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Este é um material transcrito a partir de ensinamentos orais de Lama Padma Samten. Ele é usado exclusivamente para apoiar os estudos e práticas dentro da sanga, pedimos não reproduzir em outros sites. O material está em constante revisão e melhoria; quaisquer erros encontrados são devidos às limitações das pessoas envolvidas na transcrição e na edição, e serão corrigidos assim que possível.
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Tabela de conteúdos
- PRAJNAPARAMITA
- Contemplando Luminosidade e Liberdade
- 1. Contemplando a co-emergência
- 2. A co-emergência vista como Luminosidade
- 3. A Luminosidade vista como Liberdade
- 4. A energia de manifestação das aparências vista com Luminosidade e Liberdade
- 5. A Responsividade vista como Luminosidade e Liberdade
- 6. A Responsividade e o Princípio de Samsara
- 7. Retirando a solidez das experiências – tomando refúgio na liberdade
- 8. A Impermanência vista como Liberdade Básica
- 9. Sem mexer na experiência, apenas mantendo a lucidez
- 10. Deixando Samsara
- 11. Guru Yoga
PRAJNAPARAMITA
Contemplando Luminosidade e Liberdade
Lama Padma Samten
Diante de nossas experiências, podemos agir de quatro formas:
- por responsividade;
- por disciplina;
- através de meios hábeis;
- ou liberando a experiência.
O roteiro aqui apresentado se dedica ao treinamento da última forma de ação. É o treinamento do olhar de sabedoria, de prajna, diante das variadas situações com o objetivo da alcançar a liberação da experiência de solidez, da experiência de Samsara. Se agimos por responsividade diante da solidez, estamos tentando resolver as situações, desejamos proporcionar aquilo que gostamos e escapar daquilo que consideramos negativo. Mas justo por isso, por estarmos intensamente envolvidos com a responsividade, nós nunca desenvolvemos lucidez. Também podemos agir contendo os impulsos através da disciplina, o que nos impediria de contemplar a solidez das experiências, porque não nos permitimos vivê-las. Se, por outro lado, utilizamos antídotos, meios hábeis de transformação das aparências, manipulando a realidade, da mesma forma acabamos por não elucidar as nossas experiências de uma forma mais profunda.
Mas agora nós tomamos a experiência e não mexemos em nada. O que vai acontecer não é mais o ponto, o resultado não nos interessa. Quando surgem as situações quase sempre agimos a partir do âmbito de resolução, a capacidade de resolver é tudo o que buscamos e se não conseguimos, pedimos ajuda. Eventualmente usamos disciplina e usar disciplina é mais raro do que tentar resolver, assim como usar meios hábeis é muito mais raro do que usar disciplina. Mas usar a liberação, em lugar de todas as anteriores, é ainda mais raro.
A liberação permite que ultrapassemos vida e morte, que atravessemos o que não é possível atravessar. Pela liberação, nós saímos quando não é possível sair. Mas nós vamos perceber perfeitamente a oscilação entre a tentativa desesperada de resolver uma situação e a liberação. Porém, se entendemos a natureza daquela experiência, podemos seguir com a experiência mantendo-nos em um ambiente de liberdade. Estamos lúcidos o tempo todo!
Mas nós precisamos treinar esse olhar lúcido. Para isso, podemos seguir um roteiro de contemplação. Essa contemplação deve ser utilizada diante de qualquer experiência, e ela está descrita através de onze etapas enumeradas a seguir:
1. Contemplando a co-emergência
A princípio vemos o objeto de nossa contemplação desde a margem de samsara – denso e separado. Então recuamos um passo introduzindo o observador, e assim, começamos a atravessar para a outra margem. Nós recuamos para uma paisagem anterior à paisagem particular e desde aí, contemplamos aquele surgimento específico no reconhecimento da co-emergência de sujeito, objeto e paisagem.
2. A co-emergência vista como Luminosidade
O surgimento co-emergente de observador e objeto é visto como manifestação da luminosidade, o princípio ativo de todos os surgimentos. Nós chamamos esse surgimento de luminosidade, porque houve uma ação que produziu aquele par e não outro. Portanto, existe uma ação que produz e sustenta aquela experiência.
3. A Luminosidade vista como Liberdade
Na seqüência, recuamos um pouco mais. Percebemos que se aquela experiência foi produzida, outras também poderiam ter sido, ou seja, existe uma liberdade básica antes de qualquer surgimento. Portanto, a luminosidade é vista como a liberdade básica, nós adivinhamos a liberdade anterior a todas as construções, a liberdade que nos permite fazer escolhas. Nós temos liberdade, e ainda que se dêem as escolhas, essa liberdade segue, está sempre presente, ela nunca desaparece. Não há nenhum momento em que luminosidade e liberdade não estejam presentes.
4. A energia de manifestação das aparências vista com Luminosidade e Liberdade
Luminosidade e liberdade são vistas como energia de manifestação e ação do objeto. Nós percebemos que o objeto tem energia, e ele não só tem energia de presença como tem energia de impulso, ele impulsiona o giro dos nossos pensamentos, das nossas emoções, das nossas ações. E então, olhamos essa energia como luminosidade e liberdade básicas.
5. A Responsividade vista como Luminosidade e Liberdade
O fato de nós seguirmos as seqüências sugeridas pela energia do objeto é o princípio da responsividade. E também a responsividade, ou energia que está presente no objeto, nós a reconhecemos como manifestação de luminosidade e liberdade básicas.
6. A Responsividade e o Princípio de Samsara
A este ponto, descobrimos o princípio gerador da experiência de Samsara, o princípio que nos aprisiona: a responsividade. Se seguirmos a responsividade, ficaremos presos dentro das histórias. Portanto, a responsividade é percebida claramente como o nosso problema, como o início de Samsara.
7. Retirando a solidez das experiências – tomando refúgio na liberdade
Se mantivermos essa visão, estaremos tomando refúgio na paisagem da liberdade incessante, porque estaremos olhando todas as experiências como a manifestação desse aspecto primordial, o que corresponderia a repousar no próprio aspecto primordial! Ainda que nossas experiências sejam separativas, estaremos na paisagem primordial, a partir de onde podemos fazer qualquer coisa, a qualquer momento, porque estaremos no ambiente da liberdade e não da responsividade. O nosso controle de qualidade não será mais responder o mais rápido possível ao impulso que brotar. O nosso controle de qualidade será a capacidade de contemplar incessantemente o ambiente amplo sem perder o foco no aspecto particular. Nós não deixamos desaparecer o foco no aspecto particular para poder praticar, e tampouco, seguimos a responsividade, porque também estaríamos perdendo a oportunidade da prática.
8. A Impermanência vista como Liberdade Básica
E então, a própria experiência irá flutuar. Por exemplo, nós podemos sentir medo em um momento, e logo adiante não mais; sentir atração, e depois não mais. Ou seja, nós vemos a impermanência atuando, vemos a densidade da experiência oscilando. Os dois extremos dessa experiência seriam: perdermos o interesse no aspecto de samsara e repousarmos apenas sobre liberdade, perdendo a capacidade de ver; ou entrarmos na experiência e ficarmos responsivos, perdendo a experiência de liberdade. Mas neste momento, estamos contemplando a impermanência, que na verdade é a própria liberdade básica. Aqui, nós reconhecemos todas as impermanências como liberdade. Impermanência é o nome da liberdade básica quando estamos perdidos, confusos, quando acreditamos na substancialidade das experiências.
9. Sem mexer na experiência, apenas mantendo a lucidez
Essa liberdade incessante é o que vai produzir a liberação da solidez de todas as aparências. Quando percebemos essa liberdade, aquilo que parece sólido deixa de ser. A solidez, ainda que operativa, quando vista a partir da liberdade primordial, libera a experiência de solidez, libera o aspecto responsivo da experiência de realidade. Nós entendemos o que é a sensação de solidez e a liberamos. E liberar a experiência não significa destruí-la; nós a vemos e ao mesmo tempo estamos livres. Se nós a destruímos, não liberamos. Liberar é ver e ao mesmo tempo estar lúcido.
10. Deixando Samsara
A experiência de solidez brota da responsividade. Da luminosidade surgem os significados, as marcas mentais que passam a condicionar os surgimentos. Quando nos tornamos responsivos, deixamos de olhar a luminosidade dos surgimentos para focarmos apenas os nossos impulsos. Nós abandonamos o ambiente da liberdade e assim a responsividade passa a ser o ambiente onde vivemos. Mas quando permanecemos no ambiente da liberdade ilimitada, na paisagem da liberdade, vemos todas as manifestações também como liberdade. Nós deixamos de viver em um mundo de objetos para viver em mundo de luminosidade. Só então, poderemos reconhecer que as experiências são sólidas e ao mesmo tempo não são. A liberação da experiência de solidez produz a liberação da ignorância e do sofrimento. O sofrimento é o décimo segundo elo da roda da vida, mas quando liberamos o primeiro elo, que é a ignorância, cortamos a árvore pela raiz, e quando isso acontece, caem os onze elos subseqüentes até o décimo segundo, que é o sofrimento.
Portanto, contemplando a luminosidade, nós começamos a sair de Samsara.
11. Guru Yoga
Olhar incessantemente para a Natureza Última, para a paisagem de liberdade e luminosidade, saindo de Samsara, é Guru Yoga. Nós buscamos refúgio nos mestres que expressam essa natureza. Essa natureza é incessante, luminosa e não obstruída, é a base para todos os surgimentos. Esta base é o próprio Buda, o Guru Absoluto.