
Ultrapassamos a aparente de solidez dos cinco skandas, as causas de nosso sofrimento e existência. Nem caminho, nem sabedoria, nem realização e nem não realização.
Portanto Sariputra, uma vez que os Bodisatvas não têm nada para atingir, eles se manifestam através da confiança no Prajnaparamita.
Confiança no Prajnaparamita = confiança naquilo que sempre foi, não há como perder. A vacuidade presente naturalmente. Uma vez que não há obscuridades mentais, não há medos.
Transcendendo completamente as visões falsas, atingem o derradeiro nirvana. Todos os Budas dos três tempos, por repousarem na Prajnaparamita, atingem completamente a iluminação perfeita e insuperável.
Portanto, o mantra da Prajnaparamita, o mantra da grande lucidez, é o mantra insuperável, o mantra que torna igual o que é desigual, o mantra que pacifica por inteiro todo o sofrimento.
O mantra deve ser usado para evocar o princípio ativo (Sabedoria Primordial) e não meramente para dissolver obstáculos. Fazer isso é o Caminho do Ouvinte. Evocar a Natureza Última é a abordagem Mantrayana.
Uma vez que não produz enganos, deveria ser reconhecido como verdadeiro. O mantra da Prajnaparamita é recitado assim:
TADYATHA OM GATE GATE PARAGATE PARASAMGATE BODHI SVAHA
Sariputra, É desta forma que o Bodisatva-Mahasatva deveria treinar-se na profunda Prajnaparamita.”
Então, o Abençoado retornou de seu samadi e louvou o nobre Avalokitesvara, o Bodisatva-Mahasatva, dizendo:
– “Muito bom, muito bom! Oh filho de nobres qualidades. Assim é! Assim é! É exatamente como ensinou. Deve-se praticar a profunda Prajnaparamita! Todos os Tatagatas irão felicitar!”.
Quando o Abençoado pronunciou estas palavras, o venerável Sariputra e o nobre Avalokitesvara, o Bodisatva-Mahasatva, junto com toda a Assembléia e todo o mundo com seus deuses, humanos, asuras e gandarvas todos se alegraram, louvando o que o Abençoado havia dito.
Isto conclui o “Sutra do Coração da Prajnaparamita”.
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Sob a proteção real do rei Trisong Deutsen, em meio ao oitavo século, o tradutor tibetano (lotsawa) Bhikshu Rinche de traduziu este texto para o tibetano com o mestre (pandita) Vimalamitra. Isto foi editado pelo grande editor de tradições tibetanas (lotsawas) Gelo, Namkha e outros.
Este texto tibetano foi copiado de um afresco em Gegye Chemaling, um dos templos do glorioso Samye Vihara. [Este texto foi traduzido do tibetano para o português e feita a transcrição fonética pelo trabalho conjunto de Phurbu Tsering (Pema Chime Dorje) e Lama Padma Samten, na sede do Instituto Caminho do Meio, Viamão – RS, no último dia do ano de 1998, com a motivação de trazer benefício aos de fala brasileiro-lusitana.]
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TREINANDO NO PRAJNAPARAMITA
Prajnaparamita é um método de olhar todas as categorias que consideramos fixas, pois nos relacionamos com as formas e não com os substratos. Um mesmo substrato adquire muitas formas, por isso forma é vacuidade. Forma é mágica. Onde quer que olhamos, nos relacionamos com formas, todas elas construídas, impermanentes.
A liberação ocorre pelo riso e não pela seriedade, não pela dinamite, não pela vacuidade, nós não temos que destruir o mundo. Nós sorrimos para ele.
Como alguém que repentinamente se vê de forma mais ampla do que se via. O samsara não é negativo, o samsara é lúdico. Nós sofremos dentro do samsara como as crianças também sofrem, por coisas muito simples. Nossa dor em samsara está ligada a energia; nós não só não vemos a energia como tomamos a obediência àquela energia como nosso refúgio fundamental. A única forma de superarmos isso é compreendermos este processo e sorrirmos!
Essa energia é o sangue do samsara, é o que o movimenta. Precisamos não só entender o
samsara, mas temos de absolver o samsara, liberá-lo, iluminá-lo. Prajnaparamita nos ajuda a compreendermos o aspecto xamânico da realidade.
Pensar, contemplar e repousar sobre formas, sensações, percepções, formações mentais e consciências vendo todos eles como formas, sempre em transformação. Geramos o olho do Prajnaparamita. Trazer exemplos de nossas vidas.
Abordagem Tantrayana: como são os cinco skandas?
1. (...) é vazio, vazio é (...)
2. Vazio nada mais é do que (...), (...) nada mais é do que vazio.
3. Sob quais condições surge (...)?
4. Que qualidades manifestam (...)?
5. Que fatores ao serem modificados, mudam (...)?
6. A existência de (...) surge pelos sentidos, e/ou por contato sensorial indireto, e/ou pela predisposição mental, e/ou pela menção verbal. Outros meios?
7. Sendo (...) vacuidade, significa que (...) não existe? Não é real? Não é reprodutível? Não há ciência possível sobre ele? É ilusório? A realidade de (...) é “real”, mas não estamos aprisionados! Há liberdade!
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