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Este é um material transcrito a partir de ensinamentos orais de Lama Padma Samten. Ele é usado exclusivamente para apoiar os estudos e práticas dentro da sanga, pedimos não reproduzir em outros sites. O material está em constante revisão e melhoria; quaisquer erros encontrados são devidos às limitações das pessoas envolvidas na transcrição e na edição, e serão corrigidos assim que possível.
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Tabela de conteúdos
- Os Doze Elos e os Seis Reinos na vida cotidiana
- 1. Introdução
- 2. As várias abordagens dos ensinamentos
- Abordagem Theravada ou Hinayana
- A abordagem da mandala do Vajrayana e do Mahayana
- Diferencial da abordagem Budista relativamente a outras tradições
- 3. Os diversos níveis de compreensão dos ensinamentos
- 4. Os Doze Elos nas várias linhagens
- 5. A operacionalidade dos Doze Elos – Do Sexto ao Décimo Segundo Elo
- Meditação como método de exame da mente
- 5.1. Sexto Elo – Surgimento do corpo com os sentidos físicos operando
- As limitações do nosso corpo físico – os cinco sentidos
- O sexto sentido: as limitações da mente
- Avidya – ignorância da verdadeira realidade
- Nós criamos a mente ligada a cada sentido físico
- Não vemos porque não paramos para ver
- 5.2. Sétimo Elo - nossa experiência sensorial do mundo (sentimentos)
- 5.3. Oitavo Elo – As certezas internas a partir do gostar ou não-gostar
- 5.4. Nono Elo – Colhendo os resultados das escolhas efetuadas
- 5.5. Décimo Elo – Finalmente, sentimos que nos achamos
- 5.6. Décimo Primeiro Elo – Atuando no mundo a partir das escolhas prévias
- 5.7. Décimo Segundo Elo – Tudo desaba, acaba, tem um fim
- 6. Os seis reinos
- 6.1. Reino dos infernos:
- 6.2. Reino dos fantasmas famintos:
- 6.3. Reino dos animais:
- 6.4. Reino humano:
- 6.5. Reino dos semi-deuses:
- 6.6. Reino dos deuses:
- 7. Operando nos seis reinos para obter resultados
- 8. Como entramos e como saímos dos seis reinos
Os Doze Elos e os Seis Reinos na vida cotidiana
por Lama Padma Samten
Neste texto o Lama Samten aprofunda a Segunda Nobre Verdade, abordando temas ligados ao carma, à psicologia budista e ao entendimento de como as situações e coisas se estabeleceram e se complicaram, e de como elas podem ser dissolvidas. Portanto, o Lama explica um pouco dos ensinamentos sobre os Doze Elos, os Seis Reinos e os Três Animais (o javali, o galo e a cobra).
1. Introdução
Nos encontros anteriores já estudamos as Quatro Nobres Verdades e o Nobre Caminho de Oito Passos. Com isso, tivemos uma compreensão inicial dos Três Animais e das situações que chamamos de “experiência cíclica”, “insatisfatoriedade”, “duka” ou simplesmente “sofrimento”. Também olhamos, de forma mais básica ainda, como acolher as pessoas dentro do caminho, qual é a linha, o fio, que seguimos enquanto budistas e como estruturamos isto, e, especialmente, como podemos fazer um trabalho de modo público, sem esperar que as pessoas entrem pela porta da sala de meditação. Ou seja, como podemos nos aproximar das pessoas para ajudá-las, independente de onde elas estejam.
Neste encontro, avançaremos um pouco mais na compreensão de como as situações surgem e se estruturam. Isto equivale ao estudo dos Doze Elos da Originação Interdependente e seria ainda uma extensão da Segunda Nobre Verdade, aquela que trata das causas do sofrimento. Vamos olhar como estas causas, ainda que sejam artificiais, são montadas.
2. As várias abordagens dos ensinamentos
Naturalmente, todos os ensinamentos podem ter vários níveis de abordagem. Começarei falando sobre esses níveis, porque esta questão está presente em todos os ensinamentos. Portanto, nunca pensem que um ensinamento introdutório é apenas inicial. Não importa qual seja o ensinamento ou a situação que nós estejamos vivendo, sempre podemos olhar de uma forma muito profunda. Começarei lembrando, de forma geral, os próprios ensinamentos do Buda.
Abordagem Theravada ou Hinayana
Quando o Buda falou, se estabeleceu a “linhagem dos antigos”, que chamamos de Theravada ou Hinayana. Essa linhagem é conhecida como “o caminho estreito” porque, essencialmente, o método de que se dispõe é o método da disciplina e da moralidade um tanto “penosa”, diferente da abordagem da mandala ou da sabedoria das paisagens, onde a moralidade vai surgir como algo natural, sem esforço.
No entanto, dentro da abordagem Theravada, é como se tivéssemos sempre que fazer esforços para cultivar a moralidade. Por que? Porque é como se as pessoas nunca estivessem na mandala ou paisagem correta, mas sempre na mandala da “experiência de mundo”. Na paisagem da “experiência de mundo” nós temos os impulsos nas várias direções. Porém, já vimos que há meios hábeis para superar essa experiência. Dentre eles, está a prática da mandala da felicidade.
A abordagem da mandala do Vajrayana e do Mahayana
Entretanto, na linhagem Vajrayana, todos os ensinamentos vão trabalhar com a noção de mandala, apesar de geralmente isso não ficar explícito. Nessa abordagem, ninguém explica a noção de mandala. No entanto, o que nos aponta o funcionamento ou não do Vajrayana é estarmos operando dentro da mandala ou fora dela. Se estivermos operando fora da mandala, a nossa chance é mínima. Podemos recitar mantras por vidas que não fará grande diferença! Mas, se conseguirmos entender o que é a mandala e vivermos dentro dela, isso realmente fará toda a diferença.
No ensinamento Mahayana, esta mandala se desenha a partir da noção da vacuidade, da noção de realidade. Quando desenvolvemos lucidez, esta lucidez descortina a mandala das coisas como elas verdadeiramente são. Passamos a olhar o mundo e a realidade desse âmbito. E se realmente conseguimos ter esta visão, então o mundo surge como ele é. Esta experiência de estarmos no mundo como ele é, isto é a mandala.
No Vajrayana, de modo geral, a mandala é artificialmente construída, porque ela vem como um remédio. É assim: se estamos numa situação aflitiva, então fazemos uma prática das seis e meia às sete e meia, onde recitamos as preces, as orações, os mantras e nos visualizamos dentro da mandala. Então, às oito horas termina a prática e vamos embora para o “mundo real”.
No entanto, o mundo que entendemos por real não é verdadeiramente real. Na verdade, podemos ter a noção de que, quando fazemos a prática, criamos um mundo artificial e de que, quando vamos para o mundo, este é o “mundo real”! Mas esta não é a perspectiva correta. A perspectiva correta é a de que quando fazemos a prática, estamos no mundo real. Quando pomos os sapatos, saímos da sala e vamos para o mundo, este é o mundo de sonho, o mundo construído! De modo geral, é difícil termos esta compreensão.
No entanto, no Mahayana, quando vamos lentamente descortinando a visão, terminamos olhando o mundo verdadeiro tal como é. Então, dizemos: encontramos a mandala natural, a mandala não-construída; encontramos o mundo como ele verdadeiramente é. Se sentimos o mundo como ele verdadeiramente é, dentro de nós surge a noção de cultura de paz, como estávamos descrevendo hoje pela manhã. Ou seja, desenvolveremos, naturalmente, relações positivas com as pessoas.
Diferencial da abordagem Budista relativamente a outras tradições
Eu considero que este é um diferencial do ensinamento budista em relação às outras tradições, porque é a única tradição que afirma que somos naturalmente bons, bem como o mundo é assim, desde que olhemos com os olhos naturalmente claros! Não há, na visão budista, a noção de que precisamos fazer um grande esforço, de que precisamos derrotar o mundo como ele é, para construir um mundo diferente.
A visão budista nos leva a um trabalho maravilhoso! Vamos percebendo que precisamos apenas retirar o engano. Quando retiramos o engano, as coisas vão aparecendo como são e, quando elas aparecem como tal, nos vemos além de vida e morte. Passamos a experimentar a realidade de uma forma que nem suspeitávamos ver a partir dos nossos olhos comuns!
É como se estivéssemos dentro de uma sala de cinema, assistindo o Titanic, e o nosso vizinho de assento começasse a chorar. Então, dizemos a ele: “Não precisa chorar!” E ele diz: “Mas, como não? Estão morrendo ali...” E aquilo parece real, “realmente”! Quando estamos na sala de cinema, nos sentimos como se estivéssemos dentro do filme. Mas, quando termina a sessão, a luz é acesa e nós saímos, há um corte em relação à realidade anterior que estávamos vivendo. Tudo aquilo que estávamos vivendo se desfaz, não tem mais sentido. E havia uma realidade, realmente, muito maior, que nunca foi suspensa, nunca deixou de existir, pois ela estava latente. No entanto, enquanto nós olhamos para a cena do filme, o nosso foco nos leva a viver uma realidade artificialmente construída. E esta realidade artificialmente construída aparenta ser inteiramente sólida. A partir dessa experiência de solidez, somos capazes de argumentar, de conversar com as pessoas, apontar algo. Aquilo se torna real, passamos a aspirar essa realidade e temos emoções em função dela.
A lucidez da mandala da realidade significa que nós estamos no filme, mas não perdemos a consciência do mundo como ele é. Podemos nos mover, conversar no meio das situações comuns, sem nos perdemos na ilusão. Isto é o aspecto de mandala. Na nossa prática, nós buscamos isto.
Acho particularmente encantador o fato de que não precisamos de grandes batalhas. Não precisamos derrotar ninguém. Não há um centro do mal. Não é como a Guerra nas Estrelas ou como Matrix, onde temos que lutar contra alguém que é maior do que nós e que tem uma intenção negativa, senão algo muito grave vai acontecer. Não importa quantos navios afundem, quantas pessoas morram no filme, pois ninguém morre do lado de fora, na “vida real”.
A realidade maior é naturalmente ampla e naturalmente livre das coisas menores. Este é o ponto fundamental. Na perspectiva budista, nós não vamos vencer porque nos transformamos em soldados, treinamos lutas marciais e somos capazes de dar golpes à distância. Não vamos precisar de nada disso, pois o nosso inimigo é a nossa ignorância. Quando ultrapassamos a ignorância, ultrapassamos o engano, a visão equivocada. É certo que, apesar de eu explicar isto, pode ser que vocês não entendam imediatamente. Mesmo que vocês não entendam o conteúdo, é importante entender que esta é a estrutura. É isto que vamos fazer e é nesta direção que estamos indo.
3. Os diversos níveis de compreensão dos ensinamentos
As palavras
Quando olhamos os ensinamentos do Buda, vamos indo na direção da lucidez. Vamos buscar entrar nessa mandala muito ampla. Esse é o ponto final. No entanto, nós vamos começar do ponto em que estamos e como pudermos. Desse modo, o Buda vem e dá os ensinamentos. Quando isto acontece, as palavras dele dizem uma coisa, mas ele não fala apenas com as palavras, ele dá vários ensinamentos simultaneamente, dependendo da visão de mundo de quem ouve. Quando o Buda fala, ele vai falar das Quatro Nobres Verdades e do Nobre Caminho de Oito Passos. Todos esses ensinamentos podem ser vistos a partir de vários níveis de profundidade, de várias formas.
A compaixão
A própria manifestação do Buda diante das pessoas não foi suficiente para que elas entendessem um outro ensinamento muito profundo do Buda. Foi necessário um tempo para que isso ocorresse. Por exemplo, ele era um Arhat completo, estava completamente livre das circunstâncias do mundo. E o que ele fazia? Ele andava de cidade em cidade, lugarejo em lugarejo, ensinando e ajudando as pessoas. Levou um tempo para as pessoas se darem conta do ensinamento mais importante que o Buda estava dando. O mais importante não era o conteúdo do que ele estava falando, mas o fato de que ele estava falando para as pessoas, o fato de que ele manifestava compaixão.
Este é um ensinamento muito importante, porque se diz que, a partir da lucidez completa brota uma compaixão completa. Lucidez e compaixão vêm juntas. E é a partir desta interpretação, desta visão, que surge o caminho Mahayana, o caminho cujo foco central ou aspecto principal é trazermos benefício aos seres, é copiarmos o Buda não só nas palavras, mas também na atitude de interesse pelos outros seres. Isto é extraordinário!
Manifestação incessante da lucidez completa
Então, passou ainda um bom tempo até que as pessoas descobrissem coisas mais profundas. Elas descobriram que o Buda não só manifestava compaixão, mas que ele falava a verdade naturalmente, sem nenhum esforço. Ou seja, diante das pessoas ele manifestava a natureza completa de liberdade, a lucidez completa. Diante de todos, ele estava dando ensinamento de como cada um poderia manifestar a liberdade e a lucidez completa. Este é um aspecto muito profundo, pois, diante das pessoas, o Buda manifestava o Buda Primordial, aquele Buda que não tinha corpo, o Buda que estava além de nascimento e morte. E desse modo, ele trouxe a visão Mahayana Absoluta, trouxe a visão Mahamudra e a visão Mahasandhi, que são os ensinamentos mais profundos.
Então, o que havia de mais importante na ação do Buda já não era propriamente a compaixão que ele manifestava e nem os ensinamentos que ele dava para as pessoas, mas o fato de que ele manifestava a perfeição da conexão com a natureza última onde quer que ele estivesse. Isto é extraordinário! É extraordinário estarmos diante de alguém que é capaz de ter esta conexão de modo incessante, como um Buda.
Estes são níveis de ensinamentos dentro de um único ensinamento. Daquele grupo, alguns viram os ensinamentos Hinayana, que são as palavras. E eles guardaram todas as palavras! Outros, entretanto, viram a compaixão, o ensinamento Mahayana. Já outros, viram a natureza de Buda se manifestando, que é a visão do Dzogchen. É maravilhoso entendermos que estes ensinamentos existem em vários níveis!
4. Os Doze Elos nas várias linhagens
Quando o Buda atingiu a iluminação, na manhã seguinte, ele se perguntou: “Como os seres, que têm a mesma natureza de Buda, se atrapalharam a ponto de agir a partir do carma e ficarem na situação difícil do sofrimento, da impermanência, da experiência cíclica que eles experimentam hoje?” O Buda perguntou a si mesmo e ele mesmo respondeu. Ou seja, quando ele se perguntou, o fato de ele ter acesso à compreensão da realidade fez com que, imediatamente, entendesse que isto ocorria e se sustentava incessantemente através de doze etapas, que são os Doze Elos da Originação Interdependente.
Essas doze etapas nos explicam como uma natureza livre pode, repentinamente, surgir como um ser dos infernos, como um ser carente ou faminto, como um ser em corpo de animal, ou ainda, no reino dos seres humanos, no reino dos seres invejosos ou semi-deuses e também no reino dos deuses da forma e da não-forma. Então, o Buda entendeu perfeitamente, através de doze etapas, como as pessoas se conectam com esses âmbitos fantasmagóricos, com essas classes de realidades.
Vou falar um pouco sobre isto hoje, só que não vou começar no primeiro elo. Vou iniciar essa abordagem na passagem do quinto para o sexto elo. E depois, vou descrever um pouco como se dá esta estrutura de formação interna, como os reinos surgem e se tornam realidades e como nós respondemos a essas realidades de forma automatizada. Nosso objetivo hoje é este: estudar esses níveis de realidade nos seis reinos, entendermos como todas essas situações ocorrem e como podemos dissolver isso.
Os ensinamentos dos Doze Elos também podem ser oferecidos em muitos diferentes níveis. Vou oferecer esses ensinamentos dentro da visão de Nagarjuna, ou seja, dentro da visão da vacuidade, que é a visão dos ensinamentos sobre o Prajnaparamita. No entanto, vocês verão que esses ensinamentos também podem ser oferecidos dentro da visão Hinayana.
Doze Elos na visão Hinayana
Na visão Hinayana, quando falamos sobre os Doze Elos, nós damos realidade, consistência ou solidez a cada um dos Doze Elos. É como se, efetivamente, disséssemos: “A ignorância produz as marcas mentais, as marcas mentais produzem as consciências...” Existe até uma fórmula que se diz, que é assim: “A ignorância, estando presente, produz as marcas mentais; as marcas mentais estando presentes, produzem as consciências; as consciências estando presentes, produzem o vir a ser; o vir a ser se manifestando, produz os corpos; os corpos estando presentes, produzem o contato; o contato ocorrendo, produz as sensações; as sensações ocorrendo, produzem o apego; o apego ocorrendo, produz os resultados; os resultados ocorrendo, produzem o nascimento; o nascimento ocorrendo, produz as circunstâncias de vida; as circunstâncias de vida ocorrendo, inevitavelmente, acarretam a morte”.
Quando ouvimos um ensinamento Hinayana sobre as Quatro Nobres Verdades, se diz: “A Primeira Nobre Verdade é que o sofrimento existe. Assim, você está no sofrimento, está entendendo? Você está fuzilado, não tem chance, e eu vou explicar o por quê: você tem ignorância, tem as marcas mentais, etc. Você nasceu para as circunstâncias de vida, portanto, o resultado será morte em sofrimento. E depois da morte, não estarão resolvidos os problemas, porque você vai retornar, e aí segue. Depois da morte, antes de retornar, nem queira saber o que vai acontecer! A situação é grave, você vai ser julgado, eventualmente vai para os infernos, e depois pode renascer com um corpo peludo, quatro patas e um rabo. E as desgraças seguem”. Então, tudo isso parece muito sólido na visão Hinayana.
Então, entendemos que todos nós temos ignorância. Portanto, inevitavelmente, temos estruturas mentais, consciências, etc. Ou seja, estamos fuzilados, aguardando o décimo segundo elo, que é a morte! Agora, se saber isso resolvesse, tudo bem! Mas acontece que não resolve, porque, após a morte, retornamos e continua tudo do mesmo modo. Isto é a experiência cíclica e, dessa forma, estamos presos dentro dela.
Quando olhamos deste modo, é como se afirmássemos: “Você tem a culpa de ser ignorante e isso gerou as marcas mentais. Você tem a culpa de ter as marcas mentais, portanto, você tem as consciências condicionadas. Você tem a culpa de ter as consciências condicionadas, portanto, inevitavelmente, você tem o vir a ser”. E segue... Esta é a visão Hinayana, ou seja, você está cheio de problemas, e esta é a sua substância.
Doze Elos na visão Mahayana da vacuidade ou do Prajnaparamita
Felizmente, temos a visão Mahayana, que é quando surgem os Budas que vão falar sobre a vacuidade. E o próprio Buda Shakiamuni falou sobre isto. Desse modo, esses ensinamentos estão preservados. O Buda foi ao Pico dos Abutres e falou sobre a vacuidade. O Prajnaparamita se descortina no Pico dos Abutres e é a partir desses ensinamentos que entendemos o fato de que esta realidade não é sólida como normalmente pensamos que ela é.
A visão da vacuidade é muito mais sofisticada. Nos ensinamentos do Prajnaparamita vamos dizer que: a ignorância é vacuidade, as marcas mentais são vacuidade; as consciências são vacuidade; o vir a ser é vacuidade; os corpos são vacuidade; o contato é vacuidade; as sensações são vacuidade; os apegos são vacuidade; os resultados são vacuidade; os nascimentos são vacuidade; as circunstâncias de vida são vacuidade; e, por fim, a morte é vacuidade. Portanto, a liberação é possível! Você não está preso verdadeiramente.
Desse modo, entre as duas formas de explicar - uma que não tem solução e a outra que tem - vou optar pela que tem, é obvio! Por exemplo, entre um diagnóstico médico que diz: “Você vai morrer em uma semana” e um outro que diz: “Você vai viver dez anos”, vou dizer: “Olha, prefiro este último!”
Para não deixar isto conflituoso ou sem base, vocês podem olhar os sofrimentos do passado. Imaginem situações em que vocês perderam a namorada, o emprego, ou uma situação em que morreu alguém, ou na qual vocês foram despejados de algum lugar. Quando vocês olham para essas situações, dizem: “Eu sofri muito por isto; foi um grande sofrimento”. Se alguém perguntasse: “E isto se resolveu? Você retornou ao emprego, teve de volta a namorada, a pessoa renasceu, e tudo se resolveu?” Vamos responder que “NÃO”! E se também nos fosse questionado: “E o sofrimento antigo ainda está presente?” Vamos também responder que “NÃO”! Desse modo, vemos que o sofrimento pode se extinguir mesmo que as coisas não mudem. O sofrimento não é tão simples, não é algo que dependa completamente das coisas, porque a nossa própria experiência não-lúcida ou comum do mundo, já aponta para estas liberdades.
Na verdade, com o tempo vocês verão que não há nada do caminho espiritual que nós já não estejamos experimentando de algum modo! O fato é que não estamos nos dando conta disso! As liberdades sobre as quais o caminho espiritual vai se referir já estão todas presentes, só que não as reconhecemos ou não as utilizamos como liberdades. Nós as usamos de forma aleatória, sem consciência e, portanto, não podemos usá-las como um instrumento. Desse modo, no caminho espiritual vamos apenas nos dar conta, vamos desenvolver consciência daquilo que é real e que já está operando! Este é o caminho budista.
Vamos ver que o fato do sofrimento se extinguir, apesar de os acontecimentos seguirem sem modificação, revela um traço ou um reflexo, que nos permite, pelo menos, desconfiar da vacuidade. A vacuidade existe porque o sofrimento não é objetivo. O sofrimento não é dependente das causas ou do processo causal, como nós imaginamos que ele seja. Como todo o processo dos Doze Elos não é sólido, ele tem liberdades. Em todas as circunstâncias nós temos liberdades. Assim, neste ponto do caminho da lucidez, nos damos conta de todos esses recursos que estão disponíveis. E todos eles podem ser utilizados.
Para que estou explicando tudo isso? Para que possamos entender o argumento que lancei, de que temos vários níveis de ensinamentos. Com isto, também estou dizendo que, quando vocês lerem sobre os Doze Elos, procurem ver qual a abordagem que está sendo oferecida. Todas as abordagens são úteis dentro de algum contexto. Mas a que vou utilizar com vocês é a abordagem do Prajnaparamita, da vacuidade, na qual os Doze Elos não são sólidos.
Se quiserem uma fonte bibliográfica para isto, vocês vão encontrar o próprio texto do Sutra do Prajnaparamita, onde se diz: “Na vacuidade não há ignorância, nem extinção da ignorância, nem os elos subseqüentes até a velhice e morte e extinção da velhice e morte.” Trabalhamos diretamente com o fato de que não há solidez em cada um dos Doze Elos. No entanto, o fato de não haver solidez não quer dizer que isto não esteja operando.
5. A operacionalidade dos Doze Elos – Do Sexto ao Décimo Segundo Elo
O estudo da operacionalidade do processo dos Doze Elos é a compreensão de como essa estrutura funciona, como produz resultados e como ficamos presos. E a partir disso, vemos como criamos os três animais, os seis reinos, as várias circunstâncias, os cinco skandas e nos damos conta de como operamos presos a este processo todo e também como podemos ultrapassá-lo.
Meditação como método de exame da mente
Feita esta introdução, começarei a explicar esses ensinamentos. No entanto, primeiro vou falar do método especial que vamos utilizar nessa abordagem do Prajnaparamita e da vacuidade. O método especial é a própria meditação. Nós contemplamos a nossa operação mental. A meditação tem esta habilidade. Nós sentamos em silêncio e podemos perceber o que vai acontecendo dentro, podemos ver como o nosso mundo mental se manifesta, o que está ocorrendo dentro da nossa mente. Então, esse é o método básico que vamos utilizar.
Por exemplo, se as pessoas não forem capazes de meditar, este método não vai ajudar muito. Se tivermos muita intranqüilidade mental, não teremos um foco na nossa mente. Quando olharmos para alguma coisa, logo nos dispersaremos, perderemos o foco. Assim, não conseguiremos avançar dentro da contemplação interna e, portanto, este método já não vai funcionar muito bem caso não tenhamos um mínimo de tranqüilidade e sejamos capazes de olhar para dentro.
Se formos capazes de olhar para dentro da nossa mente, esse método será vantajoso. Vamos entender que a prática de meditação é como se fosse um portal. Se as pessoas conseguirem cruzar este portal, elas vão adiante. Se não, se elas tiverem muita intranqüilidade na mente, se não conseguirem observar internamente, elas não tem como passar desse ponto. Elas ficam trancadas até que juntem méritos, juntem habilidades para poder cruzar por isto. Neste caso, é preferível que a pessoa desenvolva a visão Hinayana, onde, mesmo sem compreender a vacuidade, a pessoa toma os ensinamentos como recomendações de alguém muito amigo. Mesmo que a pessoa não entenda, ela tenta fazer aquilo que é prescrito. Mesmo que dentro dela brote carma que a conduza a impulsos em outras direções, assim mesmo ela faz esforços e tenta, porque ela mesma não é capaz de entender. Ela tem a mente muito aleatória, muito agitada e não consegue olhar dentro, não consegue lembrar, há uma barreira.
5.1. Sexto Elo – Surgimento do corpo com os sentidos físicos operando
A seguir vou explicar o que acontece quando começamos a olhar para dentro, que é o objetivo desse ensinamento de hoje. Começarei no Sexto Elo porque é o elo que nos toca mais a nível pessoal. No Quinto Elo o corpo se forma. No Sexto, ele começa a operar. Na visão budista, isto algumas vezes é comparado a um feixe de luz atravessando um cristal.
Começarei falando justamente sobre este ensinamento do feixe de luz atravessando o cristal. Algumas linhagens budistas utilizam cristais expostos à luz, para que lembremos disto. Vocês podem ter uma correntinha e um cristalzinho para sempre lembrar disso. Ou seja, a forma do cristal, o conteúdo do cristal, o fato de ele ser translúcido ou colorido vai definir a aparência que a luz terá depois de passar por ele.
Temos a luz não perturbada pelo cristal e temos a luz depois que ela passou pelo cristal. Ao passar pelo cristal, a luz fica com as propriedades dele. Este é um símbolo que vocês podem se utilizar para lembrar desses ensinamentos, como se usa também números e títulos, como as quatro isso, os três aquilo, etc. Com essa imagem da luz que atravessa o cristal, vou explicar a luz atravessando o nosso corpo. Nós temos a luz natural, livre, que é a luz da consciência, a luz da nossa lucidez natural de compreensão. Mas, quando nos conectamos ao corpo, essa luz se filtra por meio dos órgãos físicos. Então, ela vai se deformar.
As limitações do nosso corpo físico – os cinco sentidos
Como essa luz se deforma? Ela se deforma no seguinte sentido: quando utilizamos nossos olhos para ver as coisas, nem nos damos conta de que não vemos toda a luz que está presente neste ambiente. Não nos damos conta de que só vemos a luz que está numa certa faixa de freqüência: a seis mil e quinhentos angstroms, que é a luz vermelha, e percebemos até a luz violeta. Ou seja, não temos como ver abaixo de seis mil e quinhentos angstroms, pois nossos olhos não captam essas freqüências. Também não temos como ver a radiação com freqüência maior, acima do violeta. Porém, não vemos que não vemos! E é aí que começa a complicação, porque nossa cognição fica limitada ao que vemos. Assim, porque não nos damos conta de que não vemos tudo, assumimos que aquilo que não vemos “não existe”. Aí começa a deformação! Também não ouvimos acima de uma certa freqüência e nem abaixo de uma certa freqüência. Mas não percebemos que não ouvimos esses sons. Ou seja, não nos damos conta de que não ouvimos tudo! Vemos somente a luz visível, só ouvimos o som audível, mas não dispomos de um mecanismo que registre o que não estamos vendo.
Desse modo, os cinco sentidos físicos são portas que nos oferecem visões, mas eles não nos alertam para o que não vemos. Ou seja, o mundo que experimentamos através dos cinco sentidos é um mundo naturalmente mais estreito do que aquilo que pode estar presente. Hoje nós sabemos disto. Podemos provar essa afirmação porque desenvolvemos aparelhos que vêem infra-vermelho, ultra-violeta, que escutam ondas de rádio, que escutam ou vêem raios X, raios gama e outras freqüências impensáveis. Hoje nós vemos também os elétrons. Ou seja, com o desenvolvimento da ciência, podemos hoje ver coisas que não teríamos capacidade de olhar se não fosse através de aparelhos.
Desenvolvemos uma grande habilidade nestes aspectos todos. Mas percebam: os meios de ligação com o ambiente de que dispomos hoje são os nossos olhos e os olhos ampliados através de aparelhos; são os nossos ouvidos, e os ouvidos ampliados também. Essencialmente, estas são as portas que estamos usando. Eventualmente, podemos dizer que a análise química é um paladar ampliado. Mas não conseguimos ir muito adiante disto.
Aí podemos imaginar que poderia haver outros sentidos físicos. No entanto, estamos limitados a olhos, ouvidos, nariz, língua, pele. Notem que a maioria dos órgãos dos sentidos está localizada na face: olhos, nariz, ouvidos e língua. Filtrando o alimento, nós olhamos, cheiramos, ouvimos, tocamos, provamos, tudo completamente ligado à sustentação do corpo. Nossos olhos já estão em cima, bem perto do que vamos comer. Vemos que a disposição dos sentidos físicos no corpo revela todo um mecanismo de proteção. E é uma boa razão para ser assim! Mas, se quisermos olhar verdadeiramente para o mundo, podemos perceber que esses instrumentos são muito limitados.
O sexto sentido: as limitações da mente
Depois, temos ainda a limitação do sexto sentido, que é chamado de sentido abstrato ou sentido cognitivo. Por exemplo, a crosta terrestre mudou muito pouco desde a idade da pedra. As pedras continuam sendo pedras, sem ter havido grandes mudanças nesses vinte ou dez mil anos, que, geologicamente falando, não é um grande período de tempo.
Mas a concepção da realidade material mudou completamente nesses vinte mil anos, dez mil anos, cinco mil anos, dois mil anos, quinhentos anos, cem anos. Nesses períodos ocorreram mudanças muito abruptas. Por que as concepções mudaram? Mudaram porque o nosso processo cognitivo mudou. O mesmo acontece com relação ao cosmos. As pessoas olhavam e tinham muitas diferentes visões do que eram os planetas, as estrelas, do que era a abóbada celeste, do que era o planeta Terra. Isto tem mudado constantemente, mas não porque a Terra saltou de órbita ou porque o Sol teve uma explosão. Isto mudou porque as nossas concepções, a nossa estrutura de observação abstrata, mudaram.
Os cientistas constantemente descobrem novas coisas, elaboram novas teorias e aparelhos. Não é que o que foi descoberto hoje não pudesse ser visto a vinte mil anos atrás. Atualmente, quando olhamos, sabemos que em vinte mil anos o sol estava lá, as estrelas e os cometas estavam lá, mas não falávamos dessa forma, não dávamos a interpretação que hoje temos. Vamos percebendo que as nossas concepções são fundamentais. Então, surgem os filósofos ocidentais e orientais - dentre estes, especialmente os budistas - que vão estudar o fato de que o que nós vemos diante de nós, com nossos olhos, ouvidos, nariz, língua e tato, está na dependência das concepções que operam dentro da mente. Ou seja, eles vão se dar conta de que o próprio aspecto objetivo diante de nós depende das concepções com que estamos operando.
Neste sentido, vamos perceber que, quando começamos a operar dentro de um corpo, estamos limitados em vários níveis. Isto significa que a luz livre da consciência passa a operar sob as condições do corpo e sob as condições da mente. Operando desta maneira, a luz da consciência muda, ela fica perturbada, e então surge uma inteligência humana dentro do corpo humano.
Isto eventualmente produz uma soberba extraordinária. Por exemplo, Einstein, quando concebeu a teoria da relatividade, disse: “As leis da física são idênticas em todos os sistemas inerciais”. Essa sua afirmativa nos permitiu entender que, quando a luz vem de algum lugar, ela foi emitida segundo as próprias leis que operam aqui na Terra, por exemplo. É como se ele emitisse um decreto que valesse para o cosmos inteiro. Mas, como antes não era assim que se pensava, vamos entender que ele disse: “De agora em diante as leis da física valem para todos os sistemas inerciais, removidas todas as disposições em contrário”. Sob essa premissa, o cosmos inteiro teve que mudar! É uma soberba! Então, vem a visão quântica, que diz: “A realidade relativística não é a última, não é suficientemente profunda”. E, novamente, as concepções mudam e o cosmos inteiro muda.
Quando dizemos que o cosmos inteiro muda, isto significa que aquilo que agora vemos no cosmos mudou. Não significa que tudo o que passamos a ver com essas novas concepções já não estivessem visíveis, presentes. Estava e sempre esteve tudo lá. No entanto, não víamos, porque sempre vemos com a luz que já atravessou o cristal das nossas concepções e dos nossos sentidos físicos.
Avidya – ignorância da verdadeira realidade
Nós olhamos deste modo limitado. E vamos chamar de avidya a inconsciência do fato de que não vemos tudo o que há para ser visto. Normalmente nós operamos inconscientes disto. Simplesmente não nos damos conta disto. Olhamos para as coisas e elas são o que são e pronto! Aquilo que vemos, existe; e o que não vemos (e nem sequer nos perguntamos!), não pertence ao nosso universo mental. Isso foi muito bem estudado também na filosofia ocidental.
Então, vamos nos dar conta de que esta é a inconsciência básica que toca todos os seres, não só os seres humanos, pois os animais também operam assim. Eles vêem, cheiram, lambem, tocam e têm dificuldades. As moscas batem contra os vidros e seguem habitando num mundo onde, para elas, não existem vidros. Elas batem de novo e de novo, pois não possuem os mecanismos de localização dos vidros. Ainda assim, batem de novo e não entendem. Se não liberarmos a mosca do vidro, ela vai morrer exausta; vamos encontrá-la morta com as patinhas para cima. A mosca vive num mundo abstrato próprio (avidya), e não vê o obstáculo; por isso, ela bate de novo e de novo.
Nós também temos obstáculos deste tipo, onde nós batemos, batemos e não vemos. Naturalmente, porque não vemos, nem comentamos. Por exemplo, aspiramos à felicidade e tentamos voar em direção à ela imaginando que pode vir na dependência de fatores transitórios. E nos frustramos uma vez, duas vezes, três vezes... No que melhoramos um pouquinho e saímos da depressão da última frustração, nós vamos tentar a mesma coisa! É assim!
Quando encontrarmos os psicólogos, eles vão nos explicar como é que podemos fazer para obter exatamente isso. Eles não vão dizer: “Não, por aí não vá porque não dá”. Eles vão dizer: “Eu vou te ajudar”. Então, eles conseguem fazer com que voemos um pouco mais longe por mais tempo, antes de encontrarmos o tal vidro, e quando estivermos perto do vidro eles vão dizer: “Por aqui, dobre pra cá, vá pra lá”, e vamos escapando. Mas, por nós mesmos, temos dificuldades de ver. Desse modo, temos esses “vidros”, essas barreiras.
Além da psicologia, temos outros mecanismos. Por exemplo, os cientistas acreditam que vão encontrar uma explicação para as coisas através do método científico cartesiano. Eles vão indo, não encontram, mas seguem procurando. Então, vêm os filósofos e dizem que esta não é uma boa idéia. Em seguida, aparece o Einstein, que diz: “Olha, isto pode não ser verdadeiro, mas esta crença de que isto seja possível é essencial para o cientista. O cientista, para ser cientista, tem que acreditar que isto é possível e pronto”. Assim, Einstein, mesmo sabendo disto, dá esta resposta. Esta é uma crença que não pode faltar a um cientista: a de que eles vão obter essa explicação final. Os filósofos ocidentais já pensaram sobre isso, viram, mas não conseguiram influenciar muito a visão da ciência. Entretanto, os filósofos já olharam e perceberam este limite. E este é um ponto interessante.
Vamos chamar de avidya esta incapacidade nossa de olhar a situação como um todo. Vocês vão ver pessoas muito alegres, muito práticas. Elas têm tudo meio resolvido, a vida é muito mais simples que a nossa... As pessoas são positivas, elas vão lá e... pá, pá, pá, resolvem tudo! Tudo muito simples! Mas este é um processo no qual a pessoa não vê, não se dá conta de que está andando em círculos. Ela não vai sair daquele ponto.
Quando estamos presos à avidya, nós não vemos. Por isto ela é chamada de ignorância. Avidya, o primeiro dos Doze Elos, é representado por uma pessoa cega. Os Doze Elos são avidya, pois a ignorância está presente em todos! Se, em qualquer um deles, a ignorância ou cegueira se abrir, se romper, pronto! Nós passamos a enxergar e está tudo resolvido!
Vejam que comecei a descrever o processo de ignorância (cegueira) associada ao Sexto Elo. O Sexto Elo é o contato, o contato no mundo. Quando há contato no mundo tudo funciona alegremente. Mas, cuidado! Vejam que não é verdadeiro! Percebam suas limitações!
Nós criamos a mente ligada a cada sentido físico
Outro dia eu ouvi o relato de uma pessoa que nasceu com uma espécie de catarata que cobria totalmente a sua visão. Foram feitas muitas intervenções cirúrgicas, e ela passou muito tempo, mesmo ainda bebê, com vendas sobre os olhos. Quando ela ainda era bebê, os médicos se dividiram. Um grupo de médicos disse que ela não deveria ser operada porque primeiro era necessário o estabelecimento de algum contato com a luz, que permitiria a associação dos movimentos de luz com a atividade cerebral, ou seja, com a mente dela. Mesmo que ela visse mal, que tivesse a visão meio encoberta, ela precisaria desenvolver esta habilidade. E havia outros médicos que disseram que o melhor era remover rapidamente a catarata para que ela pudesse ver melhor.
As intervenções foram feitas, mas não tiveram sucesso. Fizeram uma depois da outra, mas nada. Ela passou muito tempo - quase a primeira infância toda - com os olhos cobertos, sem estimulá-los. Depois, foram realizadas cirurgias que corrigiram completamente o problema. Agora, ela tem o olho fisicamente perfeito, sem nenhum problema nas terminações nervosas. No entanto, ela não consegue ver porque ela não aprendeu a ver. Esta é a única pessoa que eu conheço que passou por esse processo e que pode ilustrar perfeitamente o fato de existir uma mente associada aos sentidos físicos, que é desenvolvida após o nascimento. É deste elemento de aprendizagem que nós precisamos. Temos que estimular o cérebro até ele começar a se dar conta dos estímulos elétricos e poder fazer as associações do estímulo com algum significado. Este é um aprendizado muito complexo. Aparentemente, isto se dá na primeira idade. Se isso não ocorrer, a pessoa não consegue mais operar com aquele sentido físico que não foi estimulado.
Conheci esta moça, ela é irmã da Luciana Fraga do Cebb Caminho do Meio. Ela é uma pessoa linda, com um rosto lindo. É suave, encantadora, fez faculdade. Apesar de todos esses obstáculos, ela é uma pessoa alegre. Entretanto, ela não consegue ver, não porque os olhos sigam opacos, e sim porque a mente está opaca aos olhos. Isto é muito interessante e ilustra o fato de que a consciência dela não aprendeu a usar os olhos. Seria como uma cegueira de nascença, mas não pela deficiência do aparelho visual. Ela começou com uma deficiência periférica (lesão no órgão), depois se transformou numa lesão central. Um outro exemplo disso é quando alguém, adulto, tem seu braço amputado. Apesar de não ter mais o braço, a pessoa continua sentindo como se estivesse ali. Ou seja, o cérebro continua operando com o registro do braço.
Então, no budismo, dizemos assim: “Temos os olhos, os objetos visuais e a mente associada aos olhos.” E isso vale para todos os outros quatro sentidos. No caso da irmã da Lu, ela tem os olhos, existem os objetos visuais, mas ela não tem a mente associada aos olhos operando.
Com este exemplo eu estava justamente trazendo o fato de que nós criamos uma mente que vê. Este é um exemplo muito interessante, pois não é fácil nos darmos conta de que a luz que nós vemos não é luz. A luz física não passa dos bastonetes dentro do olho. Dali em diante ela é um estímulo elétrico. Naturalmente, o estímulo elétrico dentro do cérebro vai estimular nossa experiência de luz. Esta é a razão pela qual podemos ter uma experiência de luz dormindo. Ou seja, quando dormimos, estamos com nosso sistema central operando, livre do sistema periférico, que fica “cortado” durante o sono. Mas o sistema central está lá operando. Por isso, sonhamos sonhos de luz!
Desse modo, no budismo, isso fica claro. Não se trata de que, quando estamos acordados, vemos a luz verdadeira, e quando estamos dormindo, criamos uma espécie de luz falsa. Não é isto o que acontece! Percebemos que nós criamos a luz quando estamos acordados e quando estamos dormindo! Só que esta luz que criamos quando estamos acordados é uma luz que está na dependência de fatores externos que a estimulam. Por exemplo, posso pensar em meu neto agora, mas esta “experiência de neto” é produzida “de dentro” da minha mente. No entanto, se o vejo entrar pela porta... isto é diferente. No entanto, percebo que, mesmo sem vê-lo diretamente, também posso acessar essa experiência. Por sua vez, pode ocorrer de, por exemplo, eu olhar um outro menino parecido com ele, me enganar e chamar: “Bernardo!”, e logo depois constatar que não é ele. Mas primeiro vi o Bernardo quando olhei a outra criança. Então, o estímulo sensorial aciona a estrutura que temos dentro da nossa mente. Toda a luz brota desta forma. Vemos, então, esse fenômeno extraordinário!
Entretanto, quando estamos operando com uma visão comum da realidade, não vemos nada disto! O que vemos quando estamos operando com a visão comum da realidade? Não vemos a operação cognitiva, não vemos as limitações dos sentidos, não vemos o que não vemos... Wittgenstein dizia: “Aquilo que não pode ser visto, não pode ser negado.” Acho isto de grande profundidade! Por exemplo, meu universo cultural não me permite entender o xamanismo, mas isto não quer dizer que o xamanismo seja uma fraude. No meu universo mental não há nenhuma “caixinha” que eu possa identificar para entender aquilo. Wittgenstein dizia que só podemos negar aquilo que possui uma “caixinha” que nos permita afirmar.
Primeiro testamos a experiência na “caixinha” que nos permite afirmar. Se não couber, então negamos. Se não temos sequer “caixas de afirmação ou de negação”, então, não temos esta possibilidade. Não podemos simplesmente negar. Só podemos negar se já tivermos um mecanismo de validação e de teste, pois se não conseguimos sequer conceber, não tendo um mecanismo de teste ou de validação, temos uma impossibilidade de compreensão.
Acho isto uma grande abertura para a filosofia ocidental. Wittgenstein é considerado o maior filósofo do ocidente. Ele trouxe esta pérola que nos permite libertarmos de nós mesmos. Oferece-nos um argumento lógico para ultrapassarmos e entrarmos em regiões nas quais nosso universo mental não permitiria. Isto é muito útil! Nos diálogos entre culturas, é essencial que tenhamos, no mínimo, isto. A ausência disto também é chamada de avidya, ignorância, cegueira.
Por exemplo, o presidente Bush imagina que todos os seres devem ser cowboys texanos. Está é para ele a figura do bem, o cowboy do bem. Isso é um problema, pois as pessoas podem ter outras idéias. Então, pessoas como o Bush podem precisar de três, quatro, cinco ou dez anos de guerra para poder se dar conta de que as culturas são diferentes. Nós temos que respeitar as pessoas nas várias culturas. Todos temos idéias, mas, neste contexto, as idéias americanas são as melhores. Então, decidem exportá-las para todos os lugares. Só que os outros podem achar que isto não seja uma boa idéia. E aqueles que pensam e se comportam assim, serão considerados “do mal”. Esta é uma visão muito estreita. Mas quando a pessoa opera dentro disto, parece que ela está completamente correta. E nós também temos esse tipo de limitação. Seria bom que todos, principalmente os presidentes, estudassem filosofia. Deveria haver um curriculum mínimo, nem que fosse um cursinho às pressas, bem curto, para abrir um pouco os horizontes!
Não vemos porque não paramos para ver
Quando olhamos isto, ficamos mais equipados para entender a nossa operação “normal” no mundo. De modo geral, as pessoas não percebem nada disto. Elas têm até mesmo dificuldades para olhar para o processo pelo qual elas pensam. Como eu estava explicando aqui, precisamos ter a tranqüilidade e a habilidade para podermos olhar para dentro, caso contrário, nunca vamos ver isto. E as pessoas não estão habilitadas para olhar para dentro.
Outro dia morreu uma pessoa que tinha sido um grande amigo meu. Às vezes, quando as pessoas morrem, os amigos e parentes amadurecem, e eu tive essa esperança em relação a uma de suas filhas. Pensei: “Neste momento de pesar, ela pode se tornar mais sensível pela dor”. Mas, habilmente, as pessoas também produzem todos os tipos de defesa. Percebi, então, que não havia possibilidade de mudança. Ela não pensou em nada mais profundo, só olhou a superfície. Vi que ia passar pelo meio da dor e a dor não teria nem como tocá-la. Vi-me completamente impotente, pois não havia nada que eu pudesse falar para que ela realmente se dispusesse a ouvir. Então, a pessoa vive acelerada e vai seguir acelerada.
Se nós não pararmos um pouquinho e olharmos para dentro, não veremos coisa alguma. Precisamos deste método de parar. Por isso, independente do que façamos, é muito importante praticarmos a meditação em silêncio. Pelo menos, baixamos a rotação. Vejam, quando voamos de Porto Alegre a Recife, e de Recife a Porto Alegre, tudo passa muito rápido, não vemos nada. Quando se vem a pé, vemos muitas coisas; pode levar seis meses para chegar, mas vamos ver muita coisa. Se viermos de carro, levaremos cerca de uma semana para chegar, e veremos menos coisas do que se viéssemos a pé. Mas, ainda assim, veremos muito mais do que se viajássemos de avião.
A velocidade com que andamos parece melhorar nossas aptidões, mas ela, eventualmente, produz uma cegueira natural. Passamos acelerados pelas coisas e não as vemos. Com nossos processos mentais todos acelerados, operando rápido, nunca olhamos para eles, nunca vemos a base, nunca vemos as estruturas, não vemos nada. Portanto, ficamos viciados naquele procedimento, e aí ficamos sem chances. Obstaculizamos a nossa própria consciência.
5.2. Sétimo Elo - nossa experiência sensorial do mundo (sentimentos)
E assim, não entendendo nada disto, o que nos acontece? Nós experimentamos sensorialmente o mundo, e aí vem o Sétimo Elo. O Sétimo Elo brota como se fosse uma “grande inteligência”. Olhamos para umas coisas e dizemos: “Eu gosto!!!” Olhamos para outras, e dizemos: “Não gosto!” Parece até que é uma inteligência fulminante, uma luz interna que brota em nós quando dizemos: “Daquilo eu gosto, daquilo não gosto!”. No entanto, estamos limitando todo este quadro profundo em duas categorias: tico e teco! Ou seja, gosto ou não-gosto. São apenas dois neurônios e todas as experiências estão resolvidas!
Na verdade, ainda há uma terceira experiência que os meditantes localizam, que é a indiferença. Ou seja, para aquilo que vemos, dizemos gosto ou não-gosto, mas temos uma região de indiferença que nos impede de ver cerca de noventa e cinco por cento das coisas. Situação grave! Nossos olhos se estreitam. Dentro de tudo que pode ser visto com os olhos, cheirado com o nariz, provado com a língua, tocado com as mãos e pensado com a mente, cerca de noventa e cinco por cento é indiferença. Cinco por cento nós vemos, e desses cinco por cento, gostamos de uma parte e de outra, não gostamos.
Imaginem que, quando caminhamos de casa para o trabalho, passamos por muitas pessoas, mas talvez não lembremos de um rosto sequer. Olhando o jornal, por exemplo, somos seletivos, e dentro do que selecionamos, parte gostamos, parte não gostamos. Isto tem um potencial de escuridão mental enorme! Vemos muito menos ainda, pois, se já estávamos limitados pela operação dos órgãos dos sentidos e pelas cognições, agora estreitamos ainda mais!
5.3. Oitavo Elo – As certezas internas a partir do gostar ou não-gostar
Eu até diria que essa é uma etapa de adolescência. Temos um nascimento, e como bebês, talvez tivéssemos olhos mais abertos. Mas, quando adolescentes, chegará um momento em que vamos dizer que já conhecemos a vida: “Eu sei o que é bom e o que não é bom.” E pensamos: “Com esta sabedoria, vou em frente!” E, então, brota uma “grande lucidez” interna, que é o Oitavo Elo. Pensamos que “querer aquilo que gostamos” e “não querer aquilo de que não gostamos” seja uma decisão de independência!
Existe uma etapa em que os pais conseguem que os filhos comam de tudo: banana, iogurte, rúcula, e aquilo vai andando. Fazem uma papinha, põem de tudo lá dentro, batem no liquidificador, e eles comem. Mas, chega uma hora em que não há mais jeito, pois os filhos sabem muito bem do que eles gostam e do que não gostam. Estão ficando maiorzinhos - situação grave! Eles vão experimentando a partir do que eles gostam e do que não gostam. De vez em quando, têm uma surpresa. Todos nós temos surpresas! Porque, das regiões de indiferença brota alguma coisa à nossa frente, e dizemos: “Pah! Como é que não vi aquilo antes?”
Desse modo entendemos que a região de indiferença é riquíssima. Para os adolescentes podemos até mesmo dizer: “Você se dê conta de que seu próximo namorado ou namorada, marido ou esposa está na região de indiferença!” E assim, pode ser que ele abra mais os olhos! Porque é assim: se ainda não apareceu, é porque está em algum lugar! Se não estamos vendo, é porque está na região de indiferença. Então, a região de indiferença existe. Todos os nossos novos amigos, neste momento, estão na região de indiferença. Assim, é bom que abramos os olhos, pois a região de indiferença é surpreendente!
A partir dessa operação limitada, nós tomamos decisões. Temos apegos de um tipo e temos rejeições de outro tipo. E isso nos parece muito claro! É a nossa vida! Não nos damos conta de que o mundo é muito mais amplo. Não vemos que tem, pelo menos, toda esta região de indiferença. No entanto, tomamos decisões em função dos apegos e das rejeições que nós temos. E isto é o Oitavo Elo operando - o apego. O Sétimo Elo é o gostar ou não-gostar e a indiferença. O Sexto Elo é o contato sensorial.
5.4. Nono Elo – Colhendo os resultados das escolhas efetuadas
O Oitavo Elo dá origem ao Nono Elo, que são os frutos que vamos colher, os resultados que vamos obter. Ou seja, nós temos os critérios de filtragem estabelecidos. E em função desses critérios de filtragem, vamos semear e colher os frutos o tempo todo. Este é o Nono Elo.
O Nono Elo é simbolizado por uma pessoa colhendo frutos numa árvore. Nós vamos colher muitos frutos, que são os frutos do nosso apego. Isto não quer dizer que o mundo seja assim. No entanto, é como se estivéssemos vendo o mundo por uma fresta. Nossa consciência está operando como uma “luzinha estreita”, um “raiozinho”. Aquela consciência que é ampla, passando pelo cristal dos nossos sentidos físicos, se transforma, se reduz a um faixozinho, agora com uma certa cor, que são os estreitamentos produzidos pelos critérios de filtragem dos nossos apegos. Estamos olhando tudo com aquela cor, naquela direção e, então, aprendemos a obter estes resultados.
Quando aprendemos a obter estes resultados, os pais ficam felizes, e dizem: “Filho, você já sabe andar no mundo”. Então, a própria pessoa tem a sensação de que já sabe se mover: “Eu gosto disto, não gosto daquilo e sei como obter o que eu gosto e evitar o que não gosto. É, aprendi. Estou equipado para a vida.” Quando a pessoa diz isto, ela como que “se acha”.
5.5. Décimo Elo – Finalmente, sentimos que nos achamos
“Achar-se” é o Décimo Elo operando. É o momento em que a pessoa se vê independente e diz: “Eu sou tal coisa!”. A pessoa sente que nasceu como alguma coisa. Na verdade, o Décimo Elo é a concepção. No budismo, esse momento é um tipo de nascimento, só que um nascimento ainda no ventre.
É um nascimento no ventre porque a pessoa sabe tudo, ela pensa que está pronta, mas ela ainda não está no mundo fazendo aquilo. Ela sabe, no entanto, ainda não testou. Só está “achando”, por enquanto. A pessoa desenvolve uma auto-consciência disto. Por exemplo, a pessoa ganhou o diploma, mas ainda não começou a trabalhar; tem uma profissão, mas não está empregada, não está funcionando ainda. Entretanto, ela diz: “Eu sou tal coisa ...” Então, a pessoa, em função da experiência anterior, chega àquele ponto, mas este ponto ainda é muito inicial.
5.6. Décimo Primeiro Elo – Atuando no mundo a partir das escolhas prévias
Aí vem o Décimo Primeiro Elo. Neste elo, a pessoa, que começou com a consciência filtrando-se por dentro do corpo, neste momento ela construiu todas estas realidades e está agora na condição de exercer suas escolhas em meio ao mundo de relação. Quando ela vai exercer suas escolhas em meio ao mundo de relação, isto não pára mais, e daí em diante ela segue operando do mesmo modo para o resto de sua vida. Ela pensa que tem uma visão abrangente, que entende tudo, mas na verdade, ela tem uma visão estreita. E se alguém disser que ela tem uma visão estreita, a pessoa não entende o que o outro está dizendo, porque ela pensa que tem uma visão ampla.
Dentro daquela vida, segundo esses limites, a pessoa segue e progressivamente vai desgastando sua energia vital. Ela busca a felicidade seguindo aquela fórmula: “Eu gosto disto, não gosto daquilo”. Mas isto nunca produz uma felicidade final, nunca produz uma condição estável. Assim mesmo ela tenta, e vai trocando e vai tentando, e a energia vital dela vai diminuindo. Chega um certo momento em que ela pensa: “Não sou mais jovem!”. No entanto, ela segue fazendo isto. Como não há mais nada para fazer, segue fazendo aquilo mesmo. Eventualmente, ela se amplia, decide contratar ajudantes, pega um empréstimo no Banco do Brasil, paga em cinco anos, aumenta tudo, acelera. Não vai obter nada!
Se vocês observarem as grandes empresas, como a Varig por exemplo, ela tem muitos aviões, muitas rotas e muito sofrimento! Olhem a Schin: muita gente, muitos empregados, milhões de litros de cerveja e um grave problema! Olhem a Ambev, uma união das cervejarias nacionais, super multinacional e estão sendo cobrados três bilhões de impostos indevidamente sonegados; uma conta bem alta! Quando vão me cobrar em minha casa, cobram vinte mil, cinco mil, vinte reais, trinta reais. Mas, da Ambev, cobram três bilhões! Quanto maior é a “coisa”, progressivamente maiores são também os problemas!
Observem a nação americana. Eles têm mais de um trilhão em dívidas! Já a dívida brasileira está em seiscentos bilhões! É um bom número comparado com o dos Estados Unidos. De acordo com o tamanho, os problemas seguem e se ampliam. Mesmo que façam algo maior e vão agregando, os problemas se ampliam. Isto não quer dizer que, devido ao tamanho, alguém consiga escapar da experiência cíclica. Pequenos ou grandes, todos estão dentro da experiência cíclica. As grandes empresas surgem, vivem por um tempo, entram em decrepitude e morrem.
Em todas essas dimensões a experiência cíclica está ocorrendo. Todas elas tiveram nascimento no Décimo Elo; testaram no Nono Elo; desenvolveram apego no Oitavo Elo; desenvolveram testes do que gostam e do que não gostam no Sétimo Elo; desenvolveram visões extraordinárias no Sexto Elo, e este processo segue. Não vamos dizer que somente nós temos problemas! Vamos nos dar conta de que todos os seres e organizações, que operam dentro dos Doze Elos, num certo momento vão enfrentar o Décimo Segundo Elo, que é a morte!
Mas atenção: há uma saída!
Neste ponto, para não tornar isto muito pesado (pois imagino que vocês já estão querendo saber como é que, enfim, se sai disto!), não vou explicar ainda como se sai, mas demonstrarei que é possível sair. Isto já fica de bom tamanho, não é mesmo? Prometo que até o dia 3 de julho estará tudo explicado, pois este é o ponto central dos ensinamentos budistas: como sair da experiência cíclica! O nosso processo de saída será através das Quatro Nobres Verdades e do Nobre Caminho Óctuplo. Vamos seguindo estes ensinamentos e veremos todo o caminho de saída.
O tema desta palestra corresponde ao aprofundamento da Segunda Nobre Verdade, que fala das causas do sofrimento. E quando começamos a examinar as causas do sofrimento, vemos que este problema é complexo, difícil. Ele desafia o engenho humano, por isso não é fácil furar esta barreira. Se fosse fácil, muita gente já teria cruzado! E nós entendemos perfeitamente isso quando olhamos os Quatro Pensamentos que Transformam a Mente. O primeiro deles diz respeito à linhagem, ao fato de que muitos seres continuamente se dedicam a nos ajudar. É importante sabermos isto. Nós estamos aqui hoje porque há estes seres que sustentam os ensinamentos, que são esta porta de saída.
Mas não é fácil. Vejam como já é difícil vocês sentarem e acompanharem o que estou falando, e ficarem pensando sobre isto. Se não desenraizarmos isto tudo, como faremos para sair? Se não nos propormos a isso, vamos seguir na visão estreita, pois ela nos parece natural e boa. Então, este é o Décimo Primeiro Elo, seguido pelo Décimo Segundo.
5.7. Décimo Segundo Elo – Tudo desaba, acaba, tem um fim
O Décimo Segundo é quando tudo isto desaba, pois não há como evitar este desabar. Gosto de olhar para as grandes empresas e as grandes nações para exemplificar essa situação. Por exemplo, o Tibete existiu como nação e agora, enquanto nação, acabou. Taiwan talvez vá desaparecer como nação, pois a noção de “Grande China” vai absorvendo isto, como aconteceu com a Coréia. É assim: aquilo vem, e aquilo cessa.
Se sairmos do âmbito das nações, nós podemos entrar no âmbito das grandes empresas. Veremos grandes empresas que surgiram e que cessaram. Por todo lado vamos encontrar este tipo de exemplo. No Brasil, vemos um banco comprando o outro, se fundindo, desaparecendo. E esses exemplos são abundantes. Do mesmo modo, se olharmos para o âmbito das visões acadêmicas, ali também as visões surgem, ficam por um tempo e cessam. O mesmo acontece com as visões filosóficas.
No âmbito das religiões, vemos que elas surgem, existem por um tempo e cessam. Lembremos que os gregos acreditavam em Zeus. Regiam suas vidas a partir do Oráculo de Delfos, de Apolo. Eles tinham muitas formas de compreensão, e, hoje, estas formas de compreensão, ainda que possam ser lembradas, não existem mais como formas ativas. As religiões também cessam, desaparecem.
Todas estas construções pertencem à Roda da Vida: existem por um tempo e cessam. É previsível que o budismo também cesse, pois ele está na dependência da condição humana. Ele existe como um remédio. Cessando os seres humanos ou cessando as condições históricas que permitem a sustentação dos ensinamentos, eles desaparecem, porque eles também são uma construção artificial, ainda que seja uma construção “do bem”. Mas, ainda assim, estão suscetíveis a desaparecerem.
A religião natural
Mas dizemos: “Há a religião natural”. Algumas tradições religiosas se colocam como tal. Eu colocaria assim: a tradição natural é o Dzogchen. Esta tradição existe dentro do budismo. A tradição natural seria ver a natureza ilimitada tal como ela é, e só. O budismo oferece um caminho gradual para chegarmos ao ponto de poder ver. Mas depois que vemos, não precisamos mais do caminho gradual, pois já podemos ver. A religião natural não é o budismo. A religião natural é a natural lucidez. Ela sempre estará disponível, não importando a condição.
No Dzogchen se diz que esse ensinamento existe em treze sistemas universais. Quando olhamos o nosso cosmos, vemos que ele é um dos treze sistemas universais. Esse cosmos, como nós concebemos, depende dos nossos olhos. Não conseguimos ver outros, porque só vemos o que podemos ver. Desse modo, na visão do Dzogchen se diz que existem treze visões universais, com suas leis e formas próprias, e todas elas são artificiais. Em todas elas, o ensinamento máximo é o ensinamento sobre a lucidez que vê as coisas como elas são. Este é o ensinamento Dzogchen.
Nas visões mais elevadas do budismo se diz que “o budismo encontrou o Dzogchen”. O Buda manifestou isto. Mas estes ensinamentos não têm sua origem apenas no Buda Shakiamuni. Na história do budismo tibetano, o Dzogchen surge dentro da Tradição Bön, através de Taperitza. E surge dentro da tradição budista, através de Garab Dorje. Então, há estas origens históricas diferentes que se fundem ao ensinamento que vem do Buda Shakiamuni e se manifesta naturalmente como um ensinamento de lucidez completa. Mas esta ênfase na lucidez, na clareza, vem do Dzogchen propriamente, que é o ponto culminante de todo o ensinamento budista.
Com isto, expliquei esses elos, do Sexto ao Décimo Segundo e falei rapidamente sobre a possibilidade de liberdade, para não ficarmos tão pesados. É possível a liberação e existem ensinamentos sobre isso em vários níveis. No entanto, vou retomar a tragédia, seguiremos mais adiante no nosso propósito.
6. Os seis reinos
A seguir, eu teria de explicar o seguinte: do mesmo modo que, por exemplo, nós, seres humanos, chegamos ao Décimo Elo e dizemos: “Eu sou isto, eu entendo o mundo, e o mundo é assim”, como um adolescente que diz “agora eu sei como é o mundo”, vemos que essa chegada a esse ponto pode se dar em seis níveis ou Seis Reinos.
6.1. Reino dos infernos:
Através de uma experiência que tivemos antes, podemos dizer: “O mundo é perigosíssimo, os seres são todos agressivos, a guerra está incessantemente presente, as pessoas se matam umas às outras o tempo todo, o mundo é um lugar muito perigoso. Entre os seres perigosos, o mais perigoso ainda é o ser humano. Portanto, você não confie nos outros, pois veja o que acontece: as pessoas casaram, tiraram fotografias e viraram inimigos; as pessoas tiveram assessores, secretárias e agora a secretária está denunciando tudo; as pessoas tiveram sócios, eles se separaram e agora são inimigos mortais. Viu! Os seres humanos são perigosíssimos! O mundo é assim! Por isso, meu filho, acorde!”
Neste sentido, pode ser que tenhamos um pai que nos introduza a isto. Ele nos dá iniciação ao “reino dos infernos”, onde não vamos acreditar em ninguém, vamos ter medo o tempo todo. E enquanto eu digo isto, pode ser até que achemos essa argumentação razoável! Então, a pessoa começa ver o mundo desse modo. Mas aqui, faço um alerta a vocês: esse não é o modo budista de olhar o mundo!
6.2. Reino dos fantasmas famintos:
Agora, pode ser que exista um outro pai que diga assim: “Meu filho, nós somos muito frágeis. Somos muito dependentes, muito carentes, muito impotentes...” E aí esse pai começa a dar conselhos sobre como conseguir as coisas de forma espúria; de como nunca fazer as coisas de forma clara, mas tentar obtê-las de forma incorreta, imprópria. Ele nos introduz num mundo onde vamos agir sempre como seres carentes e incapazes de construir uma realidade positiva à nossa frente, sempre dependentes e predadores.
6.3. Reino dos animais:
Agora, pode ser que tenhamos um pai que talvez nem fale sobre isto, mas simplesmente manifeste desinteresse o tempo todo. Ele ensina pelo simples fato de demonstrar um constante desinteresse. Por exemplo: pode ser um misto dessas duas visões de mundo (reinos), onde ele é carente, porque bebe ou se droga, ou porque gasta mais do que devia. Mas existem seres que são carentes porque não fazem nada, porque não tem energia para fazer, não tem vontade; tudo o que eles sonham é com uma almofada, com alguém que resolva os problemas deles. Sonham que eles vão fazer uma cara bonita e terão a sorte de vir alguém que vai cuidar deles. Isto é perigosíssimo, porque a pessoa pode nascer com quatro patas e um rabo, duas guampas, e vai ter sempre alguém cuidando, até um momento delicado que possa surgir!
Este âmbito da incapacidade, da dependência e da inércia, é muito perigoso porque, se surgir alguém que assuma o nosso comando, esta pessoa vai terminar abusando. Ela vai passar uma corda no nosso pescoço e vai dizer: “Venha por aqui...” Quando nos dermos conta, nos vemos numa fila, onde o da frente levou uma martelada na cabeça e já está pendurado num gancho!
Desse modo, podemos ter conexão com essa obtusidade mental ou desinteresse. Nós teríamos ainda o gostar e não-gostar operando, mas a região de indiferença, neste caso, é muito grande. A indiferença vira ideologia: “O que eu quero é não precisar ficar atento. O que eu quero é fechar os olhos e pronto”. Nós podemos também ser introduzidos a isto.
6.4. Reino humano:
Também podemos ser introduzidos ao âmbito humano propriamente dito. Aí vem o nosso pai e diz: “Você tem que trabalhar para ganhar o seu próprio dinheiro. Não consigo mais sustentar você, se vire. Eu, quando tinha a sua idade, já estava trabalhando. Agora é a sua vez! Se mova, e pense que mais adiante vai ter que morar sozinho, vai ter a sua casa. Se você pensa em casar e ter filhos, lembre-se de que precisará sustenta-los”. Ou ainda, no caso das filhas, os pais modernos já começam a dizer: “Se quiser casar, pense em trabalhar para ajudar a sustentar o seu marido e seus filhos! Você vai ter que aprender a se virar! Tem que comprar um apartamento. É bom que você já veja isso e entre num financiamento de dez ou quinze anos; compre em prestações seu fogão, a cama de casal – e não precisa ter marido ainda – pois quando for o caso, já estará tudo pronto...”.
No passado era assim, a pessoa já começava a bordar os lençóis, as toalhas; e ficavam com o enxoval pronto e maravilhoso! Faltava o marido, mas isso era o detalhe. E tinha a sua beleza!
A pessoa vai construindo sua vida deste modo. E quando chega o final de semana, ela visita os pais. Eventualmente, convida os amigos e parentes; os irmãos se juntam e comem churrasco, peixada... e assim eles vão indo. Depois, voltam a trabalhar na segunda-feira. Eles conversam sobre quando virá um aumento, sobre o imposto de renda, a alíquota que aumentou, onde compramos pneus mais baratos, onde o conserto do carro é mais em conta, comentam que agora tem um celular que é melhor... e vão seguindo assim...
6.5. Reino dos semi-deuses:
Existem, no entanto, outros seres, cujos pais dizem assim: “Meu filho, você não nasceu para ser um ser comum! Você é um vitorioso! Você nasceu para vencer! Faça como o papai!”
E o papai já está lá estressado. “Nada menos do que isto meu filho, você vai fazer isto e tem que ser melhor do que todos”, e põe um horizonte lá em cima: “Não menos do que isto”. A pessoa desenvolve uma visão competitiva. Ela vai lutar, ela vai ter que chegar lá, vai ter de avançar.
6.6. Reino dos deuses:
Existem outros que, quando o filho está numa certa idade, dão um violão de presente, e ele começa a tocar. Depois, presenteiam uma guitarra, e a seguir, uma flauta. E de uma forma lúdica, a pessoa aprende a como encantar os outros, a como ser feliz e produzir felicidade para os outros. Ele pode virar um ser de felicidade profissional. A função dele é esta, ele vai cantar por muitos lugares, vai animar os bailes, vai trazer felicidade. Aonde ele chegar vai contar muitas piadas, muitas coisas engraçadas. Mas quando vocês olharem os bastidores, verão ele cansados, exaustos. Como um cantor famoso prestes a entrar no palco, de repente alguém diz: “Agora vai entrar João Lisboa!”, e ele começa a tocar, dançar e todos ficam alegres. Na verdade, ele está cansado, exausto.
Bom, essa é uma boa forma de viver, mas, não produz felicidade estável! No dia seguinte ele estará olhando desesperadamente os jornais para ver se apareceu algum contrato, alguma coisa para a excursão. Ele precisa de alguém que vá promover, precisa de secretário para cuidar dos vários detalhes. Ele virou uma estrela, mas isto dá muito trabalho. Ele está dentro de um ambiente que é muito difícil. Sabemos que vez por outra as estrelas suicidam-se... Elas fogem, se drogam, pois também precisam de tempo para pensar sobre seus problemas, ficam deprimidos, ficam mal... Mas têm que manter a profissão. Então, para manter o brilho e pensar sobre seus problemas, eles tomam um “brilho químico”. Daqui a pouco, o brilho deles é só químico.
Vocês verão também essa tragédia acontecer para os seres felizes. Aqueles seres que aprenderam “onde é que se aperta os botões” que produzem a felicidade nos outros e neles mesmos. Essa é uma felicidade sob condições. Você “aperta os botões” e aquilo está ali; mas, se tirar o dedo: Oh! O problema é igual de novo! E isto tem ciclos.
Não quero assustar vocês, mas a imagem mais aflitiva que tive disto foi um documentário sobre os atores que um dia tiveram sucesso em Hollywood e que agora estão esquecidos. E não só estão esquecidos, como também envelheceram. Eles fizeram um “encontro dos esquecidos”, todos vestidos dos papéis que um dia fizeram sucesso. Agora eles eram apenas caricaturas do que um dia eles foram, e estavam todos juntos. No encontro, as pessoas pagavam dez dólares e se podia tirar uma foto com eles. E, para completar, eles também estavam com problemas financeiros. Assim, eles resolveram se juntar nesse encontro porque, sozinhos, não haveria nenhuma cobertura da imprensa, ninguém os filmaria. E, juntos, algum tremor ainda eles conseguiam produzir.
Este é o reino dos deuses, eles vivem, tem um máximo de felicidade e isso tudo chega a um fim.
7. Operando nos seis reinos para obter resultados
Com isto, estou dizendo que nenhum destes seis reinos é a solução, ainda que possa parecer. Quando olhamos, vemos assim: “eu surjo por dentro do meu corpo; aí aspiro coisas que gosto e não gosto; gero o apego; produzo frutos a partir do apego; surjo como aquele que é hábil em produzir os frutos de acordo com o apego. Posso, por exemplo, usar minha raiva para produzir resultados; posso usar minha carência para obter resultados; posso usar minha inércia, meu corpo mole para obter resultados; posso usar meu planejamento para obter resultados; posso usar meu espírito de competição ou ainda minha capacidade de alegrar os outros para obter resultados.”
Claro que é preferível a capacidade de alegrar os outros, é preferível o planejamento para obter a felicidade, que corresponde ao que chamamos de “reinos superiores”. Mesmo a competição é considerada melhor do que a atitude preponderante dos reinos inferiores. A capacidade de alegrar e produzir coisas felizes para os outros, como um método, é considerado “reino superior” porque, com essa atitude, pelo menos conseguimos dar um direcionamento para a nossa vida. Se entendermos para onde nos direcionar, já temos essa capacidade.
Por exemplo, os seres humanos já têm a capacidade de se direcionar. Só que eles direcionam para o churrasco de fim de semana, para sonegar o imposto de renda, etc. Eles se articulam e vão fazendo isto. Os seres competitivos também se articulam, fazem sacrifícios e obtêm resultados. Os seres felizes, que utilizam estas conexões de felicidade, também sabem dirigir suas vidas, são inteligentes, capazes e hábeis.
Agora, nos reinos inferiores, os seres de inércia precisam de alguém que faça por eles. Enquanto tiver uma mãe ou uma esposa que faça por eles, tudo bem. Se não, eles começam a emagrecer, começam a passar mal. Pela inércia, ficamos na dependência do outro. Os seres que são carentes já têm a ideologia da dependência, que é a ideologia de que não podem nada. Estão completamente na dependência dos outros. São até capazes de comer excrementos dos outros! Eles estão num âmbito muito infeliz...
E os seres dos infernos fazem tudo errado. Eles querem melhorar, mas eles agridem a todos. São perigosíssimos. As pessoas, só em saber que há um ser dos infernos por lá, já fazem a volta e saem. Eles fazem esforços, e, pelo menos, aparecem no meio dos sonhos das pessoas. Aí as pessoas acham que tiveram um sonho horrível e fazem qualquer coisa para não ter mais aquele pesadelo! Ninguém quer a presença desses seres dos infernos, nem em sonho, muito menos em realidade! Eles são profundamente hostilizados e excluídos. Todos querem bloquear, para que não apareçam.
É muito difícil surgir alguém, um praticante, enrolado num manto, com uma bengala, andando pelo mundo, que olhe para eles e diga: “Você tem a natureza de Buda, você tem a liberdade dentro, você tem luminosidade infinita dentro, você está além de vida e morte.” Isso é muito difícil, porque quando olhamos uns aos outros nestes âmbitos, nada disto nos vêm à mente. Brotam medos, orgulhos, invejas, apegos, desejos, ações não-virtuosas de fala, brotam todos os tipos de incompreensão, mas nunca brota lucidez de vermos a natureza ilimitada, que o outro também não vê.
8. Como entramos e como saímos dos seis reinos
Estes são os seis reinos. Quando surgimos a partir da ignorância, nós surgimos nesses seis reinos, cada qual com emoções perturbadoras específicas. No reino dos seres que trabalham com a felicidade, a emoção perturbadora é o orgulho. Nos seres competitivos, é a inveja. Nos seres humanos, é o desejo e apego. Nos animais, a ignorância-moha, a inércia, o desinteresse. Para os seres famintos: carência intensa. Para os seres dos infernos: raiva, rancor, ódio, medo. Dentro do reino humano estas seis manifestações estão presentes. Então, nos vemos oscilando por dentro disto.
Nenhum destes reinos produz saída. Só há saída através da lucidez. Por mais que peguemos a sabedoria de um desses reinos e a maximizemos, pedimos apoio, fazemos aquilo crescer verdadeiramente, enfim, dentro de qualquer desses reinos, todas as idéias que os seres têm para melhorar a situação deles, não produz nada a não ser experiência cíclica. Eles não conseguem sair daquilo. É necessário que venha alguém e diga: “Ultrapasse a ignorância, veja o brilho original e não o brilho que surgiu sob condições; olhe o brilho original”.
Agora, de que adianta dizermos isto? As pessoas não vão prestar atenção! Elas precisam de um caminho gradual para chegar até o ponto onde dizemos: “Olhe agora”, então a pessoa olha e vê. Então, é necessário um caminho e esse caminho começa com a cultura de paz. Para quem chega, é necessário começar pela cultura de paz. Para quem já segue pelo caminho, a cultura de paz é seu modo natural de agir no mundo.
Quando estamos dominados pelas seis emoções perturbadoras, temos dez impulsos de ações não-virtuosas que vão produzir complicações. E nossa vida se complica verdadeiramente. É sobre isto que vamos falar amanhã. Se vocês quiserem pular o capítulo do sofrimento maior, pulem o dia de amanhã. Vamos estudar como esta ignorância, a partir das seis emoções perturbadoras, vai produzir as nossas ações no mundo, e como estas ações no mundo vão produzir os carmas, e como estes carmas, mesmo que tenhamos esquecido as ações, seguem vivos e atuando. Veremos, ainda, como podemos reconhecê-los atuando e, enfim, aprenderemos como desenraizá-los. Mas isso será explicado ao final porque precisamos primeiro entender em detalhes como tudo isto se construiu.
Enquanto estou explicando tudo isto para vocês, na verdade estou dentro de uma série de ensinamentos que estou gravando e pretendo deixar aqui, de maneira que vocês possam estudar posteriormente. Vocês podem também transcrever esses ensinamentos em forma de texto. Por isso estou falando “em caixinhas”, dentro de uma seqüência. E com estas caixinhas, com estas descrições, podemos trabalhar este nível de visão.
Depois, vamos transformar isto que é visão, em meditação. Vamos desenraizar pedacinho por pedacinho. Estes pedacinhos estão todos operando. Precisamos entrar em cada um deles e desenraizar... Nós vamos desenvolver atividades nos grupos, que já estão ocorrendo, onde vamos aprofundando as práticas de meditação e de estudo. Este é um caminho gradual, no qual, passo a passo, vamos elucidando, clareando tudo.
Texto extraído da palestra proferida pelo Lama Padma Samten, no CEBB-PE, em Recife, no mês de junho de 2005.
(Transcrito por Alessandra, revisado e editado por Floridalva Cavalcanti, em junho de 2006)