Conteúdo
Este é um material transcrito a partir de ensinamentos orais de Lama Padma Samten. Ele é usado exclusivamente para apoiar os estudos e práticas dentro da sanga, pedimos não reproduzir em outros sites. O material está em constante revisão e melhoria; quaisquer erros encontrados são devidos às limitações das pessoas envolvidas na transcrição e na edição, e serão corrigidos assim que possível.
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Tabela de conteúdos
- Os 5 Lungs do Caminho do Bodisatva
- INTRODUÇÃO
- PARTE UM
- PARTE DOIS
- PARTE TRÊS
- PARTE QUATRO
- O Jogo da Vida
- “Jogando” com lucidez
- Identidade e as deidades Vajrasatva e Chenrezig
- A identidade como energia - a sua gênese
- O Lung da Coemergência
- O reino da indiferença
- O nascimento da solidez – assim brotam os “bambus”
- Como se libertar? Entendendo como o samsara nos pega.
- O que continua?
- A roda da vida e a compaixão
- PARTE CINCO
- PARTE SEIS
- Prajnaparamita
- Vacuidade do “eu” e do “outro”
- Noção das inteligências - as deidades
- Os aspectos Sambogakaya, Nirmanakaya e Darmakaya
- A coemergência dos cinco skandas – mestre da ilusão
- Prática: meditação do prajnaparamita
- Liberando pelo riso
- A fuga pela doença mental
- Budismo e culpa
- Continuidade da pratica do darma
- A sanga e a terra pura
- Canais de energia
- As orações e o budismo
- PARTE SETE
- Consolidação da pratica dos 5 lungs
- As práticas dos 5 lungs e a prajnaparamita e a utilização dos quadros dos 240 e 200 itens
- O quadro dos 240 itens, os lungs e a consolidação do “eu”
- O processo dos lungs até a liberdade
- Tsog - a prática de sensorialidade com o mudo
- Samsara - prática da sabedoria primordial
- A reação da mente numa crise psiquiátrica – a “loucura” do samsara
- Meios hábeis
- Assim como os bodisatvas
- O sexto elemento – jnana e a construção do samsara
- EPILOGO
Os 5 Lungs do Caminho do Bodisatva
Lama Padma Samten
Transcrição Retiro nov/2010
Araras-Petrópolis-RJ
Transcrito por Claudia Ferreira
INTRODUÇÃO
A flutuação dos temas dentro do CEBB
O Vajrayana e O Mahayana
Quando olhamos este tema, os lungs, podemos ter a tendência a imaginar o vajrayana direto. Não se tem falado muito sobre vajrayana e mahayana, que era uma conversa constante no CEBB .
Houve um tempo no CEBB que era constante também uma outra conversa: a diferença entre o budismo tibetano e o zen. Agora parece que isso passou de moda. Esse ponto do vajrayana e do mahayana pode retornar porque no mahayana de modo geral não vemos menção a lung.
Lung é um atributo das deidades, isto está incorporado dentro de uma visão mahayana. Também é importante entendermos como que, enfim, o mahayana se coloca numa diferença com o vajrayana, que são métodos. Vajrayana é uma subsecção dentro do mahayana, poderíamos olhar assim. Mas em geral não olhamos assim, olhamos como caminhos distintos. Aqui no ambiente aonde andamos, no ocidente e em alguns lugares, nós vamos ver o mahayana e o vajrayana como caminhos distintos. Eventualmente até competitivos. Muitas pessoas vão dizer:
”Ah! O mahayana é inferior. O vajrayana sim, é alguma coisa”.
Mas vocês vão ver grandes mestres, grandes professores que são grandes mestres também, lembrando que o mahayana e vajrayana oferecem o mesmo resultado. O que pode acontecer é que o vajrayana tenha alguns métodos diferentes, mas eles pertencem ao mesmo universo de compreensão. Então o que vai acontecer é que podemos imaginar que existem vários métodos, dentre eles o próprio vajrayana, o qual irá surgir como método.
Começarmos o estudo por este tema é para elucidar sobre a questão da sabedoria primordial, que por sua vez é uma expressão que não pertence nem ao vajrayana e nem ao mahayana. Essa expressão pertence às linhagens da Grande Perfeição. No entanto, a noção de sabedoria primordial, pelo mahayana, nós vamos perceber que todo o mahayana brota da sabedoria primordial. Então, na verdade, essas várias linguagens estão juntas. Então o ponto central para nós é a questão da sabedoria primordial. Tudo o que brota da sabedoria primordial, no nível de compreensão, pertence ao mahayana. Não tem limite nisso.
Então o método essencial do mahayana vai ser usado sempre, que é sentarmos em silêncio. Através desse silêncio, localizamos a região não construída que vamos chamar de natureza da mente. Dessa região não construída que é a natureza da mente, ao olhar para as múltiplas manifestações, nós entendemos como elas surgem sob causas e condições.
Essencialmente esse é o processo pelo qual o darma do Buda brota e é falado. De um modo geral quando isso acontece, todo o aspecto discursivo é chamado de mahayana. SS Dalai Lama vai enfatizar a importância de podermos olhar para todas as coisas e entendê-las. Vai dizer também que o ensinamento que não for possível ser olhado e ser entendido, não está devidamente validado; porque todo o ensinamento para ser validado, precisa ser compreendido. Precisamos olhar, ver aquilo e então aquilo pode ser validado. Se não podemos olhar e reconhecer aquilo, não há uma validação. Nesse sentido não precisamos aceitar nenhum ensinamento sem a possibilidade de validá-lo. Não vamos aceitar nenhum ensinamento porque alguém diz aquilo, nós precisaríamos ser capazes de penetrar e chegar ao lugar aonde o outro viu, então nos vemos e validamos. Esse é o processo. Isso é o mahayana.
Daí vem uma região curiosa. É uma região que ela não é propriamente discursiva, que é a região do lung. Uma região que na linguagem da Grande Perfeição está ligada a energia primordial. Então temos a sabedoria primordial, nós temos a energia primordial. Mas como nós dizemos o que está ligado à energia primordial? Esse é o mesmo olho que valida, não é um olho que não está vendo o que ouviu, é um olho que vai até este lugar silencioso e vê a energia primordial se movimentando. Então quando estamos falando deste modo também é mahayana, por isso o lung quando vai ser olhado, também é mahayana.
PARTE UM
O RECONHECIMENTO DA ENERGIA SUTIL
O mahayana
Nankai Norbu Rinpoche diz que “todo ensinamento é dzogchen, mahayana não existe; o mahayana é menor, é inferior”. Nós podemos dizer assim: ”Todo o ensinamento é mahayana”, porque cada vez que silenciarmos nessa natureza primordial e olharmos qualquer forma, brota uma sabedoria. Essa sabedoria corresponde a esse grande caminho de lucidez. Daí vocês vão encontrar o criador do mahayana: Nagarjuna! No zen, Naiguiarajuna Daio Sho, Nagarjuna! Ele é um mestre mahayana, mestre do caminho do ouvinte, mestre vajrayana, mestre dzogchen. Ele é citado em todas as linhagens e é fundador da linhagem ningma junto com Guru Rinpoche. Então se diz que a linhagem ningma brota de Nagarjuna e Guru Rinpoche. Quando então nós olhamos este ensinamento, vamos perguntar a Nagarjuna o que ele viu. Nagarjuna sentou na natureza primordial e viu a sabedoria primordial brotando! Ele tinha esse acesso.
Quando as pessoas olham para ele com olhos do dzogchen, veem ele lá; quando olham com olhos do mahayana discursivo, veem ele lá, quando olham com olho do vajrayana, veem que ele estava lá também! Então ele estava lá nestes lugares todos. A mente dele, com certeza, não está dividida em secções. Porque não existem estas secções. As secções existem na mente das pessoas quando estão vendo caminhos. Existe a mente de lucidez. Nagarjuna acessa essa mente de lucidez e ela gera o aspecto discursivo todo, gera as palavras todas que manifestam mahayana e seus métodos todos.
Os métodos mahayana estão ligados a acessar da forma mais rápida e mais direta a sabedoria primordial, ou seja, nós sentamos e fazemos isso!
O aspecto místico do mahayana
Então quando olhamos deste modo, sentamos e olhamos para isso, é como se o aspecto místico desaparecesse. O aspecto místico é algo falado por alguém que vê e nós não vemos, e aquilo funciona, mas eu não sei como! E aquilo vem de uma região que eu não suspeito qual seja. No budismo não existem estas regiões. Nós podemos entrar em todas as regiões. Isso é a validação de que o processo de lucidez penetra em todas as regiões. Esta é a base do mahayana. Mas essa é a base da grande perfeição também. Então quando vamos olhando tudo isso de modo mais e mais sutil, sempre podemos converter qualquer manifestação de qualquer ensinamento de qualquer linhagem budista ou não budista, vamos converter tudo isso em mahayana, nós vamos poder penetrar lá e ver se aquilo é possível validar, ok! Se não é possível validar... Vejam, mas nós podemos ver muitas diferentes coisas. As coisas que podemos ver não estão limitadas à mente cognitiva, esse é um ponto importante. Por exemplo, dentro do vajrayana, vamos usar aspectos que não são cognitivos, e também dentro da Grande Perfeição, vamos usar aspectos que não são cognitivos. Então entre as experiências que nós vamos olhar de modo não cognitivo está em lung.
Na Grande Perfeição nós vamos olhar outras coisas que não são cognitivas, mas nós terminamos desenvolvendo este olhar. E quando desenvolvemos este olhar de reconhecer tudo isto, convertemos tudo isto para o mahayana. Aquilo tudo é mahayana aquilo tudo está incorporado, porque estou olhando para algo como alguém que olha e consigo ver como aquelas manifestações surgem. Aquilo brota como brota. Então nós não vamos encontrar dentro do budismo, por exemplo, nenhuma construção que seja autônoma porque o aspecto primordial é vacuidade, não é uma construção. Então não importa se vamos andar por dentro do varjrayana ou por dentro do caminho da Grande Perfeição, tudo vai retornar ao ponto básico do mahayana que é a vacuidade como o absoluto.
Por exemplo, quando fazemos contato com o vajrayana, muitas vezes nos assustamos um pouco porque nós encontramos muitas diferentes deidades. Eu me lembro bem a feição de Moryama Roshi, quando fomos visitar o Gonpa pela primeira vez, e eu acho que ele não conhecia isso, vimos as paredes cobertas com as deidades, Moryama Roshi, muito engraçado só dizia: “Hum, hum, Oh. Oh, Budas!” Ele só conhecia um Buda! Para ele Buda é o Buda Sakyamuni . Mais adiante as deidades femininas com o busto à mostra: “Hum, budas!”. Eu só conheço vacuidade, vacuidade...”. As deidades com consorte: “Hum, budas!”. As deidades iradas: “Hum, budas!”. Isso é muito interessante!! Nós temos um Buda, e esse Buda, quando aprofundamos, vamos encontrar este Buda como manifestação da natureza primordial. Esse Buda é uma manifestação, é um nirmanakaya. Esse Buda é uma manifestação, é um nirmanakaya da natureza primordial, senão, não é um Buda. E nós começamos a encontrar muitos diferentes budas. Nós ficamos com uma pequena dúvida: será que esses budas existem e aonde? E sendo budas com certeza existem!? Então isso desenvolve uma sensação de um aspecto místico. Então há um panteão de budas em algum lugar. Por isso é muito importante entender que o vajrayana, que tem esse panteão de budas, e o vajrayana está dentro do contexto do mahayana, ou seja, todos estes budas são vacuidade também. Já entramos com um antídoto. É assim, entramos no âmbito dos budas com um saquinho de dentes de alho! Aquilo já vai garantido! Qualquer problema mostro o dente de alho e digo “vacuidade!” Daí a deidade se dissolve. Essa é uma realidade do vajrayana, as pessoas podem desenvolver uma ideia ruim, porque há uma sensação que em algum lugar há algo olhando para nós que irá fazer alguma interferência. Então se pode olhar para as deidades com esse olho. Aliás, provavelmente esta é uma das vantagens do vajrayana, é que ele “ nos pega por aí” e depois dissolve isso, dissolve este carma.
O lung e a superação do aspecto cognitivo: a vacuidade “direta”
Mas aqui estou examinado a dissolução deste aspecto místico que aparece também. Daí nós temos os ensinamentos da Grande Perfeição, nós olhamos e há uma característica muito interessante. Mas antes, completando o aspecto das deidades, existe o lung das deidades nos produz a sensação de existência. Existência da deidade, existência da deidade em nós. Então ele toca um ponto muito importante.
Na verdade, nesta introdução, estou abordando de um aspecto mais amplo para depois entrar nos aspectos mais específicos. Estou buscando validar o processo de conhecimento do mahayana, olhando todas essas coisas como pertencentes, condicionadas ao processo de validação do conhecimento que é o processo do mahayana.
Então o lung, de um modo geral, não está incluído dentro daquilo que vamos chamar de mahayana, mas está dentro do processo de validação que usamos no mahayana, então está incluído no mahayana. No caso do dzogchen, um dos aspectos mais interessantes é também a superação do aspecto cognitivo. Tanto no vajrayana quanto no dzogchen vai se falar nisso, vai se trazer esse mérito da superação do aspecto cognitivo. No dzogchen vai se falar das luzes, das cores.
Nós poderíamos olhar no mahayana, dentro do processo do Sutra do Coração e perceber que usamos uma elaboração cognitiva. Vamos desmontando as aparências através de um processo cognitivo. Neste caminho vamos raciocinando sobre aquilo e desmontando as aparências. Mas chegamos num ponto em que podemos dizer que “forma é vacuidade, vacuidade é forma. Forma nada mais é que vacuidade, vacuidade nada mais é do que forma. Do mesmo modo sensação, percepção, formação mental e consciência são todos vacuidade”. Então isso brota dessa vacuidade.
E quando amadurecemos dentro disso, não precisamos mais primeiro olhar a forma para depois ver a vacuidade, não precisa ser consecutivo, isso pode ser o fenômeno da forma na vacuidade. Estamos transitando em direção a grande perfeição, quando não precisamos mais olhar de forma consecutiva, desse modo: vejo a forma depois vejo a vacuidade, vejo a forma depois vejo a vacuidade. Aqui, não preciso do processo analítico, eu vejo a forma e já sorrio pra vacuidade inerente a ela, sem precisar raciocinar. Porque de tanto olharmos as formas como vacuidade, já estamos vendo como esse processo se produz, especialmente porque vamos reconhecer que a forma ao surgir como forma e justamente porque surge como forma, ela é vazia.
Entendemos o processo do surgimento da forma como uma discriminação da nossa própria mente. Nós olhamos pra forma e vemos a nossa mente discriminando aquele processo, entendemos o processo e então praticamos. Daí a forma como aparece em si mesma, eu não preciso responder primeiro de modo causal a ela, eu não preciso vê-la operando de modo comum dentro do samsara e raciocinar que ela contem os atributos que se vê nela, até o ponto de entender que existe uma dimensão cármica operando no alayavijnana, daí uma natureza livre olhando através daquilo, finalmente, vemos a forma. Precisamos raciocinar assim: eu vejo na forma a vacuidade e quando estamos olhando na forma a vacuidade, podemos entender que na impressão sensorial: forma, sensação, percepção, formação mental e consciência, a percepção mesmo, aquilo que eu vejo, com aquela cor que eu vejo, aquele cheiro que vejo, qualquer aspecto dos sentidos físicos que eu veja aquela manifestação, ela manifesta a vacuidade. Daí quando reconheço que aquilo manifesta a vacuidade, é porque reconheço que aquela aparência está brotando através da luminosidade. E quando vejo aquilo brotando através da luminosidade, aquela “cara” que aquilo tem, eu vejo que as cores também são assim, as luzes, as paisagens também são assim, as mandalas também são assim. Então o mundo fica completamente mágico. Só que não é um raciocínio de que ele e mágico. Com os próprios olhos, com a mente discriminativa, com o olho físico ou sem olho físico, nós vemos isso operando daquele modo. E nós acessamos o processo que o dzogchen irá valorizar, irá considerar como atributo dele.
E quando vocês olharem isso podem perguntar onde estão as deidades dentro do dzogchen? Dentro do dzogchen não estamos olhando deidades, estamos vendo outro aspecto. O que estamos fazendo aqui agora? Estamos parados contemplando estes processos todos, isto é mahayana. Todo esse processo, seja do mahayana, seja do vajrayana dzogchen, eu posso traçar com essa mente de sabedoria silenciosa que observa como as coisas surgem e se dissolvem. Posso interpenetrar o mahayana no vajrayana com o dzogchen, sem fronteiras.
O Lung no Mahayana – a Energia Primordial
Então aqui, dentro dessa noção de lung, vamos entrar numa área muito interessante: de modo comparativo, quando olhamos o mahayana sutrayana, o sutrayana é todo na dependência de um aspecto discursivo e quando olhamos com o mahayana sutrayana, dentro dos sutras, não lembro de nenhum sutra que mencione lung, isso é uma categoria que vem de dentro do vajrayana, essa noção de lung.
Por outro lado, dentro do mahayana-sutrayana, vamos encontrar um raciocínio exato, uma contemplação cuidadosa. Mas é uma contemplação que necessita de uma capacidade discursiva.
Portanto há seres que irão se beneficiar disso e outros que não vão se beneficiar. Então começamos a contemplar, mesmo com o olho do mahayana, o lung. E descobrimos então, uma linguagem universal, porque o lung está associado ao que na Grande Perfeição vamos chamar de energia primordial, tudo está dotado de energia. Vamos perceber isso ou não! Se eu perceber que as coisas estão dotadas de energia, tenho uma lucidez sobre aquilo, se não perceber, o funcionamento da energia não faz diferença nenhuma.
Por exemplo, sob o aspecto discursivo é assim: se entendo alguma coisa ou não entendo faz uma diferença enorme, porque se eu não entender, eu não consigo fazer! No entanto, se eu entender o lung ou não entender, não tem importância nenhuma, e até melhor não entender, talvez ele funcione melhor! A pessoa pode não entender nada sobre o lung e pode perfeitamente usá-lo de um modo natural. Há muitas pessoas hábeis que se entenderem isso magnetiza e produz o funcionamento todo.
Os seis reinos operam com o lung. Os seres e comunicam de forma cruzada através de lung. Nós olhamos, por exemplo, para uma floresta e nossa energia muda. entramos num templo, a energia muda. O mosquito que pesa uma grama, voando em torno de nós, comunica um lung! Ele pode ser um precioso auxiliar da meditação: vocês estão afundando no reino dos animais e vem um mosquito e não os deixam dormir. Ele é capaz de produzir o surgimento do reino dos infernos. É capaz de levar alguém sereno a ter impulsos assassinos, e matar o mosquito! Nos entendemos o lung e que não deveríamos ter um pensamento ruim sobre aquele ser frágil, no entanto desenvolvemos uma conexão que é capaz de nos arrastar para o reino dos infernos. Entendemos como ele se comunica conosco facilmente, ele nos faz suar e sentir muitas coisas, mas essas sensações não se comunicam cognitivamente, não é a linguagem sonora dele (bzbzbz). O mosquito nos leva para aquela paisagem porque nós temos as energias correspondentes às paisagens, e nossa mente começa a operar daquele modo. Esse é o poder desse processo. Os seres têm esse poder. Os animais, as plantas, as pedras, o sol que vem e vai, tudo comunica o lung. Então podemos observar isso.
Os 5 Lungs
E quando olhamos o funcionamento do lung, nós vamos ver os 5 lungs, vamos dividir o lung, porque quando algo é complicado, nós dividimos em vários pra melhor entender!! Para ficar menos simples, temos a energia primordial, então vamos falar de seis: a energia primordial e 5 lungs, que são a expressão da energia primordial. Nós olhamos em volta a linguagem geral de tudo: o lung, uma linguagem discursiva em todas as direções. O que vai reger o funcionamento de nossa saúde é o lung. O mosquito afeta a saúde sem picar! Começamos a entender o que é o mundo sutil. As pessoas nos afeta pelas lembranças delas, elas afetam os nossos órgãos. Precisamos entender como opera esse processo, quando digo que precisamos entender o processo, convergimos esse processo em mahayana. Estamos privilegiando a linguagem discursiva para entender isso. A linguagem discursiva não seve para cachorros e gatos. Já a linguagem de lung é algo que Chagdud Rinpoche iguala as sabedorias dos 5 diani budas e funcionam pra gatos e cachorros. Funcionam no geral. É uma outra região. Nós podemos escolher, por exemplo, penetrar nas mandalas aonde surgem as inteligências de lucidez. Estas inteligências de lucidez nas mandalas são as deidades. Elas são vivas, operam com sabedoria primordial, energia primordial, as deidades se tornam vivas. Do mesmo modo que podemos olhar para as cores e ver a vacuidade, olhar para a forma e ver a vacuidade sem precisar analisar, podemos olhar com o olho da sabedoria específica de cada mandala sem precisar analisar e a aparência da mandala surge diante dos olhos diretamente. Isso é o vajrayana.
Quando ao temos uma base no mahayana, o vajrayana parece fantástico. A base de toda a compreensão é o prajnaparamita, que atravessa para a outra margem. E quando estamos na outra margem, vamos ver dzogchen e vamos ver o vajrayana também. Só que a nossa linguagem vai mudar um pouco, porque a linguagem que vamos utilizar pra atravessar para a outra margem, nós podemos utilizar a linguagem discursiva, que é o prajnaparamita. Só que cada vez que olhamos para o prajnaparamita, ele vai se tornando cada vez mais e mais sutil e então vão aparecendo as outras coisas. Eventualmente quando olhamos isso pode levar a um cansaço porque é como e olhássemos para trás e visse o que tínhamos que fazer era pouco, que tínhamos que fazer uma enorme volta pra fazer uma pequena parte. Por quê? Porque estávamos com a mente muito confusa. Então o caminho fica vasto, enorme, pode levar eons por causa desta mente confusa. Mas o que precisávamos fazer era pouquíssimo. Mas pra entender este pouco que era pra ser feito, era como se tivéssemos que passar por muitas complicações. Quando olhamos para o caminho do ouvinte, chega a brotar um desânimo, aonde obedecemos a uma disciplina durante um longo tempo, só para reduzir volume, não a qualidade, para reduzir o volume da confusão da nossa mente. Quando diminui esse volume, os ensinamentos têm mais efeito, somos capazes de penetrar em outros aspectos, então vamos seguindo. Quando, por exemplo, as pessoas entendem os aspectos de lung mas não entendem o mahayana, elas se tornam praticantes de xamanismo porque elas entendem que podem manobrar o lung e produzirem realidades mágicas. Mas elas produzem realidades mágicas dentro do contexto do samsara. Elas não entenderam a noção de samsara. Então o que brota? Brota a motivação do samsara, então usam o processo mágico para produzir as transformações dentro do samsara. Não vão a lugar nenhum! Porque tudo que se obtém de modo mágico dentro do samsara, é samsara! Que é engolido pela impermanência. A pessoa tem poder, mas ela se move dentro do samsara, não adianta.
As abordagens de cada linhagem
Na linhagem Ningma, está proibido formalmente, produzir resultados dentro do samsara, não usar nenhum método para produzir alterações do samsara. Isso seria degradar o ensinamento porque nós pegaríamos o ensinamento e o tornaria auxiliar dos processos duais ilusórios do samsara. Então pegamos uma porta de saída, em vez de sair, em vez de utilizar aquele instrumento poderoso para sair, utilizamos o instrumento poderoso para andar mais veloz por dentro da prisão em que já estávamos! Não adianta nada.
Uma base mahayana é crucial. Entra as acusações que se faz ao dzogchen do Bonpo, que pode ser injusto porque de lado a lado, as linhagens se acusam de algo. Uma das acusações que se faz ao Bonpo, é que usam os métodos sutis para resultados dentro do samsara. Tudo que ouvi até hoje, o Bonpo não faz isso. Não quer dizer que não faça, mas não vejo, não vi. Existem grandes mestres Bonpo que andam junto com a SS Dalai Lama, e nunca vi nenhum ensinamento deles sobre isso. Os ensinamentos deles estão completamente harmonizados ao mahayana. Os Bonpo usam toda a estrutura do budismo.
Mas os Ningma quando querem se referir às diferenças com o Bonpo, eles irão dizer que o Bonpo usa aqueles métodos.
Quando os Gelugpa querem criticar os Ningma, eventualmente eles vão acusar o mesmo: os Nyingma são como os Bonpo. Surgem essas visões assim!
Naturalmente todos os grandes mestres desenvolvem o mesmo tipo de visão independente de linhagem. Podem ter palavras um pouco diferentes, mas quando eles se encontram, aquilo não tem diferença nenhuma! Mas, quando as pessoas estão estudando os vários ensinamentos, elas podem ver tensões dentro das linhagens. Eu gosto de olhar os diferentes caminhos também sem poder apontar o que é mais elevado que é menos elevado. Por que, por exemplo, suponhamos que uma pessoa foi acidentada e está sendo operada. Aquilo parece ser o ponto principal, mas o ponto principal talvez tenha sido o resgate. Então em cada momento algo é principal. Portanto, é necessário entendermos que todo o darma nas suas múltiplas linhagens, nas suas múltiplas abordagens, é gerado pelo mesmo nível de sabedoria primordial que enfim, é o Buda Primordial.
O Buda Primordial
Esse Buda Primordial é tão amplo que apaga todas as tradições religiosas, todas as filosofias, todas as mães cuidando dos filhos, apaga tudo. Porque por trás de cada um destes gestos, a compaixão, que é um pedaço de caminho que leva as pessoas a atingir a liberação. Então dentro dessa noção de resgate, podemos pensar o que segurou o menino Buda no colo? O que amamentou o Buda antes dele ser o Buda. Alguém fez comida para ele. Não sabemos os nomes dessas pessoas, mas elas fizeram isso.
Então há uma multiplicidade de ensinamentos e abordagens. Todas as abordagens geradas com compaixão se originam do Buda Primordial.
Tudo aquilo que há alguém com olho maior, fazendo algo pelo bem do outro, aqui essencialmente, a Sabedoria da Igualdade, todo o lugar aonde há isso, tem o Buda Primordial se manifestando.
Todo o lugar aonde tem alguém entendendo o outro, no contexto dele, fazendo algo por ele, em benefício dele, ainda que limitado, tem o Buda emanando isso. Todo o lugar que tem alguém olhando de forma um pouco mais profunda e ajudando a partir dessa compreensão mais profunda, tem o Buda ali.
Todo o lugar que tem alguém que é capaz de fazer ações positivas e evitar as ações negativas, absorver a negatividade e transformar aquilo em oportunidade e manifestar algo positivo, é o Buda manifestando.
Todo o lugar em que há alguém que não treme e ajuda aos outros a não tremer diante da desgraça completa na frente, tem o Buda.
Todo lugar em que há alguém que não reclame com o que está diante dele, mas tenta usar aquilo da melhor forma pra avançar e faze os outros avançarem, tem o Buda.
O aspecto prático
O universo está cheio de gente fazendo isso. Nós temos estas múltiplas emanações do Buda. O Buda com muitos diferentes ensinamentos, por todo o lado, o tempo todo. Num sentido amplo nós temos isso. Agora aqui, vamos olhar algo específico, algo que ultrapasse a necessidade do aspecto discursivo. Nós vamos contemplar os lungs operando dentro de nós, nas nossas vidas, nas deidades, nas terras puras, nos vários aspectos das nossas vidas. Vamos olhar isso, como isso funciona. Nós vamos ver a gênese do samsara surgindo. Este é objetivo deste estudo, deste nosso encontro.
Perguntas e Respostas
P: O sincretismo religioso. Como conviver com isso?
Lama: quando não estamos operando com o ensinamento budista, a forma budista de olhar os ensinamentos não budistas e olhar tudo dentro de um mesmo contexto, é entender que dentro do caminho da compreensão da vacuidade que vai nos levando à Sabedoria Primordial e à compreensão desta vacuidade, vamos encontrando vários elementos que parecem ser os elementos finais. Por exemplo, a ciência é prodiga disto, então ela vai contando leis da natureza, que podem ser leis da realidade das coisas. Por exemplo, as leis de Newton, lei da Ação e Reação, da Gravitação Universal, e pensamos, Bom, isto está além da vacuidade, não é algo real! Os cientistas têm a tendência a encontrar leis que são absolutas. Na visão budista, a vacuidade não foi alcançada por aqueles pensadores, eles pararam num ponto que parece verdadeiro. Então quando nós vamos olhando as várias expressões das realidades que nós lidamos, também paramos em vários pontos. Um exemplo disso é olharmos para alguma pessoa e dizemos: Ele é assim. Paramos ali! Mesmo como praticantes budistas, nós somos muito classificadores. Nós comentamos uns dos outros e dizemos que tal pessoa é assim, traz a noção de que tal pessoa não possui a natureza livre da vacuidade, mas ela tem uma característica da construção e esse é o ponto último dela. Quando nos referimos a nós mesmos, também podemos gerar visões assim. Então são visões cotidianas. As tradições têm as suas próprias bases de raciocínio que não são abertas e nem existe método dentro daquela tradição para abrir aquilo. Do mesmo modo que quando dizemos as massas na razão direta delas mesmas e na razão inversa do quadrado da distância, lei da gravitação de Newton, vamos pensar que isso é um exemplo de algo que não precisa ser aberto! Se perguntarmos ao Newton, mas é assim por quê? Como? Newton dirá que não precisamos pensar em inutilidades: isso é assim! Se você tiver dúvidas, faça experimento e veja se é ou não é! Além do mais o universo inteiro é um laboratório disso. Eu observo as órbitas dos planetas, calculo e prevejo o que está acontecendo, continuaria Newton. Então não abrimos isso! Isto será aberto quando vir alguém e mostrar algo novo e vamos constatar que a lei da gravitação não é esta e vamos fechar novamente. É nesse sentido que SS Dalai Lama irá dizer que os cientistas são crentes e os budistas são céticos. Os budistas não acreditam nas leis cósmicas. As tradições religiosas, todas que eu conheço, elas têm regiões de crenças que não são para serem abertas. Isto é uma expressão, não uma crítica. Esta região, na visão budista, os cientistas estão constantemente relativizando as verdades que encontraram. Depois que eles relativizaram e ampliaram as visões deles, eles se dão conta que ficaram presos por um longo tempo a uma visão que não precisavam ficar presos. Por exemplo, houve o tempo em que os cientistas achavam que a crença sobre vírus, bactérias e fungos era algo místico, agora olhamos isso como um absurdo. Estamos num tempo em que precisamos entender a noção de alayavijnana. As pessoas não incorporaram a noção de alayavijnana ainda. É um novo vírus, bactéria que as pessoas não sabem, só que alayavijnana está lá. As pessoas adoecem por alayavijnana, morrem por alayavijnana;
Desenvolvem câncer por alayavijnana, desenvolvem dor nas costas, dor de cotovelo por alayavijnana. Não se descobriu alayavijnana porque ninguém criou um microscópio que vê alayavijnana! Precisa parar e olhar para dentro. Dento desse âmbito todo, há tradições que vão entender alayavijnana e outras que não vão entender. Como que podemos por tudo isso dentro de uma mesma característica entendendo deste modo? Se olhamos alayavijnana, aprofundamos dentro de alayavijnana e veremos que é um conjunto de impressões. Estas impressões necessitam um complemento dual da nossa mente. Quando entendemos o primeiro dos doze elos, ignorância, entende o segundo dos doze elos, samskara, entendemos como alayavijnana se compõe. Nos vamos montando essas marcas todas, vamos girando. Então temos a ignorância, avidya, temos samskara e vijnana. Alayavijnana, depósito dessas primeiras impressões que vou utilizar, aquilo já está formatado e vou compondo as minhas ideias e meu funcionamento a parir disso. Essas regiões de alayavijnana vão parecer sólidas. Pegamos aquilo em blocos para começamos a significar coisas mais e mais complexas. A partir daí vou significando o mundo inteiro, só que precisaríamos entender que o mundo que estou significando está na dependência desses olhares humanos, dos seres da biosfera toda que estão montando alayavijnana. Nós podemos entrar nas regiões de alayavijnana dos outros seres, entendê-los nos seus mundos e eles eventualmente entram um pouco em nossos mundos. Esse é o aspecto da onisciência. Mas quando entendemos alayavijnana e entendemos os mundos todos, entendemos que os caminhos religiosos, as várias tradições, não apenas a tradição budista, são remédios para a estrutura de alayavijnana. Isso é interessante. Esses remédio nós vamos olhando e vendo o que cada um pode fazer e o que não pode fazer, porque os remédios atuam dentro daqueles mecanismos que os pressupostos permitem atuar. Mas aqueles pressupostos obstaculizam a penetração em outras regiões que precisariam romper aquela limitação daquele pressuposto, então não conseguimos entrar. Mas, é possível fazer algo muito bom. Mas vocês façam assim: vejam alayavijnana surgindo desses múltiplos seres, a partir das operações mentais deles e vemos que não só a biosfera foi criada, mas foi criado, poderíamos dizer, uma região sutil, aonde todos nós vamos operar. E as nossas experiências dentro da biosfera estão na dependência dessa região sutil que foi criada através desses processos que estamos constantemente elaborando.
Assim alayavijnana vai se expandindo. Mas ela tem a sua origem na natureza livre e nas múltiplas formas de operação dos seres que ao surgir vão adicionando componentes. Eles não só adicionam componentes que criam as aparências do mundo, como adicionam processos que nos permite superar as limitações que entramos. Então surgem as múltiplas religiões com seu múltiplos conceitos. Por isso vão surgir imagens antropomórficas, imagens do samsara para as deidades quando o planeta terra se dissolver, que já está perto, ou seja, passou provavelmente mais da metade do tempo, estamos mais ou menos no tempo do sol, como os cientistas previam. A noção de dia e noite pode parecer algo absoluto, mas esta noção vem do giro da terra sobre si mesma. Quando pensamos que o mundo foi feito em sete dias, estamos usando a noção a partir da biosfera girando, completamente antropocêntrica, “biosferacêntrica”, limitadas aos conceitos. Vocês seguem olhando os múltiplos conceitos, eles estão limitados àqueles universos. Não olhamos nem mais se aquilo está certo ou errado, olhamos as paisagens mentais onde aquilo está operando e as vemos limitadas. Vocês podem olhar uma por uma das tradições religiosas. É melhor as tradições míticas, como a tradição dos guaranis: havia alguém remando no cosmos e dá a origem do mundo a partir disso. Isso é menos pretensioso, o mundo dele é uma canoa, vive nos rios, é natural que dali brote o mito! Então tudo aquilo que for mias mítico, menos compreensível é melhor, é mias mágico. Então vamos fazendo esta leitura. Eu não conheço nada mais sofisticado o processo pelo qual vamos compreendendo o emaranhado de conceito e sua multiplicidade associados a lung, produzido pela sensação de solidez das coisas, dos mundos e de nós mesmos no meio disso. Assim é necessário termos esse comportamento impiedoso, totalmente irado que é a dissolução dos pressupostos. Isso é Nagarjuna, isso é mahayana. Prajnaparamita é a deidade mais irada. Dorge Drolo é a emanação de Guru Rinpoche, essencialmente Prajnaparamita. Ela dissolve a ignorância, todos os demônios. Não há nada mais corajoso do que a compreensão de que a nossa natureza é indestrutível. A base de toda a coragem é isso. A base de todo temor é o apego. A sensação de que tenho que sustentar algo que é insustentável. Todos que sustentam algo assim, insustentáveis, porém transitórias, são impermanentes, têm medo. Assim o medo é o último veneno a ser dissolvido, último aspecto a ser dissolvido antes da liberação. Porque enquanto tivermos apego, estamos presos à ignorância, desconhecemos a nossa natureza que não pode ser dissolvida, não temos o verdadeiro refúgio. Então nós temos medos. Quando temos medos, estamos sustentando algum bambu para aquilo não cair. Isso é a essência do samsara. Mas acredito que podemos ver cada tradição religiosa e olhar profundamente cada uma, especialmente os grandes mestres das tradições e ver como eles expressaram a natureza primordial. Vamos encontrar aquilo neles. No caso de Jesus Cristo é muito mais fácil. É possível traçar paralelos com o Buda. Se quiséssemos trocar as pessoas de caminho seria um grave problema. Mas na verdade a compreensão budista, qualquer manifestação, isso é Vajrasatva, olhado de modo suficientemente profundo, revela a natureza búdica, então não precisamos mexer em nada. Não só não troque de religião, como não troque de trabalho, nem de esposa ou marido! Deixa tudo igual. Aquilo está numa boa medida para atingir a liberação. Quando a pessoa vai liberando, tudo vai acontecendo. Mas a pessoa tem que começar onde ela está. Isso é Vajrasatva e TChenrezig também. SS Dalai Lama é emanação de TChenrezig, ele vai pegar a pessoa aonde ela está. Não se mova! É aí mesmo. Se alguém for se mover, eu me movo que é para poder transformar o lugar em que você está num ponto do caminho. Não precisa sair desse lugar, se sair desse lugar, depois terá que voltar para incorporar esse lugar novamente. Então é melhor não ficar com nenhuma dívida para trás. Fique ali.
P : O Lama pode falar sobre o Kalachakra?
Lama: O Kalachakra é o vajrayana. Dzogchen é tão geral que é capaz de abduzir qualquer prática. Podemos olhar o vajrayana inteiro com o olhar mahayana. Eu acho que a nossa sanga está suficientemente madura para olhar estas práticas, sem problema algum. Mas não acho interessante para as pessoas iniciarem pelo vajrayana, fica uma lacuna. Por que é necessário ter este olhar amplo para poder ver os vários métodos para poder se beneficiar disto. Então fica como se faltasse um pedaço. Ele não vai andar muito bem. Se a pessoa não tem o mahayana, não tem uma compreensão clara do prajnaparamita, que aliás é um pré-requisito para se avançar no vajrayana. Se a pessoa não cumpre esse pré-requisito, a pessoa pode virar crente, vira devoto.
P: É fácil confundir o catolicismo e o caminho do vajrayana pela devoção aos santos e devoção ás deidades
Lama: Há algumas contradições que surgem, por exemplo, a pessoa diz que faz prática de Tara Vermelha, o namorado dela faz prática de Tara Branca, é uma situação irreconciliável São sadanas, mantras e mudras diferentes. Lamento! Começa a surgir este problema, as complicações. Há muitas deidades, e as pessoas podem usa-las como trunfos! Isso é uma incompreensão do vajrayana. No nosso não teria problema, todas as práticas são iguais. Não estou dizendo que isto seja real, no vajrayana há antídotos para todos estes obstáculos, eles podem surgir.
P: ao olhar o prajaparamita como manter ao mesmo tempo este olhar para as formas? Usamos o lung? Usa o aspecto cognitivo ou o aspecto sutil?
Lama: O processo seria assim: vocês usam o Prajnaparamita e segue olhando nos oito pontos da prática, que explicarei mais adiante, e de repente vocês param um pouco e pensam assim. Eu uso essa visão, focando num ponto aqui, as também posso abrir o campo visual, da maneira que posso ver tudo sem me fixar em nada, que eu possa ver tudo instantaneamente e não ficar com a mente correndo. E lembramos o aspecto de vacuidade daquilo. Olhamos essas várias etapas e nos damos conta que isso se dá de modo geral e amplo, de modo que não preciso mais ficar analisando ponto por ponto. Então vamos olhar com esse olho. A partir daí acontece algo parecido com visão 3D, aquilo passa a pertencer ao olho. Que mesmo sem mover o olho, toda a direção que se voltar, vai estar vendo daquele modo e se torna automático. A mente estará reconhecendo aquilo. isto é ver através da mandala, está dentro da mandala. Então vem a linguagem do vajrayana : a mente é a mente da deidade. Todos os sons são a manifestação da deidade; todas as formas, manifestação da deidade. Está lá! Estamos vendo!. O vajrayana eu digo: ponho a deidade acima da minha cabeça, me manifesto como a deidade. Não há linguagem para explicar isto.
No vajrayana se a pessoa tem esta introdução, não viu isso, não irá ver, nem ter como penetrar nisso. Mas a pessoa pode penetrar nisso, e se dar conta. Então as pessoas que tiveram e conteram a noção de solidez da realidade comum, podem ser introduzidas por um professor a isso, desde que ele também já tenha entrado na mandala. Quem entrou na mandala pode ajudar lá de dentro, às pessoas a entrarem. Isso é uma benção. Então se tem a realização da mandala, da deidade. Mas isso não prescinde a prática. Uma vês encontrado isso, entra-se em retiro pra praticar e estabilizar, se tornar uma emanação desta deidade porque irá começar a operar com este olho.
Aqui vem a sétima etapa do caminho dos bodisatvas, o sétimo bumi, a pessoa liga isso quando quer. Depois vem o oitavo, em que a pessoa não desliga mais, é um farol. O farol desta visão. Quem chegar junto dela se beneficia porque ela vê aquilo também, ela ajuda quem está do lado a ver. A nona etapa que é Tatágata. Ele se levanta e anda para todo lugar como um faro. Só que o Buda não é uma deidade é todas as deidades. Nós podemos treinar numa deidade, treinar outra deidade...Mas o Tatágata, o Buda Sakyamuni é todas as deidades. Ele também não dividiu a visão dele em deidades. Esse caminho de dividir em deidades não pertence ao processo pedagógico, ao aspecto metodológico. Cada deidade é o reflexo luminoso da sabedoria primordial. O Buda tem a sabedoria primordial, ele não precisou dividir em deidades. Ele vê com o olho que tiver que vê! Com um olho de um método prático que ele irá manifestar. Isso é Buda Sakyamuni. Isso é a dissolução das deidades que também é dzogchen, com a sabedoria primordial e pronto! Mas se quiser dividir em deidades, está bem, já que se conecta mais facilmente com uma pessoa, depois com outra pessoa. Acho maravilhoso às mulheres manifestarem Aria Tara, ou seja, se mantém mulheres, com aparência de mulheres. Não inventa de cortar o cabelo e banir o aspecto feminino. Se manifestem glamourosas, mas com lucidez. O primeiro aspecto é essa beleza lúcida, o segundo, se tornar uma artista que segue entendendo os personagens que a pessoa manifesta, e manifesta a sua personagem. O ponto é se ver como algo que gera aquela identidade, não é aquilo. mas a pessoa não abdica daquilo e com aquela forma, se comunica com os outros seres. Já imaginaram uma mestra assim? Que perigo! Pega um pobre de um rapaz, encantado com a forma, mas ela não tem nenhum apego à forma. Ela só está manifestando, aguardando o momento certo de usar a ação irada e “matar” o rapaz. E ainda diz que é por compaixão! Porque o que ela vai provocar no outro é o surgimento do carma dele! Ela pega aquele carma e transforma.
O lung é sentido em si mesmo. É coemergente, inseparável. A noção de vazio é mias problemática. Fica parecendo que é alguma coisa. A vacuidade parece que é uma característica, uma qualidade. Talvez vacuidade seja melhor, é a característica de todas as formas, delas mesmas. A noção de vazio parece que tem que ir contra as formas, dissolver as formas e encontrar um vazio que enfim, não havia nada dentro. Que é um pouco análise do caminho do ouvinte. No diálogo com a ciência também é assim: pega o objeto, a maior parte daquilo é espaço. Não há aquilo ali dentro e o pouco de matéria que tem, não há nada, porque matéria e energia. Porque se analisa a matéria ainda a partir de elementos que são matéria, uma noção completamente convencional.
A compreensão da vacuidade precisa da coemergência. Mas depois vem a pergunta: Ok, mas não em nada ali, então porque que aquilo está ali, funcionando? Ok, Isso é ilusão! Há os que preferem ilusões loiras e morenas! Qual é a ilusão que você prefere pra você? Então é mesma coisa? Quando olha você é capaz de transformar uma loira numa morena e vice-versa? É vacuidade! E porque não dá para converter uma na outra? Porque enquanto falo sobre a vacuidade daquele objeto, aquele objeto está separado de mim, não entrou a coemergência, estou apenas estudando que não tem base dentro do objeto para encontrar o objeto na forma que ele tem. Mas eu não consigo ver o papel da coemergência. Se não consigo ver o papel da coemergência, vamos esquecer essa vacuidade porque ela não serve, não é suficiente! Isso é sunyata do caminho do ouvinte. O caminho é difícil! Mas o caminho não é longo, eu é que tenho que encontrar uma ideia que fique conectando na outra e fazer tudo virar um caminho. Cada vez que tomo uma posição tenho que encontrar um outro mecanismo para ir adiante! Fica longo, fica gigantesco. O melhor é ir direto, o mais rápido possível. Depois se quiserem estudar os caminhos, as escolas, tudo bem! É como se fosse um círculo, melhor andar no centro do que ficar andando ao redor. Se quiser espiralar tudo bem, pode espiralar 13 eons, mas o melhor é convergir, traçar uma linha reta ao centro, atravessar.
PARTE DOIS
O caminho para a Sabedoria
O caminho básico
SS Dalai Lama diz que todos os seres aspiram à felicidade e a se libertarem do sofrimento. Certamente muitos não começam por este ponto porque propriamente elas não estão buscando felicidade, nem buscando se livrar do sofrimento, não tem essa consciência sobre isso. Mas de fato, todos os seres estão buscando alguma coisa melhor, de algum modo estão buscando a felicidade e querendo se livrar do sofrimento.
Quando entendemos isso, logo surge a noção de que algumas ações são boas para serem feitas, outras não, porque àquelas ações que vão trazer sofrimento não são interessantes e as ações que vão trazer felicidade, essas são interessantes. Então surge um referencia para as ações e nós incorporamos isso. Vamos encontrar em diferentes tradições religiosas, diferentes referenciais, ou seja, diferentes formas de explicar o que deve e o que não deve ser feito. E quando ouvimos sobre o que não deve e o que deve ser feito, isso mais ou menos delimita o caminho do ouvinte. Ou seja, ouvimos o que devemos fazer e segue, buscando obter algo melhor do que estamos vivendo hoje, então estamos buscando felicidade e tentando se livrar do sofrimento. Logo descobrimos que não é tão simples fazer o que é positivo e evitar o que é negativo e tudo começa a se tornar progressivamente mais complexo à medida que vamos aprofundando nisso. Descobrimos ações que são positivas, mas não temos realmente vontade de agir assim e ações que sabemos que são negativas, mas terminamos fazendo aquilo. Descobrimos que o inimigo ao está fora e nem há desinformação. Avançamos um pouco mais e seguimos descobrindo que atuamos com o corpo, energia, mente paisagem, contra esse elemento da paisagem, o qual é interessante porque começamos a pensar sobre nós mesmos, vemos que em algumas circunstâncias fazemos o que não é apropriado. Em outra circunstância, aquilo que é apropriado, provavelmente não fazemos. Possuímos tal tendência, portanto nós mesmos não somos muito confiáveis, porque não somos lineares, nem estáveis, nem regulares. Essa noção de “eu” começa a ficar mais complexo. Mesmo que não aprofundemos sobre isso, começamos a entender que de acordo com as circunstâncias, terminamos nos manifestando de um jeito ou de outro. Progressivamente entendemos assim: existe a nossa mente pensando sobre tudo e existe uma energia que se move que dá brilho e direção ao nosso movimento. Ela produz o impulso para a nossa ação. Surge uma expressão chamada responsividade, Diante dos estímulos, brotam os impulsos, temos uma responsividade natural, uma resposta quase automatizada, o que nos move na maior parte das vezes, o que nos conduz a fazer ações de um jeito ou de outro.
Surge a noção de shamata . Na meditação eu contenho a responsividade, porque se eu contiver a responsividade, eu olho de novo para aquilo e decido reagir na direção adequada. Tenho maior tempo para olhar, termino recuperando a lucidez agindo na direção adequada. Mesmo que eu depare com situações que apontem uma certa direção, consigo parar, não responder imediatamente, daí recobro uma lucidez maior e ajo melhor. Damo-nos conta então que estamos presos a esse mecanismo da responsividade, que todos os seres estão presos. Vemos todos responderem de modo automático.
Entendemos que a responsividade não é apenas cognitiva, mas uma responsividade que atua dentro de olhos, ouvidos, nariz, língua e tato, opera nestes vários âmbitos. E começamos a acumular exemplos destas responsividades. Começamos a ver o mundo como ilusório também, porque olhamos para as coisa e elas produzem um impulso de resposta que passa a ser o conteúdo delas mesmas.mas em um outro momento elas podem produzir outros impulsos e começarmos a ver de modo diferente. Quando vemos assim, entendemos que existe a mente, existe essa responsividade, que dá sentido à palavra energia também, lung. pois é ela que vai conduzir o brilho, por isso descobrimos porque diante das coisas o brilho aparece ou não. Isso tem uma conexão direta com as nossas vidas emocionais muito interessantes porque permite que comecemos entender a causa do olho brilhar por uma pessoa e por outra não. Entender porque aquilo funcionar por um tempo e depois não funciona mais! Então, cognitivamente não queremos que aquilo aconteça e não sabemos lidar com isso. Esse é um dos temas que será trabalhado pela psicologia, eventualmente pela psiquiatria também. Vamos encontrando a análise do próprio comportamento e como isso é regido. Há o aspecto cognitivo, a responsividade, a energia movimentando. Um pouco a diante vamos perceber que o aspecto da energia movimenta não só a nossa ação, mas movimenta os órgãos físicos. Eles estabelecem a postura do nosso corpo e ganha então mais importância ainda na prática de shamata, aonde tentamos recobrar a capacidade de administrar a energia e a mente.
Paisagens
Tudo isso ainda é caminho do ouvinte. E seguimos praticando isso. Pouco adiante percebemos que existe uma região que poderíamos chamar de paisagem a mente. Na medida em que a paisagem muda, o processo cognitivo muda, o raciocínio muda e a energia muda diante dos mesmos objetos e situações. Então existe um processo sutil interno que está presente, podemos não perceber, mas ele dá significado a tudo que os olhos, ouvido, nariz, língua e tato produzem. E também não é assim que olhos, língua, nariz, ouvido e tato constatam. Começamos a perceber que os olhos dos sentidos produzem a experiência dos objetos dos sentidos. Produz a aparência do próprio objeto! Porque os conteúdos que vemos nestes objetos estão dependendo destas paisagens. Por exemplo, a pessoa olhando para o carro que ela comprou, já em outra paisagem agora, a paisagem mudou e ela quer vender o carro. Outras pessoas olhando para o mesmo carro, elas querem comprá-lo. Então não é uma questão do carro, há duas pessoas, diante do mesmo objeto, fazendo um acordo financeiro. Uma quer o objeto e a outra não quer. Aqui tem uma moeda, a diferença entre essas regiões de interesse é traduzida por um tanto de moeda que um passa para o outro. O processo econômico todo começa a girar a partir disso também.
Estamos observando estas mudanças que estão ligadas à paisagem. Podemos levar um bom tempo contemplando estas paisagens, assim: podemos passar meses ou anos achando que a paisagem é o ponto principal. É um ponto crucial, incorporarmos na nossa linguagem, a noção de paisagem; então, temos a mente, temos a energia, que já incorporamos à nossa linguagem, temos a paisagem. E nós seguimos contemplando isso e vemos que essa paisagem, essa mente e essa energia definem a ação do corpo, definem o próprio funcionamento dos órgãos, o funcionamento interno do corpo. Vemos que, em algum momento, dependendo da paisagem, não temos energia nenhuma para fazer determinada coisa; aí, recebemos um telefonema, alguém diz uma palavra, nós trocamos de paisagem e aparece a energia para fazer aquilo; então não era a tarefa, não era nada, era a paisagem em que nós estávamos inseridos. Se não observarmos a paisagem, esse elemento flutua, nós temos flutuações de humor que não sabemos de onde vêm, pensamos que é alguma coisa interna. Todos esses elementos - paisagem, mente, energia e corpo - parecem que pertencem a alguém; então, nós vamos chegando ao ponto, que é um detalhe do aspecto da energia, que são os cinco lungs.
A noção da identidade a partir da vacuidade
Mas, para entrar melhor no assunto, devemos entender a noção do surgimento da identidade. Quando nós trabalhamos com a noção de vacuidade, de modo geral, nós olhamos a vacuidade como a vacuidade do outro (tecnicamente, no Budismo, é chamado de vacuidade do eu e vacuidade do outro). No caminho do ouvinte, nós trabalhamos com a noção de vacuidade do eu, especialmente isso. No caminho Mahayana, olhamos o Prajnaparamita, e também podemos olhar como vacuidade do eu, quando pensamos que os cinco skandas – forma, sensação, percepção, formação mental e consciência – são atributos de um eu, mas que podemos olhar como atributos do outro também; a forma que está diante de nós, sensação, percepção, formação mental e consciência são coisas que dizem respeito à nossa relação com objetos, com coisas diante de nós também.
De modo geral, essa é a interpretação que nós utilizamos aqui, entre nós; temos seguido esse caminho de exame do Prajnaparamita que é especialmente, a vacuidade do outro. Agora, a vacuidade do eu é trabalhada no caminho do ouvinte de uma forma, eu diria, insuficiente, porque, do mesmo modo que numa primeira abordagem da vacuidade do outro, nós tendemos a mostrar que não há aquilo diante de nós; no caminho do ouvinte, a primeira abordagem da vacuidade do eu, é mostrar que não há esse eu; essa abordagem é inicial; não é a melhor abordagem - e nem é por uma questão técnica ou acadêmica do Budismo, não é isso; mas é porque aquilo que pode satisfazer por um tempo, depois não satisfaz mais; ainda que eu prove que não há esse objeto diante de mim, o apego ao objeto segue e, do mesmo modo, eu posso pensar que, ainda que eu consiga provar que não há esse eu em mim, esse eu continua operando sem nenhum problema, descaradamente. É como se fosse um fantasma persistente – fazemos o fantasma evaporar e ele continua operando tranquilamente, como se nada tivesse acontecido.
Assim, é necessário utilizar uma abordagem um pouco adiante; essa abordagem está no Vajrayana, no Mahayana Tantrayana, no Dzogchen: é uma abordagem que reconhece a vacuidade, não na ausência do objeto, mas justamente, na forma pela qual o objeto se apresenta. Passamos a olhar como aquela forma se apresenta e vemos que ela é vazia porque, quando contemplada na sua gênese, percebemos que aquilo que vemos não está ali dentro, mas nós não estamos negando a forma. Então, é uma forma da vacuidade na qual nós não negamos a forma, mas começamos a trabalhar com o aspecto lúdico da forma.
Esse aspecto é muito interessante, vamos encontrar um ou outro exemplo: os melhores são os ligados à arte, qualquer expressão artística introduz exemplos disso. Podemos tomar o teatro; a pessoa assume o personagem, o artista está manifestando um personagem e existe um contexto – esse contexto é a paisagem. Então tem lá o palco, o cenário que está pintado e que, remotamente pelo menos, introduz uma noção de paisagem, uma contextualização daquele personagem. O personagem sempre está contextualizado numa paisagem, minimamente representada por um cenário. Então nós olhamos e precisamos entrar dentro daquele cenário; quando nós entramos no cenário, podemos entender aquelas palavras - o que o artista está falando - o que ele está fazendo, e isso começa a fazer sentido para nós. Se removermos tudo, vamos pensar que tem um ser louco falando coisas sem sentido e com muita gente olhando. Se ficarmos no contexto dos que sentam ali para olhar, não conseguimos entender o que está acontecendo. Por outro lado, o artista, se ele está ali dentro, ele deverá sentir as emoções; ele tem que ser realista: se ele chora, é bom que ele chore mesmo; se ele se alegra, é bom que ele se alegre mesmo; para isso, o artista precisa entrar naquela situação, viver aquele personagem, entrar na paisagem.
Entrar na paisagem, significa o quê? A pessoa tem uma mente livre, se coloca no lugar daquele personagem: ela chora, ela ri, ela tem raiva e, quando ela tem raiva, ela agride. É bom que ela agrida de verdade, não é uma coisa assim mais ou menos. No teatro, às vezes, fica um pouco mais caricato – faz parte do teatro apenas fingir que está agredindo porque, para as pessoas que estão olhando, aquilo é suficiente. Mas, especialmente no cinema, é necessário um realismo completo, quanto mais parecido, melhor. Claro que tem algumas correntes agora no cinema que pensam de um modo diferente.
Eu estou trazendo esse exemplo para mostrar que o artista pode se colocar no lugar exato do personagem e viver aquilo; quanto mais ele faz isso, melhor. Às vezes, como vocês já devem ter visto, as pessoas se confundem; é muito comum que os casais do filme continuem namorando. Eles se confundem, saem de lá namorados mesmo, vivem por um tempo, têm filhos e depois, finalmente, o filme termina e eles vão fazer outras coisas; aliás, já estão fazendo outros filmes em outros lugares.
Então, essa passagem para dentro das paisagens é interessante; a energia começa a girar e nós entendemos de uma forma mais aguda esse aspecto da paisagem, como a paisagem comanda a mente, como ela comanda a energia e como ela comanda o corpo. E funciona! O filme terminou e o corpo segue funcionando como ele se acostumou a funcionar porque está comandado pela energia, pela paisagem, pela mente.
Vocês podem até pensar assim: terminou o filme e vocês estavam lá com o Brad Pitt:
“Oi Brad! Esse filme foi interessante não é? Eu acho que, segundo meu mapa astral, eu sou tal coisa, e não é por acaso que a gente fez esse filme junto, entende? Tem uma coisa profunda, a gente se encontrou. Tem a ilusão do filme e a realidade desse encontro. Você está entendendo Brad??? Ilusório ou não, nós vamos viver essa paixão, não é?” Aquilo confunde as ideias, mistura um pouco...
“Eu vivi; eu tenho a minha realidade, eu tenho um jeito de ser, eu vivo muito bem sozinha” (como as mulheres dizem... e é porque não apareceu um Brad Pitt; agora apareceu e eu faço o quê?). Nós facilmente pegamos a nossa paisagem e fazemos essa paisagem virar algo gigantesco, cósmico.
“Há muitas vidas eu tenho encontrado você nos filmes ...”
Vemos como essas paisagens começam a explicar tudo e a energia funciona junto.
Naturalmente, sempre tem um livro budista para estragar tudo! É melhor não ler o budismo quando a pessoa está numa situação assim, não é? Porque pode furar o balão! Mas, o aspecto mais interessante não é furar o balão. Existem os ensinamentos do caminho do ouvinte que são para furar o balão. Existem outros ensinamentos que não são para isso; porque todos os ensinamentos ou práticas que estão voltadas a olhar para as coisas e rejeitá-las, estão num tipo de categoria de ensinamento que não resolve totalmente, porque quando nós rejeitamos, nós ficamos com uma tarefa infinita. Eu rejeito agora e vou rejeitar de novo e depois e depois... A pior coisa que pode acontecer é a pessoa ser virginiano com ascendente em Touro, Lua em Capricórnio! Aí a pessoa vence o samsara por organização. Venceu o samsara!!! Aquilo se estruturou! Hã, hã... Tudo perdido! A pessoa constrói outro tipo de realidade e, inevitavelmente, constrói os infernos. Por que digo “constrói um inferno”? Porque quando nós estamos lutando contra alguma coisa, mesmo que a vençamos, nós vamos descobrir que o que nós estamos vencendo, não termina. É pior do que Drácula! Sempre revive, ressurge. Se junta, se amplia e surge com mais braços... espantoso!
Aí, nós colocamos um bordo e dizemos: “isso aqui é dos infernos e eu estou do lado de cá”. No menor sinal dos infernos, nós, virginianamente, taurinamente, capricornianamente, vamos lutando. Mantemos aquilo administrado, mas não resolvido.
As sombras
Na psicologia, nós vamos encontrar a noção das sombras – está lá. A sombra é inevitável dentro da postura do caminho do ouvinte; eu não quero que vocês entendam que o caminho do ouvinte não é interessante, não é isso. O caminho do ouvinte é luta para sempre. Agora nós estamos transitando por cima dessa perspectiva. Já faz três éons que nós olhamos isso – três éons, é o tempo do caminho do ouvinte. No meio disso, nós podemos de repente, sucumbir. Em vez de viver amargurado assim, é melhor viver alegremente a realidade da coisa; então, pulamos para o outro lado. Daí nós viramos um defensor do outro lado: não há solução; a coisa é assim! Passamos para o lado negro da força e, curiosamente, o lado negro da força vai derrotando os seres... Por quê? Porque algumas pessoas se especializam em provar que aquele que está brilhando, branquinho, purinho, tem um lado negro oculto. Então, aqueles que migraram para o lado negro da força se especializam em apontar no outro, o lado negro que está vivendo dentro dele. É um esporte maligno, mas existe. Especializar-se em fazer brotar o mal naquele que está todo estruturado, virginianamente estruturado; ele já é um especialista, faz um furinho, bota uma bomba e bum! E fica olhando: “Viu? Olha aí! Você enfim, é igual a mim!”
A situação, porém, não é tão grave quanto parece. Fazendo uma retrospectiva dos três últimos eóns, agora temos que resolver esse problema, mas esse problema já está resolvido. Aliás, os problemas todos já estão resolvidos – essa é uma boa notícia! Só que esse software da resolução ainda está se filtrando, não está disseminado ainda, não está copiado o suficiente.
Para explicar isso, precisamos ver o passo seguinte. Vamos supor: existe o lado negro da força, existe o lado branco da força e existe o lado lúcido da força. Quando a olhamos assim, o lado branco da força não é lúcido e o lado negro da força também não é lúcido; por isso que nenhum vence. A própria organização “lado branco” e “lado negro” já é a perda da lucidez. Como é que o lado lúcido da força entra? Ele vai meditar porque esse é o recurso – nós vamos usar sempre o recurso da sabedoria primordial. Vamos nos sentar e olhar como que aquilo se produziu; quais são os elementos que estão sendo utilizados como referencial, como estrutura, para essa produção. Esse é o processo da lucidez: paramos e olhamos. Por trás dessa noção de parar e olhar existe algo muito profundo que é o ponto final. A pessoa pode fazer isso sem perceber que ela está acionando esse ponto final, mas ela já está acionando o ponto final que é o refúgio na natureza de Buda.
Quando a pessoa senta em silêncio – se ela entende ou não entende – ela já está fazendo isso. Ela não está buscando refúgio em alguma coisa construída, ela está desconstruindo, sentando num silêncio descomplicado; dentro desse silêncio descomplicado, ela é capaz de olhar a própria coisa e ver como que aquilo se montou. Isso é a lucidez.
Quando olhamos a partir da simplicidade original, vemos quais elementos produziram aquilo. Isso, filosoficamente, é muito profundo porque tem um pressuposto dentro disso de que as coisas são construídas e que, na base, o que nós temos é uma liberdade de construção e não uma construção pré-elaborada. Existe um campo na filosofia que vai trabalhar na busca de verdades pré-elaboradas – ela tem a crença nas verdades pré-elaboradas – e outro que tem essa visão da natureza livre, original; a liberdade como origem e a noção de concepções prévias como origem.
Se nos voltarmos para a filosofia, para a história da ciência, alguns autores vão apontar o pensamento de Hermes de Trimegisto como a base de todo esse raciocínio de que as coisas são previamente elaboradas; o Budismo, eu acredito que talvez seja o único representante dessa outra área que vai tomar a vacuidade ou a liberdade original como a base.
Esse é um tema filosófico de grande importância; ele é pouco comentado, mas é de grande importância. Ainda assim, S.S. o Dalai Lama vai dizer que, por trás da noção de um universo previamente elaborado, existe uma noção de um criador que elaborou esse universo previamente elaborado; portanto, nós retornamos ao ponto: o criador tinha liberdade de criar; então, no fundo, no fundo, nós retornamos à liberdade original. A questão então é: essa liberdade original continua viva ou se apagou após a criação? A diferença conceitual fica nesse ponto e aí o Budismo vai dizer que a criação segue completamente viva, e outras tradições vão dizer que a criação é algo que diz respeito a Deus e que isso já terminou há muito tempo. Quando nós dizemos que a criação pertence a Deus e terminou há muito tempo, nós temos dificuldade de entender coemergência, ou seja, o fato de que, quando nós olhamos segundo paisagens, nós construímos de modo coemergente os atributos do que nós estamos vendo.
Coemergência
Essa noção de coemergência vai ser o elemento seguinte. Eu estou aqui, provando que os objetos não existem, mas agora eu vou trocar o argumento; enquanto eu digo que o objeto não existe, ele está separado – ele está lá e eu estou aqui – agora eu começo a entender a forma pela qual o objeto surge. Quando eu entendo a forma como o objeto surge, isso vale para qualquer coisa, qualquer emoção que brote em mim, qualquer impulso que brote, qualquer imaginação enlouquecida: tudo isso são objetos, não apenas as coisas tangíveis. Todos esses objetos são objetos porque tem um observador que está vendo alguma coisa – eu preciso reconhecer isso. Isso é a essência do prajnaparamita, o ensinamento do Buda.
Então, nós vamos olhar para todas as coisas com esse olhar e nós começamos a perceber coemergência: o surgimento dos objetos inseparável de uma posição mental; a paisagem da mente que vai dar forma ao objeto. Um exemplo muito simples disso é a reciclagem: o lixo. Algumas pessoas já vão dizer que o lixo não existe; o lixo é alguma coisa que alguém, com uma determinada postura de mente, vê como lixo, mas o lixo não existe porque, se eu olhar para cada uma daquelas coisas, eu posso ver uma utilidade para elas; se eu não vejo utilidade brota a categoria como se houvesse lixo! Mas, quando eu olho para as coisas de forma suficientemente aberta, eu começo a achar utilidade para elas; isso significa que o lixo começa a desaparecer da minha frente como tal e começa a surgir gente um pouco mais criativa. Olhando para o lixo em geral, eles pensam: “se eu queimar isso, eu gero energia e com essa energia eu produzo energia elétrica”. Existem usinas de produção de energia elétrica a partir de lixo queimado. Tem um outro que diz: “a parte orgânica, eu reciclo e produzo adubo!” E outros que olham e começam a dar novo significado, pedaço por pedaço, ao que está ali: estão fazendo reciclagem. Essa reciclagem tem que começar na mente – uma outra paisagem – que vai olhando para as coisas e vai separando: “isso aqui é papel, isso é metal, alumínio”; outros, não estão nem fazendo essa separação, eles estão trabalhando com o conceito de reutilização; no conceito de reciclagem, eu pego uma coisa e aquilo vira uma outra coisa; no conceito de reutilização, eu pego aquilo e dou um jeito de utilizá-lo novamente; não preciso desmembrar, dissolver aquilo para produzir uma outra coisa; pego aquilo e dou uma outra utilização.
Tudo isso depende desse movimento interno que é uma capacidade de dar significado às coisas – é um aspecto criativo. Na visão budista, isso é muito profundo; na visão cotidiana, a gente pensa: “bem, eu estou dando um novo significado...”
Na visão budista seria assim: não há nada que eu possa apontar em qualquer direção, que seja aquilo mesmo. Aquilo tem uma significação através desse processo do olhar. Não é assim: quando eu pego o lixo, eu dou novo significado, mas qualquer coisa que eu olhar, eu estou dando significado. Quando eu olho para o lixo, não é que eu dou significado, quando eu olho para as coisas, eu também estou dando significado e não existe nada a que eu não esteja dando um significado.
Essa contemplação é muito importante – precisaríamos durante meses ou anos, ir olhando desse modo, até isso amadurecer dentro da gente. Eu preciso de um tempo para perceber que não há nada, em nenhuma direção, a que eu não esteja dando um significado. Depois de estabilizar isso, vem outra classe de ensinamento, porque isso também não resolve totalmente. Se eu quiser dirigir meu comportamento de certo modo, isso também não resolve, porque agora eu vejo como que eu dou significado, mas não entendo porque eu estou dando esse significado.
Mantendo a visão – a luminosidade
Aí partir daí, eu vou descobrir regiões internas que se abrem em várias linhas de investigação. Uma delas é como se dá essa construção? Isso vai me levar à noção de luminosidade da mente – isso aqui é uma árvore complexa! Aí, eu introduzo o elemento de luminosidade da mente.
Outra linha é: existe a luminosidade da mente que constrói aquilo, mas constrói por quê? Surge então a noção de alayavijnana, depósito de impressões. Em cada uma dessas áreas, tenho que penetrar, estudar e contemplar, e podemos fazer isso tudo no cotidiano, sem problema, ninguém precisa se tornar um isolado do mundo para fazer isso; aliás, o mundo é um bom lugar para isso.
E a indiferença? É a mesma coisa, eu construo com indiferença – é uma região de significado. A indiferença é uma construção ativa, do mesmo modo como eu construo o lixo; o lixo é uma expressão de indiferença. Nós temos expressões de indiferença em vários lugares – o lixo não é uma coisa que eu encontro, o lixo é uma coisa que eu construo. É bonito de ver a gênese do lixo nos presentes. Agora, no Natal, quando vocês abrirem os presentes, abram devagar. Vejam como vocês estão construindo - de um presente atraente, maravilhoso - um lixo, rapidamente! Tem uma caixa brilhando, com um laço: vocês puxam a ponta do laço. Pronto: a fita já foi. A fita veio da China, andou de navio dentro de um container, chegou ao porto, foi transportada para lá, para cá, foi cortada, montada. Há também o papel: florestas foram derrubadas, troncos foram transportados em caminhões, aquilo retirado, foi moído, foi lavado com ácido, foi lavado com soda, foi retirada a celulose, apertada, apertada, folhas de papel foram cortadas e vendidas em estado bruto, depois foram trabalhadas, pintadas, lindo! E eu pego o papel e amasso.
A caixa de papelão, igual: pessoas trabalharam, mãos delicadas dobraram, montaram aquela caixa linda e eu abro, olho o presente: “ah, isso aqui eu não quero, já tenho!” Melhor então não amassar nada, guardar direitinho. Então, o lixo é construído – quando nós puxamos o nó, estamos gerando o lixo; puxamos o nó e arrumamos de novo, desapareceu o lixo. A nossa mente está construindo – o lixo é a indiferença ou um pouquinho de rejeição. Perdemos a ligação que tínhamos um minuto antes.
Mas o ponto aí já não é tanto o conteúdo. Estamos olhando como é isso: existe uma dimensão luminosa que gera aquilo como uma coisa atraente, ou gera aquilo como lixo, e a gente pensa que o objeto é que é aquilo. É um processo de co-emergência que estamos gerando e isso é muito importante porque revela uma dimensão que vai estar sempre presente. Eu estou olhando para todas as coisas e dando significado a elas; ao produzir as coisas, eu vejo que, independente do conteúdo final do que eu produzo, existe essa dimensão construtora, luminosa, que eu coloco em algum lugar para olhar melhor depois. Ela já pertence a uma natureza que nós não vamos nunca abandonar, ela é incessante. Nós começamos a descobrir aquilo que é incessante; então, no meio da multiplicidade de objetos que sobem e descem, das paisagens que sobem e descem, existe uma ação incessante que é essa luminosidade. Junto com essa luminosidade existe uma ação incessante que é a liberdade natural que temos diante das coisas, que eu posso, com a luminosidade, construir de um jeito ou de outro, mas que eu só posso construir de um jeito ou de outro porque tem uma liberdade. Eu pego essa liberdade e coloco em um lugar: liberdade e luminosidade, para investigar melhor.
Alayavijnana
Na região de alayavijnana, aonde eu construo as coisas, construo a partir de uma paisagem de mente. Vocês podem imaginar assim: o Bush recebendo um pacote! Se eu fosse ele, iria pedir para um robô abrir o pacote com controle remoto... Isso significa o quê? Significa que não só o Bush está no reino dos infernos, onde um pacote é algo que nós vamos olhar a partir da pior dimensão possível. Colocarmo-nos no lugar dele, nós também ficamos nos infernos. Se o Bush pedir: “Lama, abra aquele pacote para mim!” Se morrer não tem problema! Já pensou a culpa que vai ficar? Um carma muito pesado! Não vou abrir o pacote, não. Eu também me coloco no reino dos infernos nessa situação. Melhor não fazer isso.
Existem essas regiões de alayavijnana que eu posso olhar desse modo, ou não. Posso olhar aquele pacote com olho dos deuses, dos semideuses, dos humanos, dos animais, dos seres famintos, dos infernos! Posso olhar esse pacote e entender alayavijnana (seis secções). De acordo com isso, eu defino o conteúdo do objeto que está diante de mim.
Eu me lembro que uma vez eu torturei minha primeira sogra – uma coisa que eu não deveria contar, não é? Foi uma brincadeira, vamos considerar que eu era bem jovem! Minha sogra tinha um apego a um cachorro e no pátio da casa, meu sogro queimava galhos. De repente, eu olhei para um toquinho que parecia “aquilo” – era um pedacinho de madeira, mas era igual! Daí eu peguei aquilo e botei no sofá só para ver o que ia acontecer! Bom, confessei, está liberado! Pior que eu estou rindo... Mas, a culpa não é minha – ela que construiu, não é? Ela tinha um olhar dos reinos dos infernos, isso é o que eu queria provar! Eu olhei para aquilo e vi de um modo normal – reino dos humanos – ela olhou, e viu de uma forma perturbada! Eu suspeitava isso!!! Isso é a arte – na arte, nós olhamos e produzimos o objeto. Só que a arte é a vida inteira – é tudo! Nós olhamos e produzimos os objetos. Então, a arte é muito próxima do Budismo, próxima do âmbito da lucidez.
Como construo o “eu”
Nós percebemos esse aspecto constante, contínuo, que é a luminosidade e percebemos as regiões de alayavijnana, regiões das impressões mentais que vão atuar na forma de paisagens e vão produzir um direcionamento para essa luminosidade. Esse aspecto de alayavijnana nos ajuda agora, num outro sentido, porque eu fico pensando: “mas, eu sou o quê mesmo? Bem, eu sou essa região; eu sou aquele que olha desse modo ou sou aquele que olha de um outro modo”. Começamos a nos ver como aquele que manifesta o olhar condicionado de um certo modo: isso é o que eu sou.
Nós vamos encontrar praticantes com essa aflição: “eu entendi os ensinamentos, sei isso, mas eu sou isso, eu me manifesto assim!” Então tem um campo interessante de diálogo que é quase o lugar aonde o praticante desiste! Ele diz: “ainda que eu faça esforços, eu sempre retorno a isso. Por quê eu sou isso? Por quê eu opero desse modo? Porque eu sou assim”. Se a pessoa fizer psicanálise, pode ser que isso reforce um pouco porque a pessoa vai entender que ela é assim por que... e aí tem uma razão atrás. E, naturalmente, pela Psicanálise, nós temos a noção de que é possível mudar; eu acho que ainda que pelas letras frias da Psicanálise a mudança não seja possível, na verdade, na atitude de Freud há a possibilidade de ajudar, senão ele não estaria se movendo. Ele está lidando com pacientes, com pessoas; ele não está constatando impossibilidades; não há o cientista olhando para o outro e dizendo que não há o que fazer. Ele vê que, apesar das mães, alguma salvação ainda é possível.
Acho realmente que este é o processo da Psicanálise e que está muito próximo do Budismo. Mas esse lado onde eu explico porque que isso acontece, talvez não seja muito interessante. É como, por exemplo, o estudo de vidas passadas: se eu, simplesmente, estudar o que aconteceu, eu talvez reforce a noção de que eu sou vítima daquilo que passou; mas, o estudo de vidas passadas está na possibilidade de eu retornar àqueles ambientes e dar novo significado àquilo, de modo que eu me livre daquelas marcas e hoje meu presente possa virar algo diferente. Então, não é apenas retornarmos e vermos o que aconteceu, mas retornarmos e aquilo estar vivo; descobrimos que aquilo não é o passado. Aí eu dou novo significado. Como? Por eu ter a luminosidade da mente, eu posso usar outra região de alayavijnana ou uma região de lucidez para produzir um novo significado. Quando aquilo adquire um novo significado, o conteúdo que eu tomo como referencial muda! Pode ser que eu me cure de doenças, pode ser que muitas coisas importantes venham a acontecer a partir disso.
Olhando desse modo, não há nada diante de nós, no presente, que não seja inseparável de tudo o que já aconteceu porque, no presente, aquilo está sendo visto, construído, vivido, inseparável de tudo o que já aconteceu. Só que quando nós dizemos: “já aconteceu”, nós colocamos num passado que já passou; mas o passado que já passou continua vivo porque o passado também é construído a cada instante. Eu posso olhar para o passado e construir o passado de uma outra forma. Então, por esse poder de construção, o passado não é passado, do mesmo modo que o lixo não é lixo. Eu construo o passado como uma coisa que passou, não sei por quê! Eu não entendo o aspecto de construção; então, eu entendo as coisas como objetos, situações, e aquilo parece que passou, mas não passou. Está vivo! Mesmo no que se refere a pessoas que já morreram: enquanto éramos capazes de olhar a cara delas, de segurá-las e de sacudi-las, ainda que a gente pensasse que estava junto delas, nós não estávamos junto delas, estávamos no espaço sutil, produzindo aquele significado de sacudir o outro. Aliás, o outro não era aquele corpo – não estávamos nos relacionando com o outro através daquele corpo que estávamos sacudindo. Aquele corpo que estávamos sacudindo produzia impressões em nós – nós estávamos sacudindo a fonte daquelas impressões, achando que a fonte estava ali; mas estava aqui. Aí, a outra pessoa morreu – se foi! Nós então voltamos naquele tempo em que a pessoa tinha aquele corpo, aquela imagem e damos novo significado_._ Nós usamos uma outra região de alayavijnana ou uma região de lucidez, ou rezamos o metabavana, vamos para outra região! Olhamos para essa pessoa de outra região e o efeito que aquilo produzia em nós, desaparece porque o presente, passado e futuro estão presentes, são construídos incessantemente com essa luminosidade.
Nós então pensamos: “mas esse conjunto de atributos meus, que eu uso para olhar para o outro, isso é meu, eu sou isso”. Aí a pessoa descobre que não é. Descobre que aquilo que já passou, aquilo no mínimo, é; mas também não é. A pessoa pode retornar ao passado e dar novo significado à sua existência do passado. Nesse momento, a noção da identidade fica um pouco afetada. Aí, eventualmente a pessoa diz: “Não, não! Quero voltar para o velho samsara, tudo direitinho; eu sabia onde estava o meu chinelo, tinha a chave da minha casa...” Podemos também pensar: “Eu preciso de um refúgio, alguma coisa mais sólida, porque simplesmente retornar para o samsara não está adiantando”. Nós então precisamos olhar o que é mais sólido dentro disso. Aí nós vamos encontrar esse ponto final que é esse aspecto do Dzogchen.
Nós vamos encontrar a natureza primordial que é aquilo que constrói as aparências. Quando as aparências cessam, cessam dentro dessa natureza primordial – a luminosidade produz essas aparências. Então, nós estamos nesse ambiente, estamos olhando isso e temos as várias paisagens e vemos que elas também são grupos construídos; mesmo que pareça que são sólidas e que nós somos aquilo, vamos descobrir que não somos aquilo! Aquilo muda – nós não somos confiáveis porque essas estruturas mudam! Aí, nós estamos numa situação um pouco delicada – estamos retirando a noção desse EU.
Então estudamos os 12 elos da originação interdependente, com cuidado. Percebemos esse aspecto do surgimento de todas essas aparências – esse surgimento luminoso das aparências – essa sensação de solidez das coisas, dependendo das construções luminosas que se fundem com a análise dos 12 elos.
A descrição dos 12 elos começa no caminho do ouvinte, o Buda descreve isso dentro do caminho do ouvinte; mas quando nós combinamos os 12 elos com a noção de vacuidade, nós estamos dentro do Mahayana. Isso é muito útil – quem utilizou isso de forma extensa foi Nagarjuna – o estudo dos 12 elos. Nagarjuna dizia que os 12 elos são a essência do Budismo.
Liberdade – a natureza e a sabedoria primordial
Voltando ao tema da liberação, a gente entende as paisagens, pode começar a transitar de paisagem para paisagem, entende a noção de lung e começa a contemplar aquilo que é incessantemente presente. E o que é incessantemente presente? A liberdade de escolher paisagens, de construir paisagens e, junto com essa escolha, ter a possibilidade de dar significados aos objetos. Eu tenho a possibilidade de atribuir energia aos objetos, energia de atração, aversão ou indiferença. Eu tenho essa possibilidade. Vou descobrir todos esses componentes. Surge o Vajrayana; senão o Vajrayana, vai surgir a noção dos Budas, a noção de Kuntuzangpo, a noção dos Budas gerados a partir de Kuntuzangpo. Isso é muito importante também. Então, na sequência da contemplação de alayavijnana, vai surgir a contemplação das qualidades positivas. Vai surgir como? Descobre-se essa natureza livre e nós vamos usar essa nomenclatura: o Buda primordial.
Precisaríamos olhar com muito cuidado – nós precisaríamos contemplar isso por um bom tempo, dias, semanas, anos – o bom seria contemplar isso no resto dos tempos, essa noção do Buda primordial. Quando tomamos uma liberdade natural, que não é o vazio, mas uma vacuidade, e nós vemos que essa vacuidade é livre e viva porque ela pode produzir coisas, ao contemplar isso, vemos que tem um princípio ativo dentro dessa vacuidade. A vacuidade não está parada, ela é viva, tem um princípio ativo que é luminoso; não só tem esse princípio ativo, como existe dentro disso o que é chamado de sabedoria primordial; é muito importante que vocês guardem essa expressão: “sabedoria primordial”.
Duas consciências? –Jnana e vijnana
A sabedoria primordial está ligada à nossa capacidade de distinguir e dirigir o processo luminoso de construção. Tem uma consciência atrás; essa consciência é uma consciência primordial. Ela não é vijnana. Vijnana é traduzida como consciência, jnana é consciência primordial, lúcida. Então, vijnana é uma consciência lúcida operando de forma dual. Este vi vem de dualidade. Essa expressão jnana e vijnana é de grande importância – porque não existem duas consciências. Existe uma consciência primordial que é jnana; essa consciência pode operar com o vi, na frente, ou sem vi. Quando eu coloco o vi na frente, esse é um processo lúdico, onde eu começo a brincar com construções; se eu retiro esse vi, eu vejo as construções e posso me tornar independente daquilo. Mas eu posso entrar no mundo das construções, posso operar no mundo das construções, ou não! Não existe nenhuma consciência condicionada – jnana – que não tenha essa consciência primordial por baixo.
Se formos até o nível da vacuidade, contemplamos e vemos agora o princípio ativo, lúcido, que eu vou chamar de sabedoria primordial - ela é viva. Esse é o aspecto mais profundo em nós. A sabedoria primordial é viva. Se eu olhar qualquer ser, eu vejo que ela está dentro de qualquer ser, ela está lá; todos os seres fazem escolhas, ela representa essas escolhas. Essas escolhas podem estar sendo duais e dentro de paisagens específicas, mas o princípio da escolha é o mesmo. E porque ele é livre, aquele ser que está agindo de modo condicionado, pode se deslocar para outra região, escolher outros referenciais e pode também se livrar disso e retornar à condição primordial. Então, faz sentido dizer que todos os seres têm a natureza de Buda; eles são apenas jnanas operando sob dualidades dentro de nuvens de significado, que são as paisagens. Eles adquirem diferentes corpos, mas estão fazendo a mesma coisa; na base, todos eles são emanados dessa consciência primordial, que eu vou chamar de Kuntuzangpo ou Samantabadra.
Kuntuzangpo ou Samantabadra.
Chamo isso de Kuntuzangpo ou Samantabadra como um nome que eu atribuo a alguma coisa. Samantabadra ou Kuntuzangpo significa apenas isso, mas eu posso ficar na dúvida se Kuntuzangpo ou Samantabadra não é completamente vivo e consciente e capaz de dirigir.
Presença é o tipo de meditação na qual eu medito sobre aquilo que está incessantemente presente, contemplo isso, repouso na presença. Aí eu vejo Kuntuzangpo – vocês podem observar que de Kuntuzangpo brota o princípio da compaixão, como se fosse uma compaixão primordial. Esse princípio da compaixão é o antídoto perfeito para a construção. Surge vijnana, o jogo dual, e surge jnana indo atrás das construções duais e liberando as construções duais da obscuridade mental que surge a partir daquele jogo. Aquele jogo é um exercício lúdico, mas se eu ficar preso dentro dele, ele deixa de ter um aspecto lúdico e passa a ser uma realidade limitada, aprisionante. Esta realidade limitada e aprisionante é que vai nos permitir introduzir a expressão obscuridade mental. Todos os seres estão presos em um nível de obscuridade mental. Se eles estão jogando um jogo, o mundo deles é espelhado, eles não conseguem olhar adiante do jogo. É como se nós estivéssemos dentro de uma esfera espelhada. Olhamos para espelho e vemos o infinito, mas aquele infinito reflete o meu mundo interno.
Então brota a noção de Kuntuzangpo; brota desse princípio livre, o princípio da compaixão que é a dissolução do sofrimento que surge a partir desse mundo limitado. Queremos dar um significado completo a esse mundo limitado, mas não conseguimos; não conseguimos dar uma coerência a esse mundo limitado – ele não tem uma coerência propriamente, porque ele é forjado, é construído. Aí vocês vão encontrar, por exemplo, algumas ações desesperadas: governos totalitários tentando significar tudo a partir de uma estrutura rígida, filosófica, religiosa. Eles vão forçar aquilo porque eles não aguentam a impossibilidade de lidar com essa multiplicidade de significados; seja de modo político ou religioso. Permanecem às vezes por mil anos, dois mil anos, cinco mil anos, formam estruturas que se tornam rígidas.
Nós estamos no meio disso, só que agora estamos rompendo, porque essa comunicação que agora se produz faz com que sistemas de pensamento ou filosóficos se batam uns nos outros e esse processo de significação se torne claro; ou seja, não há sistemas absolutos. Não estamos conseguindo lidar com sistemas absolutos e isso faz com que comecemos a abandonar a noção de sistemas absolutos. A última tentativa ainda é a ciência que tenta trabalhar com uma noção de sistema absoluto, mas curiosamente, a própria ciência rompe essa noção porque ela mesma derruba os dogmas anteriores.
PARTE TRÊS
Budismo e Ciência
A ciência e as noções de Nalanda e ahimsa
A ciência, na visão da S.S. o Dalai Lama, é muito importante, porque ela é mais do que configuração do conhecimento. A ciência é um método de olhar para as coisas com lucidez, além das configurações. Então a ciência não é o conjunto das coisas que eu sei; a ciência é o método de ultrapassar as visões arraigadas. Por isso S.S. Dalai Lama vai dizer: os cientistas não precisam ficar presos às estruturas filosóficas que eles estão elaborando hoje. A ciência é o que há de mais importante. Ele funde a noção de ciência com a noção da sabedoria primordial e lucidez e vai dizer que a ciência é o que há de mais importante. Porém os cientistas frequentemente se prendem a sistemas filosóficos que enfraquecem a visão, mas não é necessário; eles se tornam crentes enquanto eles deveriam ser céticos. O ceticismo é essencial – esse é um ponto muito interessante que conecta com a noção de Nalanda. Esta abordagem é útil para depois entrar no nosso ponto central.
Essa noção de Nalanda que S.S. Dalai Lama também introduz, é como se fosse a essência da ciência – o templo principal da ciência, o local onde tudo o que é sabido é absorvido; dialogamos com tudo – isso é o espírito de Nalanda. Quando dialogamos com tudo, podemos ver a especificidade daquele conhecimento e, ao mesmo tempo, dissolver aquilo na vacuidade. É como se nós estivéssemos iluminando alayavijnana – todo conhecimento são pedaços de alayavijnana. Nós vamos pegando esses pedaços e vamos colocando a vacuidade por baixo de cada um deles. Vamos organizando o universo, vamos arrumando as coisas. Então, Nalanda é como se fosse um grande rim, purificando o processo de alayavijnana e transformando em lucidez.
Ele vai dizer que a essência da nossa ação deveria ser Nalanda e ahimsa. Ahimsa é essencial para Nalanda porque ahimsa significa uma ação de acolher os outros de forma pacificadora, de integrar todas as diferenças, observar as diferenças, não lutarmos contra; ao mesmo tempo, mantermos um eixo de lucidez, não abandonarmos o eixo de lucidez – esse é o aspecto irado de ahimsa. O aspecto acolhedor de ahimsa é o diálogo não violento, seja com o que for. A base do diálogo não violento está na compreensão de que seja o que for diante de nós, é a expressão de jnana operando com vi – vijnana – em algum lugar; mas a base é jnana. Toda a ação da lucidez de Nalanda, junto com ahimsa, é reconhecer cada aspecto de vijnana como expressão de jnana, sabedoria primordial.
Aí vem essa utopia sobre a qual S.S. Dalai Lama não tem mais falado, mas que é a noção de que o Tibete deveria ser declarado uma zona livre de Nalanda e ahimsa. Nós precisamos ou não de um rim desses no nosso planeta! Nós precisamos de uma região livre em que as nações protejam essa dimensão onde o ponto central é a lucidez. Não existe melhor lugar para isso do que um lugar onde muitos e muitos mestres passaram e onde foi gerada uma cultura do cotidiano, impregnada por essa compreensão. Portanto, essa é a importância da proteção do Tibete enquanto algo artificialmente produzido, aonde eu encontro os seres humanos com a sua limitação, com visões muito amplas que são as que eu estou aqui descrevendo. Essas visões estão enraizadas dentro de uma cultura; então, ali é um bom lugar para isso.
Eu acredito que S.S. Dalai Lama está convergindo para a noção de que o planeta inteiro se torne uma região de ahimsa e Nalanda. Nós não vamos poder mais ter isso como regiões localizadas geograficamente; mas ainda assim, eu acho importante que a gente faça esse esforço para proteger – pelo menos durante esse período de transição – e a gente consiga obter os benefícios que vem desse laboratório humano que é o Tibete. Não precisamos destruir isso.
Do mesmo modo, Cuba é um laboratório humano do socialismo - e eu não estou aqui nem achando bom, nem achando ruim, mas é um laboratório humano - e eu acho maravilhoso que olhemos isso assim, em vez de imaginar que pessoas - como o Bush, por exemplo - achem que é melhor explodir aquilo.
Na verdade, cada tribo brasileira, cada idioma falado em algum canto, é um laboratório humano. Então, todas as raças, todas as expressões culturais são de grande importância porque são laboratórios humanos de como as pessoas juntaram jnana com vijnana e conseguiram lidar, dar significado a esse cotidiano e andar no meio disso. É um laboratório do heroísmo dessa mente que se perdeu no meio das coisas e tenta retornar; é uma coisa heróica, é maravilhoso. Deveríamos proteger tudo isso e, naturalmente, proteger os tibetanos. Não só os tibetanos, mas as múltiplas experiências religiosas de vários povos, que são muito profundas também.
Às vezes, eu contemplo assim: a vida aqui no planeta, não é muito longa. Isso tira um pouco o nosso fôlego. Se considerarmos em termos geológicos, o planeta tem 4 e meio bilhões de anos e a vida - pelo menos alguma coisa que se assemelhe à vida humana - duzentos milhões. Aí quando olhamos isso, entendemos que todas essas categorias de pensamento vieram posteriormente, junto com os caminhos espirituais também. E nós, perdidos no meio de vijnana, tentamos encontrar um significado que seja suficientemente profundo para dar conta da multiplicidade das coisas com as quais vamos lidando. Então - todos os conceitos de liberação - está tudo dentro disso, só que isso tudo está girando junto com o planeta Terra, em torno do Sol – é um samsara que está dominado pelo processo de que a Terra gira em torno do Sol, que o Sol está aqui, que ilumina etc. Fomos construindo toda essa vida e isso vai desaparecer, inteiro! Não é uma língua, uma cultura, não! A biosfera inteira vai desaparecer e como diz Patrul Rinpoche, os planos sutis todos! E junto com isso as deidades também; desaparece tudo e só fica a natureza primordial.
Essa natureza primordial é cósmica, ela termina encontrando outras formas de reiniciar o jogo; esse conceito é altamente antropocêntrico porque, naturalmente, a sabedoria primordial está jogando em muitos diferentes níveis, em muitos lugares e não é nesse planetazinho que está o centro da noção do jogo de vijnana. Aí vem a noção do Dzogchen de que existem treze sistemas universais; eu acho treze um bom número, mas a minha impressão é que há uma possibilidade que é melhor nem enumerar! O universo inteiro, como nós vemos, até os confins de onde alcança o hubble, não tem nada mais do que espelhos das nossas teorias. Uma pequena bolha cognitiva, apenas isso, que vai se extinguir junto com a biosfera, junto com as nossas crenças; não só o hubble termina, mas as visões cósmicas, evapora tudo.
São coisas a que nós ficamos dando significado e todas elas, nós apontamos com o dedo: “lá nos confins...” – tudo isso é vijnana. Separado – eu estou contemplando o fim da coisa, separado de mim. Isso não funciona nem com os fundamentos cósmicos! Essas regiões são cheias de paradoxos. Há estrelas que se comportam de um jeito estranho - coisas que são estranhas - por todo lado. Houve um tempo em que o mar era isso – cheio de seres estranhos, dragões. Agora nós olhamos os confins e as estrelas e galáxias são estranhas. Então, a noção de vida está ligada a um jogo lúdico de vijnana. Esse princípio ativo produz esse jogo: isso é a vida.
A vida não é biológica, necessariamente. A energia se move; o princípio ativo está operando, mas olhando agora essa natureza primordial, ela está viva ou não está? A natureza primordial está viva. Olhando nesse sentido, nós - nisso que chamamos de nossa vida - estamos vivendo um fragmento da vida, num sentido amplo. Nós vivemos a vida sob condições limitadas. Queremos preservar a vida, mas essa preservação nos faz perder a vida de fato, porque nós a vivemos de uma forma limitada. Mas, como o aspecto limitado está dentro do aspecto ilimitado, em meio à vida limitada, nós podemos ver a vida ilimitada. Ou viver a vida limitada como uma expressão da vida ilimitada. Não tem nada de místico nisso e no sentido prático, cotidiano, isso é muito útil porque é a essência do “dar novo significado” às coisas.
Quando nós estamos presos a significados estreitos, aquilo é uma prisão e eu posso dar novos significados. A sabedoria primordial aciona essa energia. Quando nós damos novos significados, nós dotamos aquilo de outra energia e começamos a operar com essa energia. Esse aspecto da energia é o que nós estamos dispostos a conversar aqui.
A expressão jnana, nem sempre é considerada a sabedoria primordial, mas aqui eu estou usando a palavra jnana como sabedoria primordial; existem muitos diferentes jnanas - são formas específicas de operar, duais - vocês vão encontrar essa noção.
Já a Sabedoria primordial, podemos olhar como rigpa, mas eu prefiro imaginar rigpa como se fosse uma lucidez da natureza primordial. Rigpa é quando eu olho condicionado e vejo ilimitado. Primeiramente, temos que ver o condicionado para depois reconhecermos o ilimitado. A essência do prajnaparamita - eu atravesso para o outro lado - eu vejo condicionado e atravesso, através de rigpa. Essa é a grande sabedoria descrita no prajnaparamita, e jnana é como se fosse esse estado livre da sabedoria primordial; mas não vamos conseguir separar bem rigpa de jnana.
Mas, após acessar a sabedoria primordial é preciso ainda purificar as emoções, purificar o lung.
Perguntas e Respostas
P: Qual a diferença entre o Zen e o Hinayana
R: É como se o Zen fosse uma extensão, um upgrade do caminho do ouvinte. No caminho do ouvinte, nós vamos meditar e por que upgrade? Porque no caminho do ouvinte, nós meditamos como se fosse a única coisa lúcida que pode ser feita durante a vida. Se eu abandonar a meditação, é perda de tempo, é samsara; então, o caminho do ouvinte trabalha de forma dual. Eu medito e estou meditando inseparável dos Budas. Eu abro o olho, me movimento e... estou no mundo dual, condicionado, limitado. Mas aí vem o Zen e introduz o aspecto Mahayana disso. O Zen vem trabalhar com a noção de zazen: eu deveria me manter com essa mente de zazen que é igual à prática, antes da prática e depois da prática. Tem uma aspiração de controle de mente aí.
Os tibetanos vão olhando outras coisas, adicionalmente. É como se eles estivessem pulando por cima das experiências de controle, como se eles estivessem cansados de trabalhar com controle.
O Budismo Zen, na sua própria expressão, que é uma expressão monástica, tem sua essência na vida no mosteiro. Então, o ensinamento é no cotidiano do mosteiro; isso é muito parecido com o caminho do ouvinte. Naturalmente nós vamos encontrar mestres totalmente liberados; eles têm uma forma muito mais ampla de se mover, como Tokuda San, Moryama Roshi – formas muito amplas de se mover. Agora, os tibetanos foram estudando como ajudar, sem a necessidade de renúncia ao mundo. No Zen, tem um pouco de renúncia ao mundo, no caminho do ouvinte também tem. O Mahayana se divide: no Mahayana Sutrayana existe a noção de renúncia ao mundo. O Mahayana Tantrayana não tem a noção de renúncia; o Vajrayana não tem renúncia ao mundo, ou tem, parcialmente. O Dzogchen não tem renúncia ao mundo.
Como podemos entrar numa prática onde não há renúncia? É o que nós estamos olhando aqui – nos tempos de degenerescência isso é considerado melhor, porque em tempos de degenerescência as pessoas não estão dispostas à renúncia; então, é necessário desenvolvermos lucidez no meio das condições e aí surgem os métodos para se fazer isso. Eu acho que nós estamos realmente vivendo esses tempos; o aspecto monástico hoje, se torna progressivamente mais difícil, quase impeditivo, a noção de que eu abandono as coisas como sendo algo do samsara, vou meditar e deixar aquilo flutuar para onde tiver que flutuar, não interessa mais.
Nós estamos substituindo isso pela noção de que nós vamos olhar para as coisas e entender como é que a luminosidade vai produzindo tudo e reconhecer, por trás dessa luminosidade, a natureza primordial incessantemente operando. Então, eu não preciso descartar alguma coisa, eu posso lidar com as realidades como elas surgem, encontro um software onde eu sou capaz de lidar com elas sem a necessidade de rejeitá-las e vou usando isso como um exercício da liberdade.
PARTE QUATRO
O Jogo da Vida
“Jogando” com lucidez
Quando a gente diz Kuntuzangpo, nós estamos nos referindo a algo lúcido, consciente ou estamos nos referindo a uma vacuidade parada? Nós vemos que tem uma vida ali dentro e eu introduzi a noção de vijnana e jnana como a essência dessa vida. Jnana não é apenas uma liberdade frente às coisas, é uma capacidade de criação, capacidade de ação; então é justo que a gente chame isso de Kuntuzangpo, quase como uma coisa antropomórfica; ainda que Kuntuzangpo possa ser representado de modo antropomórfico, é bom entender que o aspecto antropomórfico dá a noção de que tem uma vida ali dentro. Não vamos conseguir penetrar mais do que isso porque nós só vemos os efeitos externo. Vemos, por exemplo, energia primordial e luminosidade em ação. Não conseguimos olhar para aquilo, mas está lá, nós vemos que tem vida.
Acho que um dos aspectos mais interessantes disso tudo é perceber o aspecto da sabedoria primordial, que dentro dessa vida tem uma lucidez que é capaz de compreender de um jeito, recuar, entender de outro jeito, recuar – tem essa vivacidade que é o princípio essencial da vida. Pode associar várias visões e ficar livre daquilo e operar; essa vivacidade, por trás do olho, é o Buda primordial. Aí vocês vão ver o samsara inteiro como expressão dual do Buda primordial, como se estivéssemos jogando um jogo. Nada mais parecido do que um jogo lúcido que vamos criar quando nós pegamos peças de madeira, damos significado, damos energia a elas, colocamos dentro de uma paisagem que é o tabuleiro e começamos a jogar. A nossa energia começa a operar ali dentro, a nossa mente opera, nosso corpo opera, as emoções operam – aquilo é um microcosmo, um espelho perfeito desse macrocosmo. Vivenciamos de modo igual: criamos aquilo, podemos entrar, dói para entrar, dói para sair, dói no meio... é o laboratório das dores. Aí, vocês olham os jogos de computador, é igual!
Eu acho realmente maravilhoso podermos entender esse princípio lúcido que me permite jogar um jogo; ele é o mesmo princípio lúcido que me permite me libertar do jogo. Mas eu posso jogar o jogo porque este jogo está vivo, porque eu estou manifestando esse princípio vivo no meio daquelas condições. Esse princípio vivo é o mesmo; porém, está operando sob um conjunto de condições, uma paisagem que está fazendo com que ele opere ali dentro. Isso nos permite entender a energia primordial, também. Quando olhamos um jogo, um jogo de xadrez, por exemplo: cada peça tem um valor e as várias situações do jogo têm valores que eu estou dando, estou construindo. Um colega aqui ao meu lado está assoprando: Você não viu que... “Cala a boca!”. Um vê uma jogada, o outro não vê; cercado de palpiteiros, cada qual vê alguma coisa diferente e ali, no meio do jogo, eu vou construindo realidades; eu me movimento a partir de realidades que vejo e eu tropeço e erro e não vejo muitas coisas porque eu estou construindo coisas. Só que, enquanto eu estou construindo aquelas coisas, o meu coração também dispara! São emoções, o olho brilha, as bochechas ficam vermelhas, as orelhas ficam vermelhas. Como que aquelas peças podem ter esse valor; são peças! Ganharam aquele valor elétrico! Então isso é energia, e eu posso raciocinar que aquilo é um jogo, que não tem importância nenhuma, que é construído, artificial, mas, justamente porque é assim, eu quero ganhar... entendeu?
Identidade e as deidades Vajrasatva e Chenrezig
Esse ponto é interessante porque introduz a possibilidade de vermos como o personagem surge, como a identidade surge. Ela surge animada pela energia. A energia é que dá solidez para a identidade e essa energia dá significado para as várias coisas com as quais a identidade está se relacionando. Ali está a gênese da identidade – nós estamos vendo aquilo acontecer. Quando nós vemos a identidade surgir, nós vemos também a identidade na sua vacuidade.
É a vacuidade da identidade também. Mas ainda que escutemos sobre isso, não tem muita importância porque nós continuamos alegremente com uma sensação terra da nossa própria identidade que ouviu aquilo e, tudo bem. Nós ouvimos sobre as coisas e seguimos sem que nada aconteça. Então, vamos ter que derrubar essa identidade que acha que está tudo bem. Não precisamos lutar contra; precisamos elucidar.
Nós precisamos novamente de um método: nós paramos e nem piscamos; contemplamos; contemplamos isso na gênese, não na negação, mas na forma pela qual aquilo passa a acontecer. Mas antes de entrar nisso, já que estamos passando por perto, eu vou falar também das deidades.
Há a deidade primordial. Da deidade primordial vejo que surge esse princípio da compaixão primordial também. Tomem isso como o fundador de todas as religiões. Alguém olha algo de forma mais ampla e vê os outros presos numa coisa estreita e vai lá, ajudar a dissolver; vai lá ajudar a construir algo melhor. Todas as tradições religiosas estão com essa motivação que vem da compaixão primordial. Elas operam de formas mais amplas ou de formas mais estreitas, produzindo resultados; mas todas elas estão motivadas por esse princípio.
Na visão Budista, podemos chamar isso de Chenrezig. Chenrezig de mil braços que vão produzir mil budas em épocas sucessivas e que vão ajudar as pessoas incessantemente. Um princípio universal: Chenrezig vai gerar todos os mestres, vai gerar todas as linhagens (não estou nem falando das linhagens budistas, estou vendo um princípio amplo), vai gerar a ciência, vai gerar todas as mães cuidando dos filhos, os líderes, as pessoas tentando fazer ações positivas. Esse princípio está aí, ele opera.
Em todos esses princípios, de uma forma absoluta ou limitada, nós vamos ter pessoas retornando a sua mente para âmbitos mais amplos. A partir do silêncio, eles olham de forma mais ampla, ultrapassam as estruturas em que os outros estavam operando e apontam outros caminhos que são melhores do que os caminhos aos quais as pessoas estavam aprisionadas. É isso o que vamos encontrar: várias tradições religiosas, filosofias, motivadas por esse buda que é um princípio ativo. Esse princípio ativo não é de alguém, a pessoa é uma emanação daquilo. Então podemos ter várias ações de alayavijnana usando as inteligências limitadas aos diferentes jogos que nós estamos jogando ou podemos ser emanações desses budas e aí surge um panteão que é sambogakaya: uma concorrência a alayavijnana.
De alayavijnana, surge a concorrência que é a multiplicidade das deidades lúcidas operando com funções específicas. Uma deidade geral é Chenrezig, mas existe uma outra deidade geral, muito ampla que é Vajrasatva. Eu diria assim: todos os budas são expressões de Vajrasatva. Vajrasatva significa: aquilo diante de nós, na forma torta em que está, é uma manifestação perfeita, não na forma, mas uma expressão completa da natureza primordial; portanto, eu não preciso alterar a aparência daquilo para reconhecer a natureza primordial. Eu posso mergulhar na aparência que aquilo tem e ver a natureza primordial. Isso é Vajrasatva? Não, é um método! Ele já é um Buda originado do Buda primordial, com essa missão: “você vá lá, localize qualquer coisa e veja que qualquer coisa é expressão da natureza primordial”. Isso já é um método de atravessar da margem da ilusão para a margem da liberação. Isso é Vajrasatva.
Nós podemos ter princípios ativos de compaixão que não obedecem a Vajrasatva. Isso significaria assim: eu chego numa certa região e digo “não tem como!” Quando nós operamos de modo dual entre o branco e os infernos, vamos dizer: eu não tenho como ajudar os seres dos infernos, eu tenho que rejeitar. Vajrasatva não. Vajrasatva entra nos infernos e tira os seres de lá. Ele é a base da ação de Chenrezig.
Chenrezig significa aquele que ouve os sons do mundo. Então ele vai encontrar os seres onde eles estão, com a cara que eles estão. Nós poderemos ter outras deidades que vão ajudar os seres com a cara específica. Por exemplo, Arya Tara vai operar, em princípio, a partir de uma face feminina dos seres. Na verdade, se nós ampliarmos a visão de Arya Tara, vai operar em todos os seres, porque todas as deidades vão trabalhar assim; mas ali tem uma forma específica.
Eu posso dividir também entre deidades pacíficas e deidades iradas, forma específica. Começo a dividir isso tudo. Vou encontrando métodos específicos de manifestação da sabedoria – aí surge esse panteão infinito, não só no número de deidades de agora, como no número de deidades que ainda vão surgir. É uma coisa plástica porque a natureza primordial segue emanando; do mesmo modo que ela emana alayavijnana, ela vai emanando as dimensões de lucidez que vão curando os aspectos limitados. Então surgem essas deidades.
Nós podemos, dentro dos mundos condicionados, abandonar o software de alayavijnana e operar com o software das deidades. Essa é a essência do Vajrayana – operar com as sabedorias. Entre as deidades, a mais importante, naturalmente, é o Buda primordial. Então a diferença entre o Vajrayana e o Dzogchen é a forma pela qual nós vamos olhar as múltiplas deidades. É como se o Dzogchen privilegiasse a natureza primordial ou Vajrasatva; a essência do Dzogchen é Vajrasatva, seja o que for, como manifestação da sabedoria primordial, energia primordial, compaixão, vejo aquilo brotando dessa natureza. Eu sorrio para aquilo e tenho a liberação do samsara.
Aí vêm os 5 diani Budas também, como expressões do próprio Buda da Compaixão. Se eu não consigo tirar as pessoas daquilo, vou gerando outros métodos. Entre os métodos maravilhosos, os 5 diani Budas. Aí tem Manjushri, Chenrezig, 5 diani Budas, Buda da Medicina; se vocês olharem o Buda Sakyamuni, ele é esse conjunto todo de sabedorias antes delas se diferenciarem em vários Budas. O Buda Sakyamuni transita por dentro daquilo tudo. Ele é o Buda da Medicina, ele é Chenrezig, ele é Manjushri, ele é cada um dos diani Budas e ele é qualquer outra coisa, porque ele expressa todas essas sabedorias. Ele é o Buda Primordial também.
Agora, precisaríamos avançar na compreensão de como que o samsara surge diante de nós e com as nossas próprias identidades. Para isso, nós vamos estudar os cinco lungs. Cheguei nesse ponto e tudo o que era preliminar terminou.
Os lungs constroem – nós vamos descobrir que eles são uma expressão primordial que pode construir as deidades, pode construir os Budas e pode construir cada um de nós. A diferença é o conjunto de referenciais que nós estamos utilizando para manifestá-los; mas seja como for, é pela expressão do lung que as coisas operam. Mas, como é que começa mesmo o samsara?
A identidade como energia - a sua gênese
Este tema “Os 5 elementos”, é um tema sobre o qual eu não tenho falado muito.
A importância desse aspecto do lung e o aspecto da identidade – a identidade está junto com o lung. Então, vou tratar da identidade e depois nós vamos lidar com o tema do surgimento do mundo; não só do mundo interno, mas do mundo externo, e também a sensação de identidade que está bem no mundo externo.
Olhamos a identidade de fora, e vemos a nossa própria identidade. Então é necessário ver a gênese – como é que esse processo funciona.
Na verdade, para olhar isso, deveríamos ter uma compreensão da vacuidade, prajnaparamita; ter olhado isso de forma mais extensa e também a gente precisaria ter algum nível de manifestação de bodicita porque precisamos de um eixo. Quando nós olharmos os eixos usuais e retirarmos a solidez deles, vamos precisar ter algo para se pendurar (não quero deixar ninguém preocupado!). Então é importante a bodicita.
Como é que temos a sensação de viver dentro de um corpo – como é que isso começa e vai operando? Isso é regido pelo lung – o lung é que dá essa sensação, essa energia. Não é que o lung simplesmente comece a operar; a gente precisaria examinar esse elemento que é a ignorância, de uma forma sutil. A ignorância de uma forma sutil representa não apenas a separação sujeito-objeto, mas a ligação ao objeto que foi criado. Então aqui, estamos olhando o aspecto coemergente. A gente tem uma dimensão interna que se manifesta e aí aparecem os objetos externos; quando aparecem os objetos externos, a gente pode desenvolver ou não, uma ligação com eles. Em primeiro lugar é importante que entendamos que esses objetos externos surgem a partir de lung; eles não surgem a partir de um processo cognitivo. Por ex: vocês descrevem os filhos de vocês. Vocês vão descrever cognitivamente? Dois braços, duas pernas, um olho assim, a gente vai descrevendo; mas a nossa ligação com eles não vem por causa das descrições que nós estamos fazendo. Ela vem por um algo a mais!
Se vocês forem descrever o namorado ou a namorada também; descreve-se assim: dois braços, duas pernas e vamos descrevendo. Aí tem um amigo ou uma amiga que vai dizer:
“E aí? O especial vem de onde?”
“Nada especial”
“E de onde vem essa ligação?”
“Ah, eu não sei (aí tem um tremor!). Eu acho que é uma coisa astrológica; uma coisa cármica, uma coisa psiquiátrica, uma coisa de vidas passadas. Na regressão que eu fiz ele era um chefe de uma tribo e eu era escrava, ele me encontrou na floresta e me aprisionou, eu protestei muito e no fim, eu fiquei serva dele, por isso que nesta vida eu não posso olhar pra ele que eu quero ser serva dele também.
Ou melhor, ele virou meu servo, é isso?
A pessoa encontra uma razão. Se aquilo é ou não é, no Budismo é simples: tem lung ou não tem.
A questão do lung é delicada porque temos a tendência a olhar um objeto, olhar para um ser e achar que aquilo é assim; acho que a maioria de nós já viu que aquilo não é assim. Aquilo é algo que vai girando na frente.
Por exemplo, precisamos ver se aquele ser tem esse poder em período de TPM, em período de gravidez. Eu já ouvi descrições traumáticas para os homens, do tipo: no tempo de gravidez não dá nem pra sentir o cheiro dele que causa enjôos. Caso extremo! Mas tem uma rejeição, uma alergia, urticária – pode acontecer isso.
O Lung da Coemergência
Nós temos predisposições que flutuam e nós flutuamos junto! Não vou aqui comentar as flutuações masculinas porque isso pode deixar as mulheres assustadas... Mas pode acontecer por exemplo, a pessoa tem um apego muito grande mas daí passa um outro ser e não é que aquele apego some? E depois o apego volta, aquilo se dissolve. Na época do Buda, há uma descrição do Ananda que o Buda leva para o mundo das deusas. É uma vergonha como Ananda esquece rapidamente a esposa dele.
Isso significa o quê? Olhamos para os outros seres e pensa que eles são algo fixo. Isso é o aspecto da ignorância mesmo. Olhamos para os objetos e aferimos uma etiqueta imediatamente. Não nos damos dá conta de que as etiquetas flutuam...Mais adiante, estamos colocando outras etiquetas com a tendência a imaginar que aquilo é alguma coisa mais séria, mais estável e aquilo NÃO é estável, aquilo oscila ao sabor da coemergência; se o passado muda – como nós estávamos olhando – se os defuntos mudam! Pensem! Se apesar deles não existirem mais, eles mudam! Somos capazes de conversar com os mortos e resolver problemas das vidas anteriores! E o que se refere a esta vida, nós não vamos mudar? Aquilo está girando na nossa frente porque brota por efeito da coemergência. Agora o que dá a sensação de solidez é o fato de que aquilo produz energia. Então também tem esse tipo de diálogo:
“Por que você tem ligação com aquele rapaz se ele lhe causa tanto mal?
Não sei! Até entendo o que você diz, mas é uma coisa do coração – isso é um sofrimento, mas é assim.
Libere ele! Resolva isso!
Não! Está além do que eu posso, eu vou morrer, entrar em depressão, eu passo mal, não tem como!”
Este é o aspecto de energia entrando e se chocando com o aspecto cognitivo. Só que o aspecto cognitivo não dá conta – o aspecto de energia é que dá conta. Aí pergunte se aquele ser é sólido ou não é. Parece sólido! Agora vocês olhem esses seres sólidos e completamente apaixonantes, cinco anos depois, dez anos depois. Olha uma foto e diz: “Não sei como!”. Daí todos têm uma galeria de seres que ficaram pra trás e que eu aconselho guardar pelo menos uma foto do passado, uma foto muito especial (que o namorado novo não veja); guardado num lugar secreto (“São pacientes que eu tive!”). Neguem sob tortura!
Guardem isso para olhar como prática budista, para ver a coemergência construindo outras coisas, para ver a degradação final daquele ser. Isso é importante – a coemergência fazendo essas mudanças. Também vocês podem olhar para essas faces e fazer metabavana e ver que eles vão mudando! Façam também o prajnaparamita e eles vão mudando ali – os que já morreram e os que não morreram! Então isso é palpável, a experiência de coemergência – direta! Vocês vão vendo acontecer.
Agora, vocês olhem coemergência e contemplem a solidez – vejam se vocês conseguem voltar ao tempo em que tinha uma solidez naquilo. E aí vocês contemplem – não tem solidez agora, mas já teve solidez. Então vocês contemplem toda a solidez que aquilo aparentemente manifestou. Essa é a solidez do samsara – o samsara é sólido, mas apenas assim. Quando vocês conseguirem encontrar uma solidez que não é sólida – peguem essa solidez e olhem como é que aquilo ficou sólido. Vocês vão perceber que não ficou sólido por um processo cognitivo – não é isso.
É tipo a mãe querendo convencer a filha: “Mas, minha filha, ele é um bom rapaz, de boa família (e a filha não achando nada interessante essa conversa) ele é bonito, de boa aparência, um bom rapaz...”
A filha é capaz de dizer: “Sim, sim, mamãe, mas NÃO!” Esse NÃO vem de onde? De onde vem essa solidez?
O reino da indiferença
Um dos aspectos que eu acho interessante é observamos também a indiferença. Por exemplo, as namoradas futuras ou os namorados futuros estão todos na região de indiferença. Como os namorados passados já estiveram em região de indiferença e agora voltaram. Portanto, a região de indiferença é uma região de surpresas. Muito interessante. Por que ali podem surgir muitas coisas. Eu estou falando do mundo afetivo, mas poderia estar falando de qualquer coisa. As pessoas cruzaram por cima das pedras, jogaram pedras umas nas outras por milênios, hoje nós olhamos para as pedras, transformamos materiais e construímos uma nave que se auto-propulsiona em direção a Marte! Pensem! Nós tínhamos uma região de indiferença em relação aquilo. É extraordinária!
Se nós olharmos, por exemplo: petróleo no Brasil. Petróleo no Brasil não existia. Região de indiferença: éramos capazes de passar por cima dos campos e não ver. Agora descobriram petróleo na Amazônia: 2.500 barris por dia – não é muito, mas também não é pouco. Isso significa o quê? Cruzamos por ali e nunca vimos nada. As culturas antigas também. Eventualmente não víamos nada. De repente, os nossos olhos mudam e aquilo fica precioso. Então, assim são as coisas. Isso é coemergência.
O nascimento da solidez – assim brotam os “bambus”
Depois de entendermos a coemergência, precisamos entender a solidez. Como que as coisas se apresentam sólidas. Como os aspectos cognitivos ganham solidez. Eles não ganham por argumentação, eles ganham pelo lung. Isso é o ponto. Então, o lung existe.
Agora, tudo fica mais sólido e temos a sensação de viver quando nos equilibramos ou manobramos de modo causal algumas variáveis ligadas aos objetos. Vamos pensar assim: existe uma diferença entre assistir televisão e navegar na Internet. Na Internet, nós temos um nível de controle. Na televisão, não temos nenhum nível de controle, a não ser trocar de canal. Então, em nível de controle, por exemplo, um jogo é mais excitante do que a Internet que é mais excitante do que a TV porque nós podemos nos construir como algum agente no meio daquilo.
O nível que dá a sensação de existência e brilho em nós é o nível do agir – de ação junto com a coemergência. Então nós temos uma coemergência que produz o surgimento de objetos com energia, mas agora com a capacidade de manobrá-los. E vocês vão perceber perfeitamente como temos essa sensação de vida e essa sensação de morte.
Vocês imaginem a situação de uma mãe sozinha com o filho. Aí o filho vai morar com o pai – naturalmente, tem um tipo de mãe que vai se alegrar:
“Ufa que bom dividir um pouco! E justamente agora que ele está com essa namorada nova... vamos ver o que vai acontecer. Pensou que era fácil? Agora quero ver o que ela vai fazer!”
E aí tem as recomendações para a criança:
“Você vá lá e não desgrude do papai”.
Um dos pontos pra nós é assim: passamos o dia todo cuidando daquela criança - alimenta, olha constantemente a mente deles, todo tempo e vai cuidando. Quando fazemos isso, nascemos como mãe ou nascemos como pai. Se não podemos fazer isso, a temos um nível de morte, uma sensação de morte. Assim: neste horário, ele iria tomar banho e comer. O que estará acontecendo agora? Eu não sei e nem posso saber. Aquilo fica meio estranho – a pessoa tem uma série de reflexos que ela manobraria, utilizaria, e agora não tem como fazer aquilo.
É como, por exemplo, um menino que estava no jogo – eu tiro ele do jogo e boto outro. Ele está ali, olhando o jogo. O impulso brota, mas ele não pode seguir! Então ele tem a frustração do impulso e tem um nível de sofrimento. Dependendo de como for, ele prefere virar as costas e ir embora, porque ele sofre no meio daqueles impulsos causais.
Então, eu ultimamente tenho descrito isso como o fato de que todos nós temos um bambu que estamos equilibrando. Precisaria contemplar esses bambus que estamos equilibrando. A sensação de viver está ligada a equilibrar alguma coisa. Sensação de identidade – a gente se define. Por exemplo, se eu dissesse para vocês agora: precisamos fazer retiro; um a um, os bambus desaparecem, todos. Se eu for fazer retiro de um ano, os bambus caem todos. Logo, imediatamente, vemos que não pode por isso, por aquilo... Não pode, porque nós temos algo que fazemos. Então, a melhor prática é contemplar esses bambus porque não vamos largá-los mesmo!
Contemplar os bambus e o fato de não largarmos os bambus não quer dizer que estes não caiam: as tragédias de sofrimento estão aqui; também não quer dizer que novos bambus não apareçam. Seguimos olhando e percebendo isso.
Com qualquer função que se exerça, nosso olho brilha: é o elemento éter. Então nós vamos dividir esse éter ou lung em cinco, mas é muito importante que entendamos essa sensação de existência por esse bambu que nós estamos equilibrando – todo mundo está equilibrando alguma coisa.
Então a pessoa diz: Não posso: sou pai, sou mãe, sou isso, sou aquilo. Temos essas funções, elas não são permanentes, mas assumimos essas funções e, se formos suprimidos de todas elas, é uma desgraça. Precisamos de alguma função porque sem nenhuma função, a sensação é de morte mesmo: a energia não circula.
Dar uma responsabilidade a uma criança é também criar um javali, uma identidade. É um nível de ignorância, a pessoa foca alguma coisa, passa a ser aquilo e fica importante. Essa importância é aquele brilho no olho. E junto com o javali tem naturalmente uma paisagem. Tem a paisagem, surge o javali e ela se equilibra.
É muito difícil a pessoa se equilibrar a partir da natureza primordial, mas a nossa prática é essa. A liberação do samsara diz respeito a isso e por isso shamata é tão importante. Nós nos sentamos e sustentamos a energia livre e não a energia que sustenta algo. Não vamos ter nem depressão, nem sono.
Como se libertar? Entendendo como o samsara nos pega.
O processo de libertação diz respeito à liberação da energia – como a energia move. Quando vocês praticarem shamata, meditação zazen, pratiquem com um sentido de subversão do samsara. Vocês não estão fazendo nada. Nenhum propósito; apenas permanecer vivo nessa condição, com olho brilhante, isso já é manifestação de liberdade frente ao samsara.
Samsara opera sempre com significados e lungs a partir de operações do tipo bambu. Então nós poderíamos definir o samsara pelo bambu. Temos a ignorância que é o processo pelo qual a mente se divide entre objeto e observador e ela e através da co-emergência, produz aparência de objetos e comunica a energia. Nós olhamos aquilo como se fosse separado de nós – objeto básico de ignorância do samsara. Aí, eu olho aquilo e começo a interagir, como se aquilo fosse independente, tivesse a sua própria estrutura a qual eu não alcanço; tento manobrar aquilo através de um processo causal – mudo condições e aquilo vai indo para cá ou pra lá. Isso é a condição de entrada no samsara.
Todos os objetos de nossas ações mentais e energia estão ligados a objetos desse tipo, que brotam por coemergência. E aí vem o sentido do equilíbrio – o que dá sentido à vida no samsara é estarmos equilibrando alguma coisa, mesmo que sejam sentidos fugidios, completamente virtuais. Por exemplo, se vocês vão ver um trecho de uma novela, contemplem o que se move dentro enquanto vocês olham aquilo – imediatamente surge um bambu: aquele crápula que tem a vitória na frente da mocinha que está ali. Aquilo pega vocês. É isso que nos pega. Vamos ao cinema e é a mesma coisa. Como é que o cinema nos aprisiona – como é que um filme nos prende. É muito curioso! Quando eles fizeram o primeiro filme eles não tinham a clareza de que aquilo produziria um efeito sobre as pessoas; de que aquilo funcionaria. E ficaram surpresos de ver como funciona. Passavam um filme e aquela animação – não é que as pessoas riam? É notável que possamos nos conectar com isso. Imaginem assim, passar um filme para um cachorro. Será que o cachorro se conecta com aquilo ou não? Se surgir um cineasta bom pra cachorro! Filme em 4D, com cheiro! Pode ser que funcione. Quem sabe um dia a pessoa vai sair e deixar o cachorro entretido vendo um filmezinho. Eu acho que isso deve funcionar. Os cachorros reagem a sons e, se no filme tiver um som de cachorro latindo... vamos precisar de bons atores! Naturalmente vai ter um gato crápula... Esse mecanismo vai ocorrer, em princípio, teoricamente, deve funcionar. Por exemplo, uma peça de teatro pra cachorro, com certeza funciona. Teatro interativo! Ou seja, no centro do palco um poste, com cheiro adequado. Pronto, já interage com aquilo. Os atores humanos vestidos de cachorros peludos, latindo, o outro cachorro vai se assustar com certeza. Então está aí, a peça de teatro já está rolando...
Por que isso? Porque os cachorros também estão equilibrando coisas – definem territórios, estão ocupados fazendo algo. Outro dia estava um praticante observando isso e eu achei tão interessante a observação dele, lá no Caminho do Meio. Ele observando e filosofando sobre os cachorros – ele viu o cachorro cheirando e delimitando território e se deu conta de que, ao fazer isso, ele ficava aprisionado ao território que ele tinha delimitado. Profundo! Muito profundo!
Nós delimitamos territórios – delimitamos o que é nosso – e perdemos todo o resto! Já pensou? Coisa séria. Os animais também equilibram coisas – eles delimitam o território e depois tem que garantir aquele território; ficam ocupados. Então, já têm propósito, as orelhas já estão em pé. E nós... Não é bem assim, mas não é muito diferente também. Precisamos contemplar isso.
Dentro dos ensinamentos do CEBB, já vimos camadas e camadas de coisas, agora estamos chegando nessa contemplação desse processo - precisamos disso.
Quando nós nos vemos equilibrando uma coleção de bambus, muitos braços segurando bambus variados, terminamos nos definindo por aquelas operações. Tornamos-nos aquilo. A nossa fixação não é ao bambu – se vocês olharem com cuidado, a nossa fixação é ao processo de equilibrar. É ter algum bambu – tomamos qualquer exemplo! Podemos pensar que o bambu é algo cognitivo, mas o bambu é um aspecto emocional – temos um nível de energia que surge por aquele objeto e nós tratamos de sustentar aquele nível de energia. Isso são as nossas vidas.
Essa energia que surge e que nós equilibramos, é a energia da nossa vida e é perfeitamente adequado quando alguém vai embora e dizemos: “Perdi a razão de viver. Aquilo se desfez. Agora nada mais faz sentido”.
Aquela energia não é mais possível. Às vezes, as mães têm algum luto quando o bebê não mama mais, quando ele vai pra escola, quando ele tem uma namorada – começa a surgir um luto do tempo passado. A criança está viva, mas não é mais aquela. “Tempo bom quando ela estava no meu colo. Eu decidia as coisas”.
Podemos ter uma dorzinha pelo que passou, por aquilo que não existe mais. Nada desapareceu de fato, mas é diferente!
Naturalmente, vamos ter que olhar isso muitas vezes – leva um tempo pra olhar desse modo – e quando olharmos assim pode ser que tenhamos uma sensação um pouco desconfortável porque nos vemos fazendo o mesmo tipo de função com outros objetos. Vemos-nos fixados em equilibrar algo. Se tivermos algo para equilibrar, tudo bem; se não temos, vem a sensação de ausência de propósito. Quando aparece outra coisa para equilibrar, volta o brilho. Mas isso é o samsara.
É como se eu estivesse falando o tempo todo sobre os três primeiros animais: Ignorância, o javali – nós surgimos, mas não somos esse ser que equilibra; construímos-nos assim e não vamos a lugar nenhum simplesmente equilibrando ao longo de uma vida diferentes coisas. Não vamos a lugar nenhum! É como se nós fôssemos viciados em algum tipo de droga que pudesse ter diferentes aparências, mas que simplesmente converge para esse ponto: nós, com uma auto-importância porque sustentamos algum tipo de bambu – equilibramos aquilo.
Então, com isso, podemos olhar nossas vidas até hoje e pode surgir um cansaço: já equilibramos muitas coisas nesta vida e nas nossas vidas anteriores. Não temos feito outra coisa a não ser isso. Equilibramos o corpo: alimenta, excreta, come, tem perturbações, não sabemos como equilibrar bem o corpo; come demais, de menos, come de modo errado, é atraído por coisas, e tem essa confusão toda sobre aquilo que seria correto e o que não seria correto e vai sustentando essa energia. Vemos enão que o lung é o que define esse processo.
Se vocês olharem os outros seres da natureza, estão todos com propósitos: estão botando mais folhas, estão murchando quando o sol fica intenso, estão produzindo sementes, tudo vai se manifestando. Multiplicidade de seres, todos sustentando alguma coisa a partir da energia, se comunicando desse modo; isso configura o samsara inteiro; samsara que brota a partir da ignorância dos doze elos. Funciona desse modo.
Olhando qual a consistência dessa identidade, é essa! Mas, se atravessarmos isso, e pensarmos: “eu equilibro esses bambus, no passado eu já equilibrei outros bambus – o que tem aí dentro que não muda quando os objetivos mudam?”
Nos definimos de forma diferente, mas não temos a sensação de que morremos, para então nascer de novo. Dizemos: “no passado eu fiz isso, depois fiz aquilo outro, etc”. Existe uma continuidade no meio disso. Então, precisaríamos agora atravessar essa identidade ilusória e localizar o que dá sensação de continuidade em nós.
O que continua?
O que dá a sensação de continuidade é a natureza primordial, ou seja, em todos esses casos, em tudo o que nós estamos fazendo através da coemergência, é ir colocando sentido nas coisas, um sentido que é coemergente. Então tem a luminosidade e tem a liberdade natural de nos ligarmos em uma coisa ou outra.
Nesse caso, começamos a contemplar (é a prática de Vajrasatva) a própria identidade que é uma confusão - e olhamos como que ela surge; aí nós vamos ver por trás, esse aspecto da liberdade, da luminosidade, o aspecto primordial mesmo e nós contemplamos o aspecto primordial que surge pela contemplação da própria identidade.
O interessante é que podemos recuar em direção a esse aspecto primordial e de lá sair, não em direção à ignorância dos doze elos, mas podemos sair em direção à manifestação de sambogakaya – das deidades.
Por exemplo, nós poderíamos adotar a inteligência de Chenrezig e olhar os seres presos a esse mundo onde eles estão sustentando coisas. Vemos que esse processo de sustentação é uma roda que gira: por um tempo, eles têm controle, depois eles perdem o controle e aquilo cai. É inevitável! Todos os bambus vão cair. É inevitável que os seres, quando os bambus caem, tenham frustrações e dores. Isso é a experiência cíclica – uma devastação do samsara. Então os seres têm frustrações, têm dores nisso, eles manifestam agressão, eles manifestam defesa, eles lutam (enfim, isso é a cobra: eles defendem), é inevitável isso, mas a natureza deles é livre. Como eu estava mostrando, eles podem usar uma sabedoria de Chenrezig: nós olhamos para o mundo dos seres que estão equilibrando coisas e chegamos à conclusão de que eles não vão a lugar nenhum. E pode brotar compaixão.
Então, nós estamos vendo os mesmos objetos, os mesmos seres, mas não estamos gerando uma coemergência que, ao olhá-los, podemos ver como podemos ajudar, ou se eles são uma ameaça para os nossos próprios bambus. Nós não estamos olhando com olho de bambu agora; nós estamos olhando com olho de compaixão pelos seres.
A roda da vida e a compaixão
Ver os seres com compaixão, já é fora da roda porque, dentro da roda da vida, nós temos os bambus. Mas existem as inteligências fora da roda. Quando nós estamos dentro da roda da vida e queremos manobrar as coisas, nós temos seis formas, são os seis reinos. A compaixão não está em nenhum dos seis reinos, não é característica de nenhum dos seis reinos. Os seis reinos são: orgulho, inveja, desejo, apego, ignorância, aquisitividade, carência, raiva, rancor, ódio, medo, qualidades dos seis reinos.
A compaixão pressupõe que podemos olhar distanciados. Olhar os seres, ver a potencialidade deles, ver a natureza deles e aspirar liberá-los do sofrimento. Isso é a dimensão de compaixão – não pertence à roda. Aí nós vamos ver fora da roda, as quatro qualidades incomensuráveis e as seis perfeições. São as manifestações das deidades – são outras formas de utilizar a mente. E, com isso, nós olhamos o samsara como uma forma particular de usar a mente, um jeito particular.
Precisamos contemplar isso porque, nesse momento, está tudo misturado dentro da nossa mente.
Especialmente, nós precisamos desse antídoto para o samsara, que é perceber que é a nossa identidade que nos arrasta, que domina a nossa energia, é um bambu que estamos segurando e que não tem sentido, não tem uma razão maior para isso. Mas nós estamos ocupados e não estamos presos ao objeto – estamos presos ao processo.
O jovem, o adulto, vendo um filme, ele se prende, está segurando o bambu do filme. Se ele está jogando um jogo no computador, o jovem ou o adulto se prendeu naquele bambu. Isso não tem idade. Não é o conteúdo. O adulto tem a sensação de que ele está perdendo tempo, mas a sensação de estar perdendo tempo não o tira do jogo porque se ele seguir simplesmente a energia, ele segue jogando.
Modernamente, nós estamos presos aos bambus da informação – volta e meia se fala sobre isso. As pessoas ficaram presas a informações inúteis – tem uma vastidão, tem um mercado de informações inúteis e as pessoas têm sempre que estar acompanhando informações inúteis – estão ocupadas! São bambus que são oferecidos e as pessoas ficam acompanhando não sei bem o quê! Nós somos muito frágeis para isso – se aparecer uma notícia de um cachorro que foi atropelado, levado pro hospital, e aí tem uma campanha para adotar o cachorro de duas rodinhas nas patas de trás, nós facilmente nos engajamos em coisas assim.
PARTE CINCO
Os 5 lungs na prática
O elemento Éter
Finalmente, a prática dos cinco lungs. Percebam como se dá esse processo:
Quando nós nos conectamos a algum objeto e se inicia o processo, o primeiro lung que vai aparecer é o lung do elemento éter. Ele não tem nada sólido – a pessoa apenas teve um vislumbre, uma ideia. Então, no espaço sutil da ignorância – esfera da ignorância de alayavijnana – brota algo diante da mente dela, ou seja, a mente se divide entre objeto e observador. Quando isso acontece, pode brotar o elemento éter. Nós podemos, por exemplo, produzir discriminações sem a presença desse elemento. Podemos pensar em algo e não ter a menor energia para isso. Por exemplo: fazer uma festa aonde a comida básica seja arroz integral. Ah, que bom... Não vou poder ir nesse dia...
Podemos ter uma ideia, mas a ideia não tem energia. Essa manifestação da energia, como nós acionamos ela, é um ponto interessante. Por exemplo, na visão da natureza primordial, nós somos capazes de dotar as coisas de energia. Então vem alguém, um mágico - naturalmente um mágico vajra - e vai transformar a festa do arroz integral em um evento que ninguém vai deixar de ir. Ele é capaz de dotar as coisas de uma energia que elas não têm.
Essa magia existe. Especialmente dentro do vajrayana isso é trabalhado despudoradamente. Isso é o marketing – o marketing sabe tudo disso – não só manobrar de modo cognitivo, mas de várias formas, montando a paisagem daquilo. Vejam: lançamento de um filme novo! Entrevista com os jovens sobre a geração do Harry Potter – numa capa de revista, jovens “geração Harry Potter”, naturalmente logo em seguida, vem o filme correspondente. A pessoa está lendo sobre os jovens, mas naturalmente, ela já está fisgada para ir ver o filme! Não sei quanto custou aquela reportagem de capa, mas aquilo, com certeza, tem uma conexão.
Outro exemplo: as modas vêm e depois desaparecem – desaparece a paisagem junto com o produto. Aí, vem uma outra paisagem junto com outro produto e aquilo segue e embarcamos em todas!
Vemos como isso é composto, mas quando usamos o método da sabedoria primordial, nós sentamos em silêncio e contemplamos. Vemos perfeitamente o nosso olho acender. O olho acende – começou o samsara – é bonito de ver, é o brilho do samsara. Aí vocês se finjam de mortos, sem fazer nada, mas o olho já brilhou, o elemento éter apareceu. Vocês tentem baixar aquilo, fazer de conta que nada aconteceu; mas já aconteceu, o elemento éter aconteceu.
Isso é uma contemplação, vocês deveriam olhar em diferentes coisas
O elemento Ar
Na sequência, o elemento ar. É matemático: o pulmão, junto com esse brilho do olho, acendeu. Olhe para uma criança assim: olho acendeu, tente fazer retroceder – muito difícil. Claro, têm mães e pais que são mágicos, não é? Eles desviam a atenção da criança e um choque ocorre, é difícil: “NÃO!”
Se aquele choro acionar um processo de lung que não estamos dispostos a viver (como se fosse uma quebra de um bambu) estaremos sob o domínio daquilo; caso contrário, podemos sorrir e ver que aquilo passa rápido. É como uma criança que levamos pra escola; no primeiro dia, a criança chora. E de repente, ela chora cada vez que a levamos. Mas, se você observar, ela chora um pouquinho e pára – aquilo não é nada! Mas as mães têm dificuldade de adaptação na escola!!!
Os elementos fogo, água e terra
Mãe tem o elemento éter, o elemento ar, aí surge calor. Esse calor, o elemento fogo, já é a energia transbordando.
Junto com o calor surge mobilidade, elemento água. O elemento terra, a força, traz a sensação de propósito. Aí nós nos sentimos completamente vivos.
Pra nos sentirmos vivos, precisamos dos cinco lungs vivos.
Na medicina tibetana, a morte é descrita como a dissolução progressiva dos 5 lungs. Vocês vão perceber que, em algumas circunstâncias que levem a queda de bambus, uma sucessão de bambus é derrubada, perdemos o brilho do olho, a respiração fica fraca, não tem calor, tem uma tendência à imobilidade e uma sensação de que falta força.
Mas, voltando ao ponto dos bambus, eu sugiro a contemplação dos bambus. Quais bambus estamos sustentando?
O segundo ponto é o fato de que nosso apego não é a cara que o bambu tem, mas a existência de um bambu. Precisamos entender isso para entender o processo de prisão que nós geramos.
O ponto três seria a identificação da nossa identidade, do nosso propósito junto com o bambu que nós estamos equilibrando. Para examinar isso de forma mais detalhada, dividimos isso nos cinco lungs. Quando o bambu aparece e é imantado, surge o elemento éte. Junto com o elemento éter, vemos o elemento ar aparecendo, então respiramos. O elemento não é uma substancialidade, é um lung. O lung do elemento éter, lung do elemento ar, lung do elemento fogo, lung do elemento água (que é a mobilidade) e lung do elemento terra (que é a sensação de solidez). Aí nós temos a solidez da nossa própria existência.
Só tomando exemplos agora: a pessoa fez um vestibular e passou e quando ela chega na faculdade, pode ser que os cinco elementos não estejam ali. Pode ser que não tenha o brilho do elemento éter, nem o brilho do elemento ar, nem o do fogo, nem o da mobilidade, nem o da sensação de força daquilo – pode ser que não estejam ali! É uma questão mágica – aí vem alguém e fala alguma coisa pra essa pessoa, situa numa outra paisagem e aí... acontece! Os elementos todos aparecem – isso é a magia do processo.
Como nos liberarmos dos bambus?
A liberação é nos liberarmos do bambu – do software de vivermos equilibrando bambus.
Primeiro, precisamos adotar o Zen. Praticamos Zazen e nossa energia se move dentro do bambu. Naturalmente, no Zen podemos criar o zazen como um bambu – isso seria o materialismo espiritual: “Eu sou esse praticante, eu tenho essa experiência aqui dentro e fico fixado nela: enquanto eu sustento isso, eu estou existindo”. Também isso é uma conversão do caminho espiritual ao próprio samsara. Mas precisamos desafiar a circulação de energia pelo samsara. Esse processo pode parecer complicado, mas não é. Vocês já veem que os processos de sustentação de energia pelo samsara naturalmente colapsam de tanto em tanto. Só que depois que eles colapsam, eu dou um jeito de arrumar outro – parece que eu só sei funcionar daquele jeito. Quando nós entramos em colapso, poderíamos perguntar – se aquilo colapsou, por que eu não colapsei também? Então nós descobrimos que existe uma natureza que não entra em colapso quando o bambu cai. Isso é muito importante. O Zazen mesmo é uma prática na qual deixamos a identidade do lado de fora, se veste igual, raspa a cabeça – o nome está na almofada para nos distinguirmos senão olhamos pro lado e está tudo igual. Ele faz tudo igual, todos os dias, dentro do mosteiro. Esse procedimento é crucial, esse treinamento é muito importante – fazer tudo igual todos os dias. A pessoa precisa morrer pela monotonia – não tem nada acontecendo e ele está ocupado o dia inteiro. Ocupado com as práticas, com as cerimônias, com o trabalho – constantemente ocupado e não tem tempo para criar novos bambus.
O levantador de bambus está estrangulado. Isso é um bambu – bambu do bem, uma internação, clínica psiquiátrica. Aí a pessoa tem esse procedimento, ela faz aquilo, a questão toda é a pessoa gerar uma energia a partir daquilo. O olho dela precisa brilhar sem nehum bambu. Aquilo é o dia a dia. Um dia depois do outro. Não está fazendo nada. Não está indo para nenhum lugar, apenas o dia a dia; aquilo se desgasta e ela retorna. Não tem nada acontecendo ali dentro. Então precisamos gerar essa capacidade de que a nossa energia, paulatinamente, num certo momento, funcione por si e não porque estamos segurando um bambu. Esse é um processo de estrangulamento.
No mahayana, de modo geral, nós vamos fazer uma transferência de consciência de uma área de samsara para uma de terra pura, pela sabedoria dos diani Budas, sabedoria de Vajrasatva, sabedoria de Chenrezig; nós vamos adotar uma sabedoria de uma das deidades. O retiro fechado é inicialmente um estrangulamento. O retiro fechado é um ambiente onde nós vamos potencializar o tipo de prática que a pessoa vai fazer ali. Esse tipo de prática pode ser variado.
O lung e a depressão
Se vocês estão depressivos observem os sintomas, em primeiro lugar a sensação de força no corpo cai, é difícil se levantar, levantar o braço; é preciso se recostar; parece que falta tônus porque o tônus não é do corpo, é do lung. É sutil (não adianta tomar cafeína). Lung significa chi, ki, prana. Na depressão, o corpo vai ficar pesado. Na sequência, a pessoa tende a não se mover – a mobilidade cai. Aí ela sente frio, puxa o cobertor, uma super manta. O pulmão, vocês olhem, mal faz um movimento e os olhos perdem o brilho. Se vocês estão em depressão, vocês não têm vontade de olhar no olho de ninguém. Estão completamente sem engajamento, não querem olhar nada de frente, nem notícia de jornal. A depressão está ligada ao processo das quedas dos bambus – precisamos perder vários bambus para entrar em depressão; não basta um, porque nós operamos com uma coletividade de bambus.
Tem esse obstáculo. Mas também nós não existimos de forma independente das paisagens onde operamos, logo existem esses obstáculos adicionais. As paisagens onde nós operamos também são coemergentes. Olhamos o mundo e concebemos o mundo de um certo modo; quando alguns bambus caem, nós passamos a olhar o mundo a partir de identidades que não poderiam viver direito dentro daqueles universos que estamos olhando, porque aqueles universos são para pessoas que obtiveram algum nível de vitória e nós somos derrotados. Assim nos sentimos mal naqueles ambientes, como se fossem lugares onde não poderíamos andar.
Uma das formas de tratar a depressão é a pessoa observar como ela faz quando não está em depressão e aí tentar copiar. Vamos supor, ela olha as coisas com interesse, mesmo que não tenha; ela forja; aí ela respira e isso faz uma diferença. Ela tenta se mover, gerar força. Ela trabalha com cada um desses elementos independentemente e tenta gerar força, como se fossem objetivos em si mesmos. Como se ela estivesse copiando aquilo e quando ela copia surge uma melhora. Mas, essa melhora, para ocorrer de fato, precisa da alteração do lung porque isso é um pouco artificial, mas melhora! A pessoa precisaria encontrar um outro bambu com o qual ela pudesse se conectar e começar a fazer algo diferente.
“Por que você não faz pintura? Por que você não estuda música? Por que você não vai para a Austrália aprender Inglês?
Ah, não tinha pensado nisso, mas pode ser uma boa ideia!
Ir para a Austrália, para o Canadá? Já pensou em imigrar?
Ah, pode ser uma boa ideia! “
Naturalmente estão os canadenses pensando em imigrar para o Brasil e nós pensando em ir pra lá! Porque nós precisamos de outros bambus e eles também. Mas, um desafio desses aciona uma área de alayavijnana que estava lá, latente!
Outro exemplo moderno:
“Por que você não faz uma operação e troca de sexo?
Uma boa ideia – olhar a vida através de um outro prisma!”
Em qualquer situação, temos a possibilidade de sair do samsara e a depressão é útil porque é um tipo de crise! Pode-se olhar assim. Mas nem sempre dentro da crise conseguimos ter lucidez, do mesmo modo que fora da crise, também não temos!. Mas tem alguns momentos de inflexão – quando estamos no topo da felicidade eventualmente podemos aprender alguma coisa, aquilo dá uma inflexão e estamos tão preocupados com os bambus que não temos lucidez nenhuma – só queremos sustentar aquele bambu. Quando aquilo tudo cai, dizemos:
“Agora eu não sou nada!”
“Não, não, eu quero mesmo é morrer.”
Não! Pode ser um momento bom porque o samsara inteiro ruiu, você pode aprender outras coisas. Então o samsara nos domina em seus vários processos.
Perguntas e respostas
P: Existe o samsara do bem?
Lama: O samsara do bem é o caminho, é a sanga. O caminho espiritual todo é um samsara do bem porque os ensinamentos são chamados ensinamentos provisórios! Eles nos ajudam e eles são do bem. Podemos ir criando as terras puras que são o samsara do bem. Seguimos operando nestas regiões, e aprendendo.
Por exemplo, se dissermos assim: “Eu quero trazer benefício aos seres e não quero trazer sofrimento a eles”. Criamos um processo: eu busco estabelecer boas relações com as outras pessoas, comigo mesmo, com as autoridades e com a natureza, por exemplo. Todo aquele que me vir, ouvir, tocar ou se lembrar de mim, que seja bom para ele. Pronto! Aí alguns amigos vão dizer:
“Você enlouqueceu! Isso não vai dar em nada! Você vai ser derrotado, eles vão passar por cima de você!”
Que nada! Começamos a construir as terras puras. O nosso papel em meio ao mundo é construir as terras puras. Por que é esse caminho que irái ajudar as pessoas a depois fazerem as outras etapas. Por exemplo, o CEBB rural é uma terra pura. Aquilo não é liberação, muito pelo contrário. Precisamos de ensinamentos no meio disso. Segue aprendendo também ali e em vez de samsara, aquilo vira ação.
O Buda Sakyamuni produziu ação no mundo; os budas vão criando coisas. Essas coisas são terras puras. Lá, há mestres que constroem mosteiros, escolas, universidades, lugares para outros seres irem cultivando as qualidades e seguirem adiante. Essas são qualidades.
Outros mestres são especializados em implantar na mente das pessoas qualidades das deidades, sambogakaia. Essas inteligências de sambogakaya vão criando terras puras correspondentes. Tudo no plano sutil, mas o caminho espiritual, no sentido mais básico, é um conjunto de ensinamentos provisórios. Há uma aparência de samsara, mas é necessário ter alguém, em algum lugar, entendendo o que está acontecendo e ele mesmo é capaz de arrumar aquilo para não virar um samsarão. Mas, às vezes, aquilo vira um samsarão! É possível que isso aconteça.
Todas as organizações têm tendência a um samsarão porque as organizações funcionam a partir de estruturas. Se não tem estrutura, não tem organização e as estruturas estão ligadas à repetição de procedimentos. Se não há repetição de procedimentos, não é uma estrutura. As pessoas que estão dentro de uma estrutura terminam sendo, bem ou mal, classificadas pela fidelidade à estrutura, não pela fidelidade à lucidez. Então elas aprendem a manter melhor a estrutura e é natural que as estruturas encontrem nisso o seu fim porque a começamos a escolher pelo caminho inverso – não escolhemos os que estão mais lúcidos, mas os que estão mais fiéis às estruturas. A pessoa que é fiel à estrutura – não é que ela seja maligna, não é isso –ela apenas tem uma visão mais estreita do que a pessoa que tem o espírito daquilo.
Vejam Jesus Cristo, foi morto. Simples! Havia estruturas, ele feriu as estruturas ainda que ele tivesse toda a lucidez – ele fere as estruturas. O conjunto de pessoas que está obedecendo às estruturas não vai aceitar alguém livre, que tenha visão. Então as estruturas envelhecem.
P: O que é terra pura?
Lama: A terra pura é uma bolha. As mandalas já não são. A natureza primordial, espaço básico, não é bolha. As bolhas podem ser criadas, as terras puras podem ser criadas para abduzir os seres para um lugar aonde todo o funcionamento ajude na liberação. É um lugar de passagem aonde as pessoas vêm e vão aproveitar todas as experiências para ampliar a lucidez e não para aumentar a estrutura e se equipar para equilibrar bambus. Se vocês olharem as escolas, de modo geral, elas vão desenvolver métodos de equilibrar bambus, os mais variados. Nós precisamos, na verdade, é de métodos para ampliar a lucidez. Só que os temas de lucidez não fazem parte dos currículos, nem de pós-graduação, nem de pós-pós. Não pertencem ao currículo, não existem! Nós estamos treinando as pessoas para algum nível de malabarismo. Está bem! Aí funciona. Existe uma estrutura que é samsara, eu vou treinando as pessoas na habilidade deles manterem as coisas girando dentro do samsara. Aquilo parece que é vitorioso, mas é furado! Tempos de degenerescência! A gente pega os melhores meninos e os coloca para equilibrar bambus! Viram chefes de equilibradores de equipes de bambus.
O que vai produzir uma diferença é a nossa conexão legítima com a sabedoria que está fora da roda da vida – o resto anda por si. É Guru Yoga. A essência é a bodicita – temo essa disposição de efetivamente trazer benefício aos seres e nós vamos fazendo seja o que for, e aquilo vai se ajustando, porque essa motivação termina criando o processo verdadeiro.
A minha sugestão é que façamos isso onde quer que a gente esteja. Nós não mudamos nada, por enquanto e aquilo vai indo. Na medida em que ganharmos aptidão nisso, seguimos fazendo de outra forma. A mudança no plano sutil é que é o ponto e não na organização. É o lung, é o olho – é o elemento éter. Nós temos que trocar o elemento éter do samsara, do bambu, pelo elemento éter da compaixão, por exemplo. Ao olhamos a mesma coisa, por exemplo, com o olho do samsara, a partir dos seis reinos, brota o lung referente a cada reino.
Vamos supor uma perversão do lung: a pessoa ouve sobre a questão ambiental e pensa que vai montar uma estrutura para aproveitar o mercado emergente dos produtos ligados à consciência ambiental. Ela está olhando com olho do samsara – pegou um bambu – ela não está olhando como ela vai fazer coisas positivas, de fato. Não está olhando com compaixão; está vendo uma facilidade, ela aprendeu sobre aquilo, desenvolveu uma visão sobre as coisas, ela é capaz de localizar, mas ela não está com a motivação que vem de sambogakaya; ela está com uma motivação comum do samsara. Ela lança um outro produto, com uma outra característica e vai produzir. Ela pode também montar uma agência de produção de eventos na área ambiental e ela vai ganhar não sei quanto, através do novo bambu, porque ela deixou de vender geladeira e começou a fazer alguma coisa na área ambiental. Mas ela não mudou a motivação – ela faz exatamente a mesma coisa, só trocou o produto.
Agora, como é que vamos adotar essa nova postura? A pessoa segue um tempo assim, mas não vai muito longe também porque, ou ela termina adotando o procedimento correto, ou ela termina sendo patrulhada – as pessoas vão começar a olhar e ver a limitação da motivação.
Tem uma Folha Ambiental lá no sul, encartada no Zero Hora, o jornal principal local. Folha Ambiental: lá no cantinho Souza Cruz. São oito páginas, na última capa, inteira: Instituto Ambiental Souza Cruz. Muito bom! Pensamos: – eu não tenho nenhum problema, quer dizer, problema maior porque afinal, se as companhias que vão produzindo essa desgraça através do fumo, destinam parte do recurso para alguma coisa melhor, elas pelo menos não estão utilizando 100% dos recursos para coisas negativas, um pouco menos. Aí, no desenho, na foto, vejo as pessoas produzindo milho, agricultura ecológica, promovida pelo Instituto Souza Cruz. Proteção das sementes, das espécies etc. Maravilhoso. Eu acho interessante que isso aconteça. Se você for conversar com os técnicos que estão ali, de repente eles foram contratados de grupos ambientais e estão achando que é possível fazer alguma coisa. Eu considero que isso é uma passagem lenta para dentro de um outro procedimento, porque mesmo a Souza Cruz não produz somente fumo, então talvez ela comece a fazer algo melhor. Mas tem uma esperteza ali dentro – aquilo não é compaixão; mas talvez daqui a pouco comecem a mudar.
Eu vejo dentro da Souza Cruz um aspecto de contradição que é parecido com o que nós vemos no Rio de Janeiro hoje, que é o fato de que as pessoas lutarem contra a militarização da cidade mas, ao mesmo tempo, com seu comportamento, alimentam o processo. Quando a gente olha pra Souza Cruz, ela está produzindo o fumo, o cigarro, pagando todos os impostos e tem um mecanismo legal de venda. Se nós proibirmos o fumo, o cigarro e o álcool, vai proliferar destilaria no morro, proliferar não sei quantas coisas, vai ficar tudo proibido e aquilo vai entrar por um circuito ilegal de dinheiro. Para proibir o fumo, é preciso fazer desaparecer o fumante.
Eu penso que uma campanha maravilhosa deveria ser feita pelo que eu acho que é um quinto poder. Vamos supor: executivo, legislativo, judiciário, mídia. Seria um 5o. poder. Ele não está bem examinado e bem articulado ainda, mas tem um grande poder. Tem pessoas que já começam a se especializar nisso. Eu vou contar rapidamente: a gente faz uma campanha auto surgida para que as pessoas durante uma semana não consumam nem cocaína, nenhuma droga; no mínimo baixe em 50% o consumo. Nem maconha, nada. Isso significaria uma resposta direta à violência do tráfico. Isso dá um prejuizão. Nós que estamos envolvidos nisso enquanto consumidores, nós temos um papel a fazer, ou não temos? Nós temos! Nós já temos meios de comunicação, temos como nos comunicar uns com os outros e já existe uma clareza – a população tem vontades que podem se expressar. Temos canais de comunicação para isso. Então podemos fazer uma campanha – dá um super prejuízo para esse mercado. Nós temos poder para nos movimentar desse modo. Nós temos poder para socorrer as pessoas, nós temos poder para obstaculizar as coisas. Isso é uma forma de ahimsa. Se isso não está sendo utilizado agora, é questão de muito pouco tempo para começar a ser usado. Já tem algumas experiências aqui e ali. Mas, uma coisa como essa, na violência do Rio, a gente apertaria todo mundo, fortemente. Além do mais, exercitaríamos o nosso poder sobre nós mesmos. Ou seja, vou consumir menos – mínimo 50%. Aí surge uma forma desse tipo, tem um impacto econômico. Com o cigarro é a mesma coisa. Se nós iniciarmos uma campanha – não do governo, mas da população – entendendo como isso destrói as florestas, contamina o solo, tem um impacto grande de câncer sobre as pessoas que vivem nas cidades onde isso é produzido – como a cidade de Santa Cruz, não é? Lá tem o maior PIB brasileiro porque eles estão no ramo da droga. Tabaco é droga, eles estão no ramo da droga legal. Circula realmente o dinheiro. Aí nós fazemos uma campanha desse tipo – vamos diminuir o consumo de fumo. Não é proibir o fumo, nem proibir a droga – é diminuir o consumo porque cada real que nós colocamos nisso, termina dentro de uma empresa dessas. E podemos associar uma caveirazinha a essas empresas porque elas estão produzindo um impacto sobre a condição da saúde pública, da saúde das pessoas.
Nós temos esse poder – esse é o poder da natureza livre da mente. Posso me associar a isso ou não. Poder da nossa capacidade de gerir o nosso lung.
P: Como é que se vive no CEBB rural? Como se paga as contas?
Lama: O melhor a fazer numa área dessas - criar uma terra pura – é imaginar que é um local de força para trazer benefício aos seres.
Não estamos fazendo algo para obter outra situação em troca. Isso gera os méritos para sustentação da própria situação. Com certeza, funciona! Parece mágico: “como, com certeza?” Mas funciona! É uma questão de méritos – temos que gerar os méritos, aquilo tem que funcionar de fato, gerar benefícios verdadeiros. Se gerarmos benefício verdadeiro aquilo anda, com certeza. É matemático. O mundo, na verdade, é gerido por méritos.
P: Pode-se gerar terra pura no quotidiano?
Lama: Pode, com certeza porque, por exemplo, uma área rural é para poucas pessoas se comparado com o Rio de Janeiro... Nós temos que transformar o Rio de Janeiro numa terra pura. Depende de nossos olhos. Eu acho que o carioca já tem uma tendência pra isso. Eu viajo muito e fico olhando no olhar dos cariocas comuns. Acho que tem uma compaixão ali. Os cariocas já têm uma tendência, são gente muito boa. Eu acho! Ontem, anteontem eu estava olhando as pessoas na rua – eu acho que provavelmente coisas muito boas vão acontecer aqui no Rio de Janeiro. O destino aqui não é a infelicidade; o destino é a felicidade, é a terra pura. Nós estamos cercados de algumas dificuldades, mas eu acho que apesar de tudo, os cariocas continuam com esse olhar, ou talvez, no meio dessa dificuldade, eles tenham ampliado esse olhar.
Precisaríamos entender a sanga: um grupo grande, sem localização geográfica. A sanga vai fazendo as coisas acontecerem – localização sutil. Faz os grupos acontecerem, tornarem-se viáveis. E os vários grupos não são separados da sanga, nem a sanga é separada deles. Aquilo permeia. Se olharmos num sentido mais amplo, as populações que não se confessam como sanga, também trocam e tudo isso sustenta. Caminho do Meio é viável. Viável economicamente, funciona! Agora, têm aparecido tantas demandas que eu nem sei o que dizer. Demandas na área econômica. Têm acontecido coisas constantemente assim. Eu acredito que seja essa combinação dos CEBBs com o Instituto Caminho do Meio, Darmata... com certeza.
Sanga é como se fosse um movimento, mudança do funcionamento. A motivação correta, - sem pagar nada para ninguém - é vitoriosa, porque as pessoas também no samsara começam a ganhar; elas ganham visibilidade, ganham importância; imaginam que vão ser eleitas para deputado estadual, federal... Elas começam fazendo essa conta depois elas vão aderindo ao esporte em si mesmo porque aquilo é bom. A gente vem dentro de uma política pública que começa a se arrumar junto com o ministério público, todo um esforço para organizar a máquina pública – esse esforço existe! Ele não é vitorioso ainda, mas ele claramente existe e nós vamos naturalmente nos aliando desse modo sem eleger nenhum inimigo. Não excluimos ninguém – vamos operando dentro disso. O que eu acho surpreendente é a rapidez com que isso anda. É surpreendente também como nós rapidamente percebemos que nós precisamos ter mais formação, mais solidez entre nós, mais habilidade de usar motivação correta no meio dos vários ambientes difíceis.
Tem lung no meio disso – o segredo é o lung. O lung, associado à compaixão de trazer benefício efetivo, constrói terra pura. Terra pura é um lugar onde os recursos começam a fluir porque, onde tem mérito, os recursos aparecem. Vai aparecer o recurso! Para exercitar lung, o melhor processo nem é o cognitivo, nem é o da contemplação – é a sanga. O grupo acopla pelas costas, vai puxando as pessoas e aquilo vai andando e vira um esporte, a gente aprende pelas costas, a agente aprende olhando. Então a sanga é muito importante – a sanga é o Buda. É bom que a gente se lembre disso: a sanga é o Buda. Ela produz as transformações.
Nos ensinamentos, vocês olhem como o CEBB vai andando – quem dá os ensinamentos na verdade é a sanga. Aqui eu falo algumas coisas, elas vão se transformando, elas geram transformação na sanga; os novos que chegam aprendem muito mais rapidamente e nós geramos uma base que permite que a gente entenda coisas mais complexas e vamos seguindo. Estamos nesse processo. Quando isso conectar com liberação vai ser tuft! vocês se preparem, não quero assustar ninguém, mas vocês estão condenados. É isso! Vai camada por camada. (chaminé de bodisatva!). Porque a sanga é o Buda – isso transcende as organizações, transcende as denominações, transcende tudo – é um nível de compreensão e de repente tuft! Isso não é complicado – complicado é viver no samsara! Isso é complicado! Se descrevermos o samsara e perguntar: “Quer isso?” Ninguém vai querer! Oferecemos um bambu pro outro segurar sabendo que vai cair – sem ganhar nada para segurar. Tudo o que você fizer vai ser usado contra você, com certeza. Todo o seu êxito constrói um inferno ao lado. Mais adiante, você cai, é derrotado e vai parar no inferno.
Todos os meninos que estão comemorando a vitória do Fluminense, vão sofrer Mas, na verdade, toda a vitória no samsara vai criar um inferno. Ele não é viável emocionalmente – é uma coisa que não funciona e apostamos todas as nossas fichas, bota toda a nossa energia ali dentro. Terra pura é muito melhor! Não tem comparação. Terra pura funciona a partir da motivação. Quando destrancar essa noção de que a motivação produz o giro que sustenta a nossa vida em meio às terras puras - e sustenta com um sorriso, com leveza - quando destrancar isso vai ser rápido! É que ninguém está acreditando por enquanto. Tudo bem!
P: A doença como obstáculo
Lama: As questões de saúde podem significar a morte, não é? Mas é melhor não temer porque na morte todos os bambus caem, mas a nossa natureza está livre. O ponto central é perseverarmos na prática. Agora que temos esse resto de vida – cada um de nós tem um resto de vida. Não sabemos nem a extensão disso. Podemos ter um apego ao nosso bambuzinho, mas nosso bambuzinho está condenado... É como o Chagdud Rinpoche dizia: “Os mais velhos nem sempre morrem antes”. Estamos todos nós submetidos a essa situação.
A questão é como aproveitamos o que nós experimentamos. Então, terra pura é um bom momento.
Se nos aproximarmos da morte, podemos fazer metabavana – olhar em todas as direções (passado, presente e futuro), os seres todos que se conectam conosco e aspirar que eles sejam felizes, que se liberem do sofrimento. Só essa prática já nos leva para uma terra pura – direto – quando nosso olho muda e o primeiro reflexo diante das pessoas é pensar que elas sejam felizes e superem o sofrimento, já estamos em terra pura. Esse é o melhor processo para morrermos e sair do outro lado, ressurgir. Esse é o melhor processo, fazemos a nossa parte.
A morte no budismo, dependendo da classe de ensinamentos que estejamos vendo, é considerada muito traumática, muito problemática, ou não. Nas classes inferiores de ensinamento é um problema. Nas outras classes, a morte é o momento mais próximo que nós teremos da natureza primordial, passando pela experiência de quando todos os bambus caem. Por um momento – antes de se construir um novo bambu – estamos vivos, sem bambus. Como é isso? Estamos vivendo a experiência da natureza que está antes do samsara – ainda estejamos cheio de sementes do samsara, é como se tivesse passado uma roçadeira. Estamos cheios de sementes – um pouquinho mais e elas eclodem e viram um campo do samsara novamente, mas naquele momento, nós temos essa sensação dessa liberdade.
E sensação de medo também, porque o que vai nos dar segurança é saber que nós temos um bom bambu e estamos andando direito. Quando esse bambu se aproxima da queda, não temos a sensação de que poderíamos estar fazendo outra coisa. Se tivermos certeza de que podemos passar para uma outra situação, aquele medo cessa, porque passamos para uma outra situação e aquilo continua. Mas, tudo aquilo que é tangível a partir de olhos, nariz, ouvidos, língua e tato, agora vai cessar.
Seria assim, a operação a partir de objetos tangíveis de olhos, nariz, ouvidos, língua e tato vai cessar, mas na verdade, quando contemplamos, entendemos que a operação de olhos, nariz, ouvidos, língua e tato não cessa. O que cessa é a operação de olhos, nariz, ouvidos, língua e tato a partir de objetos tangíveis. O aspecto sutil segue como um sonho à noite – somos capazes de sonhar com sensações de olhos, ouvidos, língua e tato; o aspecto sutil segue. Daí o medo corresponde a um processo do funcionamento do samsara – minha sugestão é relaxar dentro do medo; não lutar contra o medo. Quando vem o medo, a gente tenta manter a respiração. Descobrimos que somos capazes de cruzar por aquilo como alguém, por exemplo, que está dentro de um elevador apinhado de gente e o elevador tranca. A pessoa já não queria entrar no elevador, já se achava sempre como uma pessoa que sofria de claustrofobia e naquele dia quente, a pessoa não estava bem e aí trancou o elevador. Vai para outro andar e a porta não abre. “Vamos morrer todos aqui dentro”. A pessoa no meio daquilo, relaxa. Se for cristã diz: “seja o que Deus quiser”. E funciona. A pessoa relaxa; inspira e expira. Essa é uma boa experiência – descobrimos que tem uma inteligência coletiva de dentro do elevador e de fora do elevador que vai produzir a abertura da porta.
Outro dia, eu vi algo espantoso que eu não conhecia: este ano morreram 80 pessoas dentro de aviões. Tem pessoas que, às vezes, têm crise – uma vez eu estava num aviãozinho em Brasília e uma senhora entrou, depois saiu, depois entrou, depois saiu, depois entrou e, no fim, saiu. Não teve coragem – era um avião pequeno, apertado. “Para onde que eu vou se acontecer alguma coisa!” Se a pessoa está num Boeing, morre numa situação mais tranquila, ele é grande! A pessoa olha e tem um corredor grande, morre com mais espacialidade. Agora, morrer num lugar apertado é horrível!
P: A morte e os doze elos:
Lama: O 5º. elo num sentido sutil, segue; mas o 5°. elo, na verdade, é o corpo físico, então ele não subsiste. As sementes do carma subsistem.
Essa noção, eu levei um tempo para entender. Eu lia a descrição do Buda sobre o campo de arroz; mas depois, lendo a tradução, eu entendi o ensinamento do campo de arroz – achei muito comovente! Está no Budadarma: Nós fazemos várias ações que geram uma semente cármica. A semente cármica é algo que, quando encontramos, tem uns segundos para eclodir – é bonito de olhar como o samsara eclode. Nós temos várias sementes cármicas – quando alguma coisa acontece, aquela semente cármica produz o brilho no olho, o pulmão se enche, calor, mobilidade, força... e o carma começa a crescer. A semente eclodiu. A semente cármica eclodiu.
Trago sempre os exemplos para o campo das relações, mas isso pode acontecer no campo do emprego, do trabalho, da escolha da profissão etc. – mas é mais emocionante no campo das relações, claro. A pessoa está ali na sua depressão, no seu abandono e aí aparece um ser. Tchum! Pronto, a semente cármica estava lá. Não pedimos o currículo um do outro! Não sabe o que aconteceu antes. Se, eventualmente, a pessoa sabe o que aconteceu, ela não acredita. Se a pessoa acredita, ela diz: “Comigo vai ser diferente!” Se a pessoa ouvir dos outros que com ela vai ser diferente, diz: “ah, isso é porque ela é ela”. Aí nós temos a semente cármica inteirinha para eclodir.
As nossas ações são assim – nós fazemos ações em muitos âmbitos e essas várias ações criam essa semente. Nós semeamos ações e com o tempo essas ações surgem e produzem um campo (o campo de arroz!) então, essa analogia é muito interessante. Nós não semeamos um campo de arroz, nós semeamos ações, separadas umas das outras e, de repente, quando nós olhamos, temos um campo de arroz. O campo parece um mundo a partir das sementes cármicas que nós temos. Partimos da ação individual e tornamos um mundo existente a partir disso e cada semente eclode com os cinco lungs. Isso é o samsara, essa é a nossa vida e aí nós ficamos equilibrando essas plantas, esses talozinhos de arroz.
O ponto interessante é que o lung é uma linguagem, uma forma de expressão que vem da natureza primordial. Ele imanta, por exemplo, bodicita – o nosso coração compassivo e amoroso pelos seres também tem lung. Então nós precisamos manifestar os cinco lungs a partir de bodicita. Eu aqui estou conversando a partir do samsara, mas nós temos esse nascimento no lótus que já foi explicado. O nascimento no lótus é feito com os cinco lungs também. Isso caracteriza a terra pura. Vocês podem experimentar isso através desse mesmo ser que passa e produz a eclosão de uma semente cármica. Aí vocês olham para esse ser que passa e que fica fantástico e poderoso e veem em que reino ele está: se ele está no reino dos deuses, semideuses, dos humanos, animais, seres famintos ou dos infernos. Em que lugar ele está? Aí, olhem que bambus ele sustenta. Vejam se ele está imune – nos reinos onde ele estiver, com os bambus que ele sustentar – vejam se ele está imune aos sofrimentos. Aí vocês vão ver que eles estão no topo do círculo da impermanência – eles estão na parte boa daquilo. Depois eles caem e nós olhamos para esses seres: podemos olhar com olho de apego a partir dos cinco lungs do samsara, a partir de paisagens do próprio samsara, ou nós podemos olhar a partir de bodicita. A melhor coisa que nós podemos fazer é olhar a partir de bodicita: manifestamos compaixão, amor, alegria, equanimidade, generosidade, moralidade, paz, energia constante, concentração e sabedoria, desse modo. Aí surgem as cinco sabedorias búdicas que a gente usa também. Aí no meio de tudo isso, o namoro – rola ou não rola? Não é que rola??? Naturalmente, cada vez que encontramos esse ser, entoamos: “Hung or djen...” Aí se ele passar por esse teste, entoamos: “Ao longo de minhas muitas vidas...”. Nunca namore sem um incenso aceso!
A questão é assim: o samsara é sem solução! Então, estamos usando os lungs para gerar bodicita. Depois vamos voltar a examinar os cinco lungs a partir de bodicita. Como fazer isso? Nós vamos usar bodicita. Essa transição gera as terras puras, esse ambiente de felicidade. A felicidade é possível nesse mesmo mundo, aparentemente sem solução. Eu espero que isso seja agora, nessa geração, que não precisemos deixar para depois. Nós estamos em meio a um laboratório disso – podemos fazer isso. Precisamos entrar em todos os aspectos da vida, inclusive o aspecto econômico. Por isso, o Instituto Caminho do Meio, todas essas ações são importantes. É um desafio. Conseguimos gerir e girar isso com a motivação de bodicita. Esse é o ponto. Se começarmos a fazer isso com a motivação de bodicita e funcionar – maravilhoso! – se abandonamos isso no meio do processo, o samsara retorna e nos sentimos infelizes e frustrados em vários níveis. Nós podemos gerar sensações de poder também – sermos recuperados pela gestão do samsara. Isso é possível, só que a gestão do samsara é dolorida – não produz uma experiência boa. Se nós gerarmos uma sanga que entenda isso, isso é o Buda. Essa capilaridade da sanga no diálogo com o samsara, termina engolindo o samsara. Eu acredito que até hoje nós não tivemos propriamente nenhuma experiência macro de sanga, nesse sentido em que estamos olhando. Eu acho que uma experiência do tempo de hoje – vocês vejam que as sangas sempre estiveram recolhidas em ambientes específicos. Não houve essa penetração por dentro do samsara. Não nos dedicamos a comer o samsara. Nós vamos devorar o samsara. O samsara é frágil – como empreendimento ele é frágil porque produz frustração o tempo todo. As pessoas entram em crise o tempo todo enquanto que as pessoas que estão em terra pura não entram em crise. Elas estão bem, estão sendo sustentadas. Isso é uma coisa bem interessante de ver.
A própria sanga gera um sentido de família que ultrapassa os problemas das famílias usuais. As famílias usuais geram muitos problemas porque estão baseadas nas estruturas dos seis reinos. Não é que as famílias tenham que estar baseadas na estrutura dos seis reinos, mas, historicamente, elas estão baseadas na estrutura dos seis reinos. Não só historicamente, mas a própria legislação, entendendo o aspecto dos seis reinos, ela tenta regular e normatizar os seis reinos dentro das famílias. Vocês olhem a legislação que rege o funcionamento do mundo, ela brota dentro do samsara e tenta reinstaurar o samsara porque ela é gerada ali dentro; então é muito difícil atravessarmos a barreira da legislação e conseguir fazer alguma coisa diferente no meio dessa legislação. Muito difícil. Não vou me alongar nesse aspecto, mas esse é um ponto – quando entramos nesse mundo prático, vamos encontrar esse mecanismo; nós vamos precisar encontrar outros instrumentos legais que também estão sendo desenvolvidos para permitir outras configurações de relações das pessoas com o trabalho, das pessoas com as instituições, das instituições entre si e das pessoas entre si, no âmbito do trabalho da ação no mundo. O aspecto judiciário, penal também está completamente falido – precisamos recuperar isso, colocar algo no lugar disso e é possível porque o problema é o samsara, não é o sistema. O samsara não tem solução, não tem como endireitar o samsara. É necessário mudar para a terra pura. Arrumar o samsara é assim: eu vou fazer a regulamentação da indústria do fumo. Não tem como arrumar isso. O samsara é todo contraditório: encontramos campos de petróleo e, se aquilo tudo virar carbono na atmosfera, estamos mortos! Por outro lado, se não bombearmos aquele petróleo, também vamos ter problemas. Tudo contraditório! Sem solução. Mas se fizermos a nossa parte, migrando em direção às terras puras, isso já é satisfatório; não é frustrante. Frustrante é o samsara, mas a base da migração do samsara não é a compreensão em nível intelectual, é a mudança do lung.
O lung é o processo pelo qual nós nos construímos dentro das terras puras e abandonamos o samsara. Nós precisamos introduzir a capacidade de introdução, contemplação e meditação sobre o lung para poder fazer essa migração. Esse procedimento, dentro do budismo, é contemplado, pelo menos, dentro do Vajrayana onde nós olhamos para as deidades, mas fica muito místico. Aqui, nós temos a possibilidade de olhar isso, fazer essa migração em massa, muito melhor! Usar essas qualidades de forma ampla.
Sua santidade Dalai Lama vai dizer que a ênfase, nesse momento, é a ética secular. Não é mais a religião, é a ética secular. Se vocês forem olhar profundamente, a ética secular é a migração do samsara para a terra pura, e nós instauramos as qualidades, só que as qualidades não são artificiais. Quando a gente fala em ética parece que tudo é artificial – o que tira a artificialidade do aspecto ético é a paisagem, a mandala e o lung correspondente porque daí a mente, a energia, corpo, tudo opera naquele formato, de modo natural e satisfatório. Por que esse procedimento é vitorioso, inevitavelmente? Porque o samsara é frustrante. As pessoas não têm apego ao samsara, elas têm apego a manobrar aquela energia – já nem é o objeto – é manobrar a energia. Elas têm sensação de poder sobre aquilo. Agora, nós estamos usando outro tipo de motivação que não é frustrante, não morre; quando nós morremos, as outras pessoas seguem utilizando as mesmas estruturas. Após a morte, nós também podemos seguir com as mesmas estruturas – aquilo é estável. Não sei como o samsara chegou até aqui! Não sei! É um mistério. O samsara é frustrante; ele é periodicamente destruído, quando afunda, a gente o faz ressurgir como se a gente não visse outras possibilidades. O ponto é que no samsara a gente acredita no ego, mas ele não tem substancialidade – ele é uma crença – porque o conteúdo dele está mudando o tempo todo; a essência do ego é a capacidade de manobrar, de sustentar alguma coisa para que aquilo continue. Não importa o conteúdo daquilo.
Podemos nos divertir no meio disso; podemos criar as identidades, as organizações, criar tudo, só que, enquanto nós criamos isso tudo, não precisamos criar identificação com isso a ponto de incorporar a noção de morte. A morte é um sintoma da perda da nossa lucidez. Não há a morte: o que há é a queda dos bambus. Mas a morte mesmo não existe. O samsara ainda é frustrante por isso – porque ele nos assusta com a morte; em terra pura, a noção de morte é superada porque quando a gente começa a entender esse aspecto sutil, a gente vê que ele está incessantemente operando – ele está lá. Só que isso parece longínquo quando a gente olha. Parece estranho. Por vezes também parece estranho que a gente não tivesse visto isso antes. E quando a gente começa entender um pouco a gente vê que muitos seres já falaram sobre isso em diferentes tradições religiosas; só que a gente ouviu e não conseguiu entender bem.
Para o teor destes ensinamentos, é essencial entendermos que a sensação terra vem do lung; sensação de solidez, de firmeza nas coisas, vem do lung; é daí que brota o aspecto que parece que é sólido no mundo; é do lung.
PARTE SEIS
Prajnaparamita
Vacuidade do “eu” e do “outro”
Nesta parte do estudo, vou introduzir um assunto que está relacionado ao que estamos olhando, mas ligado ao prajnaparamita: é o detalhamento para a contemplação dos cinco skandas através desse processo que estamos utilizando aqui, que não é pela retirada do que está diante de nós, mas sim, o processo pelo qual nós entendemos como o conteúdo aparece, que mesmo sendo virtual, como é que ele aparece, como é que ele opera. Se nós entendermos como que o fantasma aparece e o que ele pode fazer, nós nos livramos dele, num certo sentido
Lembramos aqui o que nós já vimos no caminho do ouvinte, como nós podemos desenvolver a compreensão da vacuidade do “outro” e da vacuidade do “eu”. Como podemos entender essa vacuidade nossa pela inexistência de um “eu”, e entender a vacuidade do “outro” pela inexistência do “outro”. Como podemos também entender a vacuidade do “eu” pelo surgimento do “eu” e entender a vacuidade do “outro” pelo surgimento do “outro”, e não pela negação do “outro”.
Vamos então, trabalhar na vacuidade do “eu” – vamos ver como isso ganha forma, como é assoprado e passa a existir. Como que se dá a sensação d.e existência de fato e ao mesmo tempo, nós não estarmos ali. Não há esse “eu”.
Mas como esse “eu” surge e opera? Vimos que ele surge e opera pela fixação, pela sustentação de alguma coisa. Contemplando esse processo através da imagem dos pratos que giram e pelo equilíbrio do bambu, prefiro a imagem do bambu porque dá uma sensação de urgência, enquanto que na imagem dos pratos, podemos girar o prato e ir fazer outra coisa. No caso do bambu, estamos sustentando efetivamente alguma coisa.
Essa alguma coisa diz respeito à nossa identidade: nós a sustentamos o tempo todo, fazemos tudo por dentro desse viés; mas isso não é necessário.
Entendemos que isso é produto de uma forma de ação e podemos agir de outra forma. Entendemos também como o lung vem (lung de Chenrezig, das cinco sabedorias, do nascimento do lótus) e como que o lung também dá uma sensação de manifestação e uma solidez – quando ele aparece, nós nos sentimos existindo.
Encontramos então a possibilidade de ultrapassar essa fixação. A melhor forma de olhar é através, não da negação da aparência, mas da compreensão de como a aparência vem. E não basta isso também, não basta para nós compreender a vacuidade e dissolver, nos livrarmos do que seja temos que focar uma outra alternativa: o foco nas deidades, foco nas sabedorias provenientes das deidades. Esse foco é infinito – não há limite para esse número de deidades, as múltiplas inteligências que podemos utilizar para dissolver os vários problemas.
Noção das inteligências - as deidades
Curiosamente, olhando o surgimento das deidades, se diz que, quando o Buda morreu, os alunos dele descobriram que, ao contemplarem o lugar onde o Buda sempre se sentava, era como se o efeito daquela presença retornasse; porque, na verdade, mesmo quando eles estavam na presença do Buda, era a presença interna do Buda que se manifestava. Quando eles visualizavam a presença do Buda, eles tinham a presença interna do Buda e era como se o Buda estivesse presente. Daí, de tanto visualizar o Buda, eles viram o Buda em três – eles viram que tinha o Buda e ao lado, tinha Chenrezig e Manjushri. Eles olhavam para o Buda e viam que ele se manifestava simultaneamente como Chenrezig e como Manjushri; ou seja, ele cortava a ignorância e sustentava amorosamente as pessoas. Isso era o Buda.
Com o tempo vai surgindo a noção das inteligências que o Buda operava. Mais adiante, as pessoas seguiram contemplando e viram cinco, do mesmo modo que, mais adiante, elas viram o Buda da Medicina. E aí começou a proliferar – começamos a ver uma multiplicidade de deidades que são inteligências que o Buda tinha. Quando eles criaram Chenrezig, foi uma condição particular: o Buda não era só Chenrezig, era Manjushri também, ele era as cinco sabedorias. Nesse sentido é infinito. Vamos contemplando o Buda e vamos encontrando outras sabedorias.
Ele manifestava a sabedoria primordial que tem qualquer conexão. E não só ele manifesta aquelas deidades como, no futuro, manifestou outras. A noção das deidades é uma personificação, um aspecto particular. As pessoas começaram a ver assim e viram os cinco diani Budas, viram Vajrasatva. É bonito isso!
Os aspectos Sambogakaya, Nirmanakaya e Darmakaya
As deidades são sambogakayas. O Buda é nirmanakaya, o Buda em corpo físico, mas o que nós vemos diante de alguma coisa em corpo físico é o aspecto sutil. Por exemplo, as pessoas olharam para o Buda e viram seres dos infernos também – samsara básico! Teve gente que quis matar o Buda; e aí aconteceu de tudo: teve gente que olhou para o Buda e viu as mais variadas confusões, mulheres olharam para o Buda e viram confusão! As pessoas olham e veem segundo o seu mundo. Mas, aqueles que são praticantes e que estão olhando com sabedoria, eles veem as dimensões de sabedoria do Buda. Eles não estão projetando imagens do samsara. Eles estão vendo dimensões de sabedoria que estão se manifestando através daquele nirmanakaya. Aí surge sambogakaya e darmakaya, sempre juntos, não tem separação. Falamos como se fossem coisas diferentes.
Darmakaya é esse espaço livre. Desse espaço livre surge sambogakaya que são as inteligências, de sambogakaya e de darmakaya, inseparavelmente, surge o Buda com seu corpo, manifestando aquelas inteligências. É uma analogia muito próxima da noção de Jesus Cristo sentado à direita, inseparável do Pai. Como nirmanakaya, ele vai morrer – como Jesus Cristo morreu – mas, inseparável do Pai, a vida dele é eterna. Uma pequena diferença do Cristianismo – porque com certeza, ele tinha e perdeu a noção de que todos os seres têm a natureza crística. No Budismo, todos os seres têm a natureza búdica. Mas na visão que, eu acredito, seja católica – de alguns teólogos, pelo menos – se diz que Jesus Cristo salva os seres porque ele tem a natureza crística e os seres, não. Isso, na visão budista seria um equívoco, mas eu acredito que isso foi introduzido para manter algum poder.
O ponto importante é nós entendermos esses três aspectos como um só: darmakaya, sambogakaya e nirmanakaya. E surgem as múltiplas deidades sambogakaya.
A coemergência dos cinco skandas – mestre da ilusão
Esta abordagem é sofisticada, é um ponto sutil: entendemos a vacuidade, não como a negação da forma, mas compreendemos a gênese da forma e entendemos o poder que a forma tem sobre nós. Vamos supor que vocês vejam um desenho ameaçador na parede – quando olhamos para o desenho, vemos os riscos e o fundo – não pode ter ameaça no desenho. Vamos então entender que a ameaça brota de uma região sutil nossa que está conectada através do desenho, não vem do desenho!
Do mesmo modo, os sons que podem nos assustar ou nos seduzir, não são os sons que estão nos seduzindo – são os conteúdos que eles estão mobilizando dessas regiões sutis. Eles é que nos seduzem. Tudo isso é coemergência. Se eu não tiver a coemergência daquele desenho com a região que eu estou operando, eu não atribuo significado àquele desenho; eu não estou sob a influência dele. E aí segue.
Estamos vendo o papel da coemergência e a melhor forma de trabalharmos esses elementos da vacuidade do prajnaparamita é através da compreensão da coemergência e não da negação da forma. A coemergência é um achado.
Não são muitos mestres que falam sobre esse tema da coemergência. Dudjom Rinpoche e Patrul Rinpoche citam. Mas esse ponto é uma chave. Então, quando nós utilizamos esse aspecto da coemergência e observamos, estamos equipados para olhar de novo o prajnaparamita inteiro.
A essência do prajnaparamita são os cinco skandas: nós vamos olhar forma, sensação, percepção, formação mental e consciência. Primeiro eu examino esse aspecto e vou lembrar de novo como é que nós entramos na mandala: contemplamos a coemergência uma por uma das coisas e, portanto, perdemos a sensação de que as coisas são separadas de nós. Perdemos a sensação de que as coisas agem sobre nós. Nós nos livramos do poder que eventualmente as formas possam ter sobre nós. Esse é o efeito da contemplação da vacuidade da forma - sem a necessidade de nós negarmos a forma, a forma está ali, mas o conteúdo dela ficou sem alma, foi suprimida do poder que ela tinha de nos causar perturbação.
Do mesmo modo, um filme assustador não assusta o diretor do filme. Ele não assusta porque o diretor sabe tudo sobre aquelas imagens; não porque ele cortou o filme ou negou o filme – é porque quando ele vê o filme, ele sabe como é que as formas aparecem; não está sob o poder das imagens. Ele é o mestre da ilusão do filme.
Então, nós vemos como que essa ilusão surge e nos tornamos os mestres da ilusão daquele processo; portanto, ficamos imunes à própria ilusão que a forma pode produzir; não negamos – se nós negarmos a forma, o que vai acontecer é que nós teremos colocado a forma nos infernos – é uma confissão de que estamos submetidos à forma. Seria o único modo de nos livrarmos da forma: colocá-la num lugar isolado por grades. Se ela eventualmente aparecer, ou se eu cair num lugar onde ela exista, eu estou perdido.
Então, muito cuidado para não resolver as coisas pela dissolução ou pela oposição, porque assim, elas vão para os infernos e ficam nos aguardando lá. Elas criam os infernos – os infernos são criados desse modo. Isso, na verdade, vale para tudo o que nos assusta. Então, peguem todos os seres que um dia vocês colocaram em algum lugar longínquo e esvaziem os infernos desses seres. Ou seja, tem que rezar, e pelo poder da vacuidade, nós olhamos com metabavana e tudo muda. Vamos utilizar isso: chama-se o poder da verdade: “Pelo poder da verdade do prajnaparamita, da originação dependente, eu faço tudo se dissolver na sua virulência”. Existem umas fórmulas mágicas para isso: “pelo poder da verdade nós dissolvemos a ilusão; pela verdade dos Budas, dos mestres...”. Nós estamos testando esse poder, estamos examinando, e a base disso é o prajnaparamita, originação dependente e a contemplação dos cinco skandas e para compreender tudo isso, a coemergência.
Prática: meditação do prajnaparamita
A meditação sobre o prajnaparamita vai se dar na medida em que nós lemos o texto – chegamos ao ponto onde vamos ler que “forma é vazio, vazio é forma, forma nada mais é do que vazio, vazio nada mais é do que forma, do mesmo modo, os demais skandas (sensação, percepção, formação mental e consciência)”. Vamos fazer essa prática.
Aqui um roteiro para deixar isso um pouco mais claro – esse roteiro tem oito pontos:
1) Eu pego uma forma – qualquer coisa – uma lâmpada, uma pessoa, o que for, ou a nós mesmos, nossa identidade.
2) Contemplamos a coemergência da forma, então nós vemos que essa forma é inseparável de quem olha. Inseparável de quem? Inseparável da região de alayavijnana que está sendo utilizada para que ela surja. Quando pensamos em alayavijnana, pensamos em algum dos seis reinos que estamos utilizando para isso, ou, se estivermos fazendo uma prática de bodisatva, podemos olhar com olho de alguma sabedoria. Mas aqui, especificamente, é o olho de algum dos seis reinos. Vocês podem olhar uma situação passada, uma pessoa do passado, do presente ou do futuro – alguma situação que vocês tenham que enfrentar, seja o que for, é uma forma. Mais adiante, pratiquem isso com muitas diferentes formas – nós vamos precisar utilizar o samsara inteiro. Vamos precisar olhar 108 formas ou 108 mil formas... Se eventualmente deixarmos alguma de fora, ela pode nos pegar num momento e podemos ter dificuldades. Então, é necessário fazermos essa prática por um longo tempo... Então, no item 2, elegemos a forma e contemplamos a coemergência da forma. Se vocês estiverem fazendo a prática dos 21 itens da formação dos facilitadores, essa é uma meditação que vocês vão incorporar e vocês irão fazendo isso até atingirem a liberação. Uma prática que vai ser muito útil porque vai transformando o samsara em terra pura. Item por item, vamos passando e gerando o olho capaz de atravessar da margem da ignorância para a margem da liberação, cada vez mais rápido. Então, contemplamos coemergência – aquilo que é inseparável de quem olha;
3) Com a coemergência, contemplem o aspecto vazio, ou seja, contemplem “não tem aquilo dentro daquilo”. É como alguém contemplando um desenho numa parede – não tem nada dentro do desenho – aquilo não está na parede e na tinta. Aquilo não está ali, como o cubo que nós vemos que não está no desenho do cubo. Não tem o cubo ali, mas nós o vemos. No caso do cubo, é mais interessante ainda porque, para ver o cubo, temos que ver em três dimensões, mas o desenho está em duas! Como é que vemos em três? Tentem localizar se aquela face do cubo que vocês estão olhando está no papel ou está atrás do papel; ou na frente do papel, porque todos os lados do cubo não podem estar no papel! Mas nós nem vemos mais o papel, só vemos o cubo. É interessante: como é que esse processo se produz aparentemente tridimensional. Nós vemos que não está ali; “não tem aquilo dentro”. No item 3, eu olho com olho de negação.
4) Aí vemos o aspecto luminoso, ou seja, “tem aquilo dentro”. No item 4, eu olho com o olho espantado de ver aquilo aparecer e eu contemplo o aspecto lúdico daquilo. Não é incrível que aquilo apareça?
5) Contemplamos o aspecto vazio-luminoso que é muito parecido com os anteriores, mas é assim: é na forma que o vazio se manifesta. Eu vejo o vazio na forma vazia que se manifesta. Então, o vazio e a luminosidade surgem juntos. Até o item 5, estamos olhando sob o ponto de vista cognitivo e agora passamos a olhar sob o ponto de vista da energia.
6) Contemplamos a energia. No objeto que estamos olhando vemos um lung. É bom escolher algo que tenha uma aparência maior de lung. Por exemplo, um sorvete ou a foto de uma pessoa. Aparece a pessoa e vamos olhar os cinco lungs. Aparece o lung do elemento éter. Por exemplo, vocês podem folhear uma revista. Vamos ver a nossa conexão cármica – aparece direitinho, pelo tamanho do olho! Uma câmera oculta e um gráfico, abertura do olho versus tempo. Aí, dá um número que é o carma associado! Quando vocês arrumarem um namorado, levem para ele uma revista: “Olhe aí a revista que eu trouxe para você” (e a câmera oculta, registrando tudo!!!). Façam isso em vez de perguntar: “quem é você, do que você gosta?”. Isso é inútil!!! Dependendo do objeto que aparece, surge o elemento éter – o brilho – o elemento ar, o elemento fogo, o elemento água e o elemento terra se movimentando em nós. Estamos vendo o objeto – não apenas o aspecto cognitivo, mas estamos também percebendo a energia. Vocês vão perceber que o surgimento dos cinco lungs está na dependência de paisagem, mente e aí vem a energia que movimenta o corpo.
7) Contemplamos a magia do processo. Como o processo nos pega, nos faz girar, nos mantém aprisionados, sustentando um bambu.
8) Sorrimos para isso e dizemos “é assim que o samsara nos pega!”
Vocês podem caminhar lentamente num shopping também – melhor deixar a carteira, cartão de crédito, em casa! Vocês seguem olhando. Os donos de loja deveriam utilizar isso: um detector de pupilas! Preparam as vitrines e observam – se estiver atraindo a atenção, deixam como está; se não, refazem a vitrine! É simples – método experimental da prática da publicidade. Contemplamos assim como o samsara nos pega e podemos dizer: “Diante da energia, que brota da forma vazia e luminosa, eu sorrio”. Essa é a nossa prática, só isso. É o compacto dos oito itens, eu não me oponho, eu sorrio.
Todas as formas nos perturbam porque nos colocam em algum dos seis reinos – há formas que perturbam porque seduzem, formas que perturbam porque amedrontam, formas que perturbam porque produzem competição, formas que perturbam porque nos colocam em uma ação continuada durante um longo tempo, formas que perturbam porque nos criam carência, formas que perturbam porque criam medo, rancor, ódio. Podemos praticar com objetos também – embora tenham menos energia – objetos da casa etc. O ponto importante é que estamos liberando pelo sorriso.
Liberando pelo riso
Às vezes existe um nível de incompreensão disso: a pessoa diz “eu tive um acidente” e vou rir disso? Ou eu fiz uma grande bobagem e causei mal a outras pessoas – vou rir disso? Aí tem uma falha – vamos ficar rindo? Mas nós não rimos do conteúdo, nós rimos do fato de termos sido enroscados por algo e que agora não estamos mais. Escapamos! Nós estamos rindo, livres do conteúdo – rimos do fato que descobrimos como que a energia estava nos arrastando. Descobrimos o truque e não o conteúdo do truque.
Vocês vão perceber direitinho que a nossa dor do samsara está ligada à energia. A noção do bambu está ligada à sustentação da energia. Quando a energia é ameaçada – seja do conteúdo que for – nós protestamos porque somos guardadores da energia. O tempo todo nós estamos manifestando alguma coisa e sustentando energia, então, nós nos perturbamos com qualquer situação que nos impeça, obstaculize ou ameace.
A fuga pela doença mental
A doença mental – essa é uma teoria que não se aplica a todos os casos – eu acredito que, num certo sentido, seja uma construção negativa que a pessoa sustenta. Já tive, em alguns casos, diálogos com pessoas com problemas sérios em que a única alternativa digna para elas é a doença mental; “Por favor, alguém diagnostique uma doença mental, por favor!”. Por quê? Porque a pessoa não pode admitir a derrota senão por um fator absolutamente externo, imponderável, que desabou sobre ela. Então a pessoa prefere o caminho da doença mental em que ela faz um tratamento, sai do outro lado e é apoiada, do que a possibilidade de ter que enfrentar a sua fragilidade, o seu engano, o seu erro, a sua impossibilidade, a sua avaliação equivocada. Uma pessoa com que eu falei – um praticante – viu isso e não resolveu. Não é fácil, porque a pessoa segue no plano ilusório, no plano das formas, com a mesma configuração.
Para sairmos do outro lado, é necessário que a nossa energia gire de um outro jeito. Se a pessoa entende, mas segue girando a energia do mesmo modo, não adianta. É uma questão da fonte de refúgio da pessoa. No meio da crise, ela tem que trocar a fonte de refúgio, se não trocar, ela segue com o problema, mesmo que ela tenha entendido. Não é fácil. Ela segue sustentando coisas que não precisam ser sustentadas, mas, aos olhos das outras pessoas, precisa ser sustentado. Ela não está disposta a dizer que ela não vai mais sustentar, que ela não é aquilo, ela não tem força para passar por aquilo, ela não tem capacidade de suportar o processo de quebra de expectativa que os outros têm sobre ela. A pessoa prefere desenvolver um sintoma a ter que passar por isso; esse sintoma se torna uma identidade aceitável.
O refúgio é quando a pessoa toma o refúgio numa natureza livre da mente que independe da impressão que os outros possam ter sobre ela. Aí é difícil, mas podemos ajudar a pessoa, dizendo: “você não foi isso sempre, agora você está usando isso”. Todos constroem a pessoa de uma certa forma e ela não pode viver a desconstrução daquela forma. Ela não suporta, porque ela pensa que se ela desconstruir aquela forma, as pessoas vão lhe dar um nascimento muito negativo e ela sente que não vai conseguir sair daquele buraco negativo do nascimento que os outros vão lhe dar. Ela prefere enlouquecer porque ela enlouquece por um tempo, depois volta. E a loucura dá a sensação, no geral, de ser alguma coisa que, quando acaba, todos se alegram; uma coisa imponderável que veio de uma região sobre a qual a pessoa não tem domínio, a pessoa não tem culpa da sua loucura. Mas, propor uma identidade e ter uma frustração é algo que a faz sentir culpada. Ela vai ganhar um tipo de nascimento que os outros vão lhe dar e que ela não está disposta a suportar.
Tem exemplos de praticantes budistas que viveram coisas assim. No Zen, tem um mestre, um grande mestre, que foi acusado de ter engravidado uma jovem e não se defendeu. Eu sempre me lembro disso e, num certo sentido, eu uso esse mecanismo – fora dessa circunstância, claro – porque nós vamos andando por diferentes lugares e as pessoas podem gerar as imagens que quiserem! E quando as pessoas geram imagens negativas – ou positivas – o melhor que se tem a fazer é refazer os refúgios e simplesmente manter o que se estava fazendo. Isso traz uma alegria porque eu sinto o tempo que se ganha com isso, em não se defender, se ganha muito tempo! E a defesa não permite uma solução, então, nós simplesmente nos mantemos fazendo a mesma coisa porque se fizermos tudo errado, o que nós vamos fazer? Vamos refazer os votos e seguir na mesma direção.
Se não estivermos fazendo nada errado, o que nós vamos fazer? Vamos refazer os votos e seguir na mesma direção. É isso! Não temos muito a fazer. Se eu fiz tudo errado, vou me considerar culpado? Nós temos estruturas de carma – como é que nós vamos nos dirigir a nós mesmos e aos outros e dizer: “você é um monstro?” Não é isso! Nossa natureza é livre – nós refazemos os votos e tentamos andar melhor. Se aquilo que fizemos pressupor 21 anos de prisão, está bem – fazer o quê? Utilizo a prisão para meditar...
Budismo e culpa
Não se culpem. Não se preocupem com as culpas que os outros jogam sobre vocês, mas essencialmente, não se culpem. Não percam tempo. Existem algumas práticas as quais eu acho muito duras e que não ajudam em nada: elas nos revelam as nossas falhas e nos colocam nos limites. É inútil, porque na verdade, todos nós temos limites, em algum ponto. O ponto não é provar que eu tenho limite porque todo mundo tem limite. O ponto é aproveitarmos as estruturas que nós temos. Refazer os votos e avançar o mais rapidamente possível, com as circunstâncias positivas que temos hoje para desenvolvermos o nosso caminho. Provar que o praticante é falho, que tem obstáculos é perda de tempo!
Quanto às falhas, melhor não confessar, mesmo que estejam evidentes. Quando nós confessamos, nós construímos um “eu” – esse é o problema da confissão. Nós dizemos: “eu isso, eu aquilo...”. Estamos construindo um “eu” a partir de negatividades. Podemos confessar num sentido mais amplo assim: essa ação foi produzida a partir da perda da lucidez e ignorância que veio de alayavijnana e quando olhamos assim, encerrou a confissão. Agora é refazer os votos: “que isso não aconteça mais, que eu tenha mais lucidez, mais atenção”. Qualquer outra coisa é perda de tempo porque nós vamos acabar construindo uma identidade culpada e vamos ter um trabalhão para nos livrarmos da culpa depois. E vai surgir uma sensação de identidade que vem pelas culpas – isso é obstaculizar a noção da vacuidade.
Refazer os votos é assim, por exemplo: “eu me movo para benefício dos seres, eu quero atingir a liberação completa para meu benefício e dos outros seres; que eu tenha mais lucidez, que eu não seja arrastado pelas coisas, que eu tenha a compreensão da natureza primordial; que eu possa manter minhas práticas regulares e que eu possa avançar na compreensão, no tempo que eu tenho”.
Por exemplo, num jogo de futebol – se os jogadores gerarem culpa pelas perdas de bola para um e para o outro, eles estão perdendo tempo. O jogador pode errar cem vezes e de repente, ele pega a bola e... gol! Se fizer um gol naquela partida, grande coisa! Ele vai errar muitas vezes e não tem que pensar sobre o erro, ele tem que refazer o voto para acertar melhor o chute.
O aspecto da culpa não é um aspecto muito fácil porque nós temos essa sensação de achar que a culpa é útil. Mas Chagdud Rinpoche foi bem claro: “Chagdud, a culpa não é interessante de algum modo?” “Bom, se a culpa produz uma transformação na atitude da pessoa, aí é interessante”. Esse é o melhor resultado que pode brotar. Mas a culpa não é interessante – nós precisamos de lucidez e não de culpa. Toda ação negativa é produzida pela perda de lucidez. Se quisermos melhorar, não adianta criar uma perda de lucidez adicional, personificar coisas e aderir a uma identidade – o melhor caminho é olhar com lucidez.
Lucidez é compreender que a natureza da mente é livre na base e que nós podemos agir de outra forma, diferente daquela que estávamos agindo.
Dependendo da tradição religiosa, trabalha-se com a noção da identidade: “Aquele ser vai ser julgado etc”. No Budismo existe julgamento, mas apenas dentro do samsara e mesmo esse julgamento é permeado pela realidade das coisas, ou seja, ele é permeado pela vacuidade. Tem as liberdades inerentes à vacuidade, mesmo que estejamos sendo julgados. Em algum momento, podemos dizer: “Eu peço ao meritíssimo a proteção da vacuidade”. O meritíssimo é obrigado a conceder – ele entende isso, mas, se não pedirmos, ele condena!
A confissão faz brotar em nós um sentimento negativo que nós legitimamos e sustentamos. Se confessarmos para nós mesmos ou para os outros e justificarmos isso como culpado, que no caso somos nós mesmos, nós nunca vamos obter absolvição. Nós não temos a possibilidade de obter a absolvição porque nós podemos pensar: “eu fiz isso de bom, mas eu fiz aquilo negativo”. Não tem solução. Tem sempre alguém que vai dizer: “Você pode se pintar de santo, mas olhe o que você fez!” Tem um “eu” – nós precisamos entender como que essa sensação do “eu” brota. Nós não somos aquilo, nós somos essa natureza livre e isso é o que dá continuidade. Podemos até usar essa noção: “aquele que fez isso, já passou; não existe mais”. Eu não sou aquele que fez, se quiser me pegar e me condenar, tudo bem, é um assunto seu, mas aquele que fez isso não existe mais, está em outra região de alayaviijnana.
Continuidade da pratica do darma
Os oito aspectos apresentados anteriormente, não gerem culpa caso não pratiquem! Mas criamos um programa de práticas, a pessoa não pratica e a vida começa a piorar: não só há o samsara, como há as culpas do Darma. Então, é muito importante não gerar culpa. Estamos falando aqui dos praticantes que geram uma expectativa em relação à sua própria prática e daí geram sofrimento, culpa por não estarem conseguindo fazer a prática. É inútil – essa culpa está relacionada ao materialismo espiritual – a pessoa começa a construir uma identidade positiva; daqui a pouco, o lung se vai, não se sabe por que, e a pessoa não consegue mais fazer prática. Curiosamente, nós deveríamos rezar para que Maharaja nos pegasse rápido, para que o carma amadurecesse rapidamente e nós pudéssemos voltar a praticar.
O que fazer com os praticantes que somem? Ir atrás deles? Talvez insistir muito possa gerar uma reação negativa – temos que permitir que a pessoa se evada, com dignidade. Uma forma de ajudar seria perguntar se a pessoa gostaria de fazer outra forma de programa, talvez esse programa de estudos não esteja bom para ela. Ajudar a pessoa a ter um programa do lado de fora, que não inclua nada do que inicialmente está ali, que a pessoa consiga aproveitar a sua própria vida, a confusão do jeito que for.
Este nosso programa, na verdade, está desenhado especialmente para aqueles que aspiram ter uma prática regular e ter alguém que os ajude nessa prática – uma aspiração da pessoa. Isso não significa que todas as pessoas precisem de um programa desse tipo, de fato. Mas para aqueles que gostariam de praticar, é bom, porque eles vão se familiarizando com os vários tipos de prática e vão andar mais rapidamente.
O programa ainda não está como eu gostaria, em boa medida, por culpa minha mesmo – eu me sinto culpado!!! Aí eu refaço os votos e continua igual! Mas, o programa, na forma como está, já me agrada muito. O método de cursos e ´interessante porque as pessoas que vão a esses cursos não são, necessariamente, parte da sanga. Essas pessoas não querem ser sanga, nem querem fazer práticas regulares, não querem ser budistas, ter uma religião. Eles querem aprender a meditar. Existe essa demanda interessante. No fim, entram para meditar e acabam virando sanga – mas existe essa forma vitoriosa. Os tutores sentem que amadurecem com esses cursos; eles estão diante de pessoas que estão precisando de ajuda, eles estão ajudando, estão entendendo tudo, e vão amadurecendo rápido. Eu acho que todo mundo da sanga deveria dar palestras, ir às escolas. Especialmente as que estão dentro do programa, estão sendo assistidas pelos tutores, podem fazer essas tarefas. Isso é muito importante, muito bom, a pessoa avança muito com isso e assim vamos construindo terra pura.
No âmbito dos gestores das empresas, hoje se introduz meditação sem motivação altruísta – eu não acho isso negativo, em princípio, porque nós temos que aproximas as pessoas do jeito que for possível. A minha ideia é assim: os gestores têm a motivação dos semideuses. Eles têm a motivação de vencer, que é uma motivação equivocada. Mas o fato é que quando eles se sentam, e ficam em silêncio, eles usufruem de uma dimensão de liberdade, até em relação a essa motivação enlouquecida deles. Então, eles entram pela motivação errada, mas terminam sendo beneficiados. Assim os gestores sentam e olham para o seu próprio mundo com o olhar original que eles não tinham porque estavam perto demais – quando estamos muito perto, não conseguimos ver direito – agora, eles se afastam e olham de forma mais ampla. O que vai acontecer? Essas pessoas terminam, a partir da sua motivação, por querer ter práticas vitoriosas, elas encontram práticas vitoriosas, mas de curto alcance, logo trombam em outros problemas. É natural que depois elas perguntem: o que eu faço para dar certo, para sustentar uma energia positiva? Então, elas vão ouvir algum nível de ensinamento e começam a formatar isso. Eu acredito que logo em seguida, elas deveriam entender o conceito de terra pura e como aquilo flui de modo natural e como o samsara flui trombando.
A nossa experiência, mesmo sem meditação, nos diz que as pessoas fazem esse roteiro. Por exemplo, o nosso encontro com os políticos em Viamão, no Rio Grande do sul. Ninguém lá está meditando, mas eles estão mudando a partir de um roteiro desse tipo: eles vêm com a motivação equivocada e, daqui a pouco, começam a mudar. Eu vi isso entre gestores de empresas – eu vi gestores “sênior” mudando: ele pediu demissão, montou uma empresa para fazer outra coisa, pediu parceria com o CEBB, com o Instituto Caminho do Meio. Ele era um alto executivo.
Na França, eu soube que havia, no grupo de Deshimaru Roshi, um lugar onde meditavam cristãos e budistas – eles tinham um horário, deixavam os sapatos na antessala e sentavam em silêncio – depois eles saíam, calçavam os sapatos e iam embora. Para eles, fazia sentido, e eu acho que faz, realmente. No Zen, de modo geral, pouco se fala de compaixão. Quando eu entrei no Zen, eu estranhei isso; depois eu comecei a procurar citações do mestre Dogen. Encontrei o mestre Dogen falando sobre isso, mas ele vai falar de compaixão absoluta; não vai falar de compaixão relativa, a compaixão de Chenrezig que encontra a pessoa como ela está. Vai falar de compaixão parecida com a de Manjushri, que corta a ignorância. No Zen, nem isso é mencionado, de modo geral, nós vamos chegar para uma prática de zazen num centro, posição correta, respiração, terminou, cumprimentamos e pronto. De modo geral, não tem estudo também, eventualmente tem o chá, aí se conversa um pouco – isso é útil.
No Zen do CEBB estudávamos sutras no final e eu acho que isso fez uma diferença. Terminada a sessão de zazen, antes do chá ou durante o chá, estudávamos o Budadarma: “o Buda certa vez, entrou na cidade tal”. Isso dava uma iluminação, era maravilhoso, depois do zazen estamos com a mente pronta! Estudava-se o Lavankara sutra, o Surangama sutra, o sutra do Diamante. Cíclico, não tinha fim, e dentro desse contexto da prática, ficava muito vivo. Isso foi o início do CEBB, nos anos 80, e é mais ou menos a fórmula que usamos. Hoje no CEBB fazemos um pouco de silêncio e um pouco de estudo de textos e vamos seguindo. Essa é uma boa fórmula, funciona.
A sanga e a terra pura
A sanga é um espírito, é sutil, é a energia do grupo, não as pessoas. No início, ela é uma sanga dentro do samsara e nós precisamos fazer a transição da sanga para dentro de terra pura. Depois está resolvido – nós abrimos a porta! – Essa sanga de terra pura vai terminar encontrando o ponto da liberação. Conectar sanga e samsara, sanga e terra pura e liberação.
Terra pura seria a compreensão de que, agindo a partir da motivação de bodicita, a vida anda muito melhor, para nós e para os outros. Uma compreensão palpável, viva, concreta e não tem percalço econômico, não tem dificuldade para entrar no samsara, os sinais são positivos e tudo sopra a favor. Terra pura é vitoriosa – bandeira da vitória – não pode ser obstaculizada, não tem como ser derrotada. Samsara é auto destrutível, terra pura tem pode. Mas, não sabendo disso não temos como usar esse software. Estamos num período em que estamos nos ajustando a isso, estamos testando. Terra pura é uma região sutil, eu posso me associar a isso ou não, como nos seis reinos: eu posso me achar muito favorável, mas eventualmente, o reino dos infernos está lá e eu posso dar um mau passo, escorregar e entrar lá por uma semente cármica que eclode diante de uma situação. Está lá o reino dos infernos como está lá a terra pura. Podemos entrar e sair porque a natureza da nossa mente é livre e o melhor que podemos fazer é, durante a nossa vida, operar por dentro de terra pura e nós avançamos muito rápido.
Terra pura é um software. Não precisa usar o software perdedor do samsara. Mas como nós recebemos isso por transmissão, nós seguimos. Naturalmente, os cientistas vão dizer que o samsara está no código genético – claro que não está. Outro dia eu estava lendo: os gordos são gordos pela genética; os hábitos alimentares são genéticos... hãh, hãh! O hamburger é genético! Se os hábitos alimentares fossem genéticos os hamburgers não tinham entrado nunca! Não tinha hamburger até recentemente, então o código genético não se ajustou ao hamburger ainda? Nós temos a tendência de explicar de modo causal – essa explicação genética, eu sempre acho um problema porque tende a deixar a pessoa congelada em alguma coisa: “a estrutura do corpo me obriga a isso”, então, não tem solução – é isso mesmo, hardware duríssimo! Mas vocês observem, com o código genético que nós temos, às vezes somos compassivos e às vezes, somos agressivos, não é? No meio de uma ação agressiva, se nos dermos conta, podemos seguir em outra direção com os genes que nós temos. Então, é assim, não vamos passar a responsabilidade para os genes. Por exemplo, um cachorro é um cachorro; mas mesmo um cachorro com gene de cachorro, pode fazer outras coisas que os cachorros comuns não fazem! O hardware não é o ponto, o ponto é o software. Nós nos enganamos querendo converter tudo para hardware – perda de tempo! Os animais podem ser compassivos e dão demonstrações disso, eles podem acessar regiões de terras puras também.
Canais de energia
Sobre os canais de energia – ida, pingala, kundalini – isso é a contemplação de como que a energia percorre o nosso corpo. São canais de energia que estão ao redor do canal central. Neste estudo, estamos usando o conceito de energia de uma forma mais sutil. Por exemplo, se estamos diante das coisas e desenvolvemos um nível de meditação sobre o próprio corpo e sobre as energias que estão percorrendo o corpo, isso é uma Yoga preparatória para Ati Yoga – Ati Yoga é quando nós percebemos o nível sutil. Eu não preciso entender a fisiologia da operação da energia e sim, perceber a liberdade que eu tenho de sentir a energia para cá ou para lá. Quando eu entendo a fisiologia, eu tenho a tendência a acreditar que estou condicionado a uma estrutura limitada, mas eu não estou!
Mesmo a noção de que nós vamos transferir a consciência no momento da morte a partir de um ponto na altura do chacra cardíaco e vou transferir as energias para o canal central, tudo isso é um processo ilusório, eu posso fazer essa visualização, mas não é necessário. Transferência de consciência não requer que eu faça isso. Se eu vou utilizar a sabedoria de uma deidade, não preciso fazer transferência de consciência como alguma coisa que vai de um ponto para outro, num espaço tridimensional. Mas, se eu estiver preso a um nível de tridimensionalidade, então eu posso fazer desse modo, mas isso corresponde a uma dificuldade de compreensão da vacuidade, eu olho o corpo como se fosse um objeto em si mesmo, regido por leis dele mesmo. Aqui, nós estamos pulando por cima disso.
As orações e o budismo
As orações funcionam – existe uma diferença entre fazer e não fazer. As orações funcionam! Existem vários níveis para o entendimento desse processo. Podemos entender assim: quando nós formulamos uma prece – por exemplo, metabavana: “que aqueles seres sejam felizes, que superem o sofrimento”, nós começamos a fazer a prática e parece que não vai acontecer nada, mas daqui a pouco, nos damos conta de que aqueles seres podem ser felizes de fato. Nós damos um nascimento, criamos uma região para aqueles seres operarem. Os seres estão todos presos num universo mágico, ao qual eles estão presos, não é um universo físico, é um universo mágico. Então, quando eu faço as preces, eu altero o conteúdo desses universos mágicos. Nós não estamos em universos físicos. Os objetos físicos que nós estamos olhando, os estamos criando por coemergência, com os conteúdos que eles têm – energéticos e cognitivos. Quando eu rezo, eu altero os conteúdos cognitivos e energéticos do que eu estou olhando – damos nascimento direto. Por outro lado, quando fazemos as preces, nós nos valemos desse mecanismo da inseparatividade – é um exercício. Quando eu faço preces, eu estou exercendo influências em várias direções, mas se eu não faço preces, também estou exercendo influências.
Existe também o aspecto misterioso – vocês podem rezar para Guru Rinpoche – é místico, misterioso. Vocês rezam para Guru Rinpoche e, dependendo, algo acontece. Na linhagem Niyngma especialmente no livro Lótus Branco, tem essa visão mística de Guru Rinpoche. Acho que o Budismo tibetano inteiro tem isso, mas especialmente na linhagem Niyngma tem essa compreensão de que, se quisermos usar uma analogia, é assim: nós enquanto seres limitados, temos uma capacidade de mover coisas, de produzir coisas, dar nascimento, de configurar coisas. Dentro da nossa capacidade muito limitada nós vamos entender que nós podemos usar corpos ou não. Então, os grandes seres de sabedoria, os budas, também têm essa capacidade, independente do corpo.
Nós podemos gerar uma conexão com Guru Rinpoche e nós podemos nos abrir à intenção iluminada dele e então, às vezes, quando nós rezamos, nós nos abrimos à intenção iluminada dos budas e eles se manifestam, produzem resultados. É melhor acreditar nisso. No Lótus Branco tem vários relatos do que o Guru Rinpoche fez, em várias circunstâncias. Mas, ninguém precisa acreditar – nós não avançamos porque acreditamos. Não tem nenhum problema.
Nós estamos na etapa de liberação, que é assim: nós temos que superar o poder que o samsara tem sobre nós e poder manifestar terras puras – se nós entendermos como é que a nossa identidade opera e pudermos nos livrar desse software e manifestarmos liberdade, isso é um grande passo. Se pudermos manifestar o nascimento no lótus, é maravilhoso. Isso dito assim, parece complicado, mas é simplesmente usar boa vontade, em vez da complicação. Vamos localizar direitinho como a complicação nos pega e nos torce, como o nível de realidade daquilo aparece – estudamos isso direitinho. Aprendemos como construir nossos movimentos a partir das cinco sabedorias – está muito bem. Mais adiante, vão entender que as cinco sabedorias já são Guru Rinpoche. Se quiserem invocar Guru Rinpoche, invoquem as cinco sabedorias, ou diretamente olhem com a sabedoria do espelho, sabedoria da igualdade, sabedoria discriminativa, sabedoria da causalidade, sabedoria de Darmata. Olhem com esse olho, esse é o olho de Guru Rinpoche. Isso é Guru Yoga de Guru Rinpoche.
Guru Rinpoche é uma inteligência. Nankai Norbu Rinpoche, apesar de ser Dzogchen, tem uma visão interessante que eu só vi nele, que é a noção de que sambogakaya é como se fossem seres alienígenas – seres de outras dimensões que podem aparecer e se comunicar conosco – como se forem seres densos. Eu sempre falo de sambogakaya como sabedoria e lung, regiões como alayavijnana – só que alayavijnana do bem – emanado pelos budas. Nankai Norbu Rinpoche olha de forma densa – eu tenho a tendência a escapar dessa densificação. Mas é um detalhe!
PARTE SETE
Consolidação da pratica dos 5 lungs
As práticas dos 5 lungs e a prajnaparamita e a utilização dos quadros dos 240 e 200 itens
Examinamos o aspecto dos cinco lungs. Precisaríamos ver agora, como consolidar esse aspecto, torná-lo mais fácil de operar na nossa mente. Precisamos nos lembrar que estamos fazendo prática de Vajrasatva. Se os acontecimentos nas coisas estão ruins, usamos essas visões para praticar; se estão bons, usamos também para praticar, sem alterar o formato.
Nesse sentido, dentro do formato que estamos trabalhando, utilizaríamos o quadro de 240 itens e o quadro de 200 itens. Por exemplo, se pensarmos que, diante das coisas, podemos manifestar os itens que estão dentro do quadro de 240 itens, ou seja, se ao experimentarmos, seja o que for, nós nos manifestarmos por dentro de algum dos seis reinos, com o impulso de uma das dez ações, ou do conjunto das dez ações não virtuosas, em paisagem, mente, energia e corpo, nós estaremos dentro do esquema da não-virtude e, inevitavelmente, nós vamos ter problemas. Então, se nós já praticamos o quadro de 240 itens e já olhamos para ele com o prajnaparamita – já dissolvemos as conexões que nós tínhamos. Esse é um trabalho de purificação.
Na prática dos 5 lungs, seria um trabalho de iluminação; um pouco diferente porque eu não vou obstaculizar. Pelo prajnaparamita eu posso reduzir, anular a conexão. Nos 5 lungs, nós vamos olhar para a conexão que surge, dentro da perspectiva de Vajrasatva; vamos perceber os cinco lungs aparecendo e nós, equilibrando alguma coisa, fazendo acontecer, seja o que for: matar, roubar, prática sexual imprópria, mentir, falar inutilmente etc; as dez ações não virtuosas. Quando nós nos engajamos numa dessas ações, não é assim: rápido e acabou – tem um engajamento, nós sustentamos aquilo. Por exemplo, matar é um processo longo; tem uma aspiração, brota um brilho no olho e tudo acontece. Na sequência, com o tempo, isso tudo amadurece, tem um planejamento, depois tem uma ação que se coloca como alguma coisa prática que pode se exercer de fato e aquilo é exercido. São várias etapas.
Praticar uma ação desse tipo requer sustentar a motivação por um bom tempo – pulamos para dentro e vamos sustentando até que aquilo acontece. É como planejar uma viagem – não é simplesmente a viagem. Muito antes da viagem a pessoa vai organizando tudo, por etapas, vai sustentando, removendo os obstáculos até que consegue cumprir, fazer o que estava aspirando. Há a etapa do sonho do elemento éter, elemento ar, elemento fogo, elemento terra, elemento água, tudo sustentado continuadamente.
O quadro dos 240 itens, os lungs e a consolidação do “eu”
Se nós fazemos ações não virtuosas nós também sustentamos continuadamente aquilo; as etapas estão todas desenhadas ali dentro. Nós olhamos o quadro de 240 itens e agora estamos introduzindo a questão do lung dentro disso.
O quadro de 240 itens é conceitual, ainda que tenha o aspecto de energia, mas se nós olharmos o aspecto de energia e abrirmos os cinco lungs, nós vamos ver como a identidade foi construída, como ela é sustentada, como ela exerce a ação, como a paisagem se constitui e como tudo ocorre. Vamos contemplando isso.
Podemos olhar as ações não virtuosas que tenhamos feito e não vamos olhar com culpa, vamos usar como instrumento. Nós nos vemos na situação, olhamos novamente e vemos como construímos aquilo com o elemento éter que apareceu, como nos sentimos cheios de poder para fazer a ação, vemos como o corpo se estruturou, como os cinco lungs apareceram e como sustentamos tudo por um bom tempo, com a sensação de que aquele éramos nós - aquela ação, vinda de nós - e nós contemplamos isso. Contemplamos como que essa sensação é algo que genuinamente brota de nós, vemos o “eu” operando, reconhecemos que esse “eu” opera a partir dos vários lungs, como algo que eu equilibro. Os lungs aparecem, eu tento equilibrá-los e isso dá a sensação da existência de um “eu”.
À medida que esses lungs se sustentam, eu tenho uma sensação de propósito, parece que aquilo está claro que deve ser feito, mesmo que seja uma ação negativa. Passado o tempo, eu olho as ações negativas como algo que eu não deveria ter feito. E aí eu retorno, examino com cuidado como que isso apareceu como sendo algo correto, bom, direito. Nós vamos perceber que o lung brilhou: brilhou o lung do elemento éter, do elemento ar, tudo brilhou, e nós começamos a jogar aquele jogo e sustentamos o jogo. Se alguém tentasse nos interromper, nós resistiríamos, porque o jogo da identidade é simplesmente este: o jogo da identidade é sustentar aquele lung da forma como ele vem – nós nos identificamos com aquilo – a mente passa a sustentar aquele processo.
A defesa do processo é a cobra, a sustentação constante é o galo e a conexão é o javali, a ignorância. Então, a ignorância é essencialmente nós tomarmos isso sem perceber e ficarmos operando a partir desse referencial, sem entender o que está acontecendo. Nós tomamos todas as manifestações dos cinco lungs, passamos um círculo em volta e dizemos: “isso sou eu!”. Nós simplificamos! Quando dizemos “isso sou eu”, já existe um nível de apego e eu não estou disposto a fazer qualquer mudança.
Então, é muito importante desenvolver essa familiaridade. Eu não acho que isso seja para fazer em meditação ou retiro; talvez seja melhor fazer isso no cotidiano, pela abundância de oportunidades que temos de nos defrontar com muitas ações não virtuosas, ou virtuosas, nos mais variados movimentos da nossa mente.
Por exemplo, se a pessoa não faz a ação – por exemplo, tem brilho, o lung do éter, do ar, do fogo, mas a pessoa não faz a ação – isso pode acontecer – provavelmente a pessoa está operando com o outro referencial que está obstaculizando a ação. A pessoa está por dentro de alayavijnana, com outro referencial.
Quando o pensamento flui, já flui com todos os lungs. Muito difícil ter alguma coisa que nós possamos colocar no meio disso. Nós podemos, por exemplo, não encontrar os meios para a ação; não vamos mais praticar a ação porque não encontramos os meios, mas se aparecer o lung do elemento éter, ar e fogo, vamos nos sentir angustiados se não pudermos manifestar o lung do elemento água. Por exemplo, estamos dentro de um elevador e estamos bem, mas se o elevador trava, na verdade, sob o ponto de vista conjuntural, não deveria fazer diferença nenhuma porque se a pessoa estava indo até o 18° andar e o elevador travou no 2° andar, na verdade, o tempo de chegar no 18° andar não teria ainda sido cumprido. Ela ficaria no elevador até o 18° andar sem nenhum problema, mas, aparecendo o elemento éter, ela está presa e respirou o elemento ar da prisão, sentiu o fogo da prisão e tem o impulso do elemento éter na água: ela vai querer se mover! E porque ela quer se mover e não pode, brota a ansiedade correspondente; mas ela nem pensa, apenas brota a ansiedade. Então esse é o mecanismo que ultrapassa o aspecto da mente cognitiva propriamente; a pessoa fica aflita. Aí vem alguém e altera o elemento éter; diz: “Eu tenho uma chavezinha, empurro ali e nós saímos”. Isso altera tudo, porque o elemento éter altera.
Os lungs todos se alteram – essa é uma forma de pensar que não envolve pensamento. Por exemplo, é parecido com quando olhamos uma cor, olhamos um objeto e não temos a sensação de que estamos pensando, mas num sentido mais sutil, é como se nós estivéssemos construindo aquilo: é ação da mente, mas é uma ação que não é propriamente cognitiva; não é uma ação da mente em que nós produzimos um objeto mental, contemplamos e chegamos a uma conclusão sobre ele. Aqui não chegamos à conclusão nenhuma, apenas movimentamos lung. Esse processo opera o tempo todo; é ele que vai nos dominar; domina a nossa resposta.
O processo dos lungs até a liberdade
No caso das emoções perturbadoras - se nós podemos ou não interromper o processo - eu diria que nós estamos entrando na aventura de penetrar em regiões que não são conscientes (estamos tornando conscientes regiões que não são conscientes). Estamos penetrando em regiões não cognitivas, a partir de um processo cognitivo; nós estamos identificando. Por exemplo, se vocês estiverem no meio de uma ansiedade, vocês parem e localizem o elemento éter, o elemento ar, o elemento fogo; nós dispomos da possibilidade de alterar essa ansiedade; podemos mudar a paisagem, podemos uma porção de coisas! A melhor delas é localizar o processo; identificar o processo de novo; nós precisaremos identificar um número grande de vezes esse processo até que a liberdade frente a esse processo se torne uma possibilidade.
Por enquanto, mesmo que localizemos o processo, nós temos dificuldade de exercer a liberdade. Precisamos nos familiarizar com o processo. Na verdade, o processo de ansiedade, através de um mecanismo como esse, vai terminar apontando a região de liberdade de novo. Se eu não estou ou não num processo de ansiedade, mas num processo de fazer tudo direito como o quadro de 200 itens, eu também localizo essa construção e retorno para uma região de natureza livre. Por exemplo, nós fazemos prostrações - isso é voto de refúgio - ou seja, diante de uma ansiedade, eu tomo refúgio, diante de uma coisa boa, eu tomo refúgio, diante de uma lucidez, eu tomo refúgio. Nós estamos tomando refúgio constantemente. Existe essa prática formal - tocamos com a cabeça no chão, nos livrando dos venenos e nos levantando para benefício dos seres: formal! - mas essa prática abre lentamente essa possibilidade de nós, diante de qualquer coisa, tomarmos refúgio efetivo; ou seja, eu me libero da ansiedade, me libero da morte, porque nesse nível do prajnaparamita, da compreensão vacuidade, nós vamos entendendo o que é a vida, o que é o processo ilusório.
Na medida em que nós ultrapassamos o processo ilusório, a morte cessa. Não quer dizer que nosso corpo não morra, mas o nosso refúgio, a nossa região de segurança, não é alcançada pela morte. Vamos fazendo isso, vamos nos liberando desse processo todo e isso é liberação; liberação da necessidade de responder de forma automatizada, entendendo como uma identidade que está se manifestando dentro de um mundo. Isso é um processo ilusório; nós estamos na micro estrutura disso, desmontando os mecanismos onde isso se estrutura. Por exemplo, podemos praticar isso em retiro como eu estou descrevendo aqui: puxo um evento, puxo outro evento, mas, acredito que, para a maior parte de nós, os retiros são mais problemáticos; então, é melhor aproveitar as múltiplas oportunidades, os múltiplos encontros no mundo sensorial para trabalhar isso.
Se criarmos uma árvore de roteiros de prática, isso vem por dentro dos 200 itens e dos 240 itens. Como nós temos uma facilidade maior com os 240 itens, nós pegamos as não virtudes, as confusões da vida mesmo e olhamos com cuidado. A minha sugestão é aproveitar essa possibilidade: isso significa praticar 24 horas! Mindfulness: mantemo-nos com a mente atenta. Nós temos conteúdo para praticar o tempo todo, entendendo desse modo. Essa é uma prática liberadora - ela vai liberar alayavijnana inteira. Sob o ponto de vista individual, podemos pensar assim. Sob o ponto de vista da sanga, todo mundo pode começar a ver junto; fica fácil. Sob o ponto de vista neurológico, os neurologistas diriam que nós estaríamos criando novas sinapses, a estrutura cerebral vai mudando, nós vamos criando novos roteiros de comunicação dos neurônios.
Nós não pensávamos assim, agora estamos pensando; estamos criando uma nova coisa; só que provavelmente nós precisaríamos fazer isso umas três milhões de vezes. Isso é o que os tibetanos dizem: cada mantra que corresponde a um lung, a uma visão: um milhão e trezentos e cinquenta mil vezes para produzir um efeito. Um milhão e trezentos e cinquenta mil vezes de recitação realizada, provavelmente vai dar um tchan!
Tsog - a prática de sensorialidade com o mudo
Nós vamos levar um longo tempo porque estamos internalizados com a noção de oposição.
A prática mais sofisticada - dependendo da não virtude, é claro, porque não estamos matando ninguém - é estarmos no meio de uma ação condicionada, mas não desmontarmos a ação. Por exemplo, vocês estão comendo - prática de tsog - cinco sabores; se quando eu comer, eu perceber o elemento éter, ar, fogo, água, terra, em conexão com um pedaço de não sei bem o quê, essa é uma prática mais perfeita do que se eu apenas olhar o alimento porque aquele movimento todo pode ser olhado de uma forma melhor. A prática de tosg é uma prática perfeita para isso. Tsog é o contato sensorial com o mundo - o universo no seu prato. É uma prática que o Guru Rinpoche aconselhava fazer diariamente. Então, a nossa prática é tsog - tsog da sensorialidade do mundo. Se eu cortar a sensorialidade do mundo, eu não consigo praticar porque é dentro da sensorialidade que vão aparecer os cinco lungs (lung do elemento éter, ar, fogo, água, terra). Eu vejo a substância! O lung é como se fosse o sangue do samsara. Eu vejo aquilo pulsando; eu vejo a solidez, eu vejo como que aquilo que não tem a solidez aparenta ter. Nós temos que praticar um milhão de vezes para entender que aquilo que parece ter solidez, não tem solidez.
Samsara - prática da sabedoria primordial
Na verdade, sem que percebamos, nós estamos numa região livre de onde nós contemplamos; nós estamos praticando sabedoria primordial - estamos numa região livre, que é a espacialidade. Contemplando a forma surgindo (a região livre é que produz isso) e nós nos vemos produzindo o lung do elemento éter - vemos a gênese do processo. Nós vamos ver o lung do samsara surgindo; vemos como que ele surge; estamos na região livre onde aquilo está sendo produzido sem que se veja ser produzido. E nós estamos agora observando e readquirindo a noção pelas costas: essa prática nos produz uma estabilidade diante da manifestação de lung sem que eu precise ficar filiado àquilo, sem que eu precise sentir que “eu sou aquilo”. É como, por exemplo, alguém que está sonhando e percebe que está sonhando; a pessoa está vendo a gênese do fenômeno; ela está vendo acontecer. Agora, para a pessoa poder ver acontecer, aquilo tem que estar acontecendo. Para nós, o que precisa acontecer? O samsara! O samsara está disponível - temos material abundante! Se eu tivesse que ver assim: uma luz vermelha dentro de uma esfera azul rodeada de coisas douradas, flutuando em direção a algum lugar... se eu tivesse que fazer uma visualização assim seria complicado; mas eu não preciso fazer nenhuma visualização complicada: eu visualizo o samsara mesmo.
O samsara quando se manifesta, eu vejo os lungs dentro. Quando nós vemos os lungs, estamos na região livre, sem que se perceba - é como se entrássemos na região livre, de costas, que é o único jeito de entrar. Se eu entrar de frente, eu conceitualizo a região livre; então, eu tenho que entrar de costas. Nós exercemos essa liberdade porque vemos e sorrimos; não precisamos entrar naquilo. Na medida em que fazemos isso, não precisamos mais conceitualizar. É tão rápido! Concomitante com o surgir do lung vem a liberdade diante do lung.
Até agora, o samsara é gerido pelo fato de que o lung produz o movimento simplesmente e nós depois explicamos conceitualmente como “eu” - quando dizemos: “eu”, significa que estamos dispostos a defender o lung; passamos a defender aquele lung como se fôssemos nós mesmos. Quando nós não entendemos conceitualmente isso e desconfiamos, é necessário voltarmos às experiências do passado quando nós sustentávamos certos lungs e dizíamos “eu sou isso” e agora não sustentamos mais. Aí dizemos: “eu não sou isso e nunca fui”; foi um engano. Isso seriam os ciclos de mortes e renascimentos do Budismo. Cada vez que equilibramos um lung, ele corresponde a uma vida e, quando ele cessa corresponde a uma morte. Então, estamos presos a ciclos de mortes e renascimentos. Aquilo que dá sensação de um “eu” está submetido a ciclos de nascimento e morte incessantes. É isso que nós estamos fazendo, desde sempre. Dá um cansaço, não é?
A respeito do intervalo entre ação e reação, num processo de agressão, eu diria que, na hora, isso está operando em um nível que não permite a introdução do pensamento. Se a pessoa praticou meditação, ela tem uma liberdade diante dessas manifestações porque, junto dessa manifestação, tem tatáta - dupla realidade operando - tem a possibilidade da ação mas, ao mesmo tempo, tem a região de liberdade. Se a pessoa não praticou, ela não tem isso, ela só tem o impulso mesmo; ela vai até o final, tromba em algum lugar e, em outro momento, ela tem um outro nascimento de outro jeito e olha para aquilo de uma outra forma e refaz, que é nosso processo usual. Ou aquilo simplesmente nos conduz a outra região de alayavijnana que vai gerar outros nascimentos; podemos entrar na região de alayavijnana dos infernos e ficar por um longo tempo.
A reação da mente numa crise psiquiátrica – a “loucura” do samsara
Quando vocês conversam com pessoas que estejam dentro de crises psiquiátricas, podem ver diferentes níveis desse processo; algumas pessoas, completamente lógicas. Não é fácil para a pessoa recuar - são regiões difusas que produzem impressões e ela não entende de onde aquilo está vindo, mas as impressões se introduzem como referenciais e a pessoa se assusta. Quando ela se assusta, ela perde a capacidade de contemplar - ela fica à mercê do impulso que aquele susto produz; ela quer interromper aquele susto, mas ele vem de uma região que ela não sabe qual é, então, ela não consegue localizar, não consegue obstaculizar e aí vem um nível de pânico; quando ela sente esse pânico, o pensamento não funciona direito, ela gira muito rápido como um rato preso dentro de um labirinto o qual ele já percorreu muitas vezes e aquilo está quente: ele tem que sair dali. Ele faz o mesmo circuito de busca de saída, mas não consegue sair porque não existe saída naquele formato. A saída é para cima, ele procura saída na horizontal - a pessoa fica incapacitada de sair da paisagem que está produzindo aquilo; incapacitada de localizar a paisagem. Essa é uma armadilha onde as pessoas caem e cada um de nós pode cair. Não quero preocupar ninguém - a diferença é que nós não caímos, mas nós já podemos ter caído em alguma coisa parecida assim.
Todo samsara é um nível de loucura, tecnicamente é um nível de loucura porque nós forjamos um tipo de realidade que parece muito sólida, começamos a operar com uma identidade que é ilusória, mas que parece completamente sólida; começamos a defender essa identidade frente a coisas, dentro de um jogo que esvoaça - são fantasmas que mudam de face o tempo todo e se deslocam para todas as direções - e aí nós reagimos àquilo.
Uma das grandes contribuições dos tibetanos para nós é a compreensão de que nós pensamos por lung. Isso é muito importante! Nós estamos presos à noção de que nós pensamos com a mente; então, nós temos que entender que nós pensamos com a mente - um pensamento conceitual - mas nós pensamos com lung e podemos penetrar nessas regiões aonde nós pensamos por lung e liberar isso; em princípio, por shamata.
Meios hábeis
Para ajudar uma pessoa, ainda que tenhamos a noção exata do que a pessoa deveria fazer, é preciso ter um meio hábil - uma questão metodológica. Aí é que nós vemos perfeitamente que não temos o método. Podemos ter o método para um, mas não temos para o outro. Que brote compaixão em nós e descubramos esse processo. Eu acredito que o meio mais hábil, mais veloz para tudo isso, é um número grande de pessoas compreendendo isso, porque pelas costas nós aprendemos e transmitimos muito mais rapidamente. Com uma cultura, nós transmitimos isso rapidamente. Vocês olhem, não é muito complicado, nem místico, nem religioso. É para se observar - nós, em silêncio, observamos. Os elementos estão todos aí; na medida em que nós vemos isso, passamos a dispor de muito mais recursos na ação. Recursos que não temos quando nós não vemos. É uma riqueza e quando as culturas se encontram nós podemos beber dessa riqueza. Agora, é importante dizer que isso, mesmo no Oriente, é alguma coisa rara; mesmo nos mosteiros tibetanos, alguns entendiam isso, mas a grande maioria estava ali dentro de um hospital - mesmo que fossem monges vestidos, seguindo regras, eles não compreendiam - agora, nesse encontro de culturas, nós podemos gerar uma linguagem para isso. Espero que seja possível, que dê resultados.
Assim como os bodisatvas
Os cinco lungs estão em cada uma das cinco sabedorias. Estão em cada deidade - eu não posso dizer que o elemento éter está em Akshobia porque quando o lung de Akshobia da sabedoria do espelho aparece, ele precisa dos cinco lungs. Podem observar pelo próprio corpo porque, na verdade, o lung é a conexão que aciona o nosso funcionamento no mundo; é a linguagem do samsara. É o sangue do samsara, mas é também o sangue dos bodisatvas - é o processo pelo qual nós conseguimos criar realidades e nos mover ali dentro. Então, o elemento éter corresponde a esse elemento sutil no qual é feita uma discriminação a partir da ignorância, por exemplo, no caso do samsara. Da natureza livre, nós separamos objeto e observador e como Lavankara Sutra diz: a mente se divide entre objeto e observador. Isso é algo coisa sutil, precisamos entender isso. Quando vocês pensam em alguma coisa - no momento em que vocês criam algo - quem é que criou isso senão a mente? A mente criou e está vendo o que foi criado; portanto, nós temos duas partes na mesma mente: tem a parte que olha e a parte que produz, que sustenta o que foi construído. Se o que eu construí fosse sólido, eu não poderia mexer, mas a mente faz vupt e eu transformo aquilo - de um cubo, uma esfera - e pronto! Mas ela não só transforma como ela vê o objeto que era um cubo e que virou uma esfera, e eu posso trocar a cor da esfera. Posso colocar faixas brancas, pretas, junto com faixas azuis, vitoriosas, douradas, cósmicas! Estamos construindo uma realidade e observando.
A ignorância, o primeiro dos 12 elos, é quando nós construímos e ficamos sob o poder daquele objeto. O que significa isso? Aquele objeto, sendo elemento éter, faz aparecer os outros lungs também. Quando o elemento ar aparece e depois o elemento fogo, brota uma certeza, o processo cármico aparece. E o elemento água aparece e dá o movimento, nada mais justo! É isso mesmo. Na sequência, o elemento terra. Um elemento produz o outro e isso vai produzir a cola do desejo, a cola do impulso, a cola do carma. Vamos olhando a estrutura química do carma, olhando os elementos que vão compor o carma. Aqui, nós vamos quebrar essa noção de pensamento: a mente gera o objeto e o observador
O sexto elemento – jnana e a construção do samsara
Podemos introduzir um sexto elemento - é o elemento de onde nós observamos os cinco: seria jnana, que é o elemento de onde a construção brota, o elemento primordial. Dele brota éter que inevitavelmente tem uma discriminação, tem a mente olhando nele; só que eu posso ter a mente olhando a mente, sem a ignorância. A ignorância é quando a mente olha a mente e fica presa no objeto, dá sequência. Nós precisaríamos entender que ao bater o olho em alguma coisa, quando aquilo produz outra coisa, é a essência do pensamento; mas quando produz outra, pode produzir ou não; posso ter liberdade ou não. Se não tenho a liberdade, a ignorância se estabelece, o samsara se estabelece e eu tenho a sequência dos lungs e o surgimento de alguma coisa é tão extraordinário que eu fico preso à sequência dos objetos. .
Por exemplo, se eu produzo um objeto e fico preso a ele, se eu o vejo separadamente, nesse momento começou a ignorância de eu não ver a mente produzindo aquilo e ter liberdade de mudar. É como alguém construindo um jogo de xadrez: depois de construído, ele vai jogar seguindo as regras que ele criou; o objeto fica externo. Ele pensou: “vou criar um rei; agora uma rainha naturalmente; depois um bispo; um outro bispo; agora dois cavalos e o que faltaria? Duas torres e peão para trabalhar, claro”. Faltaria alguma coisa? Poderia criar um Lama? Ou um Mago? Sempre pensei que um mago seria interessante num jogo de xadrez. Ele alteraria o conteúdo das operações das peças. Quando ele encostasse no rei, ele teria mais poder, a rainha mais poder - ia ficar interessante. Ninguém ficaria encaixotado no seu papel – o Mago viria e alteraria tudo. Não seria interessante? Mas, quando construíram o xadrez, ficaram presos àquilo e começaram a jogar a partir daí.
Isso é importante para entender o processo de criação do samsara - nós produzimos alguma coisa e chega um momento em que aquilo está bem. Aí o jogo começa como se fosse sólido, mas não é sólido - nós abdicamos da possibilidade de seguir criando e aí o samsara se estabelece. Mas nós não só abdicamos como deixamos de ter a capacidade de criar, e não vemos que deixamos de ter a capacidade de criar. Aí, desce uma nuvem e nós só jogamos. Só que, dentro do jogo criado, vamos sair do jogo como? Todo jogo tem problemas, portanto, ele não tem uma coerência interna, ele tem contradições, está cheio de problemas. Então, nós olhamos o samsara - o samsara está cheio de contradições internas. Nós temos amor uns pelos outros e nos matamos! É bonito de ver os jovens: “Bom, aqui é um mundo sério; as pessoas dizem que se amam, como é possível que as pessoas digam que se amam e se matem? Enlouqueceram. Além do mais, nós votamos nos dirigentes - como é que os dirigentes roubam as pessoas que votaram neles? Isso é inconcebível, incompreensível”. Mas, mais incompreensível ainda é que tem a polícia e tem o sistema judiciário que não terminam com isso. Então, essas peças estão montadas no jogo só que ele segue incoerente porque ele é um jogo! Nós passamos um longo tempo nisso e não percebemos isso! Envelhecemos, morremos, voltamos e não percebemos isso. Precisamos ver a gênese disso - acreditamos que esse jogo é externo. O jogo no tabuleiro é assim: um rei, uma rainha etc – e não é!
Precisaríamos entender como que o samsara começa. Entender que um impulso de energia é um pensamento, equivale a um pensamento - não é alguma coisa condicionada, não está condicionada, está operando, mas não é mecanicista. A liberdade acontece em cada um desses mecanismos. Para poder olhar isso, precisamos dessa habilidade de sonhar consciente, ou seja, aqui é um sonho. Vemos como esse sonho está se produzindo através dos lungs e as realidades brotando como nítidas.
Na nossa cultura não temos a descrição do pensamento que brota por lung; portanto, não temos equipamento, nosso microscópio não vai a esse ponto; não consegue distinguir essas coisas que são menores. Mas, não só nós precisamos dessa capacidade, como nós precisamos da capacidade de não embarcar nisso; para isso precisamos de shamata, zazen. Precisamos desmontar o orgulho do “eu”. “Eu”, é simplesmente a ação inconsciente nesse processo todo, e nós, tentando manter alguma coisa equilibrada. Quando nós nos engajamos nisso, temos um sentido de existência porque brota uma sequência de lungs operando e os lungs estão condenados a serem derrubados; isso é tantra, isso que eu estou descrevendo é tantra - Mahayana Tantrayana. A diferença é que quando eu trabalho no Mahayana Sutrayana, no caminho do ouvinte, eu tiro as coisas; aqui, eu mergulho dentro delas, como elas por dentro. Para destruí-las nós precisamos de um mecanismo de lucidez que não é detectado pela defesa daquilo; eu entro lá dentro e troco o código genético daquilo. Em vez de ter o código genético da ignorância, tem o código genético da lucidez, mas eu não troco a forma.
Numa análise mais fundamental, a paisagem é posterior ao lung. Nós podemos ultrapassar paisagens, ultrapassar sambogakaya e encostar o lung na natureza primordial. Mas quando nós produzimos esse lung, na maior parte das vezes, isso é visto como uma luz, na imagem do Dzogchen, uma luminosidade penetrando um cristal que tem uma cor; quando ela penetra no cristal que tem uma cor, ela sai com a cor que tem o cristal. Então, isso é a simulação da noção de alayavijnana; eu não estou tendo pensamentos originais, eu estou tendo pensamentos há éons. Então, quando essa luz é produzida, ela passa por essa região de alayavijnana e constitui a paisagem que eu vou utilizar. Ela já impulsiona o lung, segundo uma tendência; mas se eu entender o processo do lung, como ele é gerado, a luminosidade etc, eu me livro de alayavijnana e da paisagem juntamente. Essa análise que nós estamos fazendo, permite recuperar a liberdade original reconhecendo como esse lung se produz da natureza primordial, antes mesmo da noção de alayavijnana. Não preciso rejeitar alayavijnana, só observo como aquilo se dá.
EPILOGO
Um mundo melhor
Civilização X Liberdade
Mas, retornando à questão da identidade precisaríamos reconhecer essa identidade brotando sem razão nenhuma e sustentando coisas. Nós precisaríamos nos ver como equilibrista. Atentos, raivosamente defendendo aquilo. Um exemplo claro está nas crianças – elas defendem raivosamente seus brinquedos e nós podemos facilmente trocar a paisagem deles e eles se tornam colaborativos; mas eles têm isso nítido. É bonito de ver - aquela realidade parece tão sólida, mas não é - eles são intensos para cá e depois intensos para lá. Eles têm essa liberdade e nós podemos usar isso facilmente porque eles respondem; eles estão menos civilizados. Eles manifestam aquilo de forma mais nítida; nós, quando manifestamos, damos uma paradinha para ver se está tudo bem; ela está viva, mas permitimos aparecer ou não. Isso é civilização - uma camada a mais e nós ficamos treinando as crianças para serem civilizados! .
Dentro do mundo da biosfera, a civilização é vitoriosa. Por exemplo, os portugueses chegaram ao Brasil e encontraram quinze milhões de índios e tinha um milhão de portugueses em Lisboa, na época. Uma desproporção! Como os espanhóis na América Andina, uma desproporção; eles não podiam ganhar. Mas eles chegaram com uma civilização, aí é difícil. Eles chegam como um alienígena - não é um português que chega a praia; é o tentáculo de um polvo, coerente, mais ou menos coerente; enquanto que as pessoas na praia não eram uma civilização, no sentido em que elas não tinham uma coerência na resposta. Então, português após português, eles foram fazendo o mesmo, aproveitando o que havia sido feito antes, estruturando, vão construir fortalezas.
Civilização é assim, aquilo pode não ter uma boa razão, mas atua de modo coordenado. O conjunto de pessoas gera uma ideia maior que atua de um modo coordenado e dá sentido à ação de todos; ela sustenta a ação de todos. Nós deveríamos pensar com muito cuidado como que os portugueses conseguiram manter a unidade no país inteiro sem Internet, sem telefone, sem nada. Isso é o processo civilizatório - era muito fragmentada a comunicação e a capacidade de dominar os territórios. Vocês imaginem 15 milhões de índios, como nos morros do Rio agora, se eles fossem aguerridos assim, sem chance para os portugueses. Os portugueses chegaram matando e não foi possível haver uma reação porque não havia essa inteligência civilizatória. E os portugueses terminaram cooptando os índios. Agora, quando vocês olham esse processo civilizatório vocês entendem a impossibilidade dos índios resistirem e a impossibilidade de outros portugueses se rebelarem. Os portugueses encontram as trilhas dos índios; através das trilhas eles vão até as aldeias e vão roubar os índios jovens, vão degolar os caciques e chefes, vão estuprar as índias e vão andando. Sem chance nenhuma, porque eles vão encontrando as trilhas - como é que os índios vão se defender daquilo? Não tem chance. Eles só teriam chance se eles fossem também uma civilização, se organizassem, criassem bordos, fronteiras.
A civilização domina o mundo, os animais, domina tudo; mas, seja como for, ela é um componente do samsara. Por exemplo, nosso corpo tem vários níveis de operação do sistema nervoso e nós temos o sistema nervoso que é global, coletivo. Isso é a civilização; alguns animais funcionam assim também; mais ou menos, todos funcionam assim, os formigueiros, as manadas, as aves migratórias, eles têm um certo nível disso. Mas a civilização é uma tentativa sofisticada de nós darmos certo no samsara, mas no samsara não tem como dar certo, mesmo com a civilização, não dá certo.
O processo mais interessante dentro disso é justamente a sabedoria primordial que nos permite então viver as várias formas de estrutura que brotam da ignorância, mas viver de forma lúcida, compassiva, livre disso.
Terra pura
O aspecto interessante, que é pouco entendido, é que terra pura dá certo. Ela compete dentro do mundo. Podemos dizer assim as organizações em terra pura são mais eficientes do que as organizações fora de terra pura - não tem a menor dúvida. Olhem assim: o que mais se aproxima de terra pura são os hospitais e escolas. As pessoas são capazes de destruir tudo, mas hospitais e escolas são reconstruídos porque são necessários para todo mundo. A Cruz Vermelha e os Médicos sem Fronteira entram nos campos de batalha e, em princípio, se os que lutam forem minimamente lúcidos, eles não matam nenhum deles - eles são organizações que pertencem mais ou menos à terra pura. Essas organizações são feitas para andar.
Mesmo que alguns queiram destruir, outros vão evitar a destruição da ciência, da medicina, dos vários conhecimentos, porque eles são muito úteis. Aquilo que protege a todos e olha de forma mais ampla é considerado útil e terra pura tem isso. Nós vamos olhando essa noção de terra pura e isso vai penetrando - é um conceito que vai acontecer, e eu espero que aconteça rapidamente. Por exemplo, nós temos a crença de que o mundo é regido pela economia, competitiva, mas não é. Vejam: nós estamos aqui porque nossos pais nos cuidaram sem nenhuma visão econômica no sentido de troca; eles não investiram em nós para obter lucro. Por outro lado, nós podemos trabalhar no sistema econômico, mas nós convertemos todos os lucros do sistema econômico em benefício dos nossos filhos, a fundo perdido também, perdido mesmo! Então, a ação principal no mundo é a proteção de uns aos outros: isso já é terra pura, na base.
Retirem isso para ver se algo se sustenta; tirem essa capacidade de cuidarmos uns dos outros, a fundo perdido, e vejam o que sobra; não sobra nada. Agora peguem uma região e tirem isso; deixem um cantinho onde as pessoas cuidem umas das outras. O que vai acontecer? O resto afunda e esse cantinho cresce. É simples - a força é terra pura; é Chenrezig! Nós podemos não entender isso, tudo bem! Pelo fato de não entendermos, não treinamos ninguém para isso e nem ajudamos ninguém a compreender isso; tentamos dizer que é o contrário. Então, naturalmente as escolas que estimulam a competição vão ter mais interesse, mas é inútil isso. Por outro lado, se entendermos que precisamos proteger a natureza, isso é terra pura porque a pessoa vai colher abundantemente - a natureza é completamente pródiga; se uma mãe é pródiga, a natureza não tem comparação. Plantamos uma semente e colhemos muitos grãos, de qualquer coisa! Essa é a lei do mundo. Olhem as plantas, elas jogam as sementes em todas as direções, que os pássaros e os animais venham e comam; é a generosidade e a atração pela beleza, pelo perfume; aquilo é atraente. A árvore não está contabilizando: “nós jogamos tantas sementes, aquilo resultou em tanto, temos que fazer um planejamento para que as sementes produzam mais, para que as árvores nasçam em regiões um pouco mais longe para competir com outras espécies para que a nossa espécie então possa etc.” ... não tem nada disso! E aquilo funciona, a terra pura está ali, abundante; agora, as pessoas vêm com uma tentativa de processo econômico! Pensem! Se os planejadores econômicos entendessem esse processo, eles poderiam andar muito mais rapidamente, porque eles poderiam falar para o coração da terra pura e as pessoas responderiam. Por que os jovens se entortam nas escolas? Porque as escolas não ensinam para o coração; estão ensinando para um outro fim; ninguém aguenta aquilo. Deveríamos ter entendido isso. Mas não, ficamos treinando a pessoa para fazer o que ela não quer fazer; não está no coração, não funciona!
O lung e a energia primordial – a construção das mandalas
Os cinco skandas brotam com o lung; tudo brota com o lung. Na vacuidade tem o que nós vamos chamar de energia primordial, mas a essência dessas palavras “na vacuidade tem a energia primordial” é assim: dessa região brotam não apenas ideias, mas o conteúdo da energia que essas ideias podem ter e que são definidas pelo fato de que, uma vez que elas estão ali e dotadas dessa energia, elas produzem impulsos de ação. Chagdud Rinpoche dizia: “as bolhas brotam porém observe, os pensamentos são sucedidos por outros, então quando um vem o outro já dançou.” Então, não se preocupem em lutar contra os pensamentos porque tão pronto eles vêm já estão indo. Se você se dedicar a derrubar os pensamentos, você pegou um bambu e é inútil porque aquilo já está sendo derrubado. Então, não vire um derrubador de pensamentos porque aquilo já tem um prazo de validade curtíssimo. Aquilo vem e vai - o ponto é que aquilo pode reverberar numa linha encadeada pelo lung. Vocês podem olhar isso e ver os lungs se manifestando.
Esse surgimento do lung, eu posso observar de modo lúcido ou não - é parecido com observar um sonho e sonhar. Para observar o sonho é preciso sonhar, mas o que eu chamo de sonho eu não vejo que estou sonhando, estou apenas vivendo o sonho. Então, os sonhos vêm na sequência dos lungs, porem, eu tenho uma liberdade em relação a isso. Essa é a melhor prática; é chamada prática tântrica. No meio do sonho, eu não o combato, mas eu o vejo brotar. Aí, a ilusão e a sabedoria brotam no mesmo fenômeno - dupla realidade. Eu vejo e tenho a sabedoria correspondente que brota junto.
Agora, se eu olhar para trás e quiser ver o sonho, ver a sabedoria, ver que eu estou vendo o sonho e a sabedoria, aí embolou tudo! Eu tenho que trabalhar de modo consecutivo, muitas vezes e aquilo depois brota. Vai surgir esse processo da entrada na mandala, no momento quando isso começa a operar – é tipo imagem em 3D. É muito parecido com essa experiência: aparece a imagem e você não diz “estou vendo em 3D”? Não, eu tenho que apenas ver, não posso ficar pensando “agora estou vendo, agora isso, agora aquilo”. Exerço aquela liberdade, aquela lucidez, me movo sem ficar contextualizando, passeio por dentro da imagem, leve. As mandalas são assim, começa a acontecer, você está vendo mas não coloque a mente para ver o que está vendo. É treinar desse modo e não tem nenhuma prática que não possamos examinar assim.
A pratica no cotidiano
Olhem com essa liberdade, sem contextualização para os oito pontos que examinamos no prajnaparamita e olhem também o texto “O ponto último”. Agora - isso seria um pedido - tentem olhar o surgimento da identidade até o ponto em que vocês dão uma risadinha da identidade que surgiu. Nós precisamos nos liberar da seriedade que damos às identidades; precisamos disso. E, como medida de proteção, tentem praticar os cinco lungs associados às cinco sabedorias porque nós precisamos de uma rota de saída - não podemos cercar o inimigo, como no Morro do Alemão, favela do Rio de Janeiro; temos que deixar uma saída. O inimigo cercado luta até o fim. Damos uma rota de saída e deixamos que ele enfraqueça - ele já deixa uma boa parte do material quando se desloca. No Morro do Alemão eles queimaram umas duzentas motos; puseram fogo em tudo e foram embora. Quando eles chegam em outro lugar, eles estão enfraquecidos; as linhas de suprimento de alimento, de água, estão sobrecarregadas. A luta hábil é essa - não confrontar, deixar uma rota de saída.
No samsara é a mesma coisa. Qual é a rota de saída? Lucidez, não tentem paralisar a mente, aprisionar a mente; nós temos que encaminhar a mente para uma direção positiva. Os meninos que estão no morro também, o caminho não é exterminá-los, é encaminhá-los para uma direção positiva. O inimigo não são as pessoas, o inimigo é o software que está operando. Esse software não é inimigo nosso, é inimigo deles.
Isso é a luta do samurai - o samurai não luta contra alguém; luta contra a negatividade no outro. Ele não quer destruir ninguém, ele quer mudar. Há muitos exemplos disso: nas guerras tem muitos casos em que os exércitos trocam de lado: na guerra dos gregos e persas, em parte foi isso. Como é que os persas perderam aquela guerra? Eles eram três milhões e os gregos eram um milhão. Na batalha final tinha 250 mil gregos e um milhão de persas e eles perderam, sabiam que iam perder. Isso foi posterior à morte de Leônidas. Agora não tem mais isso, mas tem campeonato de futebol. É parecido!
Ação no mundo
A literatura budista é vasta - é enorme. Faz parte de cada grupo budista ajudar a transformá-la numa coisa viva. Os textos podem ser vistos como uma prática de Guru Yoga, mas é necessário que se tenha uma compreensão anterior para quando ler o texto entende-se a mente do Buda. Sem essa compreensão, o texto pode virar um trabalho comparativo. Precisamos acessar essa região, precisamos lutar contra o texto, duvidar do texto e para isso é necessário ter um nível de compreensão. Essa área de estudos é uma área em que nós precisamos entrar. Ela é necessária e é bom que aconteça logo.
A ideia geral é que nós possamos instalar vários centros de diferentes tradições, em um mesmo local. SS Sakya Trizin, em princípio, está decidido a fazer a abertura da terra em Timbaúba para instalar um mosteiro. Quero convidar Moryiama Roshi também para fazer um centro dele lá, conectado com os japoneses. O mosteiro de Samiê, que fundou o budismo tibetano, tinha um centro Zen dentro.
Nós precisamos das várias influências, autônomas, gerindo a si próprias. Esse contato de uns com os outros já faz tudo fluir. Precisamos trazer também a ciência, a filosofia, outros campos. Estamos nesse movimento que é lúdico, estamos com o planejamento e tudo vai fluindo - pode ser também que não dê certo! Para se fazer um movimento grande assim, internacional, é necessário as bênçãos de várias linhagens. Vamos ter as bênçãos de SS Dalai Lama e de diferentes linhagens - fica mais fácil!
Mas o mais importante nisso tudo é a construção de terra pura, com certeza. Isso aqui é como uma consolidação, nós entramos em certas regiões e consolidamos. Mas o ponto que vai na frente é consolidação de terra pura. Nós precisamos disso. O Osho tinha essa visão: ele chamava de “Campo dos Budas” (Buda’s field). Nós estamos num tempo interessante - tempo de coletividade do processo. Esse tempo de uma pessoa sozinha, isolada, lendo um texto e tentando avançar sozinha, é um tempo muito difícil. Mas na medida em que nós vamos avançando, os textos significam estacas, estruturas maravilhosas, tudo isso integrado: cada um na sua vida, trabalhando o quadro dos 200 itens, os 240 itens, observando tudo que está acontecendo e ir avançando, é a ponta de lança, o caminho em direção ao centro.
Esse caminho, nem budista é! SS Dalai Lama tem enfatizado isso: o aspecto do Budismo além do Budismo, uma ética secular. É uma mandala com múltiplas cores, nós deveríamos trabalhar integradamente isso tudo. A nossa visão atravessa essas múltiplas cores, não há problema algum! Estão todas as linhagens protegidas, diálogos com os vários campos e o Budismo também, tudo andando junto.
Se olharmos com cuidado, isso é o lung - estamos criando uma loucura coletiva! O elemento éter aparece e nós... sim! Estamos juntos! Vai desmontar isso como? Queremos viver tudo isso e começamos a equilibrar o que ainda nem existe! Mas terra pura, nós construímos assim e é vitorioso! Terra pura é vitoriosa - não tem nem graça, não tem luta, é passeio, bandeira da vitória! Ninguém pode se opor a isso. Só temos que andar devagar - se andarmos rápido até o ar parece sólido, a água parece sólida. Temos que regular a velocidade, não empurrar, e tudo segue naturalmente!
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