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Este é um material transcrito a partir de ensinamentos orais de Lama Padma Samten. Ele é usado exclusivamente para apoiar os estudos e práticas dentro da sanga, pedimos não reproduzir em outros sites. O material está em constante revisão e melhoria; quaisquer erros encontrados são devidos às limitações das pessoas envolvidas na transcrição e na edição, e serão corrigidos assim que possível.
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Tabela de conteúdos
- Os Oito itens da Meditação do Prajnaparamita, a Presença e o Aspecto da Identidade
- I) Apresentação
- II) Roteiro de oito pontos para meditação no prajnaparamita
- 1. Puxamos a forma como um exemplo prático a nossa frente.
- 2. Contemplamos a coemergência (inseparável de quem olha)
- 2.a. Coemergência mente-forma: isso é, isso não é, isso é. As três afirmações da validade de Maitréia, Assanga, Vassubandu.
- 2.b. Coemergência mente/ forma/ energia/ paisagem/ identidade/ causalidade/ propósito/ visão estratégia/ urgências: bolha.
- 3. Contemplamos o aspecto vazio (não tem aquilo dentro)
- 4. Percebemos o aspecto luminoso (tem aquilo dentro).
- 5. Contemplamos os aspectos vazio/ luminoso (é na forma que o vazio se manifesta)
- 6. Contemplamos a energia que se movimenta em nós (vemos o surgimento dos cinco lungs dos cinco elementos)
- 7. Contemplamos a magia disso tudo.
- 8. Sorrimos. É assim que o samsara nos pega!
- III) Prática da presença
- 1. Na prática de shamata
- Oferenda para Samantabhadra
- Natureza vajra, Buscando o ponto último
- Mandala do lótus
- Natural estabilidade
- 2. Na prática de shamata com foco na mente
- 3. Na experiência de observar um objeto
- 4. Na experiência comum desatenta
- IV) Contemplação das identidades e sua cessação
- Sabedoria primordial
- Êxtase supremo
- Intenção iluminada da deidade
- Doze Itens da Identidade
- 1. A mente como o que movimenta a energia.
- 2. Identidade surgindo do apego à sustentação da energia associada a uma inteligência e a uma paisagem.
- 3. Vou criar um roteiro de meditação nesses dois pontos que examinei até agora, complementando a meditação de oito pontos do prajnaparamita.
- 4. Vamos olhar a experiência dos objetos sob o ponto de vista de energia, como vimos no roteiro de oito itens.
- 5. Temos essa experiência que é mais sutil ainda, é a experiência de manifestarmos uma identidade livre migrando entre inteligências e energias.
- 6. “A identidade mais sutil como um apego a manifestar-se pela sustentação da energia;
- 7. Quando contemplamos longamente o ponto 6, dentro do ambiente da natureza vajra a pessoa retorna ao ponto da presença e produz a cessação.
- 8. “A vacuidade e liberdade surgidas desse modo permitem a experiência da mente livre contemplando a prisão da manifestação automática das identidades e dos mundos coemergentes.
- 9. Quando a mente livre contempla a prisão, tem um certo aspecto de oposição. Agora ela contempla as próprias identidades, ela recupera isso.
- 10. A mente livre das identidades olhando agora o Buda como uma identidade.
- 11. Há um aspecto de dissolução também, que é uma visão que surge das múltiplas inteligências e energias olhadas aqui sem avydias e apegos.
- 12. “Sabedoria primordial como Buda primordial”
- Realidade Circundante
- V) Etapas do treinamento
Os Oito itens da Meditação do Prajnaparamita, a Presença e o Aspecto da Identidade
I) Apresentação
Esse estudo será abordado em três partes: uma delas é um novo roteiro que apresentarei a vocês e as outras duas partes compreendem os roteiros que já temos trabalhado – o do prajnaparamita em oito itens e o da presença. Para podermos chegar ao roteiro novo repassarei os dois anteriores.
Os ensinamentos têm surgido com diferentes ênfases, o roteiro dos 21 itens vem sendo configurado a partir do próprio foco geral que a sanga confere a ele. Houve um tempo em que falei bastante sobre motivação, ainda que se tenha um roteiro de 21 itens, olhamos especificamente o ponto da motivação. Em outro momento falamos de metabavana, dos quadros de 240 e 200 itens, transformando o nosso enfoque no cotidiano. Tenho feito esse processo, enquanto viajo por vários lugares ofereço um foco por um tempo e coletivameInte a sanga toda amadurece. É muito bonito porque ainda que eu não esteja olhando para “um”, eu falo sobre determinado ponto, aquilo vai amadurecendo na mente das pessoas e termina se transformando em domínio público, todos adquirem a mesma linguagem. As pessoas conversam naturalmente segundo aquela linguagem.
Estamos nessa etapa com o prajnaparamita, é uma linguagem normal na sanga. Entendemos mais ou menos coemergência, que é uma parte complexa, o prajnaparamita é muito extenso, trata essencialmente de tudo. A gente olha por um lado, olha por outro; olha por baixo e por cima, aos poucos chegamos ao ponto. Os ensinamentos já foram falados várias vezes, mas acredito que coletivamente ainda não temos o domínio desses oito pontos. Não estou olhando para um e para outro, porque às vezes a pessoa tem a sensação de que está com aquilo presente, mas, na verdade, está presente em um momento, em um determinado enfoque, em outro enfoque não está.
Os oito pontos do prajnaparamita vêm para fazer parte da nossa vida, mas para fazer parte, efetivamente, é preciso trombar com vários lados. Quando nos assenhoramos do processo, ainda não faz parte, só fará parte da vida depois de haver surtos de coisas que trombamos, esse é o processo de samapathi. Por exemplo, podemos ter a visão, mas essa visão é como se fosse algo que eu acesso, mas não possuo. Eu acesso, olho, fotografo e concluo “sim, é isso”, depois eu saio. Eu nem deveria sair, mas quando saio, eventualmente, não sei como retornar. Quando preciso voltar aquilo não volta. Esse processo de maturidade precisa da etapa de samapathi. Por essa razão vocês vão me ver com o comportamento de não cobrar disciplina, eu ajudo a pessoa a voltar ao ponto, ela tromba aqui, tromba ali e desarma aquilo. Tromba, tromba, tromba e volta. Não tem como entrar em samapathi por disciplina, samapathi é o próprio atropelamento pelo samsara, a pessoa vai avançar porque foi atropelada. Não conheço outro meio.
Samapathii precisa existir. Depois de entendermos as coisas levamos um tempo para realmente termos aquilo. É necessário esses vários surgimentos perturbados que terminamos nos defrontando. Às vezes não é nem o lama quem vai explicar as coisas, é um colega da sanga que fala para o outro. Mas tudo isso é Guru Rinpoche, na verdade é a sabedoria que surge aqui e ali e coletivamente vai avançando. Quando conseguimos avançar coletivamente começamos a nos estruturar de fato, a pessoa tromba aqui, tromba ali e sempre haverá alguém para explicar e ajudar a se reequilibrar. A sanga é o Buda.
Temos esse método que é um pouco caótico, mas por ele ser caótico anda rápido. Se tivéssemos, por exemplo, um processo de disciplina muito estrito, teríamos menos oportunidades de nos batermos contra as coisas. Já que temos esse processo do samsara, o samsara está aí, nós aproveitamos. Se não houvesse o samsara, se estivesse tudo muito estruturado, seria prática iogue. A pessoa sai do mosteiro, sai do templo e vai para o meio da floresta. Temos a prática iogue do mundo, somos “iogues do cotidiano”, aproveitamos a confusão para seguir. Vamos amadurecendo os diferentes pedaços como iogues do cotidiano, nos batemos e aquilo vai andando. Por exemplo, entendemos que a motivação apropriada é muito melhor. Vemos que metabavana realmente funciona, não porque esteja tudo bem, mas porque trombamos com uma pessoa e com outra e vamos arrumando. Descobrimos que os quadros de 200 e 240 itens são muitos úteis e necessários, podemos nos desconstruir e nos construir de um jeito diferente e as relações melhoram. No mínimo, se não conseguimos fazer de forma exata, o nosso diagnóstico melhora, dizemos: “Estou nos infernos, por isso estou causando problemas.” “Estou operando com tais emoções perturbadoras.” “Tenho tais impulsos.” Em certa medida é o prajnaparamita, a pessoa está vendo de modo coemergente. Assim, vamos amadurecendo, entramos no prajnaparamita mesmo, estamos lendo diariamente nos vários lugares, essa é a nossa prática, é o nosso puja. Acredito que é uma grande vantagem.
Se olharmos para o caminho do ouvinte, o prajnaparamita pode nos ajudar, é como se estivesse por trás da possibilidade que se desenha o tempo todo de vivermos as coisas de forma diferente. Podemos fazer diferente porque as coisas não são sólidas nem nós somos sólidos, tem uma possibilidade de mudança. O fato do ensinamento do Buda que vem do caminho do ouvinte ter essa possibilidade de mudança, mesmo o fato de existir uma disciplina a ser cumprida - e nós podemos cumprir, podemos abondonar um tipo de coisa e fazer outra - isso significa que as coisas não são sólidas, se fossem sólidas não conseguiríamos fazer essa transição.
Na verdade, estamos trabalhando desde o início com a possibilidade da natureza livre, abandonamos um tipo de coisa e fazemos outra. Trabalhamos desde o caminho do ouvinte com a noção de que existe uma lucidez. O Buda tem uma lucidez, podemos acessá-la, sair de uma visão confusa para uma visão lúcida. Essa transição se dá porque tem uma natureza livre. Quando falamos em disciplina parece que vamos chegar em algo por esforço, mas prefiro olhar a disciplina como um ensinamento que imagina que eu possa mudar de uma ilusão para um comportamento lúcido, essa mudança se dá porque as coisas não são sólidas como parecem, se fossem sólidas e causais não haveria mudança possível, criaríamos uma artificialidade. Não é o caso. Vamos criar algo lúcido e verdadeiro, vamos acessar algo real.
Quando olhamos a noção do prajnaparamita somos apresentados diretamente para a coemergência. Esse aspecto é interessante, se seguirmos dentro do caminho do ouvinte, encontraremos os ensinamentos sobre a dissolução da identidade. Está lá a vacuidade da identidade bem detalhada e estudada. As pessoas que pertencem ao caminho do ouvinte dirão que existe o vazio do eu dentro do caminho do ouvinte. O Buda enfatiza a compreensão da ausência de um eu - anatha, sunyatha - são ensinamentos do caminho do ouvinte mesmo, literatura páli sobre sunyatha, que aparentemente é algo que só existe no caminho Mahayana. Mas quando estudamos o caminho Mahayana, surge a vacuidade do outro, a vacuidade das coisas a frente de nós. Esse é um ponto importante que vamos enfatizar, surge a noção de coemergência.
A noção do vazio do outro e coemergência a partir do prajnaparamita inseja um tipo de prática que é atravessar a ilusão com a ilusão defronte a nós. Essa prática dentro da abordagem de Mahasandhi, que é Dzogchen, é chamada “andar através” ou treckchod. Eu ando por dentro. Os obstáculos se apresentam, eu não contorno, não dissolvo, não luto contra, não faço nenhuma mágica; não pulo por cima, eu atravesso pelo meio, que significa tomar o obstáculo como prática. Quando olhamos a roda da vida como caminho de liberação isso é treckchod. Vamos olhar o próprio monstro e atravessar por dentro porque ele não tem a solidez que parece ter. Se eu contorno, tenho medo dele; se dissolvo, estou lutando contra, dou solidez também. Vamos tomar o próprio obstáculo como instrumento de lucidez, porque se o obstáculo é ilusório, é samsara, olhando bem dentro ele vai se revelar como é. Portanto, se é ilusório perde a força.
O prajnaparamita utiliza esse processo, especialmente os oito itens são para isso, significa que estudamos o prajnaparamita, olhamos a vacuidade das várias coisas, linha a linha, vamos até o fim. Depois retornamos, pegamos um exemplo na frente e avançamos por dentro, vamos trabalhar a partir dos exemplos. Esse é o processo dos oito itens que está dentro do prajnaparamita.
Essa parte é o que tenho enfatizado, é muito importante entrarmos nisso. Tenho pedido para as várias pessoas que fazem retiro de uma semana, um mês, três meses, seis meses, três anos que olhem esse ponto. Vamos amadurecer coletivamente. Ao mesmo tempo, estamos olhando a prática da presença e agora vou introduzir o tema da identidade, também aspiro que se transcenda coletivamente, que seja gerada uma linguagem na sanga e consigamos atravessar esses pontos. Esses três pontos são o cerne. Tenho a sensação de que depois desse terceiro item, que é o da identidade, talvez não precise explicar mais nada, não tem nenhum roteiro. Às vezes eu me engano, olho para os roteiros e penso: “esse é o último”, aí eu vejo as dificuldades que ainda surgem. Mas acredito que esse ponto da identidade, se olharmos direitinho, vai levar a cessação da identidade ou mais que isso, leva a cessação da busca de uma identidade.
A identidade atual levará a cessação da busca de uma identidade. Nesse momento é como se soubéssemos operar apenas a partir das identidades, mesmo que já tenham sido olhadas as cinco sabedorias, temos o que poderíamos chamar de uma doença reincidente, vamos andando e em seguida a doença ataca de novo. Essa doença da identidade é um problema, como todas as doenças nessa etapa, mas é uma doença perigosa porque tem o poder de atacar o praticante também, transformar o praticante em uma identidade. O praticante que, enfim, é alguma coisa. Mesmo que se estude o prajnaparamita, se não tomarmos cuidado, tudo aquilo que avançamos por dentro do ensinamento terminamos passando um círculo em volta e chamando de um “eu”, de novo. Isso brota como se fosse vivo e produz uma identidade vajra que pode gerar naturalmente inferno vajra e não temos muito bem uma clareza de como ultrapassamos. Essa é uma parte importante.
Então, queria repassar esses pontos, vou começar pelos oito pontos do prajnaparamita, depois os vários modos de repousar na presença e quando estiver claro para nós, vamos olhar o prajnaparamita na relação com a identidade. Como já introduzi identidade parece que não vai ter nada mais, mas tem. Olhamos nos oito itens a coemergência da identidade, ainda assim tem um “buracão” abaixo.
II) Roteiro de oito pontos para meditação no prajnaparamita
1. Puxamos a forma como um exemplo prático a nossa frente.
Essa prática começa tomando um exemplo prático à frente. Vocês se imaginem como iogues do cotidiano, essa não é uma prática que podemos fazer por uma semana, um dia, ou entender ponto a ponto e dizer “How, é isso!”. Seria insuficiente, vamos precisar fazer realmente a prática. Se não fizermos, tudo bem, vamos trombar aqui ou ali, trombando e se dando mal, terminamos encontrando os ensinamentos. Mas isso começa a ficar muito longo, um processo muito demorado. Se nos defrontamos com os obstáculos no meio da nossa prática formal, andamos mais rápido quando encontrarmos os obstáculos verdadeiros. Essa prática formal já é uma prática iogue porque estou olhando coisas à frente que fazem parte da minha própria experiência, não estou criando coisas.
Vocês podem puxar um filho, uma namorada, a outra namorada, a sogra, o trabalho, o carro, a bicicleta, a bola, o que vocês quiserem, o templo, qualquer coisa. Puxa o que quiser, sejam pessoas ou animais, céu, cosmos, seja o que for. Puxamos a forma como um exemplo prático a nossa frente.
2. Contemplamos a coemergência (inseparável de quem olha)
2.a. Coemergência mente-forma: isso é, isso não é, isso é. As três afirmações da validade de Maitréia, Assanga, Vassubandu.
Imediatamente vemos a coemergência entre a forma e a mente. Estamos palmilhando coisas, olhando sob o ponto de vista de mente. Agora olhamos a mente associada à forma. Ou seja, tenho uma categoria discriminativa que produz aquilo dentro de uma perspectiva, vejo que o conteúdo que está por trás dos meus olhos produz a aparência do que está na frente, de modo inseparável, surge no mesmo fenômeno. Por exemplo, essa imagem de Guru Rinpoche, eu posso olhar Guru Rinpoche ali ou na minha mente. Não tenho como distinguir. Posso dizer: “Guru Rinpoche não está ali, com certeza, ele está na minha mente, porque é um metal”. Por outro lado, posso dizer: “Não é da minha mente. Porque tem o metal com formato desse modo é que surge Guru Rinpoche na minha mente”, mas eu não altero o fenômeno, continuo olhando, é o mesmo fenômeno. O mesmo fenômeno eu explico como Guru Rinpoche ali e como Guru Rinpoche aqui dentro. Se digo que está no metal, alguém pode não ver Guru Rinpoche atrás. Então, deve ser só da mente, mas na mente têm muitas coisas, eu olho e vejo Guru Rinpoche, poderia ver outra coisa. Não consigo resolver, isso é coemergência, os fenômenos coemergem.
O aspecto importante da coemergência é que introduz, como parte de tudo que estamos lidando, o conteúdo que eu tenho atrás dos olhos. De modo geral, ainda que seja um fenômeno que sempre acontece, não temos propriamente uma linguagem para descrever isso, mas estamos introduzindo essa linguagem.
Curiosamente, uma descrição muito parecida é dada por Neils Bohr quando ele trata da física quântica. Ele diz que se eu não considerar o conteúdo atrás dos olhos como parte integrante daquilo que observo, eventualmente, o que estou observando pode mudar sem eu entender por que. Tem uma variável atrás dos olhos que não estou observando, se a variável muda, mudam as coisas diante de mim. Logo, se eu não quiser uma coisa ambígua, tenho que descrever não só o que vejo à frente, mas o que eu tenho atrás quando eu vejo o que vejo à frente. Ainda que isso seja uma posição serena, sem nenhuma tensão, nada religioso, tem uma importância filosófica muito grande, porque existe toda uma visão filosófica e política baseada na noção de que as coisas diante de nós são objetivas, externas.
Puxamos a forma como um exemplo prático a nossa frente, contemplamos a coemergência “inseparável de quem olha”, estou usando uma linguagem em que existem pessoas, mas seria “inseparável do conteúdo da mente”, do conteúdo que está atrás dos olhos. Conseguimos ver a coermergência da mente com a forma. Durante um bom tempo trabalhamos isso. É antigo, faz dez anos ou mais que a sanga fala sobre isso. Teve um tempo longo que a sanga olhou a vacuidade da forma. Dentro do Zen, especialmente, nós olhamos para as coisas com má vontade. As pessoas dizem “Isso não é mesa, isso não é celular, isso não é cadeira, isso não é sapato, não é roupa, não é óculos, não é relógio”. Tu vais provando que aquilo não é, não é, não é. Todo mundo vai ficando com uma cara horrível...
Olhamos coemergência em nível de mente - dentro desse roteiro de oito pontos é o 2.a - cada coisa que eu olho, a mente vê. Dessa forma, surge esse prajnaparmita que está ligado à luminosidade, que vai nos ajudar, mas esse prajnaparamita vê o aspecto mente. Nós olhamos tudo em mente, mas descobrimos que tem um furo por baixo ainda que é o aspecto de energia, a mente opera associada à paisagem e energia. Nosso código de operação não é mente, é energia. Vamos converter a linguagem e essa conversão é bem interessante, bem importante que seja feita porque quando convertemos da linguagem formal, discursiva, mental para a linguagem de energia vamos ver os outros seres operando, todos falando a mesma linguagem. Todos os seres falam a linguagem da energia.
Estamos olhando essas várias abordagens do prajnaparamita, olhamos o aspecto luminoso da realidade. Quando olhamos o aspecto luminoso ainda estamos dentro do prajnaparamita, mas precisamos passar para o aspecto treckchod do prajnaparamita, olhar aquilo diante de nós, isso é Vajrasattva. O obstáculo diante de nós é o caminho para a liberação do próprio obstáculo diante de nós. Não precisamos mudar nada pra lá, nada pra cá, só precisamos olhar diretamente. É samapathi. Vamos utilizar as aparências como caminho, do jeito que elas vierem, não tem escolha dessas aparências. Precisamos penetrar nas aparências, caso contrário são elas que vêm até nós e nos pegam em contrapé. Temos que olhar as aparências extensamente. Se tivermos tempo de fazer retiro, ótimo.
Estamos com essa perspectiva do prajnaparamita, treckchod. É o prajnaparamita de Vajrasattva, ou seja, aquilo que está na nossa frente é o nosso caminho. Essa é uma postura diferente do caminho do ouvinte, em que o Buda diz: “Ainda que a lucidez e a
natureza de Buda seja indestrutível, vocês evitem os elefantes furiosos, as cobras venenosas, os animais pestilentos, etc. Vajrasattva vai dizer: “Quando vierem os elefantes furiosos, aquilo é o seu caminho; quando vierem as cobras, os animais pestilentos, aquilo é o seu caminho.” Isso é prática iogue, é samapathi, ele está exposto.Temos essa primeira abordagem muito importante. Não vou convidar vocês a se exporem a animais furiosos, nada disso, mas inevitavelmente eles aparecem. Vamos lidando assim, têm inquilinos que não pagam, credores variados, vamos transformando em prática e de repente tudo flui. Não sabemos se o melhor é quando flui ou quando tem problema porque para a prática quando tem problema, de modo geral, é melhor.
Esses oito itens que estou descrevendo, isso é samapathi. No primeiro deles nós elegemos o objeto; o segundo ponto é a coemergência, a nossa mente olhando o objeto. Vamos supor que vocês tenham uma doença, vocês tomem isso. Como é a coemergência da doença com a mente? Poderíamos dizer “A minha mente gerou doença”. Essa é uma forma, mas a maneira mais sofisticada é vocês pensarem que a própria noção de doença pertence a uma configuração da mente, e pode ser que essa visão de doença não seja a melhor. Se vocês trocarem a configuração da mente, trocarem o próprio diagnóstico, a visão, como alguém que sai da medicina alopática, por exemplo, para a medicina chinesa, a pessoa vai olhar sob outro ponto, isso é outra mente.
Uma pessoa que esteja com uma desordem psiquiátrica tem um diagnóstico, se ela vai encontrar um outro terapeuta, é melhor esquecer o diagnóstico anterior. O diagnóstico é uma posição coemergente da mente. Tenho uma base de possibilidades. Se a pessoa está tratando o outro há cinco anos e não mudou, é provável que não seja aquele diagnóstico. Vem outra pessoa e diz “Não é isso. É uma outra coisa”. Por exemplo, na visão ortomolecular a pessoa não tem uma desordem mental, ela está contaminada por mercúrio, algo assim, é outro panorama completamente diferente. A pessoa está tratando aquilo que tem um sintoma parecido com determinado diagnóstico, tem uma posição da mente. É necessário vermos a própria doença como uma visão da mente, tem um panorama da mente que olha e produz a visão, e para gerarmos um meio hábil adequado é melhor que a visão seja a mais adequada. Às vezes surge o que é chamado complementaridade, eu não consigo nem disntinguir sobre uma visão completamente nem sobre outra visão. Uso duas ou três visões, eu não sei bem o que resolve, mas resolve.
Estamos olhando o obstáculo junto com a mente, aquilo que parece sólido. Vocês têm um filho com diagnóstico de dificuldade de aprendizagem, por exemplo, pode ser que não seja dificuldade de aprendizagem, pode ser que seja mal humor da professora, uma escola ruim, pode ser muita coisa. É melhor não nos prendermos ao diagnóstico.
2.b. Coemergência mente/ forma/ energia/ paisagem/ identidade/ causalidade/ propósito/ visão estratégia/ urgências: bolha.
Esse é o aspecto da mente, logo, essa prática de coemergência com a mente é longa. Quando trabalhamos longamente esse aspecto da mente, a seguir vem o 2b: eu olho a forma e olho a mente, mas olho a energia. Vejo, por exemplo, aquele amigo que foi diagnosticado como esquizofrênico, quando digo “esquizofrênico”, essa expressão tem um valor de energia dentro de mim, me indica alguma coisa, me empurra em uma certa direção. Não é simplesmente técnico, quando eu olho para meu amigo tem uma energia que se move de um certo modo. É importante entendermos que faz parte do processo, eu construo. Isso significa que quando vejo que construo com a mente o esquizofrênico, vejo que construo com a energia, assim, eu entendo que posso construir com a mente uma outra coisa; percebo também que posso colocar uma outra componente de energia. O que eu vejo, são coisas que estão atuando, mas tenho a liberdade de mover.
Estamos estudando isso porque são fatores que atuam e eu nem vejo. Para mim é muito simples: fulano é esquizofrênico. Mas o fato de que o fulano é esquizofrênico tem uma liberdade, posso olhar de forma criativa aquela esquizofrenia, como Vajrasattva, como o caminho do outro. É muito útil. Essa é a forma pela qual ele está manifestando aquilo. A mente não enlouquece, é a personagem dele que ficou esquizofrênica. É interessante, vamos ver como ele observa e ultrapassa isso. Entendemos perfeitamente por que a pessoa está tomando remédios, tentando suprimir sintomas, entendemos como essas coisas todas funcionam.
Estamos olhando a forma junto com a coemergência associada à mente e a coemergência associada à energia, inseparável. Olhamos alguém brigado conosco, alguém que nos desafiou, fez coisas equivocadas, do nosso ponto de vista. Vemos que é o nosso ponto de vista porque é a coemergência com a mente. Vejo que foi a minha energia que se perturbou. Mas penso “não é a minha energia que está perturbada, frente a uma pessoa como ela a energia que eu tenho que ter é essa”, vejo como a energia se move. É crucial colocar a energia, senão eu digo que o outro se comportou mal, portanto eu não tenho o que fazer. Fico tomado por isso, porque afinal o outro fez aquilo. “Como que eu não vou ficar tomado? Sou uma barata? Sou um rato? Sou um ser humano. Ele fez isso, portanto eu vou agir.” É como se tomássemos a energia como algo fixo, causal, e não é. Por outro lado, contemplando a energia, vemos que podemos atribuir a energia que quisermos ao que for. Se a pessoa se comportou mal, posso colocar a energia de compaixão e amor, ajudando a pessoa a sair daquilo. Não é apenas mente, eu posso introduzir a energia, logo, posso utilizar algo mais atrás para mover energia e mente. Isso vai nos remeter a noção de presença, que por enquanto eu não estou introduzindo, estou vendo apenas coemergência. Vou introduzir nesse viés, ou seja, tem algo atrás presente, livre, que me permite colocar energia e mente. Mas nesse momento não estou colocando essa ênfase, porque isso é tão complicado que eu tenho que cruzar milímetro por milímetro.
Atravessamos, temos agora a forma, a coemergência com a mente, a coemergência com a energia. Mais sutil ainda é a coemergência com a paisagem. Vemos que tem um contexto na nossa mente, a pessoa disse alguma coisa para nós, nos feriu, pareceu violenta, porque tem um contexto operando na nossa mente; tem um conjunto de referenciais mentais e emocionais obscuros, escondidos, tem um movimento que estamos fazendo, uma bolha que se manifesta como uma paisagem de referenciais que operamos. O movimento do outro ganha sentido dentro da bolha, eu não a vejo, só vejo a energia que se armou, vejo o significado que dei. Cem por cento das loucuras estão dentro disso.
Se tivermos dúvidas sobre a paisagem, lembramos: reino dos infernos, seres carentes, famintos, etc. Seis reinos, no mínimo. Mas os seis reinos são uma simplificação, os reinos são múltiplos, variados. Não basta estudarmos os seis reinos, é necessário penetrar nos detalhes. Isso é Chenrezig, sabedoria do espelho, significa penetrar e ver o que está operando como algo sólido dentro daquele mundo. Dentro disso temos vários meios hábeis, vários meios de trabalhar: ação irada, ação enriquecedora, ação pacificadora, ação de poder.
Olhamos esse aspecto dos oito itens, coisas que brotam dentro de nós e dizemos “eu”. Diante de tudo o que brota de uma forma natural, por dentro, temos uma sensação de identidade. Quando olhamos um objeto e dizemos: “Ah, que bonito! Eu sempre quis ter um objeto como esse”, a pessoa localizou uma energia, pelo fato de que apareceu algumas vezes ela diz que aquilo é ela. Porque brota vivo dentro de nós, dizemos “eu”, mas brota vivo porque está associado a uma paisagem, a um referencial, à mente e ao movimento. Chegamos em casa, olhamos para o objeto, podemos estar em uma outra paisagem e o que nos despertava interesse não interessa mais. Tem uma sensação muito clara de eu que também é ilusória, nos pega e está junto com o objeto.
Cada objeto que olhamos tem um eu junto. Se vocês tiverem dúvida, peguem o emblema do time adversário. Se pegar o emblema do próprio time está pacificado. Mas por que é perturbador pegar o emblema do outro time? Nos incomodamos, vemos que tem um eu. Uma pessoa do lado olha de outro modo, se constrói de outro modo e nós também nos construímos, o adversário mesmo se constrói de forma harmônica. Nós temos sensações, olhamos para as pessoas e dizemos:” Não gosto dele”. Ele é o problema, surge algo por um referencial. Não somos esse referencial, mas por que brota por dentro, oculto, não estamos dispostos a mexer. Tudo o que brota por dentro não estamos dispostos a mexer, por isso dizemos “eu”.
Estamos com “forma”, temos a mente, energia, paisagem, identidade, tudo isso operando junto. Temos que fazer essa prática, apenas observar a coemergência já é uma superprática! Dos oito pontos, dois estão feitos, os demais são um aprofundamento disso.
3. Contemplamos o aspecto vazio (não tem aquilo dentro)
Para podermos ver melhor, damos uma “mexidinha” pra lá, uma “mexidinha” pra cá, contemplamos o aspecto vazio: não tem aquilo dentro. Estou olhando a forma. Vejo um inimigo, eu não tenho o inimigo dentro do inimigo, é vazio, coermergente, por isso não tem aquilo dentro, surge sob causas e condições.
4. Percebemos o aspecto luminoso (tem aquilo dentro).
É o aspecto luminoso. Eu olho e “tem aquilo dentro”, mas quando digo “tem aquilo dentro”, tem aquilo dentro e ao mesmo tempo não tem.
5. Contemplamos os aspectos vazio/ luminoso (é na forma que o vazio se manifesta)
É justamente a união dos dois anteriores. Quando eu contemplo o aspecto vazio e luminoso “não tem” e ao mesmo tempo “tem”. Porque eu vejo assim “tem”, mas se eu analisar “não tem”. Assim, eu digo tem e não tem, é o aspecto vazio e luminoso ao mesmo tempo. Vejo que é na forma que o vazio se manifesta, na sensação de que tem aquilo é que eu encontro a existência, porque é forma. Mas como é construído, digo que vem do vazio e se manifesta como forma.
Essas formas todas são vazias, passamos a contemplar o vazio na aparência e não na ausência da forma. Isso é essencial para poder praticar Vajrasattva, porque quando não estamos praticando Vajrasattva o vazio seria a dissolução. Agora estamos aprendendo a olhar o vazio de Vajrasattva. Aquilo aparece por isso é vazio, é dentro da aparência que vejo o vazio e não na ausência dela.
Descrever isso é interessante, mas é importante praticar, precisamos agora gerar uma propriedade da sanga, uma maturidade. Precisamos repetir, dar cursos, fazer as práticas.
6. Contemplamos a energia que se movimenta em nós (vemos o surgimento dos cinco lungs dos cinco elementos)
“Contemplamos a energia”. Aqui introduzi “através dos cinco lungs”, fica ainda mais claro se dividirmos pelos cinco lungs. Imaginem a seguinte situação. Vocês estão calmos, vem alguém e diz: “Fulano chegou”. Aquela pessoa em coemergência com a mente, a paisagem, a bolha; tem energia, surge a nossa identidade, tudo se crispa, parece que é manifestação do outro. Quando olhamos esse crispamento vamos ver o elemento éter - o olho brilha; o segundo aspecto é o elemento ar - nós respiramos; elemento fogo - calor; elemento água - mobilidade; elemento terra - força. “Manda ele entrar!” O lung está pronto.
7. Contemplamos a magia disso tudo.
Trabalhamos a magia, voltamos para o 2b, a partir disso tudo surge a forma, mente, energia, paisagem, identidade, surge girando como se fosse real. Estamos olhando a causalidade decorrente, vemos como as coisas brotam, o outro aparece de um certo jeito e a nossa ação tem uma causalidade natural, que pode ser um problema. Ou não. Mas pode ser um problema.
8. Sorrimos. É assim que o samsara nos pega!
Vemos tudo surgir e sorrimos. Dizemos: “é assim que o samsara nos pega”, é a natureza vajra das coisas. A isso chamamos de Oferenda de Samantabhadra. Samantabhadra emana Vajrasattva. Aproveitamos essa sabedoria de olhar as coisas como elas são, que é Vajrasattvava, e observamos que temos uma liberdade atrás que nos permite construir as aparências ilusórias, nos permite operar como se fosse completamente real e ter uma sensação de causalidade, de identidade sólida. Vamos entender isso tudo e dar uma risadinha, isso é Oferenda de Samantabhadra. Damos uma risadinha porque é o melhor que podemos fazer... Vamos sorrir, porque poderíamos ter entrado nisso. Agora estamos olhando sem entrar propriamente. Com isso, vem essa expressão: diante da energia que brota da forma vazia e luminosa eu dou uma risadinha... Passamos por pouco, o outro na frente pergunta: “Está rindo do que?” “Nada. Só que eu pensei em matar você e resolvi não matar, é por isso que eu estou rindo” (risos).
III) Prática da presença
Nosso programa é os oito pontos da meditação do prajnaparamita, a presença e o aspecto da identidade. Estamos migrando em direção ao aspecto da identidade, estou repassando isso porque precisamos passar pelas várias etapas. Uma etapa deixa uma paisagem, estabelece uma base que permite que a outra etapa seja mais facilmente vista. Para podermos fazer a prática da presença pensamos: “a mente é que vai fazer isso”, mas a mente precisa da paisagem, essa paisagem vem do reconhecimento da natureza vajra. Vamos começar nesse ponto, isso é que vai fazer diferença, é como se já estivéssemos na mandala para poder fazer isso.
Vou descrever novamente a primeira parte, que é a prática da presença a partir de shamata. Veremos também a prática da presença a partir do foco na mente, em que os pensamentos vêm e vão, a pessoa não tem a habilidade do nível anterior. Depois, através da experiência comum de observar um objeto. E a seguir, na experiência comum desatenta. Veremos como em todos esses casos a presença pode ser localizada.
1. Na prática de shamata
Oferenda para Samantabhadra
Estudamos a meditação no roteiro dos oito pontos do prajnaparamita, com isso, vamos fazer oferenda para Samantabhadra. Essa oferenda já é a abertura da mandala que vai nos permitir repousar na natureza da mandala de Samantabhadra. Por enquanto estamos fazendo oferenda de Samantabhadra, que é parecido. É parecido, mas é diferente, é prajnaparamita mesmo. Como podemos ver isso? Começamos o prajnaparamita em algo ilusório, fazemos o movimento até reconhecer que aquilo vem de uma natureza livre. Pegamos um outro objeto ou situação, fazemos o movimento e atravessamos. O prajnaparamita é o barco que atravessa de uma margem a outra. Atravessamos reconhecendo a coemergência do surgimento, vemos que existe uma liberdade de produzir na mente. Vemos que não tem aquilo dentro, depois “tem aquilo dentro”, é vazio, mas é um vazio luminoso, tem uma ação de produção que se dá em algo anterior, mais básico. Estamos olhando esse aspecto básico. No meio disso vamos localizar também a lucidez operando, porque eu vejo que tem o aspecto mais básico, tem alguma lucidez operando ali dentro, é a própria Samantabhadra no espaço livre da mente olhando para as coisas no seu surgimento. Apenas será possível ver o surgimento das coisas se estivermos em um lugar livre, vemos que não tinha e agora tem.Temos uma dimensão lúcida fora desse surgimento que observa a mente, a energia, a identidade, a paisagem, observa tudo isso surgindo. Estamos fazendo a prática da sabedoria primordial, que é sentar muito atrás, no espaço livre e ver aquilo aparecendo.
Essa prática é de grande importância, oferenda de Samantabhadra é a prática de Vajrasattva. Em uma imagem Vajrasattva é a emanação de Samantabhadra. É a sabedoria que me permite olhar para o obstáculo, não retirá-lo, não amortecer, não aumentar nem diminuir, mas tomar o obstáculo com a cara que ele tem, com a operacionalidade que tem e transformar em lucidez, oferecer para Samantabhadra. Isso é a oferenda.
Ainda assim, se tiver o que oferecer, Samantabhadra a receber e alguém oferecendo, vocês já sabem que não é! Esse é um oferecimento particular, não tem nada para oferecer, porque quando tu ofereces é vazio. O reconhecimento de que é vazio já é o oferecimento. Samantabhadra não recebe, não dá recibo; a mente que oferece não consegue dizer “eu isso ou eu aquilo”, porque ela não está operando com nenhum dos skandas, com nenhum dos 12 Elos. Ela não tem vedanas, não gosta de alguma coisa ou deixa de gostar, ela está olhando livre, é uma operação da mente livre. A mente não está com uma tendência cármica atrás povoando os seus referenciais e a partir disso tem uma imagem de que aquilo é um cubo de um jeito ou de outro jeito, por exemplo. Não é isso. Ela está vendo como aquela gênese se dá e como cessa.
Natureza vajra, Buscando o ponto último
Dentro da prática dos oito itens vemos o surgimento da mente operando, vemos a forma, energia, paisagem, identidade, enfim, vemos a bolha espelhada vindo do reconhecimento disso. Se vocês quiserem olhar a natureza vajra podem olhar o tema da mandala última que é o “Buscando o ponto último”. Praticamos extensamente os oito pontos, depois podemos fazer essa passagem para a mandala. Por que olhamos extensamente em todas as direções, podemos simplificar e dizer: “Abra os olhos devagar e veja a realidade vajra inteira diante de você”, o que está diante de você é realidade vajra. Não estamos nem analisando mais, já olhamos ponto por ponto, agora quando olhamos o
que está diante dos olhos vemos a coemergência surgindo e mostrando as coisas. Podemos olhar e transformar as coisas que brotam desse modo. Vamos ver a realidade plástica, coemergente.
A realidade vajra está aí, mas tem uma sutil alteração de qualidade. Quando estamos fazendo a prática do prajnaparamita temos “Abra os olhos e veja samsara inteiro diante de você”. Você gosta ou não das coisas, elas são prá cá ou prá lá, surgiram disso ou daquilo, foram feitas assim ou assado. Esse é o samsara. “Atenção, foque a porta”, temos aqui a forma. Veja um por um dos itens, é a mente olhando como porta, veja a energia de porta, você vai lá e abre. A seguir começa a olhar todas as coisas, você analisa e vê que tem uma paisagem dentro que lhe permite olhar com apego, tem uma identidade sustentando, você se construiu ali dentro. Olhou aquilo tudo, olhou para a porta e a porta ficou vajra. Apenas a porta ficou vajra, “Atenção, abra os olhos devagar e veja samsara ao seu redor e uma porta vajra...”. Essa é a prática do prajnaparamita. Seguimos olhando, a outra porta também é vajra, vamos olhando, olhando, olhando, de repente vamos dizer: “Abra os olhos devagar e veja a natureza vajra diante de você”, samsara é natureza vajra. Procure alguma coisa que não seja natureza vajra. Não tem. Essa é a prática, vamos completar isso: “Abra os olhos devagar e veja a natureza vajra inteira diante de você”.
“Nada a ser sustentado”. Se eu estiver trabalhando com samsara tenho que sustentar. “Essa é a porta do templo do CEBB Darmata”, é bom avisar para os cupins porque eles podem ter ideias diferentes. Estamos lutando o tempo todo para manter as coisas de um determinado modo, se vier um cachorro ou um gato eles podem ter outras ideias, é preciso reafirmar aquilo. Por quê? Porque a porta é vajra, portanto ela pode ser qualquer coisa. Os seres olham e usam de um certo jeito, forçamos ela a ser a nossa porta, a porta do CEBB. Ficamos lutando, logo, quando eu crio algo no samsara crio a impermanência junto e a necessidade de um controlador cuidando daquilo incessantemente.
Quando criamos as coisas de uma certa maneira temos uma energia associada, surge o controlador que é a identidade. Os objetos nos possuem, é essencialmente isso. Mas aqui não, “nada a ser sustentado”, pelo fato de que as coisas têm uma natureza vajra, não preciso sustentá-las, não sustento nada, qualquer que seja a forma samsara que eu dê, não preciso sustentar a natureza vajra daquilo, está lá. “Apenas veja, suavemente.” Se as pessoas disserem “Isso não é uma porta, é uma outra coisa”, diremos: “Está bem”, se aquilo for uma porta ou qualquer coisa que a pessoa queira chamar, natureza vajra fica intacta, não é mexida por isso.
Quando você perder a lucidez, quando não for capaz de reconhecer mais nada, a porta se perde, as coisas se perdem, a natureza vajra daquilo não se perde. Mesmo quando estamos perdidos, confusos, enlouquecidos, é no meio da natureza vajra que enlouquecemos, não há dois lugares. É natureza vajra o lugar onde estamos. “Apenas isso, sem esforço, mandala natural. Veja!”.
Temos essa prática, convertemos os oito itens, atravessamos para o outro lado. Agora é assim, em vez de “Abra os olhos e veja, sem esforço, samsara ao seu redor!”, abrimos os olhos e vemos a natureza vajra. Significa que para entrar nisso eu preciso fazer prática extensa. Conseguimos ver passo a passo, não tem nenhum salto de fé, vamos olhando e vemos a natureza vajra. Assim, vamos praticar a presença vindo do reconhecimento da natureza vajra a partir da prática dos oito pontos, e com essa finalização que vem do “Buscando o Ponto Último”.
Vamos iniciar por shamata pura. Aqui estou chamando de shamata pura na falta de uma expressão melhor. Essencialmente o que vamos fazer é assim: paramos, olhamos tudo ao mesmo tempo e não nos fixamos em coisa alguma, natureza vajra. Isso não é shamata porque temos a base do prajnaparamita.
Vocês vão ver que mesmo o professor Alan Wallace quando está introduzindo shamata ele não introduz o prajnaparamita, nem coemergência, nem vacuidade, não introduz nada, porque a prática de shamata não precisa disso. A diferença é que o professor Alan Wallace está trazendo os ensinamentos de Dudjom Lingpa e esses ensinamentos vão até o fim de cada parte que ele vai abordar. É o supra sumo de shamata. Depois ele vai oferecer o supra sumo de cada coisa, completo. Mas não precisamos atingir a realização de shamata para ganhar foco suficiente para entrarmos no prajnaparamita. Estamos fazendo uma curva antes, um pouco de foco que ganhamos na mente com a prática de shamata permite convergir em direção ao prajnaparamita e começar a ver coemergência operando. Preciso parar um pouco, reduzir responsividade na conexão com as coisas para poder olhar para elas e começar a ver com esse olho de prajnaparamita.
Se vocês olharem toda a parte anterior, que é essencialmente o ngondro, ele é a vacina para o samsara não pegar vocês de novo. Por que quando for entrar nessa prática se não tiver a vacina, o samsara recupera você. Com a motivação samsara, as coisas usuais lhe pegam e você não tem devoção, não tem conexão suficiente para ir adiante, você faz o ngondro para poder gerar essa energia e poder entrar em shamata. Do contrário, quando entra em shamata, numa linguagem local, continua tabaréu completo... Se a pessoa não entendeu coemergência, não entendeu nada! Isso é o teor do Mandala do Lótus. Pode ser um santo, pode obedecer todas as disciplinas e não vai a lugar nenhum. Quer dizer, não vai a lugar nenhum no primeiro eon, nem no segundo, nem no final do terceiro... Aquilo demora um pouco porque a pessoa vai ter que descobrir tudo por dentro, tudo vem de dentro. É muito complicado.
Mas aqui nós temos os mestres que vieram antes apontando tudo, fica muito mais fácil. Temos um pouco de mérito por alguma disciplina de vida anterior, isso nos permite entrar na prática e seguir. E vamos trabalhando o nosso ngnondro do cotidiano, pelo Meditando a Vida, o estudo dos 12 elos da Originação Dependente, seis reinos, etc.
Começamos a resignificar a nossa vida e vamos vendo que aquilo não vai a lugar nenhum. Contemplamos Os Quatro Pensamentos que Transformam a Mente, começamos a gerar ações positivas no mundo, vamos praticando metabavana e a nossa realidade vai mudando. Sentimos como os seres estão afundados e ao mesmo tempo como podemos mudar esses aspectos da nossa mente, podemos mudar nosso posicionamento e avançar.
Essa parte que resumi foi o ensinamento que ofereci aqui no Darmata por quatro dias. Aquilo resolveu a parte introdutória. Quem tiver dúvida sobre isso olha essa parte.
Mandala do lótus
Essa parte introdutória chega no nascimento no lótus e nos habilita a sentar. “Estou com vontade de sentar para ajudar os seres”, sentimos essa energia. Podemos descrever passo a passo isso, mas o melhor é quando as mandalas se abrem, pois elas produzem energia. O melhor é quando a Mandala do Lótus efetivamente se abre e, de algum modo, sentimos a intenção iluminada de Guru Rinpoche. Então, é bom nós fazermos a prática, é bom rezarmos para Guru Rinpoche imaginando que isso possa acontecer. Mas, melhor ainda é conseguirmos ver dentro de nós intenção iluminada de Guru Rinpoche. Vemos uma energia que realmente nos impulsiona para praticar e fazer as coisas acontecerem. Não estamos avaliando se vai dar certo ou não, não somos uma identidade que está correndo contra alguma coisa, simplesmente sentimos que temos que andar e andamos.
Vamos andando com essa motivação que está descrita cuidadosamente pelo texto Nascimento no Lótus, olhamos passo a passo e vamos ver se aquilo está presente ou não, se acharmos que está presente e olhamos os pontos e aquilo não está, é uma outra coisa que está presente, talvez não seja intenção iluminada de Guru Rinpoche. A intenção iluminada de Guru Rinpoche tem essa energia e a lucidez. Estamos chegando por partes, temos o talo do lótus, mas pode ser que a gente não tenha o lótus no sentido dos meios hábeis, da lucidez. Porém, o talo do lótus já é reflexo da intenção iluminada de Guru Rinpoche. Quando encontramos as dificuldades a energia aparece em nós, isso é uma outra coisa, é Chenrezig, é Guru Rinpoche. Isso vai dar ignição na nossa prática de shamata.
Quando sentarem em shamata, não pensem: pé esquerdo sobre a perna direita, pé direito sobre a perna esquerda, coluna ereta, nariz na linha, orelha, olhar. Não pensem dessa forma, isso é apenas uma descrição externa. Vejam a intenção iluminada de Guru Rinpoche, vocês vão praticar shamata. Ganhamos foco e com um pouco de foco começamos a estudar, como está descrito no livro Roda da Vida, vocês podem começar com objeto imaginado, com um cubo, com as várias partes. Começamos a trabalhar o tema da coemergência, estudamos os 12 elos e com isso entramos no prajnaparamita.
Depois que estudamos linha a linha o prajnaparamita chegamos nos oito pontos e vamos praticar extensamente, temos que olhar para todo o lado até que a nossa meditação se altera. Como expliquei, em vez de dizer: “Olhe devagar e veja samsara totalmente ao redor”, vocês vão ter a sensação de “Olhe devagar e veja natureza vajra ao redor”. Essa parte tem muitos recursos, vocês podem imaginar que os mestres do passado tentaram ajudar as pessoas, assim, têm muitos recursos, mas essencialmente é ainda uma meditação com esforço. Vamos fazer esforços para transformar o samsara passo a passo, pedaço a pedaço, na experiência da natureza vajra.
Natural estabilidade
Com isso na mente sentamos com foco na natural estabilidade. Vejam natureza vajra, vocês se recolham da natureza vajra e não do samsara. Se eu tiver “Abra os olhos e veja o samsara”, agora se recolha, vamos para essa condição de alayavijnana, estamos amortecendo a mente de alayavijnana. Agora estou olhando natureza vajra e repouso.
Repouso na natural liberdade que é o processo criador das coisas, não estou repousando do aspecto causal. Dessa forma, dentro da natural estabilidade sem esforço, reconhecemos o espaço ilimitado, vivo, manifesto, sem a necessidade da forma, bolha ou qualquer dos skandas nem de descriminação, de observador ou de identidade pessoal. Estamos nesse espaço, não tem nenhuma dessas características. Não procuramos nada nem rejeitamos, apenas estamos presentes dentro desse silêncio que antecede a criação das aparências da natureza vajra.
Quando estamos com a mente obscurecida olhamos para essa natureza vajra e fixamos, olhamos como objetos externos. Vamos gerar a necessidade de controlar e sustentar, surge uma identidade controladora, sustentadora e começa o giro do samsara usual. Mas aqui estamos apenas parados, não estamos fazendo nada. “Reconheça a natureza vajra”, se reconhecemos natureza vajra é porque estamos em uma região livre das aparências. Agora deixe de reconhecer a natureza vajra, apenas fique nessa região. Pare. Isso significa: “Estamos apenas presentes, essa é a nossa prática”.
Voltamos para a condição da lucidez discrimanativa, porque essa lucidez é que gerou todo o prajnaparamita, rigpa, estamos no estado fundamental. Voltamos para a lucidez discriminativa que gerou a conversão da aparência comum do samsara na natureza vajra e esse reconhecimento. Essa é a lucidez discriminativa que brota da natureza primordial. Ela é o segredo dos budas e podemos chamar de “A essência do prajnaparamita, não nascida, incessante”, condição de lucidez discriminativa que brota da própria dimensão de onde as coisas surgem e desaparecem, natureza livre.
Percebemos que este estado parado tem vida dentro. Para ver este estado preciso de uma lucidez discriminativa. Se eu usar qualquer outra, estou com problema, vou construir artificialidades. É um espaço ilimitado de possibilidades, Darmata, lenço, clara luz mãe viva. Energia dinâmica está presente. De novo repousamos nessa natureza que não é apenas silenciosa, é uma presença viva. Essa é a nossa prática.
Estou usando quatro formas porque preciso neutralizar o obstáculo sutil de pensar que temos que entrar na presença por controle. Não devemos pensar que precisamos ser muito hábeis, muito equilibristas e obtermos algo. Na verdade, enquanto explico isso eu crio problema porque vocês vão pensar que precisam desenvolver super habilidades para alguma coisa. Mas o fato é que, se olhamos de forma adequada, a natureza primordial está lá no meio do que vamos chamar de samsara. O samsara não tem outro jeito de aparecer a não ser a partir da natureza vajra. Vou explicar de outros modos progressivamente mais frouxos para podermos ver que a natureza primordial está lá mesmo que não tenhamos habilidade de olhar a partir de shamata, com a mente muito focada. Com isso, criei mais três modos, vocês vão ver que os mestres dão exemplos de várias formas, eu apenas sistematizei isso.
2. Na prática de shamata com foco na mente
Não estamos olhando natureza vajra, estamos com foco no controle da mente. É uma prática de shamata, é como se fosse shamata impura, com foco na mente: “Pra cá não, por favor, pensamento não apareça na minha frente, não quero isso.” É shamata impura, estamos tentando controlar as coisas, pegar bolha de sabão no ar. Não vamos conseguir! Shamata não vai propiciar esse resultado. Mas estamos com essa experiência, os pensamentos vêm e cessam. Estamos lutando contra eles, mas a nossa prática inicial é apenas observá-los, eles vêm e cessam. Se estivermos observando os pensamentos e não nos engajarmos neles estaremos em uma região livre, por que se eles se apresentam e nos arrastam, estaremos no meio dos pensamentos.
Se eu usar a sugestão de Chagdud Rinpoche: “Deixe os pensamentos virem”, naturalmente, eu recuo e deixo aquilo passar. Recuo para a condição livre, não estou com a mente livre, mas estou na paisagem livre da operação mente. Deixar a mente lá, esse vai ser o exercício. A parte dos pensamentos, de um modo geral todos têm uma certa facilidade... Precisamos com o tempo, com calma, repousar atrás, deixar lá, não controlar. “Não preciso lutar contra, eles logo desaparecem”. Mantendo essa prática de ficar atrás “nós observamos agora o brilho que os cria incessantemente”.
Alguns mestres como o Osho, por exemplo, descrevem esse ponto da prátca de shamata com foco na mente como “observar o espaço entre os pensamentos”. Gosto dessa explicação, mas vou explicar como eu vejo e porque explico de outro jeito. Quando pensamos que tem espaço entre os pensamentos é como se os pensamentos estragassem o espaço livre da mente, mas os pensamentos não estragam, não temos que lutar contra eles. Não é assim: o bem é o espaço livre entre os pensamentos e o mal são os pensamentos. O espaço entre os pensamentos se funde com o espaço durante os pensamentos, tudo aquilo está presente incessantemente, silenciosamente. Por exemplo, digamos que eu escreva com pincel em um quadro branco que está ao lado de um outro quadro branco; o quadro branco ao lado está imaculado e o quadro branco em que eu escrevi está todo lambusado. Vejam, o quadro branco lambusado está intacto, ele não se diferencia do outro quadro. É como a imagem do lenço, eu pego o lenço, que é a nossa mente, e dou um nó no lenço. O lenço sumiu? É um outro lenço? Não, é um lenço no qual tem um nó. Prefiro a noção de que não há dicotomia, essa separação entre o pensamento e a região em silêncio. As duas regiões são vajra, livres. Isso também me ajuda a pensar: quando estou no meio da confusão eu digo “agora estou no meio do samsara, preciso de um silêncio em algum lugar para sair do samsara”. O samsara me permite dentro dele mesmo o espaço para estar livre. Isso é uma postura, prefiro esse tipo de abordagem.
Usamos shamata, recuamos e os pensamentos começam a passar como bolhas. Isso é um upgrade de shamata pura. Em shamata pura tudo está parado, agora eu vejo os pensamentos “ploft, ploft, ploft, ploft, ploft, ploft”, estamos nesse espaço livre atrás. Mas como já vínhamos dos oito pontos do prajnaparamita e do reconhecimento da natureza vajra, em nenhum momento precisamos nos sentir no samsara. Podemos nos sentir o tempo todo com uma natureza livre produzindo as aparências, e agora eu sento livre dessas aparências.
Mantendo essa prática observamos agora o brilho que cria essas aparências, incessantemente. Compreendemos, isso é treckchod. Assim, todas as coisas ganham nascimento. Pegamos o exemplo da complicação viva na nossa frente e vemos que assim o samsara surge. Está ali, é o laboratório de samsara, o samsara surge na minha cara. Mas, para ver precisamos estar serenamente atrás, depois de muitas vezes já termos trabalhado e visto a natureza vajra, paramos e podemos dizer: “Oh, assim surge o samsara”. Depois das coisas surgidas, elas precisam de brilho incessante para perdurarem senão somem. Se não tivermos o foco construtor da mente, aquilo que constuímos vai embora, eventualmente nem lembramos mais. Assim nós vemos: “Uau! Assim tudo ganha nascimento e depois de construído precisa de brilho para perdurar”.
“Contemplamos a região livre dos pensamentos e flutuações. O espaço que não flutua e absorve as múltiplas aparições”. Mas não precisamos contemplar como um intervalo; contemplamos como o espaço envolvente daqueles surgimentos. “O espaço que não flutua e absorve as bolhas que surgem. O espaço onde tudo se desfaz, de onde tudo surge, espacialidade e luminosidade incessantes. Dentro da espacialidade temos esse poder, é o laboratório, está na cara, dá pra ver. A clara luz é a nossa face verdadeira, incessante, viva. Não precisamos de controle, não precisamos puxar nada para a clara luz estar manifestando tudo o tempo todo, dia e noite, os seis bardos. Por isso que ela é a nossa face verdadeira, incessantemente viva e assim se dá com toda a vida, com todos os seres. Todos os seres manifestam isso. De novo paramos nesse espaço, é a natureza vajra!. Essa é a nossa prática de shamata.
Descrevo de quatro formas para não pensarmos que tem uma única maneira e se não entrarmos por alí não será possível praticar. Não é isso. Vocês podem pensar que existem infinitas formas e não apenas quatro. Apresentei quatro, que vai desde um controle estrito até uma ausência de controle, as outras estão em algum lugar no meio disso.
3. Na experiência de observar um objeto
Se estivermos observando alguma coisa não consiguimos ver a natureza primordial. Quando olhamos algo comum, que é a própria essência do samsara, não precisamos nos perder. É bem parecido com os oito pontos, estamos diante de uma forma, observamos a bolha correspondente e vemos que aquilo é uma bolha flutuando dentro do espaço, a bolha não nos tira a visão do espaço primordial. Tem uma bolha com o objeto dentro. “Diante da forma, seguimos vendo o espaço primordial e a luminosidade que sustenta a forma”. É claro que aqui estou aproveitando o fato de que já fizemos as duas práticas anteriores, tornei a linguagem mais curta. “Contemplamos adicionalmente a energia dinâmica do objeto”. O objeto nos induz a alguma coisa, vemos a forma e praticamos a presença dentro dela.
4. Na experiência comum desatenta
Quando pensamos “experiência comum desatenta” pode parecer que estamos perdidos. Mas como já fizemos as práticas anteriores, estamos olhando e “reconhecemos que a experiência primordial está presente em todas os objetos, experiências, bolhas, portanto, na ação comum no mundo”. Focamos as ações comuns, causais, mas isso é muito estranho porque é como se tivéssemos criado uma peça de teatro múltipla, que não é um palco, mas é uma região e cada um exerce uma função alí dentro. Estamos andando dentro daquela bolha, mas sabemos que aquilo “não é”. É como se fosse uma vida paralela, uma experiência de mundo paralelo. Vamos olhando, nos movendo, aquilo tem significado, é como se fosse um teatro. Os significados, as relações funcionam de um certo modo, mas a pessoa se move dentro daquela bolha de significados, ela reconhece a bolha. A pessoa fala e o outro responde como se aquilo fosse verdadeiro, o outro responde e ele dá sentido sólido para aquilo, assim, conseguimos mover coisas causais que não são sólidas, mas aparentemente são sólidas ou por um tempo parecem sólidas. Isso significa o item “Reconhecemos a natureza primordial como incessantemente presente em todos os objetos, experiências e bolhas e, portanto, mesmo na ação comum no mundo.” Estamos na ação comum.
Diante das experiências comuns ao nosso redor, focamos não apenas a experiência comum, mas o potencial que dá o significado e produz as aparências e os jeitos, as aparências comuns que foram originadas. Percebemos que liberdade, luminosidade e energia dinâmica representam o potencial que acionamos para produzir os significados e as aparências das experiências sejam quais forem.” De novo reconhecemos isso. “Vemos, então, que mesmo em meio as experiências comuns das bolhas, alí está a experiência primordial, como espaço básico, presença intacta disponível na forma de liberdade, luminosidade e energia dinâmica.” Não estamos exercendo controle nenhum, estamos nos movendo no meio da aparência das bolhas. Mas para fazer isso criamos constantemente os significados e nos relacionamos a partir deles. Se entendermos isso, tudo bem, se não entendermos, de qualquer forma é isso que estamos fazendo. “Reconhecemos que mesmo na ausência de controle, ainda assim está presente a natureza primordial”. Isso é a nossa prática.
“Praticamos esse reconhecimento como uma forma de meditação”. Não estou simplesmente solto, tonto. Estou praticando a meditação do caminhar pelo mundo. Vocês vão encontrar muitos mestres que aparentemente só caminhavam pelo mundo, eles se chamam de vagabundos, como Patrul Riponche, Miphan Rinpoche e outros vários grandes mestres. Eles andam pelo mundo, não estão fazendo nada de especial. A gente pensa: bom, mestres, eles estão pegando coisas e levando para algum lugar, estão cortando o samsara. Não, esses mestres operam nessa dimensão sutil, se movem diante das coisas, mas eles têm esse reconhecimento. Aquilo está natural, leve. Essencialmente eles estão dando o testemunho de que a natureza primordial não precisa de um aspecto especial do samsara. Não precisamos construir um samsara especial para a natureza primordial estar presente. Têm mestres que vão até o fim da vida como se fosse uma vida comum. As pessoas só descobrem que eles são mestres porque na hora de morrer eles manifestam o corpo de arco íris, mas eles não deram ensinamentos durante a vida inteira.
“Vemos a natureza primordial incessante e nela tomamos refúgio que está além do esforço”. O que está diante de nós ajuda a ver o refúgio. “Está além do esforço, das construções, das meditações, das práticas espirituais ou controle”. Desde o refúgio na mandala primordial temos o natural surgimento da capacidade de ver as coisas como construídas e reconhecer os elementos artificiais através dos quais elas surgiram. Contemplamos isso que é a sabedoria primordial. A sabedoria primordial é a capacidade desse reconhecimento. Tomamos esse refúgio, vemos aquilo e nos movemos naturalmente.
Meditando sobre a presença estamos nessa condição livre, mas vimos o surgimento todo das coisas. Estamos fazendo tudo isso para depois surgirmos como bodisatva, de fato. Pegamos essa natureza livre e acionamos o elemento éter do bodisatva. Podemos construir porque o que é construído é artificial, mas não oblitera a natureza primordial a qual estamos com refúgio. Construímos as coisas por lung, vamos usar o lung dos cinco elementos. Depois construímos por sabedoria, adicionamos as cinco sabedorias e as outras sabedorias. Por liberdade podemos produzir isso. Enquanto é produzido não há o samsara, não há a perda do refúgio na natureza primordial, há o reconhecimento incessante. Mesmo que não seja discriminativo, discursivo, há o reconhecimento incessante da natureza primordial.
Nesse ponto deveríamos gerar essa clareza, é a ausência de dúvidas. Nos ensinamentos vocês vão ver isso, como nos ensinamentos tradicionais. A pessoa vai praticar a meditação dos oito pontos do prajnaparamita até o obstáculo da dúvida desaparecer. Ela não duvida mais, está claro. Aqui também vamos praticar presença até que não haja mais dúvida. Olhamos a natureza vajra, estamos com refúgio, não temos dúvidas, aquilo está lá. Mas para obter isso, temos que praticar repetidas vezes. Eu aconselharia a duvidar, que é o processo que o Buda ensina. Testar pela dúvida, testar pelo fogo da prática. Olhamos e questionamos ”Será que isso é ou não é?” Damos um espaço para a dúvida. Assim a dúvida derrete.
IV) Contemplação das identidades e sua cessação
Sabedoria primordial
Vimos a meditação dos oito pontos do prajnaparamita e também o aspecto do Buscando o Ponto Último que nos ajuda a compreender como partimos da meditação baseada no samsara como ambiente para a meditação na natureza vajra. O ambiente de meditação já não é o samsara, através do Buscando o Ponto Último transformamos o ambiente de meditação na natureza vajra, com isso olhamos a presença, olhamos esses vários aspectos.
Na sequência, examinaremos a questão da identidade. O ambiente da nossa prática agora é a natureza vajra, ambiente adequado para olharmos seja o que for. Já tratamos da identidade várias vezes antes. Olhamos a roda da vida, vimos os três animais e ali no meio surge a identidade; examinamos através dos 12 Elos da Originação Dependente e também vimos como as identidades surgem em cada um dos seis reinos e como saltamos de um lado para o outro ali dentro. Já vimos isso no ponto de vista de vacuidade em um certo sentido. Mas não penetramos nisso, é sempre uma abordagem em que o ambiente é o samsara. Agora mudamos de ambiente, estamos olhando sob o ponto de vista da natureza vajra. Desde a mandala da natureza vajra, olhamos novamente o aspecto da identidade, antes de penetrar nisso olhamos a presença.
Depois de penetrar na presença o ponto central seria vermos como as coisas, enfim, aparecem. Quando estamos lá no fundo daquele silêncio livre, essencialmente na linhagem Niyngma, vamos falar da sabedoria primordial. Esse é um ponto místico, na verdade. Tudo o que falarmos sobre natureza primordial, eu não saberia que nome dar, diria místico na falta de outro termo. Porque dentro da natureza de samsara explicamos as coisas de modo causal, uma coisa produz outra, mas através da coemergência entendemos como as coisas produzidas atrás dos olhos se manifestam na frente. Entendemos sabedoria do espelho, isso foi ao ponto de entendermos as coisas todas se manifestando como presença vajra diante de nós. Olhando desse modo vamos recuando até o silêncio da presença e ali dentro não tem uma causalidade propriamente, não podemos dizer que tem um fator que causa outro e que gera um outro. Fomos eliminando todos os fatores causais, fomos recuando. Como no prajnaparamita, vamos dizer “na vacuidade não há”, tem uma listagem de grandes coisas que não há. Não há sabedoria, por exemplo, não há uma estrutura interna dentro dessa vacuidade. Não tem nada.
Esse é um ponto muito delicado porque surge alguma tensão entre linhagens. A linhagem Gelugpa, por exemplo, diz que não há “nada, nada” que significa que não há “nada”. Na linhagem Niyngma se diz não há “nada, nada”, porém, isso é considerado a terceira volta do Darma, só porque tem esse “porém”. Se eu disser que não tem “nada, nada, nada”, isso na verdade é um “nadismo”. Assim, o que tem é “nada nada”, mas tem o poder de produzir. É um ponto muito importante. Tendo o poder de produzir seria como cartola de mágico, começamos a tirar coisas de dentro. A primeira coisa que vai surgir é o que vamos chamar de sabedoria primordial, como não temos mais o recurso da causalidade, não podemos ir para dentro disso e localizar componentes que geram a sabedoria primordial porque não tem “nada, nada”. Não é que não tenha “nada, nada, nada”, não tem “nada, nada”. Mas, de “nada nada” não brota, por causalidade, coisa alguma. Com isso, vem essa noção de luminosidade e brota sabedoria primordial. A sabedoria primordial é mística, misteriosa. Assim, surgem as coisas misteriosas. Misteriosas porque a compreensão causal não acessa isso. Os Niyngma dizem que a abordagem “nada, nada, nada” é niilista, limitada, não vê. E a abordagem em que reconhecemos uma natureza criadora, isso é a abordagem Niyngma.
Surge essa noção, tem algo que é chamado sabedoria primordial. Mas não tem samsara ali dentro porque não tem, por exemplo, “gostar ou não gostar”, não tem construção nenhuma e a sabedoria primordial é uma sabedoria que dissolve, ela não constrói, não está na forma de um dicionário, de uma enciclopédia. É uma lucidez que não tem conteúdo dentro. Quando ela olha o que é construído de modo causal, ela dissolve, reconhece como aquilo aparece e depende de fatores que são autoproduzidos, e como aquela realidade toda se mantém. Ela olha e vê com olho de raio x. Mas ela mesmo não tem nenhuma construção discursiva, só dissolve. Junto com isso, em filosofia é um ponto interessante, alguns cientistas e filósofos da ciência disseram, por exemplo, que a física quântica é uma filosofia serragem porque ela pega a coisa e vai moendo, moe e vira serragem. O que não é propriamente isso.
Êxtase supremo
Existem abordagens que tentam propor construções artificiais e tomar artificialidades como base, elas tentam se defender dizendo que têm abordagens que vão dissolver tudo isso na forma de moer em serragem. Mas no budismo não dá para acusar disso, porque ainda que tenha a sabedoria primordial com essa clareza, tem aquilo que chamamos de êxtase.
Êxtase é a contemplação sustentada da artificialidade que surge, reconhecendo como artificialidade e como natureza primordial, que é tatata. O êxtase é totalmente sensorial. Ele pode ser produzido pelo tsog, por exemplo. A pessoa come, experimenta sensorialmente e ao mesmo tempo entende todo o processo como se dá, ela está liberada daquilo e também não tem apego. A prática de tsog é considerada muito sofisticada, é um exemplo de prática de samapathi. Guru Rinpoche em seus ensinamentos dava prática de tsog todos os dias. Isso significa a prática de contato sensorial lúcido com o mundo. Na verdade, tudo o que fazemos é contato sensorial com o mundo, se o contato sensorial é pela comida ou o contato sensorial auditivo, visual, etc, é a mesma coisa, tudo isso, enfim, é samapathi. Samapathi é essa experiência da diversidade do obstáculo junto com a lucidez. Quando você toma o obstáculo e olha com lucidez, a isso pode chamar de oferenda de Samantabhadra. Oferenda de Samantabhadra é êxtase.Tem essa experiência continuada, você contempla alguma coisa e vê o extraordinário se manifestar como aquilo e ao mesmo tempo não ser aquilo.Você para e contempla, isso é êxtase. Percebemos que há essa possibilidade de contemplar a ilusão com esse olhar. Junto com isso vamos contemplar o aspecto criativo, luminoso da realidade, aquilo começa a aparecer. Por que estou contemplando aquilo como está e é ilusório, vejo como se dá, estou reconhecendo o aspecto luminoso.
Intenção iluminada da deidade
Temos a sabedoria primordial, a vacuidade, o êxtase, o aspecto luminoso, tudo saindo do zero, estamos vendo isso acontecer. Mas no meio dessa sabedoria primordial tem um “porém”, essas coisas são inseparáveis, estão todas lá dentro e, às vezes, essa expressão sabedoria primordial é usada aparentemente fora de contexto, como uma descrição do princípio de atividade. Se eu tenho a luminosidade, direi que a sabedoria primordial é que movimenta a luminosidade, tem um acionador. A sabedoria primordial está junto com a luminosidade, a luminosidade se produz.
Dentro da liberdade muito profunda existe a liberdade da sabedoria primordial de dirigir a construção em uma direção ou em outra. Tem esse movimento que por vezes é chamado de sabedoria primordial. Ele dá origem ao que podemos chamar também de intenção iluminada da deidade, que é outra expressão muito importante. Nesse nível em que estamos olhando, essas expressões começam a ganhar sentido. Intenção iluminada de Guru Rinpoche, esse é o nome do lung que aparece e movimenta a terra pura de Guru
Rinpoche. Como reconhecemos isso? Por exemplo, o nascimento no lótus com os meios hábeis tem uma energia associada. Vamos dizer que é intenção iluminada de Guru Rinpoche.
Quando entendemos essa expressão podemos até nos comover, porque reconhecemos que a intenção iluminada de Guru Rinpoche toca a todos. Todo mundo está se movimentando, torcendo o samsara, saindo meio de lado, seguindo um tipo de energia que está associada a uma lucidez e faz tudo mudar. Se vocês olharem com cuidado, isso é intenção iluminada de Guru Rinpoche. Observem os grandes mestres do passado, eles manifestavam isso direto, o eixo deles era intenção iluminada de Guru Rinpoche. Os mestres não estavam ali para qualquer outra coisa que não manifestar lucidez em benefício dos seres de um modo que ninguém sabia de onde vinha aquilo.
A intenção iluminada é o lung da deidade, o lung da terra pura. O lung da mandala brota pela intenção iluminada. Mas ela está lá na origem, brota da natureza primordial, por isso vamos dizer que a intenção iluminada de cada uma das deidades, não apenas de Guru Rinpoche, é uma emanação de Kuntuzampo, de Samantabhadra. Samantabhadra representa esse silêncio vivo atrás, e lá surge intenção Iluminada de Guru Rinpoche que é inseparável da intenção iluminada de Manjushri, intenção iluminada de Chenrezig. Guru Rinpoche e Chenrezig não têm diferença. Não tem diferença de Guru Rinpoche e Amitaba ou nenhum dos cinco Diani Budas.
As preces que vemos na abertura é Guru Rinpoche, vamos reconhecer a intenção iluminada como tendo essa origem. Precisaríamos retornar a esse ponto e ver como desse silêncio nós vemos isso, desse silêncio que está além do silêncio, além do apagamento da consciência comum, ele é um silêncio vivo que reconhecemos a partir da natureza vajra. Esse silêncio gera por movimento próprio as várias deidades e suas intenções iluminadas. Vocês vão ver intenção iluminada de Akshobia, surge sabedoria do espelho, surge naturalmente da terra pura, tem uma intenção iluminada que ativa o nosso olhar.
Doze Itens da Identidade
1. A mente como o que movimenta a energia.
Se observarmos com cuidado, vemos que há uma liberdade na natureza primordial que pode ser impulsionada pra cá ou pra lá, essa liberdade é manifestação de Kuntuzampo, Samantabhadra. Samantabhadra está vivo, vemos que Samantabhadra move tudo por energia. Então, a mente, em um sentido muito profundo, muito, muito, muito, muito profundo, ela é sabedoria primordial. Essa mente que é sabedoria primordial é lúcida e movimenta energia, porque o aspecto luminoso é o movimento de energia que é produzido. Se formos olhar o que é a mente mesmo, apertamos e vemos isso: a mente movimenta energia.
2. Identidade surgindo do apego à sustentação da energia associada a uma inteligência e a uma paisagem.
Estamos olhando isso para podermos trabalhar na dissolução da sensação de existência e identidade através da clareza de como a sensação de existência e identidade surgem. Isso é Vajrasattva, não vamos olhar pela negação, não estamos negando a existência da identidade. Vamos dissolver a sensação de existência e identidade pela clareza de como ela surge, vemos que aquilo não é aquilo, não tem solidez.
3. Vou criar um roteiro de meditação nesses dois pontos que examinei até agora, complementando a meditação de oito pontos do prajnaparamita.
Esse é o nosso roteiro.
4. Vamos olhar a experiência dos objetos sob o ponto de vista de energia, como vimos no roteiro de oito itens.
Começamos com forma. Percebemos que tem a mente coemergente; percebemos que tem uma energia associada à forma, não é apenas neutra, é uma forma que induz a um movimento, é o aspecto sutil e poderoso que dá sentido à forma. Se não tiver uma energia que comunica, a forma não é nada. Vemos que a energia também é coemergente.
Tenho a forma, a mente e a energia que coemergem. Mas nem a mente nem a energia operam se não houver uma paisagem. Tenho uma paisagem que produz o referencial para a mente e a energia darem significado e aparência à forma. A forma não ganha aparência se não for pela energia, pela mente e por baixo disso a paisagem.
Quando surge a forma, a energia e a mente, surge a experiência de olhar para o objeto e ver o objeto. Quando olhamos para o objeto e vemos o objeto não estamos fazendo apenas isso, estamos sustentando o objeto a partir da energia e da paisagem. Se deixarmos a paisagem oscilar, o objeto vai oscilar. É como alguém querendo comprar algo, mas pensando “Talvez eu não precise comprar.” “Talvez não tenha dinheiro.” A pessoa vai trocando de paisagem. “Mas isso seria bom por tal motivo”. Ela troca de paisagem e o objeto se torna atraente. Vem alguém e diz “Você já tem um monte de coisas desse tipo, vai ficar pagando prestações por uma coisa que não quer.” “É, isso mesmo.” Nós desistimos, aquela atração cessa. Nesse movimento é muito importante percebermos que surge algo muito íntimo. Quando brota a energia na relação com o objeto, seja qual for a experiência, a energia parece que vem de nós, porque ela nos impulsiona. Se ela surge de nós, nos impulsiona e não seguimos, é gerado um amargor, tem um nível de infelicidade. Assim, quando a energia surge temos a tendência a segui-la. Surge uma responsividade, uma aspiração.
Olhamos para a energia e podemos descrever a nós mesmos: eu gosto disso; eu quero isso; isso é interessante. A pessoa fala o “eu”. Há uma experiência de intimidade, ela tem uma intimidade com a energia, aquilo é ela, ela se expressando, a energia dá essa sensação. Vamos supor que surja um obstáculo. Eu quero algo, mas tem um obstáculo, surge uma mente causal que tenta removê-lo para manter a chama daquela energia. A mente começa a raciocinar trocando as coisas causais para permitir as condições para aquela energia funcionar. Buscamos controle para manter a energia, aquilo pode até não ter nenhum sentido, mas ficamos presos àquela experiência de energia tentando sustentar algo, encontrando soluções. Digamos que uma pessoa queira realizar uma compra e não esteja conseguindo. Ela pensa “Bom, se eu financiar, se pedir emprestado, se vender isso ou aquilo”. Ela começa a encontrar um processo causal. A pessoa está presa em uma experiência de energia que ela podia simplesmente se livrar e fazer outra coisa, mas, essencialmente, a pessoa tem uma experiência e ela manobra as condições causais para aquela condição de energia surgir; se aquilo afunda a energia dela afunda porque ela está focada. Se a pessoa se conecta em uma outra coisa a energia surge e ela segue. Isso é muito comum em todos os lados. Nas relações, por exemplo, é assim também, alguma coisa afunda, daqui a pouco a pessoa olha para o lado, surge uma energia e ela começa a funcionar de um outro jeito. Não seguimos cognitivamente, seguimos associados à energia, mas essa energia que brota se revela como o aspecto íntimo de nós mesmos.
Quando falamos sobre nós mesmos falamos como a nossa energia reage, como ela vai e vem, falamos sobre esse tipo de coisa. Surge esse “sustentar”, a energia surge, começamos a sustentar. Essa sustentação da energia dá sentido à palavra apego. Tem a sustentação da energia, mas sem que a gente perceba a sustentação da energia não é livre. Temos uma resposta automatizada de ficar sustentando a energia, é a essência do apego.
Como nos vemos sustentando e manifestando esse apego terminamos descrevendo a nossa identidade. Por exemplo “Eu como virginiano faço isso e aquilo e não faço aquele outro”. “Eu também sou supersticioso, dia não sei bem do que eu faço determinada coisa e não faço outra.” “Se eu tivesse que entrar num elevador muito cheio, já nem entraria.” A pessoa fala sobre como que ela reage, são movimentos de energia que a pessoa termina descrevendo como ela mesma.
Tem uma identidade que surge desse apego, que enfim é a sustentação da energia associada a que? Na hora não percebemos, não está associada à nada, parece que somos nós mesmos. Mas ela está associada a uma inteligência e uma paisagem. Se a pessoa está no reino dos deuses, ela tem reações de um tipo, em cada reino ela tem reações diferentes, mas em cada um desses reinos a pessoa tem essa energia que surge e manifesta uma identidade.
Precisaríamos ver exemplos disso. Um exemplo que acho muito apropriado é o do sonho. No sonho não tem ninguém ali dentro, não tem o personagem do sonho. Quando estamos acordados podemos pensar “Bom, está aqui o meu corpo e estão aqui as coisas na minha frente”. Mas o sonho é totalmente abstrato. Temos os apegos, nos defendemos e andamos para cá e para lá, temos identidades. Se vocês olharem com cuidado, as identidades do sonho vão brotar disso. Tenho uma imagem que surge a minha frente, tenho apego em relação a ela, no sentido que eu quero sustentar algo e coloco elementos artificias, causais, dentro do sonho. Tenho que chegar a um certo lugar, tenho que buscar uma certa coisa para que então eu sustente aquilo.
Podemos nos sentir frustrados. Por exemplo, é muito comum sonhos do tipo estarmos fugindo, mas a nossa velocidade é mais lenta do que gostaríamos. Faço esforço e parece que não seja possível andar. Eventualmente, os sonhos têm pesadelos no meio, seres nos pegam, a nossa energia explode, acontecem várias coisas desse tipo. Quando estamos dentro desse processo completamente abstrato não parece que nos falte alguma coisa para a própria identidade, não parece que a nossa identidade seja artificial, ela parece completa. A única diferença em relação ao mundo fora dos sonhos é que os processos são mais mágicos. Por exemplo, os objetos podem surgir, as coisas podem se dissolver rapidamente. A causalidade é onírica, mas a sensação de identidade sofrendo ou buscando é a mesma. É por isso que os mestres dizem: o estado de vigília e o sonho são a mesma coisa, é sonho, porque nós estamos passando por esses processos, criamos por meio de coemergência, mas surge essa identidade de sonho.
Queria que vocês contemplassem bem isso. Se a artificialidade da identidade no sonho fosse diferente da artificialidade da identidade acordados, notaríamos essa diferença. Não notamos a diferença. Não falta nenhum pedaço, está tudo ali, é a energia, a mente sonhando a partir de objetos oníricos. E aqui estamos acordados e a mente sonhando a partir de objetos oníricos apoiados por experiência sensorial, esta é a diferença. Ainda assim, a experiência sensorial pode produzir vários tipos de sonhos baseados nas paisagens.
5. Temos essa experiência que é mais sutil ainda, é a experiência de manifestarmos uma identidade livre migrando entre inteligências e energias.
Vamos dizer que são inteligências e energias de alayavijnana, um depósito de impressões. E assim ela sente-se viva, livre, sentindo estar manifestando uma vida. Precisamos contemplar e ver isso.
6. “A identidade mais sutil como um apego a manifestar-se pela sustentação da energia;
como esse apego é a raiz mais funda de avydia e está presente em todos os seres, incluindo as plantas, vírus, bactérias, átomos.”
Todas essas estruturas de apego já estão presentes, temos apenas que reconhecer isso. Para nós é muito difícil de nos manifestarmos se não a partir de uma energia que tentamos controlar e sustentar. Vocês podem olhar a mente e verão isso, até mesmo o próprio método que utilizamos de sonho. Sonhamos com o método de produzir energia coerente em uma direção e aquilo começa a andar. Se observarem com cuidado, ela está presente em todos os seres. Mesmo um inseto preso dentro de casa, ele está em algum lugar e tenta manobrar de um outro jeito, tenta mudar, manter a identidade, mas ele vai buscar sempre a sustentação da energia que está operando. É como se todos os seres estivessem sempre desse modo. Observem as plantas, elas buscam certas coisas, buscam água pela raiz, manobram as condições e se torcem para a luz. Não podemos dizer que as plantas raciocinam: “Bom, deixa eu ver, lá tem mais luz”, elas vão respondendo, manobrando na direção aonde a energia em um sentido sutil se manifesta, aquilo se torna a mente delas.
Precisaríamos parar e ver que isso está presente em todos os seres, incluiria aqui as plantas, os vírus, as bactérias e arriscaria colocar os átomos também, ou seja, todas as formas de manifestação. Isso é um tema que no budismo tradicionalmente não existe. São elementos que existem agora, de acordo com a nossa mente, com a ciência. Mas, com certeza, todos eles têm comportamentos, escolhas de um certo tipo e não de outro. Vamos vendo o surgimento dessas experiências de universos e sua multiplicidade de formas, mas em tudo isso vamos encontrar essa sustentação de energia. Vemos, por exemplo, as abelhas se movimentando, elas não operam pela mente, elas operam pela sustentação da energia.
6.a. Ver o automatismo de avydia associado a essa forma de identidade mais sutil e seu mundo ao redor que aparece de modo dual.
Avydia opera de um modo automático, precisamos ver isso acontecendo, contemplamos a ignorância. Não percebemos como as coisas se manifestam pelo apego a essa sustentação de energia. Nos movimentamos e isso tudo gera um ambiente condicionado preso por uma limitação de visão a qual não reconhecemos. Não nos vemos buscando sustentar energia, não vemos esse aspecto mais sutil, nos vemos motivados pela mente para ir para cá ou para lá. Não vemos também quando as mortes dentro da roda da vida sobrevêm e o renascimento segue, porque temos esse apego mais sutil. Buscamos uma outra região onde conseguimos manobrar e seguir sustentando a energia de um outro processo.
O item 6.a diz “Observe o automatismo associado a essa limitação de visão”. Significa que você morre naquele ciclo, mas você nem percebe e já está reeditando o ciclo, porque procurou outra coisa para sustentar a energia. Você tem esse automatismo, está preso nisso. Os ciclos de mortes e renascimentos se suscedem. A experiência de mundo dual surge também, porque surge a busca de sustentarmos a energia através de processos causais.
Entendemos essa sutil avydia que nos faz renascer nos vários ciclos. Estou usando essa expressão de renascimento - essa é a expressão que o Buda utiliza - mas não queria olhar isso como se fosse algo místico “Eu morro e renasço, eu encontro um outro corpo”; queria usar em um sentido mais prático, nessa vida mesmo, nesse mesmo corpo, não preciso trocar de corpo. Tenho as experiências, tento sustentar a energia e aquilo afunda. Automaticamente em vez de gerar lucidez por processo, trato de criar um novo processo que eu me fixo e gero energia. Um outro exemplo que também é onírico é o cinema; um outro exemplo onírico melhor ainda é o jogo virtual. A pessoa está com joystick comandando coisas na tela, ela tenta sustentar a energia acionando processos causais e fica presa. Aquilo se revela de forma completa, porque o conteúdo não tem nenhum sentido, mas ele é suficiente para produzir a coemergência com aquelas imagens e manipular a energia de ficar preso. E se não obtemos o resultado, nos incomodamos. Quando aquilo afunda, a pessoa quer botar um reset para aparecer de novo o jogo. A pessoa quer dar continuidade do mesmo jeito.
A minha sugestão é parar nesse ponto 6 e contemplar isso longamente.
7. Quando contemplamos longamente o ponto 6, dentro do ambiente da natureza vajra a pessoa retorna ao ponto da presença e produz a cessação.
Cessação do que? Cessação como a superação dessa avydia muito sutil de ficar sempre buscando a sustentação de energia como forma de manifestar a mente.
A cessação surge por isso permite produzir liberação. Mas a liberação não é uma oposição. No caminho do ouvinte creio que essa cessação tenha um pouco de oposição.
8. “A vacuidade e liberdade surgidas desse modo permitem a experiência da mente livre contemplando a prisão da manifestação automática das identidades e dos mundos coemergentes.
Dessa cessação surge uma vacuidade. Não quer dizer que surja, mas nós retornamos à presença. “Retornamos à presença como vacuidade e liberdade”.
Desse ponto temos a experiência da mente livre contemplando a prisão da manifestação automática das identidades, a avydia recorrente. A manifestação automática das identidades que nunca surgem sozinhas, surgem junto com os mundos correspondentes. Estamos aqui parados contemplando isso, é o que estamos fazendo.
9. Quando a mente livre contempla a prisão, tem um certo aspecto de oposição. Agora ela contempla as próprias identidades, ela recupera isso.
Ela contempla as identidades como um aspecto luminoso que se manifesta como inteligências, energias, avydias e apegos. Em vez de simplesmente se colocar como um julgamento de valor sobre aquilo, olhamos como um aspecto interessante. São mundos que surgem por inteligências, energias e apegos. Olhamos o mundo assim. Seria o êxtase, contemplamos esse êxtase.
10. A mente livre das identidades olhando agora o Buda como uma identidade.
Ela se livra da identidade do Buda enquanto tatágata, enquanto fenômeno manifesto do Buda. Ao mesmo tempo essa mente livre de identidades não é pessoal. Ela vê essa liberdade ampla livre de identidades manifestando-se, como no nível 9, como inteligências, energias, avydias e apegos. Inteligências, energias, avydias e apegos que surgem como variados seres autossurgidos e autofixados em si mesmos, mas essencialmente vazios, como essa própria mente livre que é a fonte.Tem uma variedade de seres que são essencialmente inteligências, energias, avydias e apegos autossurgidos e autofixados, sutis, mas essencialmente vazios, como essa própria mente livre que contempla.
Vejam os mosquitos, por exemplo.Observem a mente deles operando. Os mosquitos morrem, mas não morrem, têm os outros, aquilo é infinito. Agora, olhem como é essa mente de mosquito, é uma mente particular, não tem tamanho nem localização espacial, é sutil. São seres sutis que operam de um certo jeito. Vocês podem olhar eles meio fantasmagóricos, meio pretos, no reino dos seres famintos. Eles estão manifestando aquele corpo, mas na verdade a mente deles está fixada.
11. Há um aspecto de dissolução também, que é uma visão que surge das múltiplas inteligências e energias olhadas aqui sem avydias e apegos.
Nesse caso poderíamos juntar essas múltiplas inteligências e energias como se fosse alayavijnana mesmo. Elas não são mais vistas como seres, são vistas como recursos que os seres podem utilizar. Fica até difícil dizer que “os seres” utilizam, diríamos que dão origem aos seres na medida em que surgem com apego. Mas são recursos que podem ser utilizados e liberados sem a necessidade de serem vistos como propriedade ou característica de seres ou identidades, não são propriedade de nada. Na verdade, os seres e identidades estariam surgindo disso, mas isso não é propriedade de algum ser. Do mesmo modo que, por mais compaixão que os budas tenham, quando os tatágatas morrem a compaixão segue. É assim, quando os mosquitos morrem, o estado de ser mosquito continua, aquela inteligência segue. Isso está nas regiões de alayavijnana. Tudo isso é movimento de uma mente que tem a liberdade de se movimentar também com apego. Essa é a visão de Darmamega, em que não há mais o Buda na forma pessoal que é o tatágata.
12. “Sabedoria primordial como Buda primordial”
É contemplação da sabedoria primordial como Buda primordial.
Aqui estão os 12 itens. Daqui seguimos para a construção do bodisatva.
Realidade Circundante
Recapitulando em blocos, quando seguimos esse roteiro de oito pontos do prajnaparamita olhamos qual é a nossa experiência circundante. Introduzo esse elemento que é muito importante, normalmente falo de paisagem, mas agora estou usando outra expressão. É a mesma coisa, porém ela entra na frase de uma forma diferente. Qual é a experiência inicial da realidade circundante? É a mesma coisa que a paisagem. Em que paisagem a pessoa está quando começa? Mas não é completamente a paisagem, é a experiência inicial da realidade circundante. A pessoa olha o samsara, o mundo usual e ali dentro é que vai praticar as oito meditações. Não estou usando agora a noção de paisagem porque se ela tiver a mente presa na experiência da realidade circundante não consegue fazer a prática. A pessoa consegue fazer a prática porque a mente dela já tem esse elemento de lucidez possível, quando bate o olho ela vê a realidade circundante, ela já tem uma transmissão para furar isso. A realidade circundante é o samsara e as sabedorias se manifestam por janelas que se abrem, ela tem essa sensação. Ela vai focar alguma coisa e brota sabedoria ali dentro, esse é o método. Ali dentro, então, pegamos o prajnaparamita, que já entendemos, praticamos, olhamos várias vezes e vamos usar dentro de um pequeno foco e aquilo se altera. Altera aonde olhamos, mas o resto permanece intacto, a realidade circundante fica aparentemente intacta.
A realidade circundante é assim: batemos o olho e vemos “janela”, “luz”, porém, quando olho o cubo, o cubo é isso, é aquilo, vejo as coisas se abrindo naquela região, não se abre tudo. Fazemos uma acumulação dessa prática. É um momento em que a descrição dos primeiros versos do Buscando o Ponto Último “Abra os olhos devagar e veja a realidade inteira diante de você” ganha sentido. A pessoa está fazendo uma acumulação dessa prática, ela olhou o tapete, a porta, a janela, um por um isolado, e o resto ficava intacto. Mas daqui a pouco o resto não está intacto, já foi todo mexido. A pessoa olha em volta e se dá conta, o olho dela começa a ver as coisas de outra forma, ela olha para fora e surge “A realidade vajra inteira diante de você”. Mas isso vem pela acumulação, a pessoa olhou uma coisa, olhou outra e outra, no final ela olhou tudo e percebe “Oh! Realidade vajra, inteira”. Antes tínhamos “Olha em volta o samsara inteiro”, agora surge um esforço e aquilo é possível furar. Já está tudo furado. Então, “Nada a ser sustentado”.
O que é “Nada a ser sustentado”? Por exemplo, eu olho um desenho do cubo, sustento aquele desenho, tenho dificuldade de trocar para outra visão, tem um apego sutil. Discrimino de um certo jeito, não consigo discriminar para ver o outro cubo. Vejo o outro cubo e não consigo mudar para voltar, tem uma fixação, alguma coisa acontece ali dentro e me deixa preso. Mas aqui não, na natureza vajra não tem nada para ser sustentado, ela está lá, se eu reconhecer ou não, está lá. Não tem alguma coisa a ser criada ou vista, não é um objeto, é uma qualidade que se apresenta, está naturalmente presente, se eu vê-la ou não vê-la, ela atua. Se eu não vejo a natureza vajra, aparece a impermanência e eu fico achando que é a impermanência, mas é natureza vajra. “Apenas veja”, quando você se perder e não conseguir ver nada, ainda assim você estará ali, não há outro lugar, não há o samsara, o que há é a natureza vajra. Isso é a mandala natural.
A pessoa fez a inversão, para isso precisa acumulação. Tem vários métodos de fazer acumulação disso, alguns dentro do Vajrayana com sinais. Eu acho que o melhor método é o que estamos usando, olhar diretamente, é muito mais rápido. Esse é método Dzogchen, simbolizado pelo dedo apontando, “onde você olhar, veja”.
Queria perguntar para vocês, eu explicando dessa forma isso faz sentido?
Esse é um ponto bem importante porque vai ajudar na observação de como está a prática de cada um. Vocês abram os olhos de novo, estão vendo a natureza vajra ou estão vendo o samsara? Se estiver vendo samsara, é possível que quando for praticar presença estará simplesmente vendo o estado fundamental.
A prática da presença é o bloco seguinte. Tem uma acumulação dos oito pontos para podermos fazer essa troca. Quando fazemos a troca, vamos fazer a prática da presença para ganharmos a liberdade da ação. Por enquanto estamos ainda submetidos ao que aparece, agora eu me dei conta disso, natureza vajra. Natureza vajra lá no fundo tem a liberdade da ação, é o que vou procurar com a presença. Vou em direção a presença para depois poder fazer outras coisas.
Começa a prática da presença através de shamata, aqui vou chamar de shamata porque é esse processo no qual sento em silêncio, com foco. Nessa parte toda vemos o
reconhecimento da natureza vajra a partir da prática dos oito pontos do prajnaparamita e do texto Buscando o ponto último. Iniciamos em shamata pura com foco na natural estabilidade. Não é exatamente shamata pura porque quando olhamos em volta na prática de shamata pura a realidade circundante é o samsara. Essa é a grande diferença, aqui a realidade circundante é a natureza vajra.
Essa natural estabilidade é não fabricada, nós paramos. Sento e vejo a energia. A energia se estabiliza e eu mantenho a visão de todas as coisas, mantenho o reconhecimento da natureza vajra. Isso é o que estou chamando de shamata pura com foco na natural estabilidade, com a realidade circundante.
Esse ponto é bem importante. Quando entramos no Zen, por exemplo, é um diálogo que vai acontecer do início ao final da prática, um diálogo que não é fácil. Porque quem entra pelo Zen tem a sensação de que vai fazer a prática como o mestre Dogen diz, a pessoa senta como um buda e pratica como um buda, ela não senta para praticar qualquer coisa que não seja a iluminação. É só sentar, e a pessoa senta. Ela vai inevitavelmente para o estado fundamental, para alayavijnana, vai amortecer alayavijnana, é muito comum isso. Mas a pessoa fica sem referencial, ela não sabe se está nisso ou não. Ela vai dizer, estou num estado em que não acontece nada... “Você está estável?”. “Estou estável.” “Você tem emoções perturbadoras?” “Não.” “Tem orgulho, inveja, desejo/apego, raiva, rancor?” “Não. Eu e o Buda.” Aquilo fica assim, não sabe bem como é. Mas se a pessoa olha em volta e vê o samsara, isso é um estado de shamata.
Aqui estamos olhando esse referencial da realidade circundante, furamos a realidade circundante, que é treckchod, nós atravessamos, pegamos uma por uma das coisas e atravessamos. No fim fica tudo furado, lá pelas tantas olhamos e passamos para o outro lado. Paramos estáveis, sustentamos, com foco aberto; se o foco for fechado, sensorialmente, não vamos olhar. Olhamos sensorialmente. Dessa forma, tem sentido o restante da descrição: “De dentro da natural estabilidade sem esforço reconhecemos o espaço ilimitado vivo”. É o que dá significado para as coisas, dá a aparência, produz sensação de separação de observador e objeto. Esse espaço ilimitado vivo se manifesta sem que seja uma forma, bolha ou qualquer dos skandas, ele não precisa também de discriminação, de observador ou de identidade pessoal, está ali, manifesto. As coisas estão aparentes porque esse estado está presente, “não procuramos nada nem rejeitamos, estamos apenas presentes.” De dentro da natural estabilidade recuamos e sentamos dentro desse espaço livre. A natural estabilidade tem uma aparência da natureza vajra, agora eu sento numa região antes das aparências.
Não quer dizer que as aparências precisem desaparecer, reconhecemos esse espaço antes. Temos o recurso de poder mudar as aparências, quem vê a natureza vajra está além disso. Não procuramos nada nem rejeitamos, estamos apenas presentes. Percebemos que esse estado parado tem vida dentro, pode ser acionado, espaço ilimitado de possibilidades. Vemos a clara luz que produz isso e vemos a energia dinâmica. Paramos dentro disso. Podemos descrever isso e nos enganarmos, mas o grande diferencial é que partimos da natureza vajra, que por sua vez brota da prática da acumulação da prática dos oito pontos do prajnaparamita. E vem a contemplação das identidades, que já vimos.
Da natureza vajra para a presença o que acontece é que a noção de natureza vajra corresponde ao fato de que as coisas não são fixas nem externas, brotam da luminosidade natural da mente. Nesse ponto não preciso mais construir, me coloco em uma posição viva, lúcida, que não amorteceu o mundo externo pré-existente, um mundo exterior a mim. Simplesmente deixo de produzir aquelas experiências. Sento dentro do potencial de criação do mundo externo como quem senta diante de um traço, pode-se fazer o cubo de um jeito ou de outro. Não sentamos diante de um cubo e borramos o cubo, sentamos diante de um potencial de criação das aparências. Esse potencial é anterior à própria aparência, é vivo, pode produzir as aparências. É a prática da presença. Prática da presença é a condição que se manifesta antes de toda a criação. A pessoa senta ali. Com base nisso ela vai olhar surgimentos à frente, vai se surpreender vendo como que se dá o surgimento da própria identidade.
Quando estávamos trabalhando os oito itens vimos surgir o objeto coemergente com a mente, que é o item 2a. No item 2b surge o objeto coemergente com a mente, paisagem, energia e identidade que, enfim, é a bolha toda. Já vimos aparecer a identidade, agora vamos olhar com mais cuidado a microestrutura desse surgimento. Estamos parados nesse estado que detém o poder da sabedoria primordial, o poder de surpreender o nascimento das coisas. Vamos usar esse poder para olhar o surgimento da identidade.
Nesse ponto precisaríamos parar e ver isso operando. Do mesmo modo que fizemos com os oito itens, olhamos um objeto e furamos, vemos a sustentação da energia naquela relação, a energia aparece na relação com qualquer coisa dual. Olhamos de novo, de novo e de novo e nos vemos sustentando. Precisaríamos ver essa sustentação e ver que ela vem de dentro. Não é apenas a energia, sentimos como expressão de nós mesmos, sentimos a sustentação dessa energia como algo muito íntimo, nossa proteção vital, nosso círculo vital. “Não pise ali porque isso somos nós”, temos essa sensação. Mas voltamos e vemos que isso está na dependência da bolha. Temos muitos exemplos de como algo que era uma morte sob tortura, basta trocarmos de bolha e aquilo vira uma outra coisa, a nossa identidade tem essa característica. Acho importante ver essa sustentação como a base disso. Na verdade, é um tipo de inteligência condicionada que opera desse modo, não precisamos usar essa inteligência, podemos operar de outro modo.
Vemos o item seguinte: “A identidade livre migrando entre inteligências e energias”. Aqui temos uma sutileza: a identidade. Nos sentimos vivos quando estamos focados, sustentando algo. Mas já geramos uma identidade mais sutil ainda, suprimimos o objeto do desejo e apego e mantemos aquilo livre para podermos nos conectar com outro objeto, temos uma aspiração de que surja um objeto do desejo e apego em um certo momento, guardamos e ficamos esperando, mas aquela expectativa também somos nós mesmos, sentimos: “isso sou eu”.
Esse é um ponto interessante, vemos em alguns textos essa descrição de que todo o mundo está em um ponto esperando estar em outro ponto, constantemente. Estamos em um ponto, manobrando a energia de um certo jeito, esperando para ir para um outro ponto. Isso é um tipo de mente que opera e que não precisa estar operando, mas olhamos para isso como se fosse a coisa mais íntima dentro de nós. Contamos nossos sonhos: “Espero um dia fazer retiro no CEBB Darmata” ou “Espero fazer um retiro no mosteiro de Samye” Nada menos do que isso, com certeza. Ou “Um retiro nas ruínas de Nalanda”. Acho que essa me pegou... E o que significa pegar? Pegamos aquela energia e ela está ali. E agora? Aquilo foi falado, como é que libera isso? Surge em algum lugar, vai ficar em alayavijnana. Assim, têm coisas que estão em alayavijnana e depois desaparecem. Por exemplo, “Eu queria ter uma máquina de datilografia. Nunca comprei e nunca vou comprar”. “Queria ser motorneiro de bonde em Porto Alegre”. Isso não vai ser mais possível, está em alayavijnana, então a minha frustração não tem solução.
Vamos supor que a pessoa diga: “Vou casar, vou ter filhos, vou fazer tal coisa.” É uma complicação. Essa é uma sensação de que tenho uma identidade livre com uma certa disponibilidade, ela aspira descer em algum lugar e se configurar de um certo modo. Isso também é uma mente que opera, eu olho o mundo agora não mais a partir de um objeto que vê, mas de um objeto que espera no futuro ver, fica guardando. A pessoa tem um lung de uma coisa que não se desenhou ainda, mas está lá e porque foi concebido mentalmente passou a existir. A pessoa fica guardando isso, ela tem o lung de um dia ganhar um bilhete premiado, não é que acontece?
É uma identidade livre migrando entre inteligências e energias. E quando a pessoa especula e voa por vários quadros e imagens ela se sente viva especulando e voando dentro disso. Ela sente que está manifestando uma vida, ela vê aquilo vivo, está especulando possibilidades.
Tem um aspecto mais profundo do que esse, vocês vejam que é complicado... Tem uma identidade mais sutil como apego a manifestar-se pela própria sustentação da energia. No item anterior tenho a sensação de que estou buscando alguma coisa, mas na verdade tudo isso é um softwer que opera simplesmente pela sustentação da energia. A mente pode se manifestar de muitas formas, por exemplo, a mente da sabedoria da igualdade, ou da sabedoria do espelho. A pessoa que está manifestando a sabedoria do espelho não está operando por apego nem está sustentando nada. Mas aqui precisamos ver alguma coisa na frente e ficamos encontrando meios causais de sustentar. Enquanto eu olho, vejo a energia e sustento aquela energia, me sinto vivo. Mas descubro que tem um apego, uma estrutura mais sutil que me empurra para isso o tempo todo. Se não estiver ligado a alguma coisa, me sentindo vivo porque estou sustentando algo, é como se eu não estivesse vivo. Essa é a base da nossa experiência, estamos sempre procurando alguma coisa: uma namorada, uma casa, um lugar, um emprego, porque eu sustento e penso “Agora estou vivo”, e nos comunicamos desse modo. Quando a pessoa está com um foco em alguma coisa, dizemos: “Que bom!” A pessoa está encaminhada na vida. É essa a sensação. Quando os filhos estão encaminhados na vida, também é parecido. Mas para acreditarmos mesmo que o filho está encaminhado na vida tem que estar com emprego, casado, com filho, esposa e prestações; se ele olha para as prestações e honra as prestrações, ele já está encaminhado na vida. E Maharaja está de boca aberta esperando...
Então temos a identidade mais sutil como apego a manifetar-se pela sustentação da energia. Não estamos nem sustentando, mas temos essa aspiração. Se vocês olharem uma repartição pública, ou qualquer outro lugar, vocês começam a ver, por exemplo, a pessoa administra a vassoura da limpeza. “Essa vassoura é minha, para mexer com ela tem que avisar para mim antes” tem uma energia sutil. Vem uma outra pessoa e diz que precisa da vassoura e o adiminstrador da vassoura responde “Eu já tenho uma programação, a vassoura primeiro vai passar em outros lugares, depois vai varrer, não podemos alterar a programação da vassoura. Isso aqui é uma coisa séria!” A pessoa surge a partir da vassoura. A vassoura dá sentido a sua existência. São mínimas coisas, a pessoa pega uma sutileza de transformação de energia e começa a viver naquele intervalo, é um processo sutil. Chagdud Rinpoche dizia: “Os seres dos infernos, os seres famintos estão em todos os lugares, em todos os cantos.” Aí vocês vão entender isso. Eles estão manipulando a menor alteração de energia, é a identidade mais sutil como o apego a manifestar-se pela sustentação da energia. Se não estivéssemos sustentando alguma energia, seria horrível, a nossa vida não faria sentido nenhum.
“É a raiz mais funda de avydia, está presente em todos os seres.” Vocês vão olhar as plantas, os vírus, as bactérias, por todo o lado tem algo espreitando e controlando alguma coisa, o universo inteiro, sua multiplicidade de formas operam desse modo. Esse é o samsara, o código fonte do presente samsara e todo o código fonte do mundo condicionado. O código fonte é energia e sustentação, é uma única língua dentro disso, não é cognitivo, ocorre em outro nível, a cognição brota depois.Tem a forma de identidade e o mundo que aparece dual ao redor operando desse modo. Vamos olhando uma por uma das coisas. Se vocês pararem aqui, olhando para frente de novo, vocês podem parar tipo prática de shamata pura, presença, contemplando identidade. Vocês parem, nem mexam os olhos, só mexam a consciência e pela consciência mudamos daqui para lá, sem precisar mexer os olhos. Vocês vão perceber que cada objeto produz uma energia diferente. E cada objeto que produz uma energia diferente toca a pele cármica de vocês porque cada uma dessas coisas tem algo a sustentar. Vocês vão perceber que estamos sustentando cada uma das coisas e quando dizemos isso é que brota energia. Queremos que a energia se mantenha de um certo jeito e se as coisas mudarem, a energia muda. Estamos feito “vudus”, completamente dependentes e agulhados pelas coisas e seres.
Contemplamos o mundo que parece dual, completamente inseparável disso. Vamos olhar, por exemplo, a natureza. Se destruirmos a natureza será um problema, causaremos doença nas pessoas em nível sutil, imediatamente. Olhamos a situação e isso já nos faz mal, somos totalmente interdependentes. Ao contemplarmos esse ponto muitas e muitas vezes, desaparece essa sensação, nos liberamos, do mesmo modo que estamos praticando os oito pontos. Praticamos como quem fura algo, eu percebo a natureza vajra dessa manifestação, da identidade, da energia; quando vemos isso, entramos na natureza vajra. De repente o universo inteiro ao redor, o mundo circundante deixa de ser o universo do samsara, que move a minha energia de modo condicionado e supero a sensação de identidade, a observação do mundo. Vemos a natureza vajra da identidade e, com isso, se formos até esses detalhes sutis, teremos a cessação. A cessação, essencialmente, é o que surge da superação dessa avydia muito sutil de eu ter que estar sempre sustentando uma energia. De repente a mente não está mais operando assim, se o tapete está torto, se o quadro mexeu, podemos endireitar, mas não estamos mais fisgados, não somos mais isso.
Vemos, então, a vacuidade e a liberdade surgidas assim, surge a cessação, tem novamente vacuidade e liberdade, que é a prática da presença. Essa vacuidade e liberdade surgidas dessa contemplação que produz a cessação produz a experiência da mente livre que contempla a prisão da manifestação automática das identidades e dos mundos coemergentes. A pessoa gera uma visão geral de como a coisa está no mundo, os múltiplos seres surgem, a pessoa tem uma visão ampla de como isso se manifesta. Operando com essa mente ela deixa de ver as individualidades dos outros seres como individualidades, ela passa a ver como as identidades brotaram, como inteligências operando com energias, avydias e apegos. É a visão pura de um buda ou de um bodisatva em relação aos seres, ela não vê os seres senão como uma natureza de Buda. Ela não vê a partir das estruturas de avydias e apegos, ela vê como identidades vajra surgidas desse modo.
O ponto seguinte é: a mente livre das identidades se vê também nesse momento livre da identidade, ou do propósito, ou da aspiração de ser o Buda. Porque não há uma identidade que vai chegar a ser um buda, é o que buscamos por um longo tempo, porque estamos presos a noção de identidade. A cessação é que vai nos permitir isso. O Buda é alguém que cessou, extinguiu. “A mente livre das identidades vê-se além das identidades de um Buda, além da noção de tatágata”. Vejo a natureza livre se manifestando no aspecto apegado de cada um. As múltiplas manifestações expressam a natureza livre do Buda, olho em geral e vejo o Buda se manifestando por todo o lado.
O último ponto é a sabedoria primordial como Buda primordial. A pessoa senta nisso de novo e olha o aspecto da presença, conclui novamente com a presença, que é a compreensão da sabedoria primordial como Buda primordial. No final, por exemplo, dentro da estrutura dos ensinamentos de Garab Dordje - que é uma emanação de Vajrasattva, que por sua vez é emanação de Samantabhadra - ele apresenta um corpo humano em meio ao mundo e fala o ensinamento. O ensinamento de Garab Dorje tem essas três partes: visão, meditação e ação. Aqui seria a visão. Mas, eventualmente, como estamos olhando coisas dos mais variados modos, reconhecendo e furando isso, estamos trabalhando também a meditação. A meditação estabiliza a visão. Estabilizamos a visão e entramos na ação, para isso vamos precisar de um corpo no meio do mundo, é a construção do bodisatva.
“Tudo que olhamos, vemos a partir da presença”. Da presença vamos construir o bodisatva, não vamos construir por condicionamento. Todos os bodisatvas surgem da presença, são emanações da natureza primordial.
V) Etapas do treinamento
Vejo vocês praticando, quando fizerem retiro vocês vão olhar isso. Mas esses ensinamentos que ofereci estão em um contexto, como expliquei no início, e nós enquanto sanga vamos avançando. Porém, não acho que seja o caso de simplesmente começarmos a falar disso, acho que nesse momento seria o caso de tentarmos olhar a nossa própria experiência, estudar e amadurecer.
Na medida em que vamos amadurecendo passamos “pelas costas” e tornamos isso vivo. Daqui um tempo, pode ser daqui um ano, dois anos, três anos, começa a surgir uma linguagem e com isso as pessoas aprendem rápido, a sanga vai ensinando àqueles que chegam sem grande complicação, através dessa linguagem que foi incorporada. A sanga é como o Buda.
Não acho que seja o caso, por exemplo, de criar uma formação ou de dar cursos e palestras sobre esse tema. Penso que isso deveria ser um tema para utilizarmos nos nossos próprios retiros. Acredito que como uma sanga de tutores e facilitadores estamos ainda fazendo a acumulação da meditação de oito pontos, em geral estamos nesse ponto. Mas é bom que a gente olhe para adiante, não é mesmo? Assim, geramos um panorama. Mas precisamos fazer essa acumulação. Para transformar, paramos aqui e observamos: a experiência circundante é ordinária ou é da natureza vajra? Esse é o ponto. Estamos furando isso e transformando esse processo.
Nesse ponto queria lembrar: examinamos essas questões todas, mas vocês observem que têm várias ações que são essencialmente a prática que estamos fazendo. São tipos diferentes de práticas, há um bloco inicial que diz respeito a convertermos os fatos da nossa vida na necessidade de praticar. É um bloco grande, é mais ou menos o Meditando a Vida. Descobrimos lá pelas tantas que aquilo é útil, vamos transformando isso. Por exemplo, a Escola e o trabalho do Jardim Castelo estão dentro desse bloco. Transformamos numa ação de bom coração, vamos transformando em algo maior até o ponto em que a pessoa percebe que a mente dela anda meio autônoma em direções problemáticas e ela entende que deveria fazer prática. Esse ponto da prática inevitavelmente vai ter que ser reforçado. Então, em um certo momento começamos a fazer estudos de vários tipos, mas são um pouco aleatórios, que é a forma como o CEBB funciona.
O CEBB funciona um pouco aleatório, considero que é como se estivéssemos usando um processo como um bebê muito pequeno, um feto, as funções operam um pouco de forma não sistêmica, mas elas vão funcionando e tem um momento em que começa a funcionar organicamente. O coração não bate regularmente, mas vamos andando. Esse processo um pouco aleatório do CEBB é necessário que seja assim, porque se for regular vai apressar, complicar, atrapalhar. Mas no meio desse processo aleatório, lá pelas tantas, pensamos: “Acho que posso andar melhor.” Será que não tem um jeito de eu pegar aquilo e fazer uma coisa depois da outra e sair lá do outro lado? Sim, tem. Temos os tutores que nos ajudam, temos um interlocutor, uma pessoa que pode nos ajudar, ninguém está obrigado a fazer nada. É uma grande maravilha termos uma pessoa que se interesse por nós, constantemente, isso realmente é uma boa sorte. É bom ter mãe, é bom ter pai, mas antes disso acho que é bom ter um tutor, antes de mãe até. Está certo que a mãe pode nos ajudar até um certo ponto, mas alguém que nos ajude no caminho, isso é muito raro.
Junto com isso tem também a sanga. Acontece esse processo extraordinário porque todo mundo vai andando, tem um grupo de pessoas andando em uma direção, nós entramos, não sabemos para onde vai. É um pouco assim: “Eles devem estar indo para algum lugar” (risos). A sanga tem esse poder mobilizador. Acho que o pessoal do teatro poderia um dia juntar um monte de gente e começar a caminhar em uma certa direção, depois dobra para um lado, dobra para outro lado e chega no mesmo lugar. Um monte de gente olhando para alguma coisa e caminhando, de repente aquele monte de gente senta e para. Acho que seria legal!
A sanga tem esse poder, realmente é uma boa coisa. Dentro do Programa tem essa parte que é o ponto um: ampliar a nossa conexão de tal maneira que convertemos as coisas todas, samsara vem girando de lado, conseguimos ainda assim aproveitar, ampliar a motivação e seguir.
É crucial fazermos também shamata, porque a nossa mente é aleatória, se não treinarmos um pouco não vamos ter esse instrumento poderoso, não conseguiremos avançar. É como alguém que tenta avançar diante de uma multidão, nós andamos e tem uma multidão contra, vamos bater em todo mundo. Aqui nos batemos nos pensamentos que nos arrastam. Assim, shamata, ou zazen, é crucial.
Quando acalmamos um pouco a mente podemos tentar melhorar as circunstâncias ao redor, alterar a qualidade das relações, usamos metabavana para isso.Teremos menos aderências e resultados negativos e, eventualmente, começará a surgir mérito. Os resultados positivos começam a acontecer, nos movemos, os outros ajudam a nos movermos em uma certa direção. Isso é mérito, é um bom sinal, vamos precisar disso. Estamos com uma boa decisão, removemos os obstáculos e ampliamos os méritos, podemos aprofundar a nossa prática.
A seguir vem o prajnaparamita. Não vou dizer que esse bloco seja tudo, mas é quase tudo. Porque é essencialmente no bloco em que vamos começar a furar, se não furar a tela do samsara, não tem nada feito, zero. No máximo méritos para em uma próxima vida, em uma outra cirscunstância, furar o samsara. Nos posicionamos e não furamos o samsara, estamos imersos na ilusão completamente. É maya, sem chance. Então, teremos que entrar no prajnaparamita.
Observem, prajnaparamita é uma classe de ensinamento. Temos a percepção de que a realidade circundante é o samsara. Pegamos um pedacinho de samsara e ultrapassamos, a nossa prática começa sempre numa experiência de samsara. Isso é prática de Vajrassattva também, pegamos aquilo torto e transformamos. Ao final chegamos a tatata, dupla realidade, vemos o samsara e vemos a natureza vajra que não se opõe a aparência comum. Mas o ponto central ainda é que estou com um pé olhando samsara, do outro lado eu tenho o
reconhecimento da natureza vajra com as suas qualidades. Vamos até o fim da prática e vemos isso. Nesse contexto que estamos olhando, examinamos a travessia sem considerar a identidade, que é o roteiro de oito itens com respeito ao outro. Estamos olhando o outro, experiências externas. Começamos com aquilo que parece ser, na visão de samsara, aparência externa. Veremos que é coemergente.
Depois, vamos fazer os oito pontos na perspectiva da identidade, é como se fosse vacuidade interna. Fazemos a mesma coisa, pegamos elementos do samsara e viajamos em direção ao reconhecimento da natureza vajra. A nossa própria consciência, a nossa própria identidade é vajra. É isso, todo mundo vajra. Quando olhamos desse modo, vemos que toda essa classe de ensinamento é assim, enquanto passeamos por dentro disso, vamos até a prática da presença. É como se sentássemos na outra margem, mas ela ainda está conectada porque em todas essas práticas, incluindo a prática da presença, começamos no ponto meio torto, confuso e vamos migrando até o ponto onde repousamos na presença. Ainda é o trajeto do prajnaparamita. Mesmo que eu esteja lá no outro lado, aquilo é o ponto final de um trajeto. Vejam o roteiro, no começo a pessoa está em uma condição em que ela está praticando a estabilidade da mente dentro de uma certa condição, ela vai fazendo um trajeto. Ela está com pensamentos aleatórios ou observando objetos dentro de um ambiente que é realidade circundante comum, ou ela está dentro da realidade circundante meio perdida, na realidade de samsara. A pessoa está dentro disso, localiza aquilo, sai e repousa na presença. O roteiro tem esses quatro pontos, ele é sempre um deslocamento de uma opção para outra. Sentamos nessa condição da presença. Estamos na natureza vajra das aparências e nos recolhemos, não precisamos construir. É a prática da presença, fazemos a meditação.
O bloco seguinte corresponde a usarmos as qualidades da presença para produzir a realidade vajra de terra pura, de mandala. Vamos dar nascimento. Por exemplo, quando saímos em direção a olhar os cinco lungs estamos fazendo isso. Não estamos fazendo um roteiro de meditação que parta de um ponto obscuro, de uma confusão e dirija o nosso movimento em direção à lucidez. Estamos fazendo uma outra coisa, estamos saindo do ponto de lucidez e construindo configurações como remédios, meios hábeis dentro do mundo, são terras puras e mandalas. Utilizamos essa capacidade de produzir através dos cinco lungs. Estamos construindo um veículo para manifestação dentro do mundo. O bodisatva para se manifestar vai usar o mesmo tipo de substância do samsara, que é essencialmente os lungs. Mas esses lungs não estão mais na dependência daquele processo, do apego de necessitar que tudo ande bem para ter lung do bodisatva. Agora não é mais o caso, mas eu lembro há muito tempo, no início do CEBB, quando eventualmente alguém queria iniciar um grupo de meditação em outro lugar, havia uma reclamação recorrente: “Eu queria meditar, ter um grupo de meditação, mas as pessoas não vêm, aí então eu não medito. Se eles vêm, surge a energia, eu medito, eles não vêm, o pessoal é desanimado... não dá... aí não vai funcionar...” Isso é a energia que depende de condições ao redor para se manifestar. Aqui não estamos mais olhando para coisa alguma. A geração da energia é autônoma, vem da presença, não vem da circunstância externa. Pensem “O problema é esse, eu preciso primeiro encontrar um grupo que eu faça um compromisso real e todo mundo venha naquela hora, faz a meditação e aí então a coisa anda.” Isso é a minha energia na dependência das circunstâncias externas, é samsara. É certo que não vai funcionar. Vocês podem eventualmente se queixar, eu ouvi queixas desse tipo: “Na cidade tal as pessoas não têm uma cara boa para isso. Aqui não é um lugar auspicioso, não é um bom lugar.” Isso não é o caso, não importa, porque essencialmente a nossa energia não depende disso, a nossa energia brota de uma outra direção.
Vamos manifestar cinco lungs, observamos os lungs e vemos como eles aparecem. O elemento éter vem do que? Se dominamos o elemento éter, dominamos os elementos ar, fogo, água e terra. Não somos arrastados pelas circunstâncias, assim pode brotar o bodisatva. O bodisatva é autônomo, ele não precisa reabastecer, na verdade ele é um caminhão pipa, ele vai abastecendo sem se esvaziar. Esse é o ponto crucial, vamos fazer essa migração. Mas até a prática do prajnaparamita com o roteiro de oito pontos que vai até a presença, não geramos isso ainda. Pegamos coisas confusas e desmontamos as estruturas do samsara, sentamos na presença e pensamos: “Bom, agora é o final do final.”
Para andar no mundo vou precisar de um corpo de bodisatva, para isso eu preciso nascer, é o talo do lótus, ele vai ter que aparecer. É autônomo, teremos que encontrar essa fonte. Essa parte dentro do Vajrayana com sinais, que é xamânico, se mostramos algum objeto para alguém, por exemplo, a energia se move. Usamos os processos ilusórios dos objetos, dos sons para produzir energia, está um pouco na dependência desses processos. Aqui tem sentido a noção de iniciação, que é diferente da noção de transmissão. Muitos mestres dão iniciação, mas não dão transmissão. A transmissão corresponde ao Vajrayana sem sinais. No Vajrayana com sinais, a iniciação pode ser iniciação mais transmissão, mas pode ser que ela seja só iniciação e pode ser que seja uma iniciação que não funciona. As iniciações em um sentido muito inferior são autorizações, são vinculações causais com estruturas, que é o aspecto mais inferior e que é problemático. Porque quando estabelecemos essa conexão de iniciação nesse nível, é muito comum incorrer nos erros que no próprio Vajrayana com sinais ou sem sinais estão todos descritos, como Patrul Rinpoche descreve: temos a sensação de que se o nosso mestre vai bem, ótimo para nós, se o nosso mestre vai mal, péssimo; se outro mestre vai bem, péssimo para o nosso mestre. Surge algo problemático, a pessoa começa a olhar como uma família excludente de outras famílias.
As iniciações com essa abordagem, ainda que elas tenham a capacidade de pegar o outro e puxar para a família, que é uma coisa boa, têm obstáculos, como tudo. O caminho tem obstáculos, como shamata tem obstáculos, não só obstáculos, tem efeitos colaterais. Se shamata tem efeito colateral, qualquer coisa tem efeito colateral. Então, as iniciações nesse nível também têm efeitos colaterais, elas criam vínculos causais que podem ser problemáticos. Vão surgir recomendações: “Por favor, não tome iniciação naquela outra linhagem, você vai desenvolver uma conexão cármica que vai lhe deixar preso e pode gerar obstáculos no futuro.” Vocês vão estar todos dentro da mesma linhagem e vão ouvir: “Melhor não tomar iniciação com aquele mestre porque pode desenvolver uma conexão e trazer problemas no futuro. Ainda que sejam mestres reconhecidos, autorizados, melhor não tomar iniciação porque aquilo pode gerar obstáculo.” Surge um problema bem complexo.
O ponto que eu queria chegar não é o da iniciação propriamente, o ponto da transmissão é olharmos isso de outro modo. As iniciações são muito interessantes. É um processo xamânico, mas às vezes não percebemos na hora, mas tem iniciação de corpo, fala e mente, é como se houvesse dentro da iniciação uma transmissão. A pessoa, em princípio, recebe corpo, fala e mente do Buda, pelo menos formalmente ela vai receber isso, através de coisas que são externas. Mas mais importante do que a iniciação, que é utilizada com sinais, é o processo de lucidez. O processo de lucidez é transmissão da mente, da forma de ver. Considero esse o ponto prioritário, se houver iniciação e não houver transmissão, não adianta. Se tiver transmissão sem iniciação não falta mais nada. A transmissão é o ponto realmente. É capacidade, por exemplo, de reconhecermos o que é a sabedoria do espelho, sabedoria da igualdade e poder manifestar o lung. O lung é a essência da transmissão. Por quê? Porque posso manifestar a ideia, mas não consigo fazer aquela ideia operar dentro do outro, ele está operando com outro lung. Quando aquela inteligência acopla com o lung, aquilo se manifesta e o lung começa a operar de forma autônoma, aí a pessoa recebeu a transmissão.
O que estamos seguindo é o cerne desse processo, é a geração de uma inteligência viva, que se torna viva pelo lung, por um processo diferente do processo usual nosso. Nós também operamos no samsara com lung, só que o nosso lung não tem uma geração autônoma de lung, ele depende da aparência causal das coisas. É por isso que ficamos como escravos, correndo atrás e montando coisas o tempo todo para manter o lung. Vamos trabalhando o tempo todo para manter o lung. Quando esse lung se torna autônomo é uma outra coisa. Durante um longo tempo temos uma ideologia completa de que o lung depende das coisas, nem vemos o lung, simplesmente dizemos “Eu sou assim porque gosto disso e não gosto daquilo”. “Tais coisas me incomodam muito, outras coisas eu gosto. Gosto, mas às vezes eu também não gosto, gosto de um outro jeito. Não é sempre, é assim: aos domingos eu gosto disso, às segundas-feiras já é outra coisa”, aquilo vira uma confusão. Nos movemos no meio disso que são enfim os 12 Elos, os vedanas que nos impulsionam e nós andamos em círculo. Não vamos a lugar nenhum, com certeza, só nos esgotamos, estamos num bug, num vírus do sistema, operando em uma coisa que era bom descobrir como isso surgiu. Por enquanto o mais útil é escapar disso. Esse ponto do lung é essencial, ele vem pela presença, sentamos nisso. O lung é autônomo, ele brota dessa própria condição, não depende de nada, não precisa arrumar nada. Tudo o que parecia que detinha o nosso lung já dissolveu com o prajnaparamita, já olhamos até o fim e sorrimos, vemos a coemergência, já entendemos tudo, fomos até o fim.
Sentamos na presença, vamos partir para a etapa dos cinco lungs do bodisatva. É como se tivéssemos voltado ao início, vamos pegar a motivação, que não é uma coisa do início. Motivação é um problema, tomo a motivação, mas não tenho como mover a minha ação, sou um autômato no meio daquilo, alguma coisa se move eu já me movo junto. Para poder gerar isso shamata não resolve, tem que ser presença, assim eu me movo. Quando me movo tenho o domínio da energia, preciso ter o domínio do conteúdo da mente. Vêm as cinco sabedorias, mas as sabedorias são infinitas, não são cinco, é um número indeterminado. Olhamos as cinco, mas logo em seguida reconhecemos que Chenrezig está ali. Samantabhadra está ali desde o início. Tem Guru Rinpoche, me defronto com um obstáculo, brota energia, eu me movo, é vajra, vai dissolvendo aquilo tudo. Isso é Guru Rinpoche, acho que é o mais divertido de todos.
Tem Manjushri, vamos ver perfeitamente a energia, têm pessoas com essa energia de Manjushri bem clara, elas olham os obstáculos e veem que é delusão. É maravilhoso, Manjushri e Chenrezig juntos. Têm outras pessoas que começam pelo ponto de Chenrezig, elas ouvem o outro até o fim, esperando para dar uma facada na hora que der... ou uma espadada de Manjushri, ajeitando assim: Manjushri, agora é com você! Por quê? Porque as pessoas veem Manjushri e já saem correndo, assim ele aparece com a cara de Chenrezig.
Surge esse processo das várias ações. Vêm as deidades pacificadoras, acalmando, como se faz antes da injeção, tu passas um algodãozinho com álcool. Até aqui tudo bem, acalmando, ação tranquilizadora. O samsara está muito perturbado, aquela mente está agitada, dizemos “calma”, para depois contar que o outro vai morrer, mas primeiro acalmamos ele.
Na ação incrementadora pegamos as qualidades positivas do outro, “engordamos” o outro, tranquilizamos, educamos, ajudamos, ele se instala melhor dentro do samsara. A ação incrementadora ela está olhando a natureza de Buda, está olhando todas as qualidades, a essência do amor, olha o que é positivo, até aí tudo bem....
Tem a ação muito importante que é a ação irada. Cada uma dessas ações pode vir junto com as diferentes sabedorias. Ação irada corresponde a uma compaixão de cirurgião. Compaixão no hospital da restauração onde ele vai ter que cortar o pé, ou cortar a perna do motoqueiro. Tem compaixão, mas é compaixão assim: “Vou ter que tirar um pedaço. E aí?”É compaixão, mas é irada. O fato de ser irada não quer dizer que não seja compaixão.
Depois tem a ação de poder que é bem interessante. É como, por exemplo, na presença de alguém que exerce ação de poder as pessoas se comportam naturalmente, fica todo mundo com uma carinha de anjinho... Papai e mamãe saem de casa, vira uma confusão. Eles chegam, se escuta a chave, a mente muda. Isso é ação de poder. A sanga exerce ação de poder, ela se estabelece e tudo começa a andar. É ação pelas costas, muito útil.
Têm essas várias formas. Mas se vocês olharem, essas formas de ação têm uma energia própria, elas não estão baseadas em localizar algo negativo, em meditar, meditar e meditar e transformar aquilo em uma lucidez correspondente, não é mais essa a prática. Agora é uma prática tipo peito aberto no mundo, vai andando e a ação de poder se exerce, ação irada se exerce, ação incrementadora, pacificadora se exerce. É uma ação ativa, é uma outra coisa, uma outra mente. Essa mente é a mente dos bodisatvas. Têm as cinco sabedorias e têm essas várias outras, vocês vão olhando. Têm os tertons que localizam as sabedorias que já estão presentes, vamos usar isso, é maravilhoso.
Entendemos isso tudo, quando dizemos: “Isso é verdade.” Já testamos, mas para viver assim, de repente ainda estamos dentro do samsara, agora dizemos: “Ainda que isso seja verdadeiro, precisa ter coragem para viver assim. Nem sei o que vai acontecer se eu começar a andar desse modo. Vai ser uma confusão”. Mas a gente faz o que pode com paciência, mantemos a perseverança, não desistimos, vamos andando. As coisas vão se transformando e nós vamos indo.
Voltamos ao item um, refazemos a motivação, a perseverança. Já estamos em uma outra etapa, a motivação fica muito mais clara. Praticamos shamata muito mais facilmente, shamata pura e impura. Metabavana já parece a ação do próprio Buda, construindo terra pura por metabavana. O prajnaparamita fica bem mais fácil, entendemos que temos que praticar os oito itens, entendemos que falhamos. Na sequência dos oito itens vamos ver a presença, vamos olhar a identidade, vamos ver de novo o enrosco, vemos como que nos prendemos e viramos um equilibrista de energia na dependência de coisas. Repousamos, natureza vajra, recuamos em silêncio, construímos o lung do bodisatva, tem nascimento o bodisatva.
É isso o que estamos fazendo. Se vocês seguirem não precisam de mim; se eu estiver aqui e não seguirem, não adianta eu estar aqui. Essa é a conversa do Huig Neng quando ele se despede e vai morrer, é emocionante, bonito. Então, se vocês seguirem o que eu estou dizendo não precisam de mim, é só seguir; se não seguirem, de que adianta eu ficar?
Texto editado a partir do ensinamentos oferecidos pelo Lama Padma Samten durante o retiro realizado no Cebb Darmata para tutores e facilitadores, em novembro 2011. Transcrição de Andiara Paz, Gabriela Sencades e João Augsto Dias. Editado por Andiara Paz.