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Este é um material transcrito a partir de ensinamentos orais de Lama Padma Samten. Ele é usado exclusivamente para apoiar os estudos e práticas dentro da sanga, pedimos não reproduzir em outros sites. O material está em constante revisão e melhoria; quaisquer erros encontrados são devidos às limitações das pessoas envolvidas na transcrição e na edição, e serão corrigidos assim que possível.
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Tabela de conteúdos
A Meditação do Pensar, Contemplar e Repousar.
Palestra do Lama Padma Samten, na quinta feira, 22ABR05, no CEBBSP
Vamos entender o que estamos fazendo, qual é nosso roteiro até agora, estamos neste retiro de meditação, e estou apresentando, dentro do quadro de todos os ensinamentos, diversos itens. Meu objetivo não só é introduzir isso, mas fazê-lo de forma didática, de maneira que possamos aproveitá-los nos diferentes horários de prática, deixando isso registrado e arrumado, para as atividades desses horários.
Começamos olhando a paisagem ampla, a mandala da Cultura de Paz, depois vimos Os Quatro Pensamentos que Transformam a Mente, olhamos o Refúgio, e na seqüência fiz um “link” com o carma, em que expliquei as causas primárias e os fatores secundários ou causas secundárias, e aí tentamos uma alternativa, em que mesmo na presença do carma primário e das causas secundárias, não somos obrigados a responder seguindo aquela ação, mas podemos usar a liberdade. Introduzi a noção de meditação através desse processo, dei os exemplos do Sutra Surangama, em que vimos que é possível a prática dentro de uma abordagem em que nos abstraímos de todas as aparências externas, e tentamos estabilizar ou localizar esta nossa natureza independente das condições externas. E também introduzi a noção da prática de continuidade do Tantrayana, através do Surangama, em que localizamos o que está incessantemente operando, mesmo que a aparência dos objetos e das experiências seja diferente. Há uma natureza ali dentro operando de modo incessante. Introduzimos a contemplação dessa natureza em meio às aparências e vimos como seguimos a experiência de Samsara, saltando de um objeto pára outro, conduzidos pelo carma. Esse aspecto da meditação a partir do sino ganhou três exemplos: em que o sino introduz a natureza contínua, em que o sino introduz a própria meditação enquanto um objeto, e em que ele cessa.
Na seqüência temos a meditação chamada do Pensar, Contemplar e Repousar, que é uma forma paralela a essa, que também precisamos aprender a desenvolver, para seguir o desenvolvimento dos vários temas. Precisamos introduzir esse processo que chamamos Pensar, Contemplar, Repousar.
Essa meditação, no sentido introdutório, vai solidificar os ensinamentos que ouvimos, tornando-os mais claros. Por exemplo, tradicionalmente se associa a introdução dos Quatro Pensamentos que Transformam a Mente com a meditação do Pensar, Contemplar e Repousar. Ela não precisa ser usada apenas no contexto dos Quatro Pensamentos que Transformam a Mente, mas pode ser usada com muitos outros itens. Vou descrever um pouco esse método, que é simples.
Começamos assim: vocês podem observar que este é o processo pelo qual eu dou os ensinamentos. De modo geral eu me introduzo no tema e depois começo a dar exemplos. O Pensar corresponde ao exame do tema, examinando a paisagem do tema, introduzindo a paisagem na qual o ensinamento faz sentido; depois examinamos seu conteúdo, o que há ali dentro, avaliamos o tema, se faz sentido ou não, refletimos sobre o tema, pensamos sobre aquilo. É a primeira etapa, um exame acadêmico, cognitivo, um exame através do pensamento. Sua Santidade, o Dalai Lama, diz: todos os ensinamentos devem passar por esse crivo; todos os ensinamentos devem ter uma lógica interna e serem possíveis de compreensão. Assim entendemos como ensinamento se oferece. Olhamos a linhagem, o Lama, Buda, Dharma, Sangha, a vida humana preciosa, a impermanência, o carma, o sofrimento, e o refúgio. Pensamos sobre todos e cada um desses diferentes itens, e os validamos, vendo se fazem ou não sentido. Isto corresponde à etapa do Pensar. Em cada um desses itens, dentro dessa etapa de validar, buscamos também uma referência, alguma citação de um mestre, ou uma referência biográfica, como Patrul Rinpoche, o Dalai Lama, Chagdud Rinpoche, como fizemos em diferentes momentos.
Depois começamos com exemplos, que corresponde à etapa do Contemplar. Suponhamos que eu explico o primeiro desses Quatro Pensamentos, e logo em seguida vamos Contemplar, que significa procurar exemplos de nossa própria vida que justificam ou se opõem àquilo. É um ponto bem delicado. O Contemplar é fundamental, essencial nesse processo. Vejam que recebemos uma instrução, pensamos sobre aquilo e examinamos bem, entendemos e vamos, com aquilo à mão, examinar para ver se funciona. Vemos que em nossa vida tais coisas já aconteceram: será que isso exemplifica ou não o que ouvimos? E olhamos: em minha vida estou passando por tais coisas, e o que estou passando diz respeito à vida humana e à vida humana preciosa? Olhamos e vamos examinando. Examinamos, por exemplo, a impermanência: localizo a impermanência em minha vida? E vemos que a impermanência surge. Existem carmas primários em mim? Há uma diferença entre ouvir sobre carmas primários, e olhar para ver se este carma primário está presente. E vemos que o carma primário está presente. Examino os sofrimentos causados pelo carma primário. Eu já vi este carma primário aflorando e causando sofrimento? Já vi, é visível, e vejo que em minha vida tenho problemas porque o carma primário aflorou e se manifestou. Dessa maneira passamos pelos Quatro Pensamentos que Transformam a Mente, através do Pensar e Contemplar. Mas vamos utilizar um processo cíclico: pensamos, dedicamos um tempo, de dois a cinco minutos, e pensamos se o método faz sentido, como opera, como não opera, nas várias categorias. Por exemplo, a vida humana preciosa, e vamos examinando: onde estou aí dentro? Onde meu filho está? Onde tal pessoa está? Examino, medito de dois a cinco minutos examinando isso. E depois fico em silêncio, repousando por dois a cinco minutos. E novamente passo para o tema seguinte. E vamos indo. Essa é a meditação do Pensar, Contemplar e Repousar.
Examinem o que acontece quando fazemos isso, em uma dimensão sutil. O que acontece quando fazemos isso. O Pensar nos faz gravar o que estamos falando. Não só pego aquilo, com pego e olho de forma que lembro aquilo, analiso criticamente aquilo, não apenas memorizo, mas olho criticamente aquela informação e vejo se faz sentido lógico; há uma base, criticamos, desenvolvemos uma visão crítica, que na verdade produz uma integração da minha estrutura interna com aquele elemento; ouço aquele elemento e se produz uma integração, um desbloquear de minha lógica e a inclusão daquele elemento; é o objetivo dessa parte. A parte do exemplo amplia essa integração, porque agora já estou operando com aquilo, e assim me aproximo de uma abordagem de Guru Yoga. Porque quem falou aquilo foi o Buda e agora eu me aproprio daquele jeito do Buda pensar, e aplico em minha própria vida, tentando encontrar exemplos. Quando começo a girar aquela maneira de pensar e examinar minha própria vida, estou fazendo o que o Buda faria! Na verdade eu estou copiando-o em um aspecto muito sutil, estou copiando a forma dele operar a mente. Vejam que quando o Buda fala, ele fala como uma verdade que está explicando, mas quando me aproprio daquilo como um método de pensar, e começo a usar, estou copiando o método de como ele usa a mente. Essa é uma prática sutil de Guru Yoga. Nem me dou conta: não faço prostrações, não faço preces, não faço nada na forma externa, mas me aproprio do processo como o outro pensa, e começo a aplicar aquilo, a exercitar aquilo, e nesse momento, estou copiando a forma do Buda operar. Estou fazendo Guru Yoga. Com o tempo, essa forma de operar se estabiliza, e no fim eu digo: esta é minha forma de pensar, sempre pensei assim, isso sou eu! Começamos lentamente a nos aproximar desse processo pelo qual o Buda raciocina. Esse é um método muito importante, pelo qual nós, progressivamente, vamos copiando a mente do Buda. As informações deixam de ser apenas externas, pensadas por alguém, e cujo resultado eu tenho, mas passo a dispor do método pelo qual os resultados são produzidos. Entendem a importância disso? É fundamental que eu seja capaz de encontrar esses exemplos. Se eu não conseguir encontrá-los, vou ao Lama e pergunto: Mas isto aqui não está meio torto porque tal coisa assim e assim? E ele nos ajuda a ultrapassar este obstáculo. E seguimos, olhando.
Depois, há uma outra etapa, provavelmente a mais importante de todas, em que ficamos em silêncio. Repousar significa isso, como se eu batesse o sino: Béim! Ouço o sino e o sino cessa. Eu repouso vivo, sem precisar analisar, lembrar, pensar nem contemplar coisa alguma, simplesmente estou vivo. Tenho então um contraste entre a operação de pensar, contemplar e a de simplesmente estar vivo. Essa experiência de estar vivo, praticar a presença, se torna mais nítida, porque há um contraste: estou dentro do Dharma, passando pelos ensinamentos, e paro. Assim reconheço mais facilmente o que é parar, e reconheço mais facilmente o que estava fazendo antes. Há um contraste entre o que eu estava fazendo e o silêncio. E quando retomamos no tema seguinte, nos damos conta: estou fazendo uma ação mental de pensar! Fica mais claro! Dou dois minutos para esse silêncio, e retomo. Leio o tema seguinte, penso sobre ele, que pode ser a impermanência, por exemplo, e vejo claramente que eu estava em uma condição livre, leve, aqueles dois minutos de silêncio. E agora, de novo eu pego um problema, vejo esse aspecto do Dharma, o aspecto construído das coisas, analiso isso, e dois ou cinco minutos depois vou ver os exemplos, me dedicar aos exemplos, à contemplação de minha vida a partir do tema da impermanência. Encontramos isso, e repousamos de novo.
Desse modo entendemos analiticamente cada um dos temas, entendemos de forma vivencial cada um dos temas, passo a dispor de um método pelo qual eu aplico o que ouvi, torno-me capaz disso. E também desenvolvo ciclicamente a capacidade de parar, interromper o que estava fazendo e ficara atento. Por trás destas três operações há uma quarta operação que não é visível de imediato: quando penso, estou dirigindo minha mente, pensando aquilo que está decidido que eu devo pensar, e não estou pensando o que seria uma dispersão. Não estou dispersando minha mente com outro tema, estou naquele tema. Vamos ver que nem sempre isso é tão fácil, pois mesmo tendo escolhido um tema, a mente eventualmente esvoaça, e então treinamos a disciplina da mente. Do mesmo modo, quando vou contemplar, eu penso: que horas são mesmo? Daqui a pouco vai terminar! Acho que estou com sede! (risos!) E começamos a ver direitinho o esvoaçar daquela mente, como ela nos desvia, nos levando para cá e para lá, e eventualmente passam os dois a cinco minutos e não chegamos a entrar na contemplação. Oh, oh! Tenho que fazer de novo! Repouso, volto ao tema, penso, e tento contemplar. Há áreas em que conseguimos avançar, outras em que avançamos menos, e sentimos claramente que há uma liberdade atrás que produz acionamentos. Agora nossa mente começou a ficar obediente, pois se eu tenho uma liberdade atrás, eu produzo os acionamentos, e a minha mente começa a ficar dócil. Essa é a definição geral de meditação: tornar a mente dócil. Torná-la maleável, que ela não responda ao impulso cármico, mas não responda ao direcionamento. Precisamos disso, não precisamos? Precisamos pensar quando é preciso pensar, dentro do tema que precisamos pensar, ter a capacidade de contemplar quando precisamos contemplar, dentro do tema que estamos contemplando, e a capacidade de parar isso, repousar e ficar lúcido, disponível, no ponto em que podemos direcionar para qualquer rumo esta nossa ação. Tecnicamente, Chagdud Rinpoche gostava de definir a meditação desse modo: meditar é domar a mente! Eu prefiro algo mais brando: meditar é tornar a mente dócil ao comando. É domar, não é? Só que domar parece que teremos que laçar, agarrar, amarrar, fazer uma coisa mais violenta. Aqui não! Nós a treinamos nesse processo de docilidade. Junto com esse treinamento da docilidade, sem que eu perceba, há um quinto aspecto que é não responder ao impulso cármico, pois ao treinar a docilidade, eu treino a não resposta ao processo invasivo cármico, que de modo geral atua. Com essa meditação treinamos cinco aspectos: pensar, contemplar, repousar, desenvolvemos a docilidade da mente, e como conseqüência disso tudo, desenvolvemos também a não resposta cármica diante das várias coisas. Chagdud Rinpoche recomendava muito essa prática, muito! Sempre tive a tendência de andar em direção à meditação do vazio, a meditação da natureza última. (Adota tom depreciativo) Todas essas outras são menores! Mas na verdade entendemos isso como um caminho, como um ponto importante.
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R.: Durante um longo, longo tempo, vamos fazer treinamento com foco único, e não um treinamento em que toco flauta e mexo a panela, e atendo o telefone. No cotidiano já fazemos esse treinamento: vemos televisão, respondemos e-mails, atendemos telefone, tudo junto, e ainda falamos com alguém: come! (risos!) Esse modo de funcionamento, quando falamos ao telefone, é cármico. Vemos televisão e falamos, tudo cármicamente. Mas o processo é outro: interrompemos o processo cármico.
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R .: Essa seria uma prática formal, que faríamos de outro modo. Nosso foco não está em responder algo de forma adequada em algum lugar. É um foco analítico, temos que estar em ambiente controlado, fechamos a porta, focando aquilo.
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R.: É uma prática formal. Não é feita no meio de outras práticas. Existem meditações nas quais contemplamos a atividade incessante; podemos fazê-la enquanto fazemos todas as outras coisas, não há problema. Esta aqui não. Sou obrigado a ler um pedaço, obedeço a um tema, é uma prática formal. Não deve ser feita em meio a outras coisas.
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R.: Esse método que estou descrevendo é um método geral, e não estou dizendo que ele se aplica a esse conteúdo e não àquele, pode se aplicar a diferentes conteúdos. E também não estou explicando algum conteúdo específico, estou apenas descrevendo a prática. A prática da meditação, em que podemos tomar os Quatro Pensamentos que Transformam a Mente, e vou olhar a impermanência, o carma, essas coisas. Mas posso aplicar às Quatro Nobres Verdades, ao sofrimento, às causas do sofrimento, à liberação do sofrimento e ao caminho que conduz à liberação do sofrimento. Posso contemplar qualquer um dos itens dos quadros dos 200 ou 240 itens. Dependendo da situação em que estou vivendo, o fato de ter contemplado, encontrado exemplos, tornado isso fácil, torna o ensinamento pronto para ser usado. Quando acontece alguma coisa na minha vida, aquilo está pronto, eu sei encontrar exemplos, pois várias vezes usei a mente que o Buda usava, passei por muitos diferentes exemplos, e quando olho, eu vejo o exemplo. Quando acontece alguma situação prática, ao invés de brotar o aspecto cármico, que é a responsividade, e como no meio da prática eu também já trabalhei com essa responsividade, ao invés dela brota uma lucidez, e eu falo: O Buda diria que, parará, parará, parará! Enquanto digo “O buda diria que...”, minha ação já é diferente. É um aspecto de pronto socorro que começa a acontecer. A pergunta que essa meditação vai responder é: como transformar o ensinamento do Buda em algo vivo em minha vida? A resposta é essa: em primeiro lugar, pegue o que o Buda diz, que inclui todos e qualquer um dos quadros dos 200 e 240 itens, olhe e critique. Olhe criticamente. Depois contemple, e veja exemplos a favor ou contra aquilo. Ao ver exemplos, você está copiando a mente do Buda. A mente que encontra exemplos, que é capaz de entrar no cotidiano e apontar, é isso! Estamos nos apropriando de um processo de pensar, que o Buda usava. Estamos nos assenhoreando da mente do Buda! Pouca coisa! (risos!) E então repousamos, e ao fazê-lo nos apropriamos da base da mente do Buda, que é o silêncio. Retornamos e vamos treinando isso. Fazemos cada um desses itens tornar-se vivo, e passamos para a contemplação de outros dois efeitos que ocorrem junto. Com esses três aspectos eu me aproprio dessa mente, e vejo que há ainda o aspecto de não responsividade que surge, a docilidade da mente, ela torna-se dócil. Teremos a sensação, ao colocar o olho na almofada, que a mente fica na almofada. Ela está lá, não está em outro lugar, loqueando. Pá, é aquilo! Aquilo está ali, e é intenso! A mente fica como se tivéssemos saído de um fusca e entrado em um Audi: ZUM! (risos!) Temos a sensação de que agora, enfim, a coisa melhorou! Houve um “upgrade”! Saímos de um XP e entramos em um computador poderoso, como a BSL, em que apertamos um botão e tchum, tchum, tchum! Temos essa sensação!
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R.: Mas esse processo, em que a gente aprende a olhar aqui, depois olhar para lá, e depois vir para cá, e depois produzir isso, e tem lucidez, a mente torna-se dócil, o que é uma grande coisa. E a responsividade é substituída por esse direcionamento livre. Vamos ver a memória melhorar e várias coisas se organizarem. Pensamos: estou ficando velho, e começa a melhorar. Bá, se na minha juventude eu tivesse essa mente, aprenderia tudo rápido. Perdi tempo! Olhamos para a mente das crianças no colégio, e dá pena; eles perdem muito tempo, são torturados. Levam cem vezes mais tempo do que precisam para aprender as coisas. Esse aspecto é muito útil, muito útil, e além do mais, aprendemos a copiar a mente do Buda. Vamos fazendo isso, e olhando os alunos, e eles vão melhorando, rapidamente, é impressionante ver isso, vão mudando muito rápido. Isso é o pensar, contemplar e repousar. É só um método. O que vamos usar para pensar, contemplar, repousar? Vamos usar todo o quadro dos ensinamentos, tudo o que nós falarmos, vamos submeter ao pensar, contemplar, repousar. Se estiverem lendo um livro, podem usar este método. Pá, este livro é importante! Representação Mahamudra, por Jamgon Kongtrul Rinpoche III, apresentando os ensinamentos básicos de Mahamudra a partir de Jamgon Kongtrul I! Pááááá! Que maravilha! Aí tem uma frase! Paro e olho! Olhem isso, vejam se aquilo faz sentido, entendam o que ele está dizendo, vejam se faz sentido, encontrem exemplos, e repousem. E passem para o item seguinte. É um roteiro maravilhos, vamos copiar a mente do gerador do Mahamudra. Não vamos entender o Mahamudra, vamos copiar a mente de quem falou o Mahamudra! Coisa pouca! (risos!) Processo poderosíssimo. Mas usem sempre um processo crítico junto. Ele nos previne de copiar a mente do ........Estamos dentro de uma mandala de Cultura de Paz, e ao detectarmos alguma coisa, dizemos: Está aqui, ó! Aqui está o furo! A motivação está incorreta! A gente localiza! Por isso é importante a postura crítica! Não estamos ali para simplesmente aceitar. Essa postura crítica também nos ajuda também a analisar classes de ensinamentos. Vem o Buda e diz: Todos os seres estão submetidos ao sofrimento. Abrimos parênteses: desde que não entendam a natureza ilimitada, fecha parênteses. Ops, deixe-me abrir de novo: mesmo não entendendo a natureza ilimitada, estão a salvo do sofrimento, em sentido amplo, fecha parênteses. Abre os parênteses de novo, e continuamos a comentar. Essa é a razão porque isso é chamado de ensinamento provisório, não é um ensinamento definitivo, fecha parênteses. Abre de novo: por isso, o Prajnaparamitta diz: não há sofrimento, nem causa do sofrimento, fecha parênteses. (risos!) Deixe-me abrir de novo: eu não gosto disso! (gargalhadas!) Mas o Buda falou aquilo, e já estamos achando o Buda meio limitado! Porque há outros ensinamentos do próprio Buda, em que já pensamos contemplamos e repousamos, que produzem essa visão que entendemos como uma visão mais ampla. Abre parênteses: para muitas pessoas isto pode ser útil, fecha parênteses.(mais risos!) E em cima de uma frase já escrevemos meia página de comentários. Esses comentários começam a surgir, pois já temos outra mente que se gerou e está olhando.
P.: Como aceitar a aparente falta de lógica, como no caso de Milarepa, que construía e tinha que destruir tudo de novo?
R.: Por isso é necessário o Lama. Milarepa deveria ter feito prostrações para o Marpa, e dito: Marpa, e aí, já estou no quinto prédio, que método é esse, podia me explicar? Pode ser que com essa Marpa já passasse a usar outro método. É melhor não competir com o mestre, coisa que Milarepazinho tentou. Tentou estourar a fita, fazer melhor do que o mestre pedia, para provar que ele podia. Não é um bom método, o bom método é pensar que estamos juntos. Se não temos um bom método, o mestre fica impaciente conosco, e aquilo vai indo, e vamos colhendo dissabores, que se tornam a conseqüência natural desse processo.
Sempre que há esse processo onde o discípulo tenta se metamorfosear, o mestre cala a boca e deixa-o experimentar. Se o mestre explica, ele adota a forma, externamente, mas não muda. O mestre tem que deixá-lo se quebrar, pois não há Guru Yoga. Ele está tentando enganar, e não vou ajudá-lo a enganar.
P.: Não pode haver a compaixão e não deixá-lo se quebrar?
R.: Não há outro método. A compaixão dele é não mandar o outro embora. Mantém a relação, estão juntos. Quando ele se dá mal, como Milarepa, no fim há um momento em que aquilo vai eclodindo, o mestre transfere para Maharaja, o mestre não tem meios hábeis, a não ser a paciência no limite. Em alguns casos, os mestres transferem méritos. O aluno não pode nem ficar ali, pois está perturbando os outros. E o mestre transfere méritos, e diz aos outros: olhem o que está acontecendo, tenham paciência com ele. Ele salva o outro. Com o tempo as pessoas se perguntam porque ele protege aquele e não a nós, está gastando muito mais tempo com o outro, que conexão ele tem com o outro? Se ele me desse essa atenção eu estaria longe. E o mestre começa a enfrentar a sublevação. Mas ainda assim ele diz: se eu deixá-lo ir, ele irá para os infernos. Explica a todos, mas estão com uma cara assim, reagindo carmicamente. Às vezes acontece de não poder-se mais manter o aluno, e organiza-se um outro lugar, um outro espaço para onde mandá-lo, onde ele vai andar melhor. É a transferência de méritos. O mestre tem méritos, o mestre tem reconhecimentos, tem méritos, ele é confiável, ele diz aquilo e os outros aceitam, mesmo que não estejam entendendo. O mestre leva isso ao limite. Os tibetanos dizem que há os domadores de corsas e os domadores de ursos ou de leões. Há os que treinam corsas, é fácil, treinam gatos, cachorros, é fácil! Os maiores mestres não estão cercados de cachorros, gatos e corças. Estão cercados de leões, tigres, ursos. Os alunos são todos perigosos. Esses alunos perigosos vão se dando mal aqui e ali. De repente passam ali, e vêm que começa a funcionar alguma coisa. Quando entrarem em uma sangha, olhem para os alunos: se são todos pacíficos, direitinho, o mestre é um domador de corças; se os alunos são furiosos, perigosos, é um domador de leões. Às vezes nos enganamos, pois encontramos alunos indisciplinados, terríveis, e achamos o mestre médio, e fazemos um mal pensamento. Mas precisamos entender que os casos mais graves estão ali. Chagdud Rinpoche era desses. Mestre de tigres, leões e ursos. Eu vi algumas vezes.
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R.: Vamos passar também nestes dias pelo PrajnaParamitta. Em certo sentido, quando eu comentava hoje o Sutra Surangama, eu estava lembrando: isso é o PrajnaParamitta. Quando estamos trabalhando o aspecto tântrico da forma, estamos trabalhando com o PrajnaParamitta: Oh, Ananda, você ouve? Ouço. Oh, Ananda, você não ouve? Como você não ouve? Ele está introduzindo o processo pelo qual ultrapassamos as aparências. Esse é o PrajnaParamitta. Com o PrajnaParamitta, o mantra do PrajnaParamitta, podemos usar para tratar desses vários temas. Chagdud Rinpoche estava em um ambiente Vajrayana, no qual tudo se repete e se resolve com mantras e deidades. Nós estamos em um ambiente Mahamudra ou Mahayana, Mahayana Tantrayana, o ambiente do PrajnaParamitta, no qual compreendemos a vacuidade e a luminosidade. Esse é o aspecto que dissolve.
Também usamos o método dos 12 elos da originação interdependente para dissolver, porque aquele é um mecanismo detalhado de trabalhar com a vacuidade. Dividimos em 12 itens e trabalhamos a vacuidade de cada um deles. Vamos até a ignorância, que é o primeiro, dissolvemos no sexto que é a nossa conexão com o corpo, trabalhamos com a obstrução da mente, reconhecemos a natureza não obstruída da mente. Esse é o processo do PrajnaParamitta ao nível dos 12 elos em detalhe. Qualquer esperiência pode ser decomposta com os 12 elos. Percebemos que do 12o. surge o 11o, que surge do 10o., e assim retornamos.
Podemos também fazer como o Carlos estava sugerindo, entrando em um por um dos 12 elos, e pensar, contemplar, repousar. Cada um desses itens dos ensinamentos precisariam ser passados pelo pensar, contemplar e repousar. Vejam que do ponto de vista de Guru Yoga, estamos pegando o conjunto dos itens que o Buda explicou, e nos assenhoreando de que podemos utilizar aquilo, encontrar exemplos, focar. Dentro das várias situações, conseguimos localizar e explicar aquilo a partir disso. Isso é muito poderoso, muito poderoso. Vamos precisar, dentro do treinamento, mais oportunidades práticas de enfrentar essas dificuldades, que é a própria vida, que nos oferece essas oportunidades. Em retiros fechados, as diferentes práticas estão nos desafiando também: prática da cozinha, prática de cuidar do mestre, de levantar pela manhã, de dormir, de tomar banho; seja o que for, começamos a tornar aquilo a experiência dos 12 elos, todos esses itens. E quando estamos na vida, ela nos oferece muitas diferentes oportunidades, intensas.
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Ao olharmos isso, não pensemos que é uma prática introdutória, ela é poderosa e deve ser olhada como Guru Yoga. São cinco práticas: pensar, contemplar, repousar, tornar dócil a mente e não responsividade.
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R.: Há dois aspectos na sua pergunta. O primeiro diz respeito a se nós, com uma lógica comum, podemos efetivamente criticar um ensinamento que está diante de nós. O outro diz respeito à intuição, se ela é válida nesse contexto, e como ela se coloca. São esses os dois temas da sua pergunta.
Eu acredito que efetivamente, dentro de uma perspectiva linear, nós não conseguimos uma crítica suficientemente clara dos ensinamentos, mas esse fato nos leva a um processo de dúvida, que por sua vez nos leva a perguntar a um mestre, que saberá como encaminhá-la, e encontraremos um meio de ultrapassar as dúvidas e dificuldades. Isso funciona dentro do processo discursivo. É importante observar que esses ensinamentos estão na categoria dos ensinamentos lógicos, não estão em outra categoria, como aquele que eu descrevi que o mestre do Moriyama Roshi dava ensinamentos a ele: corte o legume! Corte velozmente! Não está dentro disso, é uma outra forma. É um ensinamento Mahayana, onde o processo discursivo está sendo usado.
A intuição pode entrar de duas maneiras. Em primeiro, ela pode ser o surgimento de um aspecto cármico, que está aflorando e eu não consigo localizar o mecanismo. Ou seja, podemos nos enganar, e a intuição não ter um processo claro. Por outro lado, no sentido dos ensinamentos do Buda, a intuição está mais próxima do que chamaremos de sabedoria dos tertons, que são capazes de ver os ensinamentos em meio ao mundo, onde ninguém vê. Dizemos que eles são capazes de ver os tesouros escondidos. Temos as coisas que o olho comum vê, e os tertons, que vêm o ensinamento do Buda. Como aquilo não brota de uma forma lógica, não está brotando de um processo em que dentro do próprio mundo vou chegando a conclusões e vejo certas coisas, dizemos que eles vêm os tesouros escondidos. Os tesouros escondidos podem estar em vários lugares. Muitos deles vêm tesouros escondidos no espaço. É como se todas as manifestações tivessem um aspecto oculto que não estamos vendo, e esses mestres vêm. Acredito que isso esteja mais perto de uma sabedoria natural, e os mestres taoístas, no Zen especialmente, e também no Vajrayana, no Dzogchen, Mahamudra, quando usam uma linguagem simbólica, trabalham com esses aspectos. Isso se expressa através de uma linguagem poética, indireta, não de uma linguagem analítica. Esses mestres vêm dessa forma. Mas a palavra intuição às vezes é introduzida quase como se fosse uma canalização. Esse processo não é descrito no Budismo: uma outra inteligência diz para mim o que eu devo fazer. Uma intuição desse tipo não é visto como algo que deveríamos buscar.
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R.: A intuição está ligada ao nosso repouso onde os Budas vêm tudo claro, e a clareza da visão se oferece sem precisar de origem causal. E ainda assim, não é um processo misterioso como pode parecer enquanto eu digo. Para os mestres não há nada misterioso.
Há um tipo de intuição que é simplesmente o fato que a minha visão não alcança o processo condicionado que a está gerando. Tanto que minha visão não alcança isso, eu vejo aquilo brotar e na verdade tenho um pensamento cármico por baixo. É possível testar isso: ao vermos um filme, brota uma lógica por trás de nossa mente que começa a operar, e dizemos: aquele cara vai matar o outro! E nunca havíamos visto o filme! E o cara vai lá e mata! Pá! Era evidente que ele ia matar! Temos uma projeção para a frente! Não podemos dizer que isso é uma intuição no sentido amplo, porque, em primeiro lugar aquilo não é real, é um filme. Em segundo lugar, aquilo já foi filmado há muito tempo. Eu não tenho acesso, e não sei, mas muitas pessoas já sabem, e não é uma coisa que vai acontecer. Ela está em um ambiente em que parece que vai acontecer. Vemos que dentro de um ambiente de sonho que é o filme, aparecem intuições, que são a operação oculta de uma área cármica; tudo que opera dentro do filme é cármico, não há nada real, mas temos intuições; é um processo condicionado que se revela, um processo condicionado que está operando oculto; assim, por trás da palavra intuição há muitas diferentes coisas, e o que as torna todas próximas é o fato que não conseguimos traçar sua origem; a intuição corresponde a algo que brota auto explicado, não conseguimos encontrar sua origem; algumas destas manifestações são lúcidas, e outras não. Algumas pertencem a reinos específicos: lembro-me de uma pessoa que veio me visitar porque tinha sonhos noturnos assustadores, não conseguia dormir, tinha pânico. Contou-me que havia sido um agente americano infiltrado na Coréia, e fez muitas operações de guerra, não de guerrilha, mas de operações especiais, e matou muitas pessoas. Antes de fazer a operação ele sonhava, ele usava este método, ele sonhava com tudo, com todas as alternativas, e quando ia exercer aquilo, tudo acontecia rápido, tudo ia muito bem. Ele tinha uma visão, uma premonição, uma intuição, de que qualquer coisa funcionaria, e que isto deu muita eficiência para ele. É um processo de intuição, e naquele momento ele achava vantajoso, mas estava acessando regiões do reino dos infernos, fazendo ações terríveis. Não só ele acessou, captou carmicamente aquela região, como ficou marcado pela sua presença. Depois quer sair da região e não consegue, fica sonhando e tendo medo, aflições. Esse processo de intuição é cármico, é interessante vermos isso. Os orientais, no meio dos filmes, trabalham com isso, com uma comunicação não verbal: por exemplo, estão sentados aqui, o outro saiu e foi para tal lugar, eles se colocam carmicamente na condição do outro, e vêm o que o outro fez, e dizem, vamos por aqui que lá encontraremos o outro. Isso em meio a operações de guerra, e o menor movimento é observado carmicamente, pá, pá, pá, pá, pá, tudo isso é uma intuição, que produz uma certeza, que produz uma ação, mas em um âmbito em que não a consideraremos como algo sábio, pois está operando carmicamente presa aos reinos. Essa intuição cármica pode existir, ela existe realmente, mas não é a intuição dos mestres, que é uma outra coisa. Digo isso para podermos guardar alguma distância.
P.: Em outras tradições há praticas preliminares de preparação do corpo, por exemplo, antes da meditação, e aqui vejo que vamos mais direto. Há algum inconveniente de fazer estas preparações e entrar na meditação budista? Ou existem práticas budistas de preparação para a meditação?
R.: O que acontece é que estes ensinamentos que estamos olhando estão todos em uma categoria mais sutil. Mas no Budismo há nove yanas, e estamos olhando a sétima oitava e nona, mais ou menos, eventualmente olhando na perspectiva da nona yana, que é o processo mais rápido. Mas podemos fazer as yanas anteriores, em que poderemos preparar o corpo, com atividades muito parecidas com hatha yoga, yoga de canais, yoga de chacras, que são todas consideradas yogas preliminares; enquanto uso o corpo nesses processos, o corpo ganha densidade, e quando começo a meditar mentalizo os canais, ventos, chacras, e vejo que estão todos ali. Esta coisa de vacuidade não é bem assim!(risos!) Mas enquanto trabalhamos com canais, chacras, ventos e gotas, vamos terminar compreendendo a vacuidade de um a um desses processos, que é uma das yogas budistas. Mas se formos pelos processos que estamos vendo hoje, iremos mais rápido. As demais práticas são todas formais, e é melhor sair do cotidiano, entrar em retiro, e fazêlas. Pois, se temos horários, telefones, pessoas dentro de casa, filhos, estou no lufa-lufa, e fica difícil fazer aquelas práticas; temos que cortar o cotidiano, e ficamos com a sensação de amargor e corte; assim, as práticas preliminares todas têm também suas contraindicações; esse corte pode produzir um auto centramento: primeiro eu! A compaixão é mais difícil de entrar quando estou operando com um corte, pois sou obrigado a dizer: agora, eu! O processo de relação é cortado, e por isso é melhor fazer estas práticas em retiro!
P.: Mas quando há motivação pela liberação de todos os seres, não haveria problema, não é?
R.: Mas se uma criança bate na porta, você diz: pode entrar! E aí você não faz a prática! V. pode dizer: fique aí! Podemos ter motivação e compaixão pr todos os seres, mas naquele momento, ou acolho ou não acolho. Em muitos momentos vamos encontrar esses limites, mas há práticas nas quais a relação é a própria prática, e então estabelecemos menos limites. As práticas formais são para a madrugada, mas quando v. vai se levantar sua esposa diz: vem cá, meu bem! (risos!) Oh, oh, não é este o Buda que eu estava esperando! (risos!) Podia estar lá com o Buda, tranquilo, mas estou aqui! Para minha saúde nem é bom, podia estar lá, respirando, estirando, mas tudo bem! (risos!) Surge essa sensação de que sozinhos não nos elevamos, brancos e brilhantes no céu! E com alguém vamos mais ou menos!
P.: Se nos recolhermos para a prática, isso pode ser um mau carma?
R.: Se é bom ou mau, vamos ver após a separação! Pode gerar um problema de relação, especialmente se começarmos a achar que estamos em um ambiente meio difícil.
P.: Isso se a outra pessoa não está na mesma filosofia!
R.: É a mesma filosofia, porém, qualquer porém , por exemplo, um faz prática à noite e outro de manhã (gargalhadas!0, ou podem chegar à conclusão que há muito tempo não conversam! Há muito tempo só pensam no Buda, e a relação está ficando meio estranha!
(risos!)
P.:
R.:
P.:
R.: É importante fazer essas práticas. Houve um tempo que fazíamos yoga aqui. Achamos importante, pois melhora a condição do corpo. Lá no Caminho do meio, fazemos duas vezes por semana, eu mesmo conduzi várias vezes e parei porque meu tempo está muito curto.
P.: Então, há uma complementação. Estamos querendo fazer algo sutil, e falta algo estrutural, do corpo, e parece que estou usando a ferramenta errada, só tentando meditar na posição, mesmo que doa, e parece que não vou sair disso.
R.: Acho bom fazer yoga. Não estou fazendo porque a situação está grave. Mas precisamos preservar o corpo.
P.:
R.: Há muitos diferentes processos, não precisamos usar o que estou usando; há uma diversidade de métodos muito bons.
P.:
R.: São várias yogas de deidades. Não é essa a classificação.