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Este é um material transcrito a partir de ensinamentos orais de Lama Padma Samten. Ele é usado exclusivamente para apoiar os estudos e práticas dentro da sanga, pedimos não reproduzir em outros sites. O material está em constante revisão e melhoria; quaisquer erros encontrados são devidos às limitações das pessoas envolvidas na transcrição e na edição, e serão corrigidos assim que possível.
Caso tenha contribuições para melhorar está transcrição, entre em contato pelo email: repositorio.transcricoes@gmail.com
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Retiro A Visão Budista da Vida e da Morte
Lama Padma Samten
CEBB Bacopari – 22/05/2021 – manhã
Transcrição: Vanessa Berwanger Sandri
Revisão: José Benetti, Mônica Kaseker (14/07/2022)
Este é um material transcrito a partir de ensinamentos orais de Lama Padma Samten. Ele é usado exclusivamente para apoiar os estudos e práticas dentro da sanga, pedimos não reproduzir em outros sites. O material está em constante revisão e melhoria; quaisquer erros encontrados são devidos às limitações das pessoas envolvidas na transcrição e na edição, e serão corrigidos assim que possível.
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Os cinco bardos
Nós estamos olhando o tema dos cinco Bardos e estamos em um período especial. O período de Saga Dawa é um período super apropriado para que a gente examine esse tema da mãe Darmata, onde olhamos os seis selos.
Agora, a gente vai dar uma sequência dentro desse mesmo tema que é a Visão Budista da Vida e da Morte, a visão Budista que vai além da vida e vai além da morte, mas ela também vê a vida e vê a morte. Vamos utilizar o texto de Dudjom Rinpoche, que eu sempre recomendo para quando as pessoas têm perdas nas suas relações, que leiam esse texto por 49 dias. É um ensinamento de Dudjom Rinpoche, onde ele fala com aquela forma natural, direta e clara dele e esse texto foi publicado no ano de 2001, numa tradução do grupo de Padmakara. Eu mesmo fiz essa tradução também, mais ou menos nessa época, que foi quando o Chagdud Rinpoche terminou falecendo, em 17 de novembro de 2002. Achei super apropriado. Chagdud Rinpoche foi aluno de Dudjom Rinpoche e esse foi um ensinamento de coração sobre a nossa própria situação, a situação dos vários Bardos que nós vivemos incessantemente, não apenas o Bardo da morte, mas esses vários estados transitórios.
Esse ensinamento de Dudjom Rinpoche pode ser visto claramente como um ensinamento que conecta as várias experiências que nós temos nas nossas vidas e ele é falado desde esse lugar livre da mente que é onde Dudjom Rinpoche habitava. É bonito a gente olhar não apenas o conteúdo, onde com sua sabedoria ele acessava o lugar que nós experimentamos as nossas vidas, mas ele mesmo não fala desse lugar, ele fala desde o lugar livre onde os ensinamentos mais elevados fazem sentido. É muito precioso e acredito que cada um deveria guardar isso com cuidado.
Esse ensinamento mais adiante vai ser complementado por um ensinamento do Surangama onde o Buda apresenta o que está além da vida e da morte para o rei Prasenajit. O rei sente que está ficando meio velho e que precisava ver o que morre e o que não morre, porque... Afinal como é essa coisa? O rei era um aluno do Buda e o Buda dá um ensinamento curto, muito interessante sobre o que morre e o que não morre, que é na verdade uma transmissão da Natureza Primordial, uma transmissão de Darmata, transmissão de Tatagatagarba, daquilo que não nasce e não morre. Se houver essa oportunidade, vou trazer também esse texto.
Na segunda, vamos dedicar um dia de prática silenciosa, que eu acho super apropriado. Vai estar dentro do período de Saga Dawa. Os tibetanos dizem que tudo que fizermos de bom no período de Saga Dawa é multiplicado por 100 mil. É uma boa chance. Mas gostam de aterrorizar também e dizem que tudo que você fizer de ruim também é multiplicado por 100 mil. Nesse período é muito interessante estudar, fazer meditação, retiros. Imagina, um dia de meditação vale por 100 mil dias, uma barganha. Toda confusão que tivermos dentro da meditação multiplica por 100 mil também, cada um vai saber se vale a pena.
Estamos olhando esse texto, que é Uma Introdução ao Bardo.
Dudjom Rinpoche começa assim:
Diz-se que toda doutrina do Buda poderia ser sintetizada no ensinamento dos seis bardos
Esse ensinamento está em um texto que é chamado de Conselhos do Meu Coração, de Dudjom Rinpoche, publicado pela Shambhala em 2001. É um bom título, curto e direto.
A gente de modo geral pensa: Primeira Nobre Verdade, Segunda Nobre Verdade, as Quatro Nobres Verdades, Nobre Caminho de Oito Passos, por que de repente vamos dizer que a doutrina do Buda pode ser sintetizada nos ensinamentos dos seis bardos? Porque os bardos são os estados onde nós vemos as coisas de forma perturbada, ou seja, nossa realidade. Se nós olhamos as nossas realidades não mais como se existisse a natureza livre, as mandalas e o samsara, e agora eu estou dividindo o samsara em seis experiências... Isso é uma forma de dividir. Eu poderia dividir nos Três Mundos, nos Seis Reinos, poderia ir dividindo assim. Mas há essa forma muito apropriada dos seis bardos. Por exemplo, quando nós estamos praticando durante a vida, parece que aquilo é tudo, mas não é. Porque existe a vida comum, existe o sonho, existe a meditação, mas existe também o morrer, a passagem onde a pessoa começa a perder energia e se aproxima da morte, é inevitável.
Dudjom Rinpoche vai dizer “quando as preces de longa vida não funcionam mais, quando os remédios não funcionam mais, os médicos não têm mais o que fazer, então estamos nos aproximando da morte.” Esse é o período - não é instantâneo - onde a mente vê que aquilo vai acontecer, já está perturbada, as realidades mudam. Esse é o período do morrer.
Posteriormente a esse período, como a natureza da mente é livre, não passa por vida e morte, ela começa a experiência do bardo alucinado do Darmata. Ele é descrito assim porque a mente projeta imagens e vive a partir dessas imagens que ela vai projetando. Nesse sentido, é um bardo alucinatório, psicótico, parecido com a realidade como nós vivemos, que também é uma realidade psicótica. Mas aí especificamente não temos uma ancoragem dos sentidos físicos.
Na sequência temos o bardo do morrer, o bardo do pós-morte e o bardo do renascer, quando a consciência vislumbra no meio desse mundo psicótico, onírico, uma direção e vai seguir naquela direção. Na verdade, não temos apenas a experiência da vida. Eu acho completamente extraordinário que Dudjom Rinpoche dê os ensinamentos sobre os seis bardos e não apenas sobre o bardo da vida. É muito extraordinário! Por isso esse título: A Visão Budista Sobre a Vida e Sobre a Morte. A gente podia dizer sobre a vida, sobre a morte, e sobre a vida de novo. Então, diz-se que toda doutrina do Buda poderia ser sintetizada no ensinamento sobre a clarificação, percepção do aspecto iluminado e extraordinário de cada um dos seis bardos. Se nós praticarmos só o bardo da vida é insuficiente.
O Darma do Buda é vasto e profundo e as muitas abordagens dos vários veículos e ciclos de ensinamentos abrangem uma inconcebível riqueza de instrução. Para aqueles que desejam atingir a cidadela primordial da condição de Buda no curso de uma única vida humana, a prática desses ensinamentos é apresentada dentro da abordagem dos seis bardos.
É maravilhoso ele já estar trazendo isso. Dudjom Rinpoche é completamente direto. Acredito que muitos na Sanga têm essa aspiração. Neste tempo a gente não tem a sensação de que se aproxima de uma religião de tal forma que possamos ir vivendo no mundo, e que ela nos dê as bênçãos para a gente ir passando pelas várias fases e nós vamos vivendo e vamos criando os filhos e vamos andando, a nossa perspectiva não é essa. Essa visão é inerente à visão do Budismo também, de apoiar as famílias a andarem melhor no mundo etc, mas a visão Budista mesmo é essa de transcendência e atingir a liberação completa e clareza completa de tudo. Então, neste tempo, especialmente neste tempo de muitos problemas, tempos de degenerescência, quando os ensinamentos sobre a natureza da realidade assumem a preponderância, o ponto de atingir a liberação nesta única vida surge. Mas não se trata de a pessoa dizer: 'nessa vida eu quero atingir esse objetivo'. Se a pessoa tiver objetivos pessoais de atingir em uma única vida, não é uma motivação muito boa. Mas o fato é que, na medida que as pessoas vão praticando, elas sentem que alguma coisa está acontecendo, elas sentem que estão conseguindo entender pelo menos alguma coisa e elas aspiram não perder aquilo, aspiram efetivamente completar esse aspecto. Então porque elas veem que é possível e aspiram completar é que surge essa sensação de que elas querem viver isso nesta vida, não querem deixar isso para depois, entrar na confusão de novo, querem estabilizar, estabelecer uma clareza completa.
A prática desses ensinamentos é apresentada dentro dos seis bardos e está voltada a oferecer esse resultado final, com essa introdução de Dudjom Rinpoche. Ele diz:
O que é, portanto, um bardo? Um bardo é um estado…
Estado é alguma coisa que a gente entra e sai. Os samadis também são estados, não representam em si a liberação completa, são alguma coisa como uma posição de mente, uma visão de bolha, uma visão transitória da realidade onde surge nossa identidade e ali dentro nós temos uma sensação do que a gente deveria fazer, então a gente vai pra cá, vai pra lá, aquilo tudo fica claro, a nossa energia brota, os impulsos todos têm coerência com isso. Então, isso é um estado.
O bardo não é definido por um aspecto grosseiro, nem é aqui nem é lá, não é definido por uma coisa grosseira, é uma coisa sutil e ele é uma condição que nós acessamos e depois seguimos. É um estado intermediário, porque os estados, uma vez que não são fixos, são sempre precedidos de um e sucedidos por um outro, é assim. Isso é a nossa experiência de vida, estamos sempre em uma condição que foi precedida por outra e que vai ter uma sequência.
O que é, portanto, um bardo? É um estado que não é aqui nem lá. Por definição é algo que começa no meio, um estado intermediário.
Eu acho muito apropriado falar como estado intermediário. A noção de estado intermediário traz clara dentro de si a visão da transmigração. Uma vez que estamos em um processo de transmigração infindável, cada posição que estamos foi precedida por uma e vai ser sucedida por outra. Nesse sentido não estamos em algum lugar. Estamos em um estado intermediário dentro de um processo de transmigração infinita, enquanto temos a ausência da lucidez. Quando a lucidez vem, ela em si se torna a existência e nós deixamos de ser as identidades com aspectos que surgem por dentro dos bardos, passamos a ser a própria lucidez.
Os seis bardos são: (1) o bardo natural da presente vida; (2) o bardo alucinatório do sonho; (3) o bardo da absorção meditativa; (4) o bardo doloroso do morrer; ou seja, a pessoa está viva e está morrendo (5) o bardo luminoso da realidade última; que é o bardo do Darmata e (6) o bardo cármico do ressurgimento.
O bardo natural da presente vida: estamos aqui [batendo no peito]. O bardo alucinatório do sonho, a gente não consegue ter um peito que bate porque está no sonho, o corpo de sonho não é o corpo sólido que nós temos. No bardo da absorção meditativa, podemos dizer 'eu estou aqui, meditando'. O bardo doloroso do morrer podemos dizer 'estou aqui, morrendo'. O bardo luminoso da realidade última já é sem o corpo, não tem esse corpo que bate e vê. E o bardo cármico do ressurgimento aí olhamos tudo, começa se desenhar esse corpo, essa identidade grosseira.
O bardo natural da presente vida cobre o período entre o nascimento e a morte. Nesse momento, portanto, todos estamos no bardo da presente vida. Como está presente nos ensinamentos: "Kyema!"
Espantoso, todos nós estamos aqui, no bardo da vida. A gente abre os olhos e vê, isso não é a vida, não é a realidade. Isso é o bardo da vida.
“Agora que estou no bardo da minha presente vida deixarei de ser preguiçoso”.
Não sou eu que está dizendo. É o Dudjom Rinpoche. [risos] Ele está sugerindo que cada um olhe pra si e diga 'vou deixar de ser preguiçoso',
Esta é a nossa presente condição. Deveríamos pensar cuidadosamente e perguntar a nós mesmos quantos anos já passaram desde que nós nascemos e quantos anos mais ainda teremos. A vida é extremamente impermanente; ninguém escapará da morte. Enquanto estamos nesta situação, desperdiçamos nossa existência inutilmente, jogando fora nosso tempo com preguiça e distrações. E internet. A parte da internet não estava aqui, mas é claro que é. [risos] A vida segue seu curso e seu ímpeto eventualmente se exaure.
A gente vai seguindo e lá pelas tantas, vai ficando pesado.
Nesse ponto todas as atividades terminam e nada mais pode ser feito.
Esse é um ponto interessante. Eu acho que aqui já é uma dica de meditação. A gente deveria parar um pouquinho - quem está olhando os ensinamentos de forma ampla - para ver de onde vem o ímpeto da vida. A pessoa vai perceber. Ímpeto é uma forma também de descrever energia. A pessoa percebe de onde está vindo a energia e a pessoa vê que a energia se movimenta de acordo com olhos, ouvidos, nariz, língua e tato. De acordo com o que a gente vê, ouve, etc, a gente tem uma modulação de energia. Na verdade, essa modulação de energia é uma modulação cármica. Ela vem, não apenas de olhos, ouvidos, mas ela vem da bolha. Quando nós olhamos, ouvimos, etc., a gente não ouve apenas; a gente constrói a bolha e opera dentro da bolha e tem a sensação do que a gente ouve e vê, mas estamos ouvindo e vendo aquilo que a mente construiu como aparências. O ímpeto inclui a construção das aparências e a energia que vem do movimento disso. É como se a gente estivesse jogando um jogo de tabuleiro. A pessoa pensa que o ímpeto é o da jogada, mas não. A energia incluiu a construção do tabuleiro, das regras e da sensação de identidade da pessoa que quando ela olha a jogada que ela vai fazer, parece que é o ímpeto da jogada, mas tem a energia toda da construção de tudo aquilo. O que nos aprisiona no samsara não é o ímpeto da jogada, mas já é o panorama todo onde nós nos colocamos para viver e a jogada é apenas uma pequena alternativa por dentro disso. O ímpeto da vida, nós vamos de um tabuleiro para outro e a vida termina se esgotando porque não há um tabuleiro final, não há uma vitória final, não há uma identidade final dentro disso. Então a gente simplesmente vai se esgotando dentro disso. Tem um momento em que essa energia cármica não consegue mais impulsionar o movimento.
Vocês olhem com cuidado o próprio corpo. O corpo se movimenta carmicamente, as células se movimentam carmicamente, tudo se movimenta carmicamente. De acordo com como eu me vejo dentro das bolhas, brota uma energia dentro do corpo para fazer a jogada correspondente àquilo que eu estou vendo. O corpo está associado às paisagens mentais diretamente. Em um sentido cármico, nós funcionamos a partir das paisagens e bolhas que servem de base para que as opções de movimento brilhem e brote uma energia correspondente. Só que essa energia brota nesse aspecto sutil e ela se filtra por dentro do próprio corpo. O corpo é uma apresentação clara da base condicionada onde nós estamos vivendo já há um bom tempo e junto com todas as células, com todos os órgãos. Tudo aquilo se movimenta nessa ligação. Mas há o tempo em que o próprio corpo já está desgastado. Mesmo que essa energia apareça, ela não tem mais o poder de explosão de fazer as coisas efetivamente acontecerem. Essa é a circunstância, esse é o problema, a morte vai se manifestar. É como se houvesse um acúmulo cármico de transformações até o ponto onde não é mais possível seguir.
Se a gente segue contemplando, segue olhando com cuidado, vemos que a própria energia que impulsiona as bolhas, impulsiona as identidades, etc. é a energia primordial, a energia que brota da base, completamente livre, não da base condicionada. Só tem uma fonte de energia, uma manifestação de energia. É essa! E ela se filtra por dentro das condições que são representadas pela base condicionada que é Alaya Vijnana, que é a mente fundamental.
A gente tem a mente primordial que é do bem [rindo] e tem a mente fundamental que é o conjunto de referenciais que a gente vai construindo e é ela que vai filtrar a energia que brota da base primordial, dando os significados e fazendo que aqui surja um templo, e que aqui em volta seja o CEBB. Se uma pessoa entra lá, alguém tem que correr para conversar. Como essa pessoa pode entrar aqui? Se a gente vê um animal, a gente diz 'como essa vaca está aqui? Não pode!' 'Renato vai lá e resolve isso!' [risos] 'Andi, tu conversou com eles? Como estão entrando aqui a essa hora? E sem máscara! Temos que tomar providências!' Essa sensação de realidade que produz nossos impulsos, isso tudo é o samsara e vem da mente condicionada.
Alguns anos atrás isso aqui era completamente diferente. Tinham outras pessoas morando aqui, elas faziam tudo diferente. Até era bom porque tinha uma passagem, tinha um campingzinho que dava para passar para lá e dava para tomar banho na lagoa aqui bem perto. Tinha umas vantagens. Aqui estava cheio de gansos. É assim! As realidades vão mudando, a bolha muda. O que sustenta a bolha? A bolha é sustentada pela visão construída e pela energia que brota da base primordial, mas essa base primordial se filtra no tecido esponjoso da base fundamental, que é condicionada, Alaya Vijnana, e a partir disso repentinamente brota e a gente tem uma sensação que aqui é o CEBB, aqui é o Templo, cada um tem um nome e sabe o que está fazendo, todos estão meditando muito. Esse é o ponto. Como a sensação de vida acontece. Logo, a energia de fato é a energia primordial e não a energia que brota por dentro das bolhas. Esse é o ponto.
O Buda já no Satipatana Sutta, Anapanasati Sutta vai nos convidar a, através dessa capacidade de sati, de ver as aparências, a ver a própria energia primordial se filtrando nessa sabedoria que contempla as aparências. Ele vai introduzir isso como o estado não condicionado, essa capacidade de ver. A Sabedoria Primordial vê. Quando ela vê, tem energia que está brotando livre das bolhas. Então, nós estamos indo nessa direção.
Aqui estamos dizendo a vida segue seu curso e seu ímpeto eventualmente se exaure. O ímpeto da vida condicionada brota da fonte primordial, mas vai andando por dentro das condições, e aí não é mais possível. O ímpeto da vida se exaure. Mas a energia primordial não se exaure.
Nesse ponto todas as atividades terminam e nada mais pode ser feito.
Aquele estado, aquela condição chega em um final. Por exemplo, hoje é sábado, amanhã tem a final do Campeonato Gaúcho e aquela energia vai se esgotar. É o fim. Eu acho que o Inter vai se esgotar, não vai mais ter como. Eu tenho uma visão totalmente neutra, não tem nenhum tipo de tendência. [risos]
O Buda, como Dudjom Rinpoche, diz:
Por isso se diz que [não] deveríamos evitar cair sob o domínio da indolência e distração.
Nós dentro da bolha, isso é distração, indolência. Nós seguimos por dentro da bolha, sem nenhuma visão de que deveríamos fazer qualquer outra coisa. Simplesmente vamos andando por ali e aquilo está bem, parece que enquanto o time vai ganhando está tudo bem. Vamos indo até o momento em que a energia está terminando e o que eu faço? Não entendi nada e agora o tempo se esgota e vou morrer. Vou para onde? O que vai acontecer? Como é?
Em lugar disso deveríamos praticar o Darma.
Darma é a palavra que se usa para objetos e situações. Praticar o Darma é ter clareza sobre objetos e situações. A gente transforma as aparências, que são darmas, em Darma, em lucidez. Deveríamos praticar lucidez.
Deveríamos praticar o Darma, que é a única coisa que pode nos ajudar no momento da morte. (e da vida) Apesar de sermos incapazes de praticar tudo (todas as instruções, visões) deveríamos praticar tanto quanto possível sabendo que o modo como vivemos agora pode exercer uma influência positiva nas condições da próxima vida.
Aqui Dudjom Rinpoche está nos ajudando. Ele está falando dentro do mundo onde nós sentimos que existimos, está falando para os seres que têm confusão. Esses seres pensam 'eu vivo hoje e amanhã eu vou viver uma outra vida'. Essas outras vidas se dão dentro do mesmo corpo. Então, esses ensinamentos são muito úteis. A gente vive uma vida aqui no Bacopari e daqui a pouco vai estar vivendo em outro lugar. Às vezes isso é repentino. É importante a gente entender isso. A prática do Darma, a prática da lucidez é a única coisa que pode efetivamente nos ajudar no momento das transições. O modo como vivemos agora pode exercer uma influência positiva no que vai ocorrer depois. A gente precisaria ter muito cuidado porque agora é um bom momento de gerar os méritos que vão nos favorecer nas vidas subsequentes, sejam elas quais forem, o tipo de vida que for.
Tanto quanto possível, portanto, deveríamos evitar mesmo uma única ação negativa.
Por exemplo, nunca deixar a comida queimar, muito menos no Saga Dawa [risos].
E nunca deveríamos perder a oportunidade de realizar mesmo que a menor ação positiva.
Claro, porque se a gente faz uma ação negativa e respalda aquilo, então isso se torna uma parte mais estável dos nossos referenciais e vamos ter a tendência de fazer isso de novo. Esse é o ponto. Isso é o que dá respaldo para as ações iradas, esse ensinamento eu ouvi do Chagdud Rinpoche, que tinha uma facilidade de dar ensinamento irado. Ele não tinha nenhum problema com isso. Mas a gente precisa entender que ensinamento irado não é um soco no outro. Ensinamento irado é um ensinamento compassivo, porque é ensinamento compassivo irado. Se o outro segue do jeito que ele está seguindo, estabiliza as ações negativas. As ações negativas precisam ser interrompidas. Eu vi o Chagdud Rinpoche dizer que uma pessoa que tem habilidades em artes marciais pode fazer uma ação compassiva a partir do [gesto no bíceps] HO! Pois desse modo, ele pode impedir que o outro faça uma ação negativa, que é uma coisa muito benigna para a pessoa que estava fazendo a ação negativa. Uma vez que a pessoa faz a ação negativa e acha que tudo bem, aquilo é péssimo, é horrível. Então, se a gente puder interromper as ações negativas... A gente olha essas guerras, as pessoas estão fazendo muitas ações negativas, elas estão se matando, estão aspirando matar umas às outras, encontram um jeito. Essa visão faz as pessoas correrem para as ruas e declararem vitórias, achar que foi tudo muito bom, muito interessante. Todos os lados proclamam vitória, mas na verdade eles estão consolidando sensações de hostilidade e referenciais que vão eclodir em outras guerras, é inevitável isso. Esses referenciais são muito problemáticos, toda ação pacificadora, seja irada ou não, é uma ação que tenta romper essa lógica. Não deveríamos comemorar vitória, deveríamos sempre manter na mente como fazer para desmanchar o conjunto de condições que estão propiciando esse tipo de situação onde as pessoas se matam periodicamente.
Tanto quanto possível, portanto, deveríamos evitar mesmo uma única ação negativa e nunca deveríamos perder a oportunidade de realizar mesmo a menor ação positiva.
Quando estamos presos nas situações, nós achamos que a ação agressiva que a gente fez era a ação que devíamos fazer mesmo, que aquilo está justificado. A gente não se dá bem conta. É como... eu vou confessar aqui, acho que vocês não perceberam, eu acho que os jogos de futebol são interessantes [risos], essas emoções todas brotam ali dentro, é muito incrível. A pessoa é tomada por aquilo, ela vê a ação negativa. Aí vem o juiz e dá cartão amarelo, aí ele vem e dá um tapa no outro, outro cartão amarelo e cartão vermelho, como aconteceu para o jogador do Inter no último jogo. É aquilo, ele sai com cara de cachorro que está no lugar errado e se dá conta: "Como eu fiz isso? Agora na próxima partida eu não posso [jogar]!". E às vezes eles são muito agressivos. Eu lembro desse jogador do Grêmio, o Bolaños, que em um Grenal levou uma cotovelada e partiu o maxilar em dois lugares. Mas ele estava tão alucinado no meio do jogo que ele não viu que tinha partido e continuou o jogo com o maxilar partido. [risos] Quando chegou no intervalo da partida, decerto viu que estava com uma cara estranha [risos]. O queixo estava mole, passou meses assim, teve que colocar um fio por dentro, operar, nunca mais voltou direito, foi embora depois do Grêmio. No calor da coisa você tá matando ou morrendo. É um teatro da vida. A pessoa vive aquilo, é melhor viver dentro de um campo de futebol do que com uma metralhadora, com uma bomba na mão. A gente aprende, tenho a sensação que é só por isso. Chenrezig é que criou esses cenários todos, esses lugares teatrais para as pessoas viverem essas emoções e poderem amadurecer.
Uma vez que nada é garantido, diz-se que deveríamos nos conduzir de forma a nada termos para nos arrepender, mesmo que venhamos a morrer amanhã.
Esse é o primeiro bardo, o bardo da vida presente. Deveríamos cuidar muito as ações. Produzir ações positivas e evitar as ações negativas. Não ficar com nada que a gente diga "Bah, isso não ficou direito! Eu deveria ter feito tal coisa, tal outra coisa". Aí vem o bardo alucinatório do sonho, que é um bom lugar para praticar também.
O bardo do estado do sonho cobre o momento desde que adormecemos até o momento que acordamos na manhã seguinte. Esse período é semelhante à morte, a duração temporal é a única diferença.
É semelhante à morte. Dudjom Rinpoche que está dizendo, por quê? Porque é um bardo alucinado, pessoal. O corpo do bardo, estamos ali no meio do bardo, a gente tem a sensação de corpo, tem uma sensação que tem que fugir, tem ameaças, tem vitórias, tem impulsos de ação. A gente está completamente operando a partir do corpo e da bolha como ela aparece. É isso. No entanto, quando a gente acorda, se dá conta: aquilo foi um sonho. Ou às vezes dentro do sonho, que é melhor ainda. Isso que é prática, no meio do sonho diz "Bah, como estou sonhando isso? Que perigo, como? Estou ainda aflito e agora descobri uma região cármica. Ainda que o sonho seja passageiro..."
Eu vou dar a transmissão da ansiedade para vocês, é assim: "Ainda que o sonho seja passageiro, mas o fato que estou aqui aflito no meio desse sonho significa que tem um carma e esse carma não passa quando o sonho passar, ele segue lá e esse carma vai terminar fazendo com que eu encontre na vida, ou no sonho ou na morte, situações semelhantes e eu não sei como resolver. Aí como eu resolvo? Dorje Drölo me socorra, encontre alguma saída para isso!" Se a gente conseguir dizer "Dorje Drölo, Guru Rinpoche, por favor, clareza agora!" Quando vocês aspiram a isso no meio do sonho, [gesto e som de quebrar] aquilo se quebra e vocês... porque quando a gente aspira à lucidez, a mente que aspira à lucidez já não é a mente de sonho. Vocês entendem? Naquele momento, se vocês aspirarem verdadeiramente, vocês lupt!, vão para a mandala correspondente que vocês estão vendo. Porque ninguém no meio do sonho, enquanto está no sonho-sonho, aspira à liberação do sonho. Quando a pessoa aspira à liberação do sonho e pede para Guru Rinpoche, ela já está vendo o Guru Rinpoche, senão ela não pediria. Ela sente que tem uma sabedoria ali. Se ela persistir naquilo, sem eliminar o sonho, ela ilumina o sonho, ela clarifica totalmente. Então essa é nossa prática!
Mas por enquanto, da nossa prática temos só o aspecto alucinado do sonho [risos]. Está faltando a parte da sabedoria. Mas tudo bem. Estamos indo bem assim.
Esse período é semelhante à morte. A duração temporal é a única diferença. Ou seja, passa rápido. Durante o sono, as percepções de forma, som, cheiro, sabor e tato se deslocam para dentro de Alaya. Alaya Vijnana, da mente fundamental, a mente condicionada. Elas se deslocam nesse contato. Pode-se dizer que elas desmaiam para dentro de Alaya. De fato dormir é semelhante ao morrer.
Por que elas desmaiam? Porque quando a gente vai dormindo, a gente começa a se aproximar do sono e do sonho, as experiências de olhos, ouvidos, nariz, língua e tato vão se apagando, essas sensoriais, a operação dos órgãos de olhos, ouvidos, nariz, língua e tato, do órgão físico, grosseiro, elas se apagam. Isso é o desmaio. Porém, elas se deslocam para o interior de Alaya. Começamos a ver alguma coisa. O Grêmio entra em campo, o Inter já entra com a cara de perdedor. Isso já é o sonho [risos]. O Grêmio com a taça de Campeão Gaúcho já tá lá assim.
Não tem substancialidade nenhuma, mas começa esse tipo de visão, e quando essa visão surge, a originação dependente surge rápido, porque a gente, tão pronto oferece uma visão, aí já por originação dependente, por luminosidade da mente, vai produzindo outras imagens que servem de base para outras imagens e aquilo vai se enfileirando. Isso é originação dependente. Nada daquilo tem base, mas como eu crio alguma coisa e uso aquilo que eu criei como base para a criação seguinte, as imagens se enfileiram. Isso é o sonho. Eu sei que para vocês é difícil, mas tem praticantes menos desenvolvidos que a Sanga toda aqui que quando eles sentam, fecham os olhos e começam a sonhar, aí vem uma imagem e outras imagens e outras imagens. [risos] Quando vocês estão eventualmente em uma circunstância dessas aí, vocês observem que uma imagem que surge serve de base para a imagem seguinte, é isso. Aí vocês assinem embaixo "originação dependente". Façam um print screen, imprimam e guardem. Podia fazer um print screen do sonho, ficava bom! No meio do sonho um print screen. Não quero esquecer isso. Falta isso, mas nós vamos resolver esse problema, falta isso. [risos]
Essas percepções de forma, som, cheiro, sabor, tato e contato se deslocam pelo interior de alaya. Pode-se dizer que elas desmaiam para dentro de Alaya. Porque o aspecto grosseiro desaparece. Esse é o desmaio. Dormir é semelhante a morrer. Porque os órgãos físicos deixam de operar. No início os sonhos não aparecem, há apenas uma escuridão densa enquanto a pessoa afunda-se inconsciente em Alaya.
Quando a pessoa começa a dormir, tem esse desmaio que é bem semelhante à morte, mas ali dentro faltam os estímulos de olhos, ouvidos, nariz, língua e tato para a operação da mente. A mente tem uma ausência de estímulo, esse é o período não consciente do sonho. Mas é um período que não é esse aspecto escuro da mente, o aspecto de ausência de contato sensorial, ele não é Darmata ainda - tá certo que ele é Darmata, no fim tudo é Darmata - mas ele é um afundamento por dentro da bolha. Se eventualmente a pessoa abre o olho, ela está na bolha original, ela não está na experiência da natureza primordial, ela adormece dentro das experiências das bolhas, dentro do mundo condicionado, adormece em Alaya.
...há apenas uma escuridão densa enquanto a pessoa afunda-se inconsciente em Alaya.
Depois os padrões de apego e percepção ressurgem estimulados pela energia cármica da ignorância.
Porque a operação comum grosseira da nossa mente é acompanhada, ela é um ornamento da operação sutil da mente, elas vão operando sempre juntas. Nesse momento, a operação grosseira não pode mais surgir, mas aí a operação sutil da mente começa a operar.
Quem medita por um período muito longo, começa a fazer retiros por períodos longos, ou mais longos, a pessoa começa a ver mais o aspecto sutil que o aspecto grosseiro, o aspecto sutil começa a ficar preponderante. Eventualmente as impressões que brotam dentro da meditação começam a fluir em direção ao ambiente grosseiro e se a pessoa não tem clareza ainda, clareza efetiva da vacuidade, pode ser que ela dê um sentido denso às visões que surgirem por dentro da meditação. Isso vai produzir os nyam, que são experiências de alteração do sentido de realidade grosseira também. Esses nyam estão descritos claramente por Dudjom Lingpa e eles são considerados como processos de passagem dentro da prática de Shamata. Se a pessoa não tiver uma compreensão sólida da vacuidade, ela pode ficar presa dentro dos nyam.
Os padrões de apego e percepção ressurgem estimulados pela energia cármica da ignorância.
A ignorância, como ela é colocada aqui? Não é que a pessoa, enfim, devia ter estudado mais, estudou menos, então está presa na ignorância, não é isso. A ignorância aqui é a dualidade, é a sensação de que existe um mundo que é separado da própria mente, é a não percepção de que existe um aspecto luminoso de construção, a mente construindo as aparências e aquilo que a gente chama de mente é só um detalhe de como a gente se comporta por dentro do tabuleiro do jogo. A ignorância não vê que o jogo inteiro e a identidade do jogador, tudo aquilo é construído, com tabuleiro, com as opções, tudo. Isso é a ignorância, ou seja, não perceber isso. A pessoa estava fixada apenas na jogada que ela faz, o que ela ganha fazendo isso ou aquilo. Mas existe um conjunto de operações mentais que estão operando, vivas, estão em transformação e não são vistas, ou são vistas como se fossem um mundo externo.
Como resultado disso, da ignorância, os objetos dos sentidos, forma, som, cheiro, sabor e contato manifestam-se novamente no estado de sonho.
A pessoa está no sonho e aquilo aparece de novo, porque é o aspecto sutil que está sempre acompanhando o aspecto grosseiro, ele está ali. Por exemplo, se eu fechar os olhos, eu vejo o templo. Se mostrarem uma foto, eu reconheço. Como eu vou reconhecer na foto se aquilo é papel e toner? Porque a foto é um espelho que reflete o aspecto sutil que está presente quando eu olho o aspecto grosseiro. Quando eu mudo o aspecto grosseiro, o aspecto sutil não muda. Olhando um rabisco, eu vejo o templo. Se a gente fizer um desenho de cada um aqui dentro, quando a gente olha o desenho... Tá aí, é o Renato, é a Andi! Mas não é, porque aquilo é um traço. Aquele traço grosseiro é um dedo apontando para o aspecto sutil. Nós imediatamente vivemos a experiência sutil correspondente, a experiência sutil é a experiência grosseira, enganosa. É um filme, é um rádio de onde a gente está ouvindo aquele som e associa às pessoas, associa a tudo. Por isso a comunicação pode ocorrer. Porque ela comunica com o aspecto sutil. Eu não preciso do aspecto grosseiro real. Se tivesse esse mundo virtual como estamos vivendo aqui, o Buda ia se deliciar, pois temos muitos exemplos desses aspectos sutis.
Como resultado, os objetos dos sentidos (forma, som, cheiro, sabor e tato) manifestam-se novamente no estado de sonho. Essas aparências, esses objetos de sonho não estão naturalmente presentes dentro de nós.
Mas aí estão onde? Dudjom Rinpoche está dizendo: isso aqui não é o cérebro. Isso aqui não são os miolos. Ele vai dizer que isso é Alaya Vijnana. Ele vai dizer que isso é Darmata. Isso não é o cérebro.
Por outro lado, a consciência não se envolve em direção a coisas externas. Ela se mantém dentro e suas percepções são imaginárias e deludidas.
Tudo isso que ocorre, ocorre dentro da mente. Essa mente, que cada vez vai ficando maior. A gente vai descobrindo que a mente não é individual, ela não está dentro do corpo, ela não está no estado acordado, ela está incessantemente presente nos vários bardos. Bardos são circunstâncias específicas de operação da mente. Essa mente está incessantemente presente, além do tempo.
Essa é a razão de chamarmos esse estado de bardo alucinatório. No estado de sonho noturno a percepção está sujeita à delusão. (Ou seja, ela está associada à sensação de que vê isso e vê aquilo e tem um ambiente). A percepção está sujeita à delusão do mesmo modo que durante o dia. Apenas que nesse estado de sonho noturno, a consciência vagueia através das formas, sons, cheiros, sabores e contatos - e vagueia também por todas as percepções experimentadas durante o estado acordado, apenas que agora elas são ainda mais alucinadas.
Durante o estado acordado, elas já são alucinadas, mas agora [no sonho] sem a ancoragem do aspecto grosseiro, tão pronto a pessoa imagina alguma coisa, ela já está lá e começa a produzir. Como que ela já está lá? Porque ela imaginou, aquilo é o primeiro ponto. Isso se torna base para o pensamento seguinte, originação dependente. Aquilo vai indo, por isso que a gente tem esse poder extraordinário durante o bardo do sonho e também no bardo da morte, que é ver que quando a coisa não está boa a gente diz "Guru Rinpoche, por favor!" Quando a gente diz "Guru Rinpoche, por favor!", nós já estamos fora daquela bolha propriamente. Se mantivermos os olhos em Guru Rinpoche e pedirmos "Por favor, clarifique isso. O que é isso? Como é isso? Isso não é sólido, mas eu vejo como sólido, como é isso?" Nesse momento mesmo, nós já não estamos no sonho. A gente já está com outra visão a partir da qual começamos a dar outra sequência. Estamos invocando uma mente livre e quando estamos ali dentro invocando a mente livre, a mente livre se manifesta também luminosamente. Essa é a prática que a gente faz durante o sonho, durante a morte também e durante a vida. Por exemplo, o Inter faz um gol, faz dois gols, faz cinco gols e ganha do Grêmio, a gente diz: 'Isso não, isso é tudo ilusório, isso não tem um sentido. Guru Rinpoche, como eu faço para escapar desse sofrimento atroz que eu sei que é ilusório? Tudo isso é ilusório, campeonato não importa, nada disso importa.' Pronto, estou liberado até o próximo campeonato.
Apenas que neste estado de sonho noturno a consciência vagueia através das formas, sons, cheiros, sabores e contato e vagueia também por todas as percepções experimentadas durante o estado acordado, apenas que agora elas são ainda mais alucinadas.
Mais alucinadas porque nós temos agora isso: a gente sai de um lugar, vai para outro lugar, anda para cá, anda para lá. Quando nós estamos dentro da operação dos sentidos grosseiros, a gente também está em um estado igualmente alucinado, mas a gente tem uma sensação de estar num lugar. Assim, se a mente vagueia, daqui a pouco a gente volta. 'Agora estou aqui, agora tenho que limpar panela, tenho que resolver as coisas.' Tem alguma coisa objetiva para ancorar.
Quando a pessoa adormecida sonha, vê apenas delusões e fantasias.
Está certo que a pessoa acordada também vê apenas delusões e fantasias, mas ela tem um sentido mais grosseiro que dá uma ancoragem. Dudjom Rinpoche diz:
Os ensinamentos. (Ele não precisava dizer 'os ensinamentos' [como quem vê] de fora. Ele vê isso direto). De fato os ensinamentos [do Buda] dizem que nós mesmos somos como ilusões e sonhos. Naturalmente pensamos que um sonho é algo irreal quando comparado com a vida do estado acordado, a qual pensamos verdadeira. Para os Budas, entretanto, os sonhos e as percepções da vida estão em pé de igualdade.
Ou seja, nós estamos em estados alucinados, sejam eles quais forem.
Nenhuma delas corresponde à realidade.
Para nós é um pouco estranho. 'Eu estou aqui no Bacopari. Como que não é realidade? Mas se a pessoa disser 'isso é a realidade', ela vai ganhar um zero na prova.
Ambas são falsas, impermanentes, flutuantes e enganadoras, nada mais do que isso. Se olharmos para todas as coisas que já fizemos e experimentamos, desde o tempo de nosso nascimento até o momento presente, onde estão elas? Nada há [nada] para ser encontrado, tudo se foi, tudo está em fluxo constante.
Eu acho que uma coisa um pouco impactante é ver essas fotografias antigas. Tu olhas Porto Alegre no início do século, a enchente de 1941. Aí quando tu olhas aquele povo todo lá, todos morreram, estão todos mortos. Encontramos as colunas, os prédios, mas as pessoas todas morreram. Quando as pessoas estão vivendo aquilo, estão com uma cara que estão ali eternamente. É super rápido tudo.
Se olharmos para as coisas que já fizemos e experimentamos desde o tempo do nosso nascimento até o momento presente, onde elas estão? Não há nada a ser encontrado, tudo se foi, tudo está em fluxo constante. Isso é obviamente verdadeiro, mas é algo que habitualmente nos escapa.
Por quê? Porque quando operamos com a bolha, a gente não inclui a impermanência, a gente toma aquilo como base para criar uma outra coisa que toma por base para criar outra. Se a gente não tomar por base, como a gente vai funcionar com a originação dependente? Quando a gente toma por base, fixamos aquilo, mas aquilo não é fixável, aquilo é impermanente.
Tudo está em fluxo constante. Isso é obviamente verdadeiro, mas é algo que habitualmente nos escapa.
Acho que dá até para botar uma musiquinha.[cantarolando] Tudo se foi, tudo está em fluxo constante, isso é obviamente verdadeiro… [risos] Isso aqui dava um samba, isso aqui é uma letra maravilhosa.
Nós constantemente nos relacionamos com as nossas percepções como se fossem realidades permanentes pensando: 'isto sou eu, isto é meu'. [Isso aqui é letra de música, pessoal.] Mas os ensinamentos nos falam que isso tudo é um erro e esse erro é o que verdadeiramente nos leva a vaguear em Samsara. [Quem faz umas músicas assim é a Tatá. Pega isso aqui, Dudjom Rinpoche, a letra e tu faz a música.] Os ensinamentos nos falam que isso tudo é um erro e esse erro é o que verdadeiramente nos leva a vaguear em Samsara. [Isso seria o estribilho, a gente repete várias vezes. Vai ser cantado no Carnaval pós-Covid, bloco do CEBB, Pai que Mais Sambava. (risos)]
Venha o que vier, é justo com nossas percepções alucinadas de sonhos que temos que trabalhar.
Isso é um ensinamento Vajrayana, ensinamento da Grande Perfeição direto, ou seja, a gente vai trabalhar com o quê? A gente não vai pegar o sonho e empurrar para o lado. Não. A gente vai pegar o sonho mesmo e trabalhar dentro dele e clarificar. Não é que a gente vai tirar o que não é do bem. A gente vai pegar aquilo mesmo e vai clarificando. Isso é maravilhoso!
Khenpo Sodargye Rinpoche, nos ensinamentos do Surangama, ele está dizendo que isso caracteriza os Tantras. Não são os Sutras, são os Tantras. Eles ensinam como a gente aproveita a experiência ilusória mesma como o Darma. A gente transforma aquilo em um Darma.
Venha o que vier, é justo com as nossas percepções alucinadas de sonho que temos que trabalhar. Durante o dia deveríamos rezar para o Lama e para as Três Joias e à noite deveríamos nos esforçar para reconhecer nossos sonhos como alucinações que são. Deveríamos ser capazes de transformar nossos sonhos, precisamos praticar o Darma mesmo quando dormindo.
Uma ideia: eu estava vendo a goteira que tem ali. Daria para dormir debaixo da goteira. Vai pingando, a pessoa vai acordando e vai praticando o Darma.
Necessitamos ganhar essa habilidade porque, se tivermos sucesso, seremos capazes de reconhecer a unidade das percepções do estado acordado com as percepções dos sonhos sem encontrar distinções entre elas... [Entre o sonho e o estado acordado]. ...e nossa prática se tornará muito mais profunda. Os ensinamentos especificam que essa prática é um modo extremamente efetivo de lidar com a experiência de impermanência e igualmente com todos os outros obstáculos.
Ou seja, a gente vai, durante a vida, reconhecendo as coisas e vai localizando a condição de sonho, a bolha, como aquilo se monta, como aquilo vira real, como a gente só tem poucas opções para se mover e ainda assim estalamos os dedos e os campeonatos de futebol não importam. Nada disso importa, pessoal! Realmente. A gente é capaz de ver o estado acordado grosseiro como uma experiência lúcida, a gente vê o aspecto lúcido disso e aí nós temos uma liberdade. Porque estamos vendo de uma forma muito mais ampla, temos liberdade com relação a isso.
Aí vem o terceiro, o bardo da absorção meditativa. Por que ele vai ser chamado de bardo? Porque quando a gente senta para meditar, está interrompendo a operação comum, tanto do sonho como do estado acordado comum, grosseiro. É algo que tem um início, tem um meio e tem um fim, então é um bardo.
O bardo da absorção meditativa pode ser descrito como o período de tempo em que passamos no equilíbrio meditativo. Termina quando saímos desse estado. Chama-se bardo porque não é semelhante a nossa torrente de pensamentos deludidos e nem é semelhante à percepção fenomênica como experimentada no curso da vida. [ou seja, a percepção fenomênica grosseira] É um período de estabilidade meditativa, um estado de concentração tão fresco e impoluto como o céu. [estamos botando força na nossa prática aqui, ele está aqui introduzindo esta prática aberta onde a mente não tem nenhuma tarefa, ela está aberta no espaço] É como o oceano imóvel no qual não há ondas. É impossível permanecer nesse estado quando a mente está cheia de pensamentos, [os pensamentos seriam justamente o oposto] (apropriadamente comparados a um bando de ladrões).
Por que os pensamentos são um bando de ladrões? Porque tão pronto surge um pensamento, ele rouba nossa atenção e aí nós começamos a construir realidades, construir imagens a partir daqueles pensamentos. Eles nos roubam. Um passou ali e nos roubou. Aí estamos indo, daqui a pouco aparece outro e puf! nos rouba. É isso.
...ou mesmo quando se está ocupado com correntes mentais, subconscientes mais sutis, misturadas e compactadas umas com as outras como os fios de um tecido.
Aqui ele está descrevendo o aspecto sutil da mente, de Alaya. Nós começamos a nos deslocar por dentro de sensações que conectam para cá ou para lá e a gente começa a ficar preso dentro daquilo.
A meditação estável não é possível nessas circunstâncias. Os ensinamentos dizem que os meditantes não deveriam cair sob o domínio dos seus pensamentos que são comparados a ladrões. Deveriam, em lugar disso, manter uma diligência imperturbável, profunda e poderosa com a qual podem evitar que sua concentração se desfaça.
Então é isso! Nós vamos praticando a meditação, tem um nível de esforço para que a gente não se perca. Isso é meditação com esforço que ele está dizendo. Porque existe a meditação sem esforço.
O bardo do sonho e o bardo da absorção meditativa são subdivisões do bardo da vida presente. O bardo da vida presente naturalmente inclui nossa prática [prática espiritual] Mesmo que seja intermitente, é necessariamente realizada dentro da abordagem de nossa existência presente. É apenas aqui que podemos [conduzir os sentidos grosseiros desse modo e] meditar.
Aí vem bardo do morrer. Ele vai chamar de o doloroso bardo do morrer.
É perfeitamente possível que de um dia para outro venhamos a descobrir que estamos sofrendo de uma doença fatal. Quando todas as cerimônias e preces de longa vida comprovarem-se inefetivas e a morte for certa finalmente virá a clareza de que nada do que fizemos na vida foi de algum uso efetivo, deixaremos tudo para trás.
Essa é a sensação. De repente a pessoa tem uma doença fatal, ela não pensa: onde vou deixar o carro, o meu celular aonde vai, minhas anotações. Ela vai pufff! Rapidamente todo aquele conjunto de circunstâncias das bolhas usuais do Samsara, aquilo perde o sentido mesmo. A pessoa vai lutar pela respiração a cada respiração. A pessoa vê a realidade: eu estou aqui, e tudo que foi feito antes perde a energia. Mesmo que haja alguma lembrança, não há energia associada a essa lembrança. Porque a pessoa está com a energia totalmente focada em outra circunstância. Aquilo não tem nem tristeza. Só tem abandono. É como se fosse uma condição de sonho que tivesse passado. Como a gente lembrando coisas da nossa própria vida, acordados aqui. 'Ah, isso não tem importância nenhuma!' E nós nos aproximamos da morte e de repente todas as circunstâncias ao redor, todas as secções de Alaya Vijnana, tudo aquilo perde o sentido denso.
Finalmente virá a clareza de que nada do que fizemos na vida foi de algum uso efetivo. Deixaremos tudo para trás. Mesmo que tenhamos uma pilha de riquezas tão elevada como o Monte Meru, não poderemos levá-la conosco, nem mesmo uma agulha e linha. Chegou a hora de ir. Mesmo esse corpo que amamos tanto será abandonado, o que poderemos levar conosco? Apenas nosso carma positivo e negativo. As ações que acumulamos serão nossas únicas companhias.
Como é que isso se dá? As coisas que a gente acumulou se perdem, mas nós estamos agora nos movendo por dentro das marcas mentais. Essas marcas mentais vão surgir como o tecido, como o tabuleiro do jogo. Eu montei aquele tabuleiro do jogo, então eu tenho aquele conjunto de marcas mentais. Se diz que, quando nós nos aproximamos da morte, a gente destila essas marcas mentais como o ponto mais importante. Essas marcas podem ser sofrimento, raiva, medo. Pode ser alegria, felicidade, devoção. A mente agora não está focando as propriedades, as coisas de olhos, ouvidos, nariz, língua e tato. Ela está olhando esses referenciais que são aquilo em que ela se ancora. Tem pessoas que morrem no meio das batalhas, elas morrem com raiva e elas aspiram ter mais raiva ainda e que a raiva seja efetiva nas próximas vidas. Isso é o carma negativo. Outras pessoas, no meio de suas aflições vão dizer: 'agora que isso tudo cesse, que a paz seja possível! Eu desisto disso! Agora estou olhando de forma elevada.' Isso seria um carma positivo. Essas marcas são intensas. Os tibetanos, na medicina tibetana, dizem que, quando a pessoa se aproxima da morte, ela tem um pouco uma sensação de derrota. Ela tende a se fixar em algumas coisas. Esses aspectos que ela se fixa vão ser o início do renascimento depois. A gente deveria ter muito cuidado mesmo. O aspecto sutil que é o panorama, a base, a bolha onde a pessoa está morrendo. Se ela fixar, essa bolha se torna o ponto de partida para as vidas subsequentes. A gente não leva nada, leva o carma positivo e negativo na forma da bolha de realidade que é o nível sutil que não desaba quando nós morremos.
As ações que acumulamos serão nossas únicas companhias.
As ações que acumulamos no sentido sutil. O que significa 'nós' no meio disso? O que é esse ser que segue? É o mesmo que está durante a vida, no sentido de que é a mente consciente operando pela originação dependente, é o impulso, a energia que flui da natureza primordial e opera por dentro dos condicionamentos, produzindo as imagens que vão se suceder umas às outras por originação dependente. Essa própria consciência olha para esse processo e aí ela define essa identidade. Isso já seria a sétima consciência dentre as oito. Tudo referido à oitava, que é Alaya Vijnana. Mas como olhos, ouvidos, nariz, língua e tato são sutis, então elas atravessam junto em um nível sutil, sempre referidas a Alaya Vijnana. Como tem esse filtro operando, ele serve de base. Quando essa mente olha para si mesma, ela designa a identidade: 'eu existo'. 'Eu existo' é a secção do filtro que se vê operando.
As ações que acumulamos [surgem como esses referenciais], são as nossas únicas companhias. Entretanto vamos supor que colocamos as instruções em prática e treinamos a transferência de consciência. Se tivermos ganho, proficiência [ou seja, habilidade] e se pudermos morrer sem um traço de remorso [a pessoa olha aquilo: 'uau! tudo movimento luminoso criando realidades e as identidades surgindo e cessando. Que processo ilusório incrível! Eu não sou isso!'. Quando a pessoa diz 'eu não sou isso', está dissolvido o carma correspondente e o remorso cessa. Então] se tivermos ganho proficiência e pudermos morrer sem um traço de remorso, teremos feito realmente um grande favor a nós mesmos. Uma pessoa que diz: 'irei para tal ou qual terra pura de Buda', e de fato vai, é um praticante perfeito.
Melhor treinar durante a vida. Aqui a gente faz o voto de Terra Pura a cada lua cheia, que é mais ou menos isto: reconhecer o ambiente como Terra Pura. Isso significa que nós estamos em Terra Pura.
Uma pessoa que diz: 'irei para tal ou qual terra pura de Buda', e de fato vai, é um praticante perfeito. Olhemos isto de frente: praticamos o Darma porque o necessitaremos no momento da morte. Essa é a razão pela qual os ensinamentos enfatizam a importância de compreender o que acontece quando morremos.
Nós podemos morrer em vida sem perder o corpo. Isso significa nós cessarmos a identidade. Mas como, de um modo geral, isso tem a dificuldade inerente, a gente pode aproveitar o momento da morte. No momento da morte não há como evitar isso. As identidades vão sucumbir. Elas são arrastadas pelo processo da impermanência, não tem como. Mas eu acho muito útil, centralmente útil que a gente pratique no bardo da vida, ou seja, a gente vai ver nossas próprias identidades desaparecendo. Portanto elas são ilusórias, sustentam por um tempo e cessam. É fácil de ver isso. E junto com as identidades, as bolhas inteiras vão. Isso é um ensinamento que está lá nos Oito Pontos do Prajnaparamita. Porque isso realmente ajuda. É a prática de compreender a morte durante a vida. A gente não precisa esperar a morte grosseira para se dar conta disso.
Tem muitos exemplos. Mesmo quem está aqui no Bacopari agora, cada um veio de algum lugar. Esse lugar onde a gente estava, a gente meio que morreu. Ainda que a gente tenha a lembrança, aquilo não está operando e talvez não opere de novo. É como um jovem que sai de casa para ir para a universidade na capital. Ele pensa que ele segue morando naquela casa e está indo para capital por um tempo. Mas ele não volta mais. A vida dele dali segue por originação dependente a partir das experiências que ele está tendo e vai criando outras experiências e vai indo. Aquilo não fecha num loop e retorna para a casa da mamãe. Só em períodos de pandemia, perdeu o emprego. Mas tá lá já querendo seguir em outra direção. Ele não é mais o mesmo. É melhor que os papais e mamãe entendam.
Esse é o ponto. A vida não volta ao mesmo ponto. O rio não volta ao mesmo ponto, não volta. O rio vai indo e vai indo, ele dá tantas voltas. Por que ele não faz uma volta e de repente está correndo de novo? Ele não passa duas vezes no mesmo lugar. As nossas vidas vão seguindo desse modo. Aí nós praticamos durante a vida, nós nos damos conta do aspecto ilusório. Cada secção que a gente está vivendo, aquilo vai passando como a água que vai passando pelo curso do rio, ela vai embora.
Vamos supor que colocamos as instruções em prática e treinamos a transferência de consciência.
Aqui quando estamos olhando a realidade Vajra a gente não diz 'vou fazer a transferência de consciência para a mandala Vajra'. A gente diz 'fui!'. Nós estamos olhando e já estamos vendo. Essa percepção e clareza mudam o jeito pelo qual nossa energia opera e mudam as percepções que nós temos de originação dependente. Esse é o processo. Essa é a efetividade da prática durante a vida. A gente pode efetivamente produzir isso.
Aqui Dudjom Rinpoche diz uma pessoa que fala: ‘irei para tal ou qual terra pura de Buda’ e de fato vai é um praticante perfeito. Ele tem a clareza da liberdade natural da mente, da luminosidade como as coisas surgem. Olhemos isso de frente: praticamos o Darma porque o necessitaremos no momento da morte. Aí eu colocaria a morte como o que se dá durante a vida. Nossas identidades morrem, nós precisamos ter essa clareza. Essa é a razão pela qual os ensinamentos enfatizam a importância de compreender o que acontece quando morremos. E também como passamos por cada um dos bardos: o bardo do sonho, da meditação, etc. Aí também tem mortes e vidas em cada bardo.
Diz-se que mesmo para uma pessoa comum, o momento da morte é crucial. É o momento quando deveríamos rezar ao Lama e às Três Joias.
Por que isso é efetivo? Porque se a pessoa conseguiu ver as Três Joias inseparáveis do Guru, se uma pessoa consegue ver Guru Rinpoche, o Buda Sakyamuni, isso é muito extraordinário! Por quê? Porque ninguém vê isso sem estar fora da bolha. A pessoa vê isso dentro de uma Terra Pura de algum modo. Então, quando a pessoa é capaz de lembrar e rezar às Três Joias e rezar ao Guru, isso instantaneamente produz o deslocamento da mente para aquela Terra Pura correspondente. Então é muito importante isso. Se para ouvir os ensinamentos já seria adequado a gente estar em uma Terra Pura, na hora de morrer é crucial. Se a gente está dentro do samsara e ouve os ensinamentos, eles têm pouca repercussão. Porque o samsara tem o poder de neutralizar as visões. Quando estamos nos aproximando da morte, se a gente tiver por dentro das bolhas do samsara aí que a sensação de morte e de desgraça vem mesmo. Este é um momento crucial**.**
É o momento quando deveríamos rezar ao Guru e às Três Joias. Deveríamos cortar todas as amarras que nos atam as nossas posses, nossa casa e tudo mais, pois isso é o que nos puxa. Deveríamos também fazer oferendas de nossas posses às Três Joias, rezando para que não tenhamos que passar por uma morte dolorosa e difícil e sofrer após nos reinos inferiores
Isso seria muito extraordinário, a pessoa, quando olha suas posses, olha sempre dentro do bardo e das bolhas. Se a pessoa conseguiu olhar fora dos bardos e das bolhas, portanto, fora do samsara, nesse momento ela está praticando a visão elevada dentro do mundo condicionado. Ela ainda vê o mundo condicionado, mas está praticando a visão elevada. Ela está dentro das Mandalas. Todo gesto que ela fizer ali dentro, ela solidifica a própria experiência. As oferendas que ela fizer de suas posses nessa condição são consideradas algo muito favorável e isso não é um processo assim: a pessoa faz isso e alguém contabiliza, depois que entrar em algum lugar então estão liberadas as bênçãos. Não é assim. A mente, no momento, não precisa nem fazer alguma doação concreta. A pessoa pode simplesmente aspirar que tudo sobre o que ela teve domínio, que aquilo passe a ser de benefício para todos os seres a todo o tempo. Só isso. Eventualmente isso ainda é melhor, porque a pessoa vai dizer: ‘eu não tenho mais domínio sobre as coisas, elas são o que são, eu aspiro que elas beneficiem os seres em todas as direções, na verdade eu nunca tive isso’. Quando a pessoa olha assim, ela se livra dessas posses e ela tem uma visão Vajra da realidade, ela se sente totalmente apoiada pelos budas porque ela está imediatamente em uma Terra Pura, só por ter esses pensamentos. As Terras Puras não são mundos concretos, elas são mundos sutis.
Deveríamos cortar todas as amarras que nos atam as nossas posses, nossa casa e tudo mais. [Vamos colocar nas regiões de apego, as relações também. Marido, filhos, pai, mãe, cargo, posições, reconhecimento, então a pessoa oferece tudo.] Pois isso é o que nos puxa, [que nos prende. O que significa prender? Quando a gente olha isso, se isso tem energia, isso se torna base para uma construção subsequente da originação dependente, então quando a energia se manifesta e produz outras imagens que tem energia e outras imagens que tem energia, estamos presos, isso que chama puxar carmicamente.]
Deveríamos também fazer oferendas de nossas posses às Três Joias, rezando. [ou seja, em benefícios a todos os seres. Isso a gente pode fazer em vida. Não precisa transferir nada. 'Que tudo que eu tenho, em todas as direções, que isso seja de benefício efetivo de todos os seres'] para que não tenhamos que passar por uma morte dolorosa e difícil e sofrer após nos reinos inferiores. Se tivermos treinado suficientemente na transferência de consciência e formos capazes de aplicar essa técnica quando o momento da morte chegar, e então transferir com sucesso nossa consciência, essa é a melhor situação entre todas.
Aqui é um ponto delicado. Se a pessoa tem essa aspiração, melhor treinar durante a vida. Ela vê isso acontecer efetivamente. Não é uma coisa mágica e eu já estou em outro plano. A visão mesma muda completamente.
Se não pudermos fazer isso no momento da morte. [a pessoa durante a vida não conseguiu, na hora da morte não conseguiu] talvez um Lama ou algum de nossos irmãos e irmãs Vajra que esteja conosco e saiba como isso é feito possa fazer a transferência de consciência por nós.
Aqui é essencialmente isto: qualquer praticante que tenha essa habilidade pode visualizar a Terra Pura de Amitaba, a Terra Pura do Buda da Medicina, a Terra Pura do Prajnaparamita, a Mandala Vajra, a Mandala de Arya Tara. Pode visualizar efetivamente e reconhecer tudo isso como manifestação efetiva. Como as mentes não se separam, as mentes individuais são a grande mente, no momento que nós praticamos isso, de algum modo, os seres que estão morrendo eles veem. Isso significa que a gente os visualiza desse lugar. Visualizá-los assim é nós mesmos termos essa visão e lembrarmos deles.
A consciência devia ser transferida para uma Terra Pura tão logo a respiração se interrompa, de qualquer modo é importante planejar isso e ficarmos prontos para o momento crucial quando o momento crucial chegar e não termos necessidade de ficar com medo, não é necessário lembrar que a preparação tem que ser feita agora durante o Bardo da vida presente.
Isso significa que temos que fazer prática. Eu acho isso muito comovente e fico tocado em ver [que] o Bruno Covas, Prefeito de São Paulo, morreu, lutou contra o câncer, trabalhou até o último momento, fiquei comovido. Ele tinha uma liderança ajudando as pessoas e ajudando através da administração dele a lidar com a pandemia, ele estava lá e ele morreu, é muito comovente. Assim é a morte, ela simplesmente chega.
CEBB Bacopari – 22/05/2021 - Tarde
Transcrição: Débora Agnes e Vanessa Sandri
Revisão: Ana Nedochetko, José Benetti, Mônica Kaseker (19/07/2022)
O bardo da morte
Estamos olhando o bardo da morte. Já vimos uma parte pela manhã. Agora a gente vai seguir. Nós estamos nessa pergunta:
O que acontece quando morremos?
Esse é um ponto interessante, porque a gente não teve, de modo geral, nenhuma instrução sobre o corpo, sobre o funcionamento do corpo. No Prajnaparamita não estamos olhando isso. Estamos olhando sempre um aspecto bastante amplo. Aí vem essa pergunta. Bom, mas e aí? O que acontece quando a gente morre? Nessa parte, eu acho que se a gente quisesse ter uma base para poder focar isso, a gente teria que realmente praticar o Satipatana: consciência sobre o corpo. A gente precisa olhar isso. Eu acho essa meditação no foco sobre o corpo super importante.
Mas, essencialmente, na medida em que nós vamos contemplando o corpo, o que vamos encontrar? Vamos sempre entendendo que o objeto que a gente localiza é como todos os objetos externos também. É uma coisa inseparável da própria visão da mente que está operando dentro de uma base. Essencialmente isso. Então, nós olhamos para dentro do nosso corpo e vamos ver isso. A gente não consegue olhar aquilo de um modo direto. A gente olha sempre desse modo. Então, o que nós vamos chamar de corpo é naturalmente luminoso. Mas aqui nós temos elementos adicionais de complexidade porque, por exemplo, quando eu olho para o poste, eu não espero que o poste tenha uma autoconsciência e que tenha uma vida que sustenta ele mesmo. Isso é uma coisa fácil de ver. Se eu tirar uma lasca do tronco da árvore, daqui a pouco vou olhar e aquilo tudo está se fechando. Mas agora, eu olho para este poste aqui, corto ele e nada. Ano após ano, olho para ele e está com uma cara mais ou menos igual ou diminui um pouco. Então, eu não posso dizer que tenha vida dentro. Eu fico olhando assim: seria o quê? Quando nós vamos olhar isso, a gente vê os cientistas com uma pinça micrométrica com uma célula, põe aqui e nutre. Vira duas, três e multiplicam pra cá, multiplicam pra lá. Aquilo está vivo, né?
Quando nós olhamos para dentro do corpo, de um modo geral, o corpo está vivo. Exceto quando a gente morre. Daí o que significa isso? Vocês estão olhando com cuidado. Estão lá, Satipatana, meditando. Olhando o corpo. Daí vocês vão observando que tem alguma coisa que conecta a mente de vocês com o próprio corpo. Caso contrário o braço não levantaria. Teríamos alguns problemas. Por enquanto estão levantando. Eu estou velho e continuo levantando o braço. Então, como é este fenômeno extraordinário que o braço levanta e abaixa? Às vezes, ele levanta sozinho? Ele não teria essas ideias. De modo geral, ele aguarda pacientemente. "Não é para levantar?" "Não é." "E agora?" "Agora é." Aí ele levanta. Está super treinado. Tem coisas que ele faz sozinho. Tem um corte, a gente diz: "Você se vire, isso é com você!" Ele vai lá e vai fechando. Gosto de ver quando me lasco, nem lavo só pra ver o que ele vai fazer. Ele começa e vai ajeitando, vai ajeitando. Daqui a um pouco, está tudo arrumado. Mas, por exemplo, tu vês uma criança que se lasca, ela quer o quê? Band-aid, colocar curativozão e passar esparadrapo em toda a volta. Colocar todo tipo de remédio que tiver ali dentro. Aquilo está atrapalhando tudo. O ferimento para um, o ferimento para outro são coisas diferentes. Uma coisa interessante. A mente vai olhando.
Mas seja como for, tem uma inteligência que vai tratando de arrumar tudo. De modo geral, sistemas vivos todos têm inteligências que vão tratando de arrumar. É como se tivesse um padrão sutil e aquilo vai se arrumando, se organizando. Quando olhamos para dentro, olhamos para o corpo. Não estamos olhando para um poste. Nós estamos olhando para um sistema que tem inteligências e nós podemos acoplar a nossa mente com essas inteligências. Essas inteligências também andam por si, funcionam por si. O Buda diz: as unhas crescem, os cabelos crescem. Aquilo funciona por si, tu não comandas. O processo de digestão ocorre. Aí tem sistemas que tu tens algum nível de controle, outros menos, outros que tem um controle indireto. A digestão é um deles. Tu te alimentas e tem um grande problema e tem vontade de vomitar, tem uma diarreia que te dá porque precisa liberar aquilo para poder funcionar.
Eu aprendi também que quando tu tens um ferimento interno, uma espécie de hemorragia interna, o corpo começa a fechar em torno do lugar onde está saindo sangue. Tem uma inteligência de fechar. Os músculos vão apertando e o lugar onde tem a hemorragia vai fechando. Por exemplo, se vocês têm uma hemorragia abdominal, vocês não sabem. Sofreram um acidente, por exemplo. Pode acontecer. Tu não sabes se está com hemorragia interna ou não. Se estás com um problema mais grave. Vê como está o teu abdômen. Se tu estiveres com o abdômen duro, estás com uma hemorragia interna. Ele está fechando a hemorragia. Então, tu não sabes porque, mas aquilo começa a apertar, daí tu fica com dificuldade até de respirar. Mas está bem. Esse ponto onde o músculo liso vai encontrando o sangue, ele vai fechando, tem essa noção assim.
É interessante. A gente tem várias inteligências, daí a gente começa a olhar. Olha o processo digestivo, peristaltismo, o batimento cardíaco, frequência respiratória. Tudo isso são coisas que tu consegues lidar um pouco, mas outro pouco aquilo invade e vai operando. Então tem uma ligação da nossa mente com estes sistemas que são sistemas vivos, que têm uma autonomia. Quando a gente diz que são sistemas vivos, eles não são sistemas mecânicos. Também geram luminosidade de mente, são inteligências que operam desse modo. Eles também estão operando por dentro de bolhas e se movimentando de um certo jeito. Nós temos uma coletividade, uma população interna de células humanas e, que surpresa, não humanas também. Tem células não humanas operando dentro de nós e participando de um modo crucial no nosso funcionamento. Então, enquanto estamos vivos nós estamos com essa coletividade operando. Quando morremos, a coletividade curiosamente não morre imediatamente. Tanto que somos capazes de tirar um órgão de uma pessoa e colocar em outra e o coração sai batendo. Tira o cérebro de uma pessoa e coloca na outra. Leva as nossas ideias todas assim. (risos) Isso é o que eu queria ver. As ideias não estão onde está o cérebro. Por exemplo, essas grandes figuras. Outro dia, eu estava vendo, pegaram o cérebro do Lenin e cortaram em fatiazinhas para estudar, cérebro do Einstein, cérebros de grandes seres. No entanto, as ideias deles seguiram. Aquilo não estava no cérebro, sempre se proliferando. Aquilo, se tu corta ou preserva não faz diferença nenhuma. Não é o que está ali. Aquilo continua vivo. Mas, quando vocês vão analisando tudo a partir da originação dependente, surge uma visão darwinista budista. Ou seja, tem um processo de desenvolvimento que é completamente visível. Como que as coisas mais simples vão se agregando e gerando as coisas mais complexas. Aquilo vai indo.
Vamos entrar na medicina tibetana, na contemplação desses aspectos. Os mestres no passado viram que as coisas são regidas pelos cinco elementos e os elementos vão se gerando uns aos outros. Então, no processo de vida, nós temos por base o elemento terra que vai gerando os outros elementos. No processo de morte, nós temos o contrário. Nós temos a dissolução de um por um dos elementos. Nós temos o elemento espaço, que vai gerando o elemento ar, que vai gerando o elemento fogo, que vai gerando o elemento água, que gera o elemento terra. Quando nós morremos, a gente começa a dissolver o elemento terra no elemento água, o elemento água no elemento fogo, o elemento fogo no elemento ar, o elemento ar no elemento espaço. Deu. Foi.
Esses elementos são o processo onde a mente está se relacionando com o corpo. É como se os dois vissem a mesma coisa. Em função disso, o corpo se move desse modo. Não é que isso foi criado e depois acionado, ou seja, em um certo momento, apertou o botão e começou a funcionar. Não. Isso foi por originação dependente. Ou seja, aquilo vem vindo aos poucos. Vem vindo aos poucos este processo. Vai se complexificando, tornando-se mais complexo aos poucos. Mas quando vocês olham isso, tem alguma coisa que impulsiona os elementos. Daí vocês vão olhar, isso que impulsiona os elementos é essencialmente a energia que produz a originação dependente. O funcionamento da originação dependente.
Na dependência da imagem do templo e da necessidade do telhado, olhamos para os postes e pum! Está aqui: colocamos os postes enfileirados, uns por cima. Isso aqui vira tal coisa. Então aqui é o aspecto cognitivo que brota. Mas antes do aspecto cognitivo, tem o aspecto da construção luminosa dos objetos. Depois de imaginar os postes, posso imaginar o funcionamento, a operação, o contato deles. Mas o que leva a pessoa a sustentar a noção de um templo e a aspiração de fazer um templo? Tem uma energia por dentro disso.
Essa energia termina sustentando o processo todo. Só vai trocando, agora vamos colocar aquela janela, vamos pintar dessa cor, fazer este piso. Ela vai trocando, não está presa no poste. Mas é uma energia que vai conduzindo o processo de originação dependente. Ela vai conduzindo. Então, os processos todos de originação dependente são acionados por uma luminosidade. São acionados por um processo luminoso que vai produzindo este funcionamento. Esse processo luminoso opera através dos condicionantes. Quando os condicionantes mudam, está operando por outros condicionantes. Mas ele tem uma direção. Vai movimentando. Este processo de movimento está baseado na mente primordial. Está antes da mente fundamental. Ele energiza a mente fundamental que é condicionada. Que vai operando nas várias bolhas e fazendo tudo funcionar.
Ele vai acionar as oito consciências: dos olhos, ouvidos, nariz, língua e tato. Vai acionar a mente, a sexta consciência, vai acionar a sétima consciência, que é a sensação da identidade de alguém. Aquilo que nos sustenta vivos como sendo com uma certa coerência em tudo que nós fazemos, que é a sétima consciência. Aciona a oitava consciência. Atravessa a oitava consciência. Energiza a oitava consciência que está operando os condicionantes que brotam dos vijnanas, das formas pelas quais a mente foi operando os vários tipos de condicionantes. São os condicionantes de base.
Então, aí estão as oito consciências operando, mas estão operando o aspecto sutil disso, que tem uma energia que assopra por dentro disso. Se a gente quiser localizar esta energia, a gente precisaria ver que o aspecto sutil, que está conectado a toda e qualquer experiência, é a originação dependente. Mas a originação dependente poderia se exercer ou não. Vamos supor, estou com o tabuleiro no jogo de damas. Agora é damas. Estamos com o jogo de damas armado. Nesse jogo de damas, eu juntei uns quadradinhos brancos e pretos de papelão, pintei e colei aquilo tudo. Peguei umas tampinhas de caixa de leite. Tinha umas de uma cor, outras de outra cor. Deu pra montar o tabuleiro direitinho. Quando olhamos aqueles quadradinhos de papelão que foram pintados e vê aquele conjunto todo como um tabuleiro, a gente não está mais vendo a pintura de cada pedaço. Estamos vendo o tabuleiro, pessoal! Isso é a luminosidade da mente, produzindo a base. Não estou mais vendo quadradinho de papelão pintado. Aliás, ficou bonitaço aquilo pintado! Aquilo pintado um por um, colocamos uma película de cozinha, aquilo fica lindão. Por baixo um eucatex cortado certinho assim. Fica um tabuleiraço. Quando tu olhas uma tampinha e não vê mais uma tampinha e vê a peça do jogo... A diferença entre a tampinha e a peça de jogo, é? Quem sabe? (risos) Quem vai dizer "é a luminosidade da mente"? Luminosidade da mente, pessoal! Porque aquilo é tampinha. Qualquer pessoa de bom senso vai chamar aquilo de tampinha. Mas os que veem tampinhas chamam aquilo de peças do jogo.
A gente pensa que a luminosidade da mente é quando eu faço a jogada. A luminosidade já vem antes. De onde vem a loucura de montar o tabuleiro e as peças? De onde vem? Daí vem de novo, tem um impulso. Um lugar que está propiciando isso. Isso é o centro da vida. É o que energiza a vida. Essa é a vida que não morre. Quando morre o corpo, essa vida não morre.
Não quero preocupar vocês que estão aí imaginando que vão morrer ou não. Aí tem esse princípio, que é o princípio da originação dependente. Ele não começou com o corpo. Vamos pensar assim, quando o tabuleiro queima, a gente cansa daquilo, tem um surto, perdeu tanto que não aguenta mais o tabuleiro. A gente detona aquilo, daí a gente morre? A gente não morre. Pode até morrer aquele jogador. Eu morri. Como vai acontecer amanhã. Tem gente que vai dizer: eu não torço mais pelo Inter. A pessoa pode até morrer neste aspecto sutil. Mas no dia seguinte ou no mesmo dia, a pessoa já está com a originação dependente operando em outras direções.
Então, se vocês vão olhar: o que acontece quando a gente medita? Vem aqui para meditar e daqui a pouco a gente está com originação dependente criando coisas. Eu não estou olhando para ninguém. Nós estamos com a originação dependente operando. E quando a gente dorme à noite, quando a gente desliga olhos, ouvidos, nariz, língua e tato... morreu! Apagou! Lá dentro da nossa morte estamos lá: originação dependente. E quem é o ser, o herói que está no meio do sonho? Não somos nós propriamente. Porque a gente não faria aquilo. Não estaríamos naquele lugar. É um corpo de sonho, imerso em ambientes de sonhos.
A originação dependente criou aquilo como criou um tabuleiro. Mas o que produz a vida daquilo? Originação dependente. Este é o princípio. A gente precisaria olhar com muito cuidado. Parar e "uauu!". O que é isso que está operando, que não cessa? Esse aspecto é o que não cessa quando tudo cessa. Ele vai ser visto pela originação dependente diretamente, que é o aspecto luminoso da mente. Está lá. Enquanto as múltiplas construções vêm e vão, as inteligências associadas ao que vem e vai, surge e desaparece, a originação dependente, que é a base de cada uma dessas inteligências não surge nem cessa. Ela está incessantemente presente como a luminosidade. Esta luminosidade, quando a gente localiza: "uau, eu tenho uma luminosidade que funciona!". Porém, no tempo da morte, se a pessoa tiver... Bom, está certo que ela pode fazer durante a vida. Mas aqui, nós estamos tratando do bardo da morte, que é considerado um momento certo para isso... Que é quando a luminosidade-filho, quando localizamos em nós a luminosidade e a gente diz: "Sim, é luminosidade, e é incessante!". Nós descobrimos que não tem uma limitação entre a grande luminosidade que move todos os seres, todas as inteligências que surgem e cessam da luminosidade-filho. A luminosidade-filho é aquilo que a gente diz que é quando a identidade se reconhece como luminosidade. Mas ela tem uma sensação... ela é uma luminosidade da sétima consciência. Ela diz: "Uau!". A sétima consciência descobre o infinito dentro de si. Mas ela é a sétima consciência. Ela ainda tem um traço de ignorância. Quando esta sétima consciência se vê além das oito consciências, além da sétima também, ela vê que a sétima surgiu de um jeito, surgiu de outro jeito. Porém, agora, não tem nenhuma seriedade em considerar identidades. Também se vê como um surgimento luminoso. Aí tem a compreensão do espaço. A natureza livre além das especificações, da identidade. Isso é o encontro da luminosidade-filho com a luminosidade-mãe. Quando a gota d’água volta ao oceano. Ela não evapora mais. Isso é uma coisa bonita de ver.
Isso é considerado o ponto final. Dudjom Rinpoche vai descrever isso nesses parágrafos. Rapidamente ele vai descrevendo. Mas um ponto importante é esse, por exemplo, dos elementos. Ele vai lembrar esses ensinamentos profundos que tratam de como os elementos surgem uns dos outros e quando nós vamos morrer, esses elementos que estão sustentando o funcionamento da nossa energia não conseguem mais se sustentar ou se manifestar por dentro do próprio corpo. Há este obstáculo. Isso é a morte. Quando a energia já não consegue operar por dentro disso.
Então, vem esta pergunta: O que acontece quando morremos? Então ele vai descrever isso deste modo: Começando no momento da concepção física, o momento em que nossos pais se uniram, nosso corpo passa a tomar consistência a partir da essência dos cinco elementos.
Então aqui os nossos pais são todas as substâncias de todos os tempos. Porque em vários níveis, os nossos pais são a base de onde a originação dependente brota. Produz um tanto, aquilo serve de base para ir mais adiante. Então os nossos pais são todos os seres, todas as substâncias, em todas as direções. Mas aqui ele está descrevendo nossos pais como nossos pais humanos.
Começando no momento da concepção física, o momento que nossos pais se uniram, nosso corpo passa a tomar consistência a partir da essência dos cinco elementos. Por exemplo, quando há uma concepção in vitro, aquilo está acontecendo. Não tem pai e mãe que estavam ali, como na medicina tibetana é descrito. Então, esse encontro, é um encontro das inteligências das células. Elas é que são nossos pais e mães. Aquela inteligência está ali. Não é alguém em algum lugar. É aquela inteligência. Aquela inteligência está totalmente ali. Senão não nasceria o bebê, não aconteceria. Quando vocês olham assim, vocês vão ver que o pai e mãe vão oferecer as células que vão se encontrar e vão oferecer o ambiente onde estas células conseguem crescer. Eles não estão fazendo nada. Eu acho que até isso dá para reclamar em juízo: 'olha eu não fiz nada, foram as células. Eu, fora. Isso é um assunto delas. Elas estavam super a fim de ir. Eu apenas liberei as células. Eu não pago pensão, podem cortar isso.' [risos] Vamos dizer se nasce in vitro, quem vai levar para o colégio depois? Quem vai pagar pensão depois? 'Eu, fora! Elas são responsáveis por si!''
Pois é, eu acho que cientificamente - pois agora é tudo científico - está provado! Estamos livres! Nunca tinha me lembrado disso. O Khalil Gibran que disse que os filhos são filhos da vida por si mesmos. Então, Dudjom Rinpoche volta ao modo antigo: nossos pais se uniram.
Nosso corpo começa a tomar consistência a partir dos cinco elementos.
Estão lá, as células. Elas estão operando com a energia e estão operando com os cinco elementos. As cinco energias. E o encontro de elementos como calor, a energia, os canais sutis. Ou seja, aquela energia vai fluindo. Quando a energia vai fluindo e vai conduzindo as substâncias, essa energia vai seguindo e comandando aquele movimento. Daí os canais sutis surgem. Eles coemergem junto com a energia. A energia vem, o tráfego da energia produz o canal e assim por diante. Esses canais começam a se desenvolver junto com o corpo. Eles vão indo. Porque o corpo inteiro está regido com canais. Senão, não estaríamos com energia operando. Está tudo operando. A pessoa para no Kayagatasati Sutta e a pessoa vai perceber que o corpo vibra, a energia está ocorrendo. Então, o encontro dos elementos, como calor, energia, canais sutis e assim por diante, por originação dependente, aquilo tudo vai se expandindo, se expandindo. Mas quando morremos, esses cinco elementos, gradualmente, se separam e se dissolvem um no outro. Começa a dissolver o elemento terra, no elemento água. Elemento água, no elemento fogo. O elemento fogo se dissolve no elemento ar. O elemento ar se dissolve no elemento espaço. São processos de sutileza crescente. Quando nós morremos, a gente não nota. Estamos sentados, assim, normal. Se não tivermos o elemento terra, não conseguimos ficar sentados. O elemento terra vai afundando. Mas deitado tudo bem. Em um certo momento, não consegue mais se mover. Terra se dissolveu em água, água vai dissolver em fogo, ou seja, não tenho mais a experiência de água, de um movimento. Mas tenho um calor que vai diminuir, vou começar a sentir frio. Aí quando o calor se dissolve eu ainda tenho respiração, mas o calor já foi. A pessoa está viva, enche de coberta, liga o lençol elétrico. E vê se aquilo resolve, não está resolvendo. Tem um frio de dentro. Mas a respiração ainda está andando. A respiração vai se dissolvendo. Mas a mente está viva ainda, tem éter, tem a consciência. Daí a gente diz: vamos cortar o fígado, tirar os rins. Ela ainda tem consciência. E a consciência se dissolve no espaço. Foi.
Quando a dissolução é completa, nossa respiração externa cessa e nossos pulsos internos, todo pulsar da energia é [são] reabsorvidos. A essência branca que recebemos do nosso pai, que está localizada no cérebro e a essência vermelha que recebemos de nossa mãe, que está localizada na região do umbigo... Aqui é melhor vocês não tomarem de forma literal. Essência branca corresponde ao brilho do olho. É a lucidez. E a essência vermelha corresponde à vitalidade, à força. Nós oscilamos de um modo geral. Podemos ser atraídos pelo aspecto da energia e da força, ou nós podemos ser atraídos pelo aspecto cognitivo. Mas aqui, essa oscilação, ela cessa, esse aspecto cessa. As duas se unem na altura do coração. Consciência na altura do coração. Tem um brilho cognitivo na altura do coração e tem uma presença de energia na altura do coração. A consciência está una. Está abandonando o corpo. Não está mais olhando pelo corpo. Agora ela ficou sutil. A respiração cessou. E a consciência se une. Ela não está mais operando o corpo.
A essência branca que recebemos de nosso pai, e que está localizada no cérebro... Na altura do cérebro, não dentro do cérebro. ...e a essência vermelha, recebida de nossa mãe, e que está localizada na região do umbigo, se encontram no centro cardíaco e se misturam. Só então a mente deixa o corpo.
O que significa a mente deixar o corpo? Significa que a operação de originação dependente não vai estimular mais o funcionamento de levantar o braço, de fazer coisas. Ela se retira dessa operação. Ela deixa. A mente não olha mais o corpo. Quando a gente vai dormir à noite, a mente também não está olhando o corpo.
Neste ponto, no caso dos que não têm experiência de prática, a mente cai em um prolongado estado de inconsciência.
Porque nós estávamos constantemente ocupados com as duas essências. Ou seja, operando o funcionamento do corpo e o aspecto cognitivo. Olhando e construindo e fazendo o aspecto da originação dependente operar. Neste momento, nós estamos sem essas possibilidades. No momento, nada nos chama, nada nos acorda, nada nos puxa, não tem nenhum sinal. Então, essa ausência de chamamento vai surgir como um prolongado estado de inconsciência.
Mas para os que são mestres realizados ou experientes meditantes, a consciência, após dois minutos aproximadamente, dissolve-se no espaço.
Esta consciência, como a pessoa ouviu os ensinamentos, praticou, não perdeu tempo, fez todas as acumulações que tinha para fazer, não perdeu os retiros, estudou o livro do Kenpo, o que acontece? Após dois minutos, aproximadamente, o Kenpo diz: 'pessoal, vamos acordando!' A consciência se reconhece e diz: 'Uauu, é isso!' Ela está viva, lúcida, brilhando, em um espaço sem sinais, sem demandas. Ela reconhece isso. E esse espaço se dissolve na luminosidade. Ou seja, quando surge este espaço, ele é visto, é Lundrup. Espaço é Khadag. Aí tem Lundrup_,_ que é visto também. Incessantemente presente. Sem nenhuma construção, que é o aspecto luminoso, natural, que vai ser chamado de luminosidade. Então, espaço e luminosidade, eles estão juntos.
Qual é o fruto da meditação daqueles que praticaram? É justamente a dissolução da luminosidade, que é pura e sem máculas como o céu. Isso ocorre quando o pulso interno cessa.
Quando o pulso interno cessa, o que significa? As operações condicionadas da consciência não têm mais lugar para ocorrer. Como não têm mais lugar, aquilo cessa. Não tem mais como fazer. Cessou. A pessoa vai para o estado de inconsciência, mas para quem tem esperteza, a pessoa diz: 'ah, esta inconsciência, eu sei o que é!' Esta inconsciência é Khadag, a vacuidade, e, ela está viva, é a luminosidade. Lundrup.
Se uma pessoa atingiu a estabilidade no reconhecimento da luminosidade durante a meditação... [No período da vida, portanto] … então, tão pronto a experiência de espaço sem máculas aparece... [Tem a inconsciência que rapidamente se dissolve no espaço aberto, vivo.]
Porque a pessoa já viu isso no treinamento. No texto de Dudjom Rinpoche, A Iluminação da Sabedoria Primordial, está tudo explicado. A pessoa já morre com aquilo no peito.
Se uma pessoa atingiu a estabilidade no reconhecimento da luminosidade durante a meditação, então, tão pronto a experiência de espaço sem máculas aparece, ocorre o assim chamado encontro das luminosidades mãe e filho. Espaço e lucidez.
Que é este ponto, da dissolução da sétima consciência. Porque o aspecto de individualidade não tem mais lugar, não tem operação possível, naquele lugar. Então, aquilo que é um resquício de uma sensação de individualidade se dissolve dentro da operação ampla da mente que não conhece limite.
Encontro das luminosidades mãe e filho. Espaço e lucidez. Isso é a liberação. Na essência, isso é o que os lamas e os meditantes que a praticam referem como repousar em Thuktam ou meditação no momento da morte.
Por que aqui o momento da morte está sendo enfatizado? Em primeiro lugar, porque estamos olhando os bardos. Vamos olhar o bardo da morte, é isso. A gente não precisaria introduzir isto através do bardo da morte. Por exemplo, Dudjom Rinpoche introduz isso em A Iluminação da Sabedoria Primordial sem precisar falar da morte. Porque isso não é alguma coisa que está na morte e não está na vida. Está na vida. Mas como a experiência da vida é sucedida pela experiência da morte, a pessoa se defronta com a morte. Qual é o darma que ela está encontrando? Está encontrando a morte. Então, nós temos que transformar a morte também na iluminação. Porque qualquer aspecto da vida e da morte, a gente precisa transformar na iluminação. Aqui ele pega a morte, não porque a gente precise da morte para isso. Não precisa. Aliás, se a pessoa não atingiu a estabilidade no reconhecimento da luminosidade durante a meditação, vai ser um problema. A pessoa teria que ter feito isso durante a vida. Vai facilitar. Aí diz:
Isso é a liberação. Na essência isso é que os lamas e meditantes que a praticam referem como repousar em Thuktam ou meditação no momento da morte. Thuktam nada mais é do que isso.
Eu acho que seria uma perda, uma limitação, a gente imaginar que precisa esperar o momento da morte para ver isso. Mas é como eu expliquei. Quando vem a morte, a melhor coisa que a gente pode fazer é ver isso.
Thuktam nada mais é do que isso. Luminosidades mãe e filho se fundem e ganha-se estabilidade das etapas de criação e perfeição.
Ou seja, tudo que é surgido, tem a perfeição natural deste surgimento porque a manifestação é o ornamento da base primordial. Isso é a liberação. Aqui tem um pé de página que trata disso. Ele diz: a mãe luminosidade é a natureza da mente sempre presente. [Natureza da mente incessantemente presente. Como vamos reconhecer essa natureza incessantemente presente? Vemos que as experiências são transitórias. As coisas aparecem depois cessam, aparecem depois cessam. Quando as coisas aparecem, elas não aparecem como a jogada no tabuleiro. Elas já são a própria peça que está no tabuleiro, já são o tabuleiro. Já são o jogo. Tudo isso é surgido. Quando não entendemos isso, não entendemos a base, a mente fundamental. A mente fundamental é o tabuleiro, as regras do jogo. Pensamos que aquilo é a base de tudo. Mas não é, porque aquilo foi criado pela mente primordial.
A mente primordial cria o jogo, eu tomo o jogo por base, eu crio as jogadas, para cá e para lá. Então nós podemos não perceber isso. As operações que a mente tem, da nossa mente, da nossa energia, do movimento todo. Elas são operações que tomam por base a bolha. Que é essencialmente Alaya Vijnana. A mente fundamental. Mas eu preciso iluminar a mente fundamental. Eu preciso reconhecer que a mente fundamental foi construída, foi criada e é sustentada. Não só criada. Criada e sustentada luminosamente.
Quando, por exemplo, estou jogando e vejo que estou operando com o tabuleiro, as jogadas, as identidades, a vontade de fazer aquilo tudo funcionar, daí eu vejo que aquilo é acionado por uma luminosidade de base que produz aquelas aparências construídas, limitadas. Que eu não vejo como tal. Vejo como se fosse uma liberdade.
Mas, quando me dou conta disso, eu vejo que no processo da vida, eu saio dessa base para outra base, para outra base, para outra base. Todas as bases têm por fundamento a base primordial. A base primordial está sempre atuando. E as bases condicionadas construídas, elas atuam por um tempo, depois são substituídas por outras, no meio das nossas experiências. E o sofrimento vem justo por isso, pois eu tomo bases construídas e quero que elas fiquem fixas. Eu não consigo. Eu quero resultados específicos dentro das bases fixas. Eu não consigo. Então, o sofrimento estrutural está associado a isso. Chamado de ignorância, avidya. Eu não consigo ver aquilo que está sempre presente e não muda. Então, aquilo que está sempre presente e não muda, eu vou chamar de Darmakaya, vou chamar de Base Primordial. Natureza da mente sempre presente, como vejo que é natureza sempre presente? Porque eu vejo as aparências comuns, olho para dentro das experiências comuns, olhando, olhando, eu sempre encontro isso como a base. Eu nunca saio dela. Estou sempre dentro dela e aquilo que chamamos nós, a identidade, é uma operação de mente como um jogador que está jogando aquele tabuleiro. Ele salta para outro jogador, vira outro, vira outro e dá uma sensação de que existe uma mente que vai para lá e para cá sempre pensando. Então esta mente, que vai para lá e para cá sempre pensando, é a sétima consciência. Essa é que é esperta. Essa é que é o praticante. 'Você é o praticante?' 'Então, Ananda seja o praticante!' 'Sim, sim, Abençoado! Eu sou o praticante!' E está lá o Ananda, fazendo tudo certinho, como no Surangama. Dando spoiler aqui de terças e quintas. O Ananda quer fazer aquilo bem direito, mas ele tem problemas, porque a mente dele opera a partir das coisas que surgem e pode surgir qualquer coisa. Como que as coisas surgem? Elas surgem por uma conexão da região cármica que ele está operando. Se ele está lá junto com Buda meditando, esse tipo de coisa não acontece, mas ele sai com a tigela, vai para a cidade e vê coisas bonitas aqui e ali, daqui a pouco ele está todo atrapalhado, por quê? Porque ele não está baseado na mente primordial, ele está baseado nas mentes que operam a partir de olhos, ouvidos, nariz, língua e tato, são estimuladas pelas múltiplas visões e os referenciais condicionados. Mas quando morrer aquilo tudo cessa, um se dissolve no outro e a pessoa se defronta com essa mente da clara luz, que ela vai descobrir que ainda é uma clara luz que precisa se dissolver na grande Clara Luz, que é a mãe luminosidade.
A mãe luminosidade é a natureza da mente sempre presente, a amplitude fundamental da luminosidade vazia e absoluta, o Darmakaya primordialmente puro.
Essencialmente a mãe, luminosidade mãe é o Darmakaya. Darmakaya é Khadag, grande vacuidade.
Os praticantes que foram introduzidos nessa luminosidade absoluta por um autêntico professor e que meditaram nela, são capazes de experimentar a luminosidade como resultado de sua prática.
Não é que eles vão chegar a alguma coisa… que eles foram indo, indo e gerou a meditação da luminosidade que eles sustentam e “ah... perdi”. Não, eles vão desenvolver o olho que vê a luminosidade incessantemente presente. Eles descobrem que se eles fazem coisas erradas ou fazem coisas certas e estão com a consciência ali, ou não estão, a luminosidade está, a luminosidade mãe está sempre operando. Não há como perder isso. Isso significa chegar à luminosidade.
Eles são capazes de experimentar a luminosidade como resultado de sua prática.
Essa que brota da prática é chamada luminosidade filho. É graças a essa luminosidade que eles vêem, vão praticando, vão olhando, eles vêem uma experiência deles mesmos. Parece que é uma luminosidade de alguém, uma luminosidade filho.
É graças a ela que eles podem então reconhecer a "mãe", ou seja, a luminosidade última [que não está fixada a identidades, não está envolvida, enrolada por dentro de algo que possa ser uma identidade] quando essa se manifestar no momento da morte. Esse reconhecimento é descrito metaforicamente como o filho indo ao colo da mãe.
A pessoa pensa 'quando eu morrer eu me livro da minha mãe, finalmente'. Que nada, morre e vai para o colo da mãe.
A luminosidade-mãe aparece para todos os seres em seu processo de morte, [ela aparece] mas se eles não chegaram a meditar sobre isso a experiência será um instante fugaz, um momento que nem mesmo é reconhecido em meio às sequências alucinatórias que imediatamente se seguem.
Sequência alucinatória é a operação da originação dependente, começa a criar coisas, criar coisas. Eu acho que essa expressão de mãe e filho é interessante. Tem como uma consciência mãe, mas sempre o filho está com a originação dependente, está inventando coisas, ele vai indo e vai embora. Essa parte é super importante. Vocês vejam: Dudjom Rinpoche está falando sobre os cinco Bardos, mas ele está introduzindo a liberação completa e com detalhe.
Bardo Luminoso da Realidade Última
Aí surge o Bardo Luminoso da Realidade Última, a gente já está iluminado aí falta o que? O Bardo Luminoso da Realidade Última. E se não tivermos praticado, não fez retiro, não estudou o livro do Khenpo, não estudou os cinco Bardos de Guru Rinpoche, não estudou os seis selos... aí vai esperar o quê? Se não tivermos praticado… quando íamos praticar começavamos a pensar, “agora isso, agora aquilo”, e vai originação dependente construindo coisas... esquece as palavras dos mestres, esquece os ensinamentos, quando dorme, dorme pesado, sonha para todo lado, quando levanta e a inconsciência toma conta... no momento da morte não vai ter consciência, lá é muito pior.
Lá no Gompa em princípio não podia entrar animais, exceto o cachorro do Rinpoche, ele tinha uma cachorrinha super bonitinha, ela pulava no colo dele, dona do pedaço, toda crespinha, branquinha, aquilo era uma subversão às regras dele. Às vezes entravam as crianças e começavam a correr e fazer gritaria para cá e para lá, o pessoal se revoltava: “aqui é um lugar sério, como pode ter criança correndo de lá para cá?”. Chagdud Rinpoche dizia: “se a prática de vocês se perturba porque tem crianças correndo, o que dizer quando vocês se aproximarem da morte?”. Quando a pessoa se aproxima da morte, aquilo que é confusão, como vamos ter consciência, ter lucidez no momento da morte se a nossa prática é tão frágil que as crianças correndo em volta dá problema?
Se não tivermos praticado, desmaiamos quando a experiência de escuridão surge.
Essa experiência de escuridão é pesada, Dudjom Rinpoche está usando um negócio meio assim... a pessoa morre e vem uma escuridão... se for enterrado pior ainda, vai ter uma caixa e aquilo lá no fundo da escuridão... vai ser duro. Esse desmaio o que é? É a interrupção de olhos, ouvidos, nariz, língua e tato. Qualquer pessoa que passou por uma anestesia geral não tem sensação de escuridão, tem sensação de apagamento, daqui a pouco a pessoa volta, o olho não foca bem, “onde estamos?”, porque os sentidos físicos começam a operar de novo, por essa inseparatividade da mente acoplada aos sentidos físicos, aquilo começa a dar sinais e a mente começa operar a partir daquilo, mas ela está um pouco perdida da base, ela não está entendendo como dar significado às experiências. A pessoa está um pouco confusa, mas daqui a pouco a pessoa diz: “estou no hospital, sim, sim, sofri um atropelamento agora estou aqui, não estou podendo mover direito esse ombro, mas estou aqui, parece que estou vivo”. Aquilo começa a fazer sentido, os pensamentos vêm, daqui a pouco a pessoa está com fome e aquilo vai indo. Isso que é chamado experiência de escuridão, esse apagamento, apaga os sentidos. Por exemplo, nós dormimos, quando a gente dorme, experiência de escuridão, mas ninguém está lá com o olho... “está escuro isso aqui”. A pessoa não está com esse olho, a pessoa está apagada. Daqui a pouco aparece o sonho que tem uma luz. A gente deveria perguntar: “e essa luz, de onde vem?”. Vou dar esse conselho para vocês, vocês acordam no meio da morte, vocês veem que não tem sombra nos sonhos, vocês veem se aparece sombra ou não aparece sombra, vocês dão uma espiada no meio do sonho, está todo mundo por aqui, mas não tem sombra então está todo mundo morto aqui.
Desmaiamos quando a experiência de escuridão surge, apenas para retornarmos quase imediatamente em meio a percepções assustadoras, as quais são referidas como o quinto Bardo, o Bardo da Realidade Última.
Essa tradução nos engana um pouco, porque a gente diz: “abri o olho, comecei a ver e isso é a realidade última”. A realidade última está presente quando estamos vivos, em qualquer um dos Bardos vemos a realidade última, mas aqui esse Bardo é chamado Bardo de Darmata, porque tudo aquilo que aparece é manifestação luminosa. São manifestações luminosas. Se eu puder ver isso estou vendo o ornamento direto. É como um sonho à noite. Se eu tiver essa capacidade eu vejo que as aparências do sonho… 'uau! que incrível!' são a manifestação da mente.
Às vezes a pessoa tem essa capacidade, de tanto meditar em silêncio, viva, acordada, ela ganha essa capacidade de em qualquer lugar ter esse afastamento, como se praticasse o Satipatana por muito tempo. À noite, o Satipatana aparece dentro do sonho dela. Aquilo começa a aparecer e o que aparece ela diz: “isso é um sonho”. Ela olha para aquele sonho e pode se admirar: “como eu estou sonhando com isso? De onde vem esse tipo de sonho? É uma região cármica”. A pessoa percebe, ainda que o sonho seja ilusório, a região cármica é mais duradoura que o próprio sonho, se eu agora interromper esse sonho, mais adiante esse mesmo sonho, esse mesmo pesadelo pode retornar.
A pessoa pode fazer os votos: eu quero me libertar totalmente de todas as bases cármicas, isso não é interessante, eu não quero ficar preso nisso. Quando a pessoa olha e diz que não quer ficar presa nisso, ela precisaria olhar e reconhecer esse sonho como ornamento da natureza primordial. Quando ela vê esse sonho como ornamento da natureza primordial, nesse instante ela está fora do sonho. Ela está em um ambiente sutil, mas já está fora do sonho, então o que acontecer dentro do sonho não afeta ela, porque ela está com a base da energia e da cognição na mente primordial e não mais nas mentes comuns. Ela atinge a liberação dentro do sonho da morte ou dentro do que for, do sonho da vida. Esse é o processo. Dudjom Rinpoche vai botar terror.
Nesse momento, as deidades pacíficas e iradas aparecem.
Essa é a linguagem Vajrayana. Na linguagem do Satipatana, uma linguagem que não seja figurada, aparecem imagens, mas na linguagem Vajrayana, quando a gente diz que aparecem deidades pacíficas e iradas, é uma grande compaixão dizer isso, é uma compaixão que mais ou menos vai resolvendo tudo. Por quê? Porque eu transformo as aparências em deidades, entende? Eu não pego as aparências comuns, que me assustam e me levam para cá e para lá. Eu as pego como deidades e olhando a deidade, eu vejo que elas emanam do Buda primordial, emanam de Samantabhadra, são a aparência de Samantabhadra diante de mim. Mas isso porque eu fiz prática. Se eu não tenho a experiência de fazer prática das deidades eu não tenho como olhar esse recurso. Aqui Dudjom Rinpoche está usando essa linguagem. Ele podia dizer “nesse ponto, as aparências surgem, elas são Darmakaya, as aparências são vacuidade”. Quando aparecer isso, você puxa a memória do nosso texto de prática e diz: “as aparências são a vacuidade e as aparências estão ali”.
A vacuidade são as aparências, sele cada uma. Se a pessoa estiver praticando segundo o Vajrayana com sinais, ela vê como se fossem deidades pacíficas e iradas, ela vê: “aqui é Arya Tara se manifestando, deidades pacíficas”. Mas aparecem deidades iradas, porque nós temos experiências favoráveis e desfavoráveis segundo as aparências, então quando elas são favoráveis eu vou chamar de pacíficas e quando eu fico impactado eu vou chamar de iradas. Se eu conseguir manter todas as aparências como se fossem deidades pacíficas ou deidades iradas, eu vejo o Buda primordial nelas.
Elas estão implícitas e presentes em nossa consciência de Samantabhadra, os Budas primordiais das cinco famílias e as oito manifestações de Guru Rinpoche.
Tudo isso está presente, como os códigos através dos quais eu vou começar a olhar tudo o que está ao redor.
Sua aparência é acompanhada por sons e luzes assustadoras.
Esses sons e luzes são os que aparecem durante o sonho. De onde vem as luzes no sonho? É a luminosidade da mente pessoal. Dudjom Rinpoche está explicando pelo Vajrayana com sinais, ele poderia explicar pelo Dzogchen, ele poderia explicar diretamente Guru Rinpoche, todas as aparências são manifestação ilimitada, então você vê isso. Os sons são vacuidade, as luzes são vacuidade, vacuidade e luminosidade, é isso.
Nesse ponto as pessoas que não estão familiarizadas com isso...
Ou seja, durante a vida elas não veem com luminosidade e vacuidade as aparências, as experiências, porque no cotidiano também nos aterrorizamos, então nos aterrorizamos nos sonhos também e na morte.
...Tão pronto o medo as domina, essas manifestações da consciência se dissolvem e desaparecem.
Então elas deixam de ser manifestação de consciência e têm um sentido denso.
Eu gostaria de dizer algumas palavras que tanto valem para o Bardo do morrer com para o Bardo da Realidade Última.
Isso é Dudjom Rinpoche falando.
Após os cinco elementos separarem-se e dissolverem-se, a consciência se dissolve no espaço, desmaiando no estado de Alaya.
O que é esse estado de Alaya? Desmaiando dentro da consciência contaminada, consciência condicionada, ou seja, das oito consciências, ela desmaia na oitava consciência. Os cinco sentidos físicos param, para a consciência que fica raciocinando a partir dos objetos de olhos, ouvidos, nariz e tato, é a sexta consciência. A sétima consciência que corresponde à identidade desmaia também, mas Alaya não desmaia. Aquela mente luminosa está presente e os referenciais comuns do tabuleiro do jogo continuam, quando a pessoa acordar ela diz: “eu estava no meio do jogo e peguei no sono ou eu estava no meio do jogo e morri e agora eu voltei e estou vendo o jogo, essa é a realidade”. Significa que ela desmaia em Alaya, ela não desmaia na mente primordial, ela desmaia na mente condicionada, quando ela voltar, a consciência retorna e ela retorna dentro da mente condicionada.
Eu gostaria de dizer algumas palavras - Dudjom Rinpoche falando - que tanto valem para o Bardo do Morrer quanto para o Bardo da Realidade última. Após os cinco elementos separarem-se e dissolverem-se, a consciência se dissolve no espaço, desmaiando no estado de Alaya. Após, a luminosidade é vista.
É como se a profundidade do praticante fosse indo. Após ele vê a luminosidade.
É como o espaço puro e imaculado, aberto, sem condicionantes. Se não tivermos a experiência de meditação, não reconheceremos essa luminosidade.
Como, por exemplo, nós estamos jogando o tabuleiro de damas e a pessoa não reconhece que tem uma mente que criou o tabuleiro, criou o jogo, criou os jogadores, criou a energia e está operando. Ela só reconhece a mente que raciocina a jogada e ela pensa que aquela é a mente, ela não vê a operação de criação do tabuleiro e sustentação incessante daquele tabuleiro, porque se em um momento a pessoa abandonar aquele tabuleiro e pensar “eu tenho que ir ao banheiro”, aí é outra mente que aparece, “agora eu vou fazer um lanche”, é outra mente que aparece. Não é mais a mente que sustenta o tabuleiro, é uma mente que cria e sustenta outra base, dentro da base que agora eu vou fazer um lanche a pessoa faz muitas operações, todas elas referidas ao lanche, então ela usa aquele referencial, aquela bolha. Se a pessoa não for introduzida a essa bolha, ela não vê a bolha.
“Não reconheceremos essa luminosidade”. A luminosidade que sustenta a base das aparências de onde cada movimento nosso tem uma coerência, tem um funcionamento, ela não vê isso.
Não reconhecida essa experiência não permanecerá por muito tempo.
Ainda que a pessoa esteja ali e só tem a luminosidade mesmo, aquilo não se sustenta porque não tem uma clareza daquilo.
Se tivermos a experiência com a concentração da mente.
Se tivermos essa clareza já da nossa prática, que é o que o próprio Surangama Sutra vai trazer, os ensinamentos da Iluminação da Sabedoria Primordial trazem, o Khenpo vai trazer:
Se tivermos a experiência com a concentração da mente que vem da meditação portanto, que a gente foi treinando isso durante a vida, a pessoa amadureceu essa prática aí ela vai encontrar a luminosidade de mãe e filho.
Ela vê essa luminosidade dela e de repente essa luminosidade se funde com a luminosidade mãe, é como Dudjom Rinpoche está explicando.
Antes um pouco do início do processo da morte antes que se inicie a gradual dissolução dos elementos o mais importante é estar perfeitamente consciente que você está de fato no processo da morte.
Aí vem um amigo e diz: “olha, é assim, você está aqui, mas eu vou lhe contar, parece que não tem mais solução, você vai morrer”. Ontem estavam me falando de uma pessoa que desenvolveu um câncer, como ela desenvolveu o câncer, ela pensou: “eu acho que eu não vou fazer a quimioterapia, não vou fazer nada”, os médicos respeitaram essa opinião dela, ela viveu a parte final da vida, naturalmente sabendo que iria morrer, mas ela aproveitou de modo muito consciente a parte final assim e morreu super bem. Aqui a pessoa pode estar plenamente consciente de que vai morrer e se ela lutar pra se manter viva talvez não adiante mais, então tem um momento que a pessoa diz: “ok, agora eu vou morrer.”
O mais importante é estar perfeitamente consciente que você está de fato no processo da morte, você precisa cortar todo apego às coisas dessa vida.
Essa é uma parte interessante, quando uma pessoa vê que está indo para o processo da morte, ela olha o tabuleiro de damas e diz: “ah isso aqui eu vou dar para os meus sobrinhos, essas maravilhosas tampinhas de garrafa de leite eu vou dar tudo junto e ele vai poder jogar, e tais coisas e vou dar não sei pra quem, isso fica pra não sei o que, minhas dívidas ficam com meu filho mais velho que ele resolve”. Por que acontece isso? Não é porque a pessoa [se supera] e faz isso, não, é porque ela já está em outra bolha, ela está em outro lugar, esse outro lugar permite que tudo que a gente vê agora, ganhe um outro sentido. Dentro desse outro sentido a pessoa já não tem mais o apego àquela sucessão de coisas.
O mais importante é estar perfeitamente consciente que você está de fato no processo da morte...
Essa é nossa bolha, agora é isso.
...você precisa cortar todo o apego às coisas dessa vida, isso vem naturalmente. Quando a morte chegar você deveria rezar para as três jóias, porque não há qualquer experiência que não elas.
“Eu não fui bom praticante, Abençoado, mas eu estou aqui agora, eu naturalmente de mim eu não espero nada, mas de você eu estou esperando.”
Você devia evocar também o seu professor raiz, pois ele ou ela de algum modo é mais acessível a você.
Esse é um ponto também interessante, porque, por exemplo, quando a gente olha o nosso professor raiz, se vocês olharem a fotografia do professor raiz e disserem: “é ele!”, isso vai ajudar vocês a entender que o professor raiz é um conjunto de experiências que se desenvolveu dentro de vocês, é um conjunto de experiências super elevado, que é o melhor que vocês já fizeram, por isso vocês chamam aquilo de professor raiz. Por isso que o professor raiz está sempre junto, tem uma inseparatividade entre o praticante, a mente do praticante e a mente do Lama. Totalmente inseparáveis. Claro! Se a pessoa é capaz de olhar em uma foto e ver, é o conjunto de referenciais luminosos que a pessoa usa, tudo que ela pode fazer de melhor durante sua vida e sua prática, aquilo ela leva junto por vidas, ela só vai melhorando aquilo. Esse professor raiz acompanha as várias vidas da pessoa, não tenham dúvida. De tanto em tanto, durante a vida comum a pessoa encontra um professor raiz, ela encontra alguém que ao se movimentar parece essa região de lucidez que tem dentro dela, essa lucidez progressiva.
Você deveria também evocar o seu professor raiz
Ao longo de muitas vidas o professor raiz não está funcionando muito bem porque eu estou fazendo uma vida depois da outra, mas o problema é meu mesmo.
...pois ele ou ela de alguma modo é mais acessível a você.
Claro, porque aquilo que é o conjunto de marcas que induzem à lucidez que é inseparável das marcas que a pessoa está operando.
Quando tudo está dito e feito, não tem mais nenhuma palavra para ser falada, o seu professor raiz é a corporificação de tudo que a gente fez.
Tudo que a gente fez surge como se fosse o próprio professor raiz, mas vocês não pensem que isso é fake, não é fake, porque o nosso caminho, aquilo que a gente vai andando e vai fazendo é induzido pelo próprio Buda primordial, a natureza lúcida dentro de nós, ela é a natureza lúcida e é mesmo o Buda primordial. Enquanto nós nos movemos a partir disso, esse impulso vai criando, dentro da noção separativa, vai criando a noção de eu e o mundo e dentro disso surge a noção do professor raiz, como se fosse separado de nós, separado do Buda primordial, mas não há essa separação. Nem nós estamos separados do Buda primordial, nem o próprio professor raiz está separado do Buda primordial nem de nós. Tem essa união, mas se dentro da visão separativa nós podemos identificar um professor raiz, aquele é o apoio perfeito para nós andarmos dentro do lugar onde nós estamos no grau de compreensão que a gente está.
Quando tudo está dito e feito o seu professor raiz é a corporificação de todos esses méritos, reze ao seu professor raiz, ele é sua verdadeira deidade Yidam.
Ele é a Inteligência que ajuda no seu caminho, se você não sentir que é, então ele não é o seu professor raiz, o professor raiz pode estar escondido dentro de nós e não ter aparecido do lado de fora, mas todo mundo tem um professor raiz, então reze a ele, reze. Se você olhar isso, antes da primeira respiração se completar, a clareza com respeito àquilo que vocês estão aspirando surge.
Reze ao seu professor, sua verdadeira deidade Yidam quando dos perigosos desfiladeiros do Bardo.
Vocês estão lá no meio da confusão. Quando vocês olharem isso, vocês automaticamente estão na terra pura correspondente, a deidade Yidam_,_ no caso o mestre, e aí quando vocês estão nisso, antes da primeira respiração se completar, a visão se completou. Aí vocês vêem.
Confesse todas as ações negativas que você tenha cometido durante a vida.
Isso no final. Acho que nessa confissão vocês tem que ter muito cuidado, essa confissão em si mesmo já é a liberação, deveria ser uma confissão com lucidez quando diz: “o que é a confusão? E eu fiz tudo isso, isso não sou eu. Éa confusão”.
Confesse todas as ações negativas que você tenha cometido durante a sua vida e reze concentradamente ao seu professor, pedindo para ser conduzido a uma terra pura de Buda imediatamente após sua morte.
Se você pensar nisso desse modo, isso ocorre instantaneamente.
Diz-se que esse tipo de prece focada e sem distração, com essa aspiração constantemente presente em sua mente é de fato a pré-condição para ser conduzido a uma terra pura. Além do mais quando alguém doente está morrendo, seu professor e seus filhos-Darma cujo Samaia não esteja corrompido e com o qual ele tenha uma relação harmoniosa…
Então, por exemplo, o que significa isso? A gente tem um professor ou os alunos próximos ao professor com os quais a gente tem conexão, cujo Samaia não esteja corrompido, o que significa esse samaia corrompido? Quando a gente olha para aquela pessoa, que ela represente de fato o mestre, se a gente entender que ela tem o Samaia corrompido, significa que dentro da nossa mente nós introduzimos um tipo de obstáculo. Aquele obstáculo vai tirar o poder dessa conexão, é melhor ter o professor direto, que a gente tenha confiança e com quem então esse aluno, filho Darma, o professor, tenha uma relação harmoniosa.
...nessa condição esse praticante, ou o professor, deveriam lembrá-lo que os elementos estão se dissolvendo como de fato está ocorrendo.
Ou seja, não é que a pessoa esteja fraca, é o elemento terra que está afundando. Não é que ela não está mais conseguindo se mover, é que o elemento água está se dissolvendo. Não é que ela esteja com frio hoje, é que o elemento fogo está se dissolvendo. Não é que ela esteja com dificuldade de respiração hoje, é que o elemento ar está se dissolvendo e quando o elemento ar se dissolver e a respiração parar, o pulso para, a mente está viva, mas ela vai cessar também, essa mente condicionada cessa.
...deveriam relembrá-lo que os elementos estão se dissolvendo.
Isso significa o quê? Significa ajudar o outro a compreender o que é o processo da morte, o que está acontecendo de fato, que é a dissolução dos elementos.
O mestre ou os alunos deveriam rezar e recitar invocando o professor.
Aqui melhor é focar Guru Rinpoche direto, Dorje Drolo.
Essas aspirações de ser liberado dos perigos dos caminhos tortuosos do Bardo serão de grande ajuda.
A gente pode, por exemplo, também dizer: “Prajnaparamita, é agora! Forma é vazio ou não é? Forma, sensação, percepção, formação mental e consciência... é agora, eu tenho que entender isso…” A gente olha o professor Darmakaya, o professor Prajnaparamita, professor Manjushri. “Manjushri, agora venha com a espada e corte essa ignorância, estou com isso na minha mente e não estou conseguindo escapar.”
Eles deveriam rezar e recitar invocando o professor, essa aspiração de ser liberado do perigo dos caminhos tortuosos do Bardo, nessa aspiração de ser liberado disso...
Ser liberado dos caminhos tortuosos do Bardo é assim, quando vocês olham o tabuleiro de damas, as peças e o jogo, vocês não entrem por aquele atalho do caminho tortuoso do jogo de damas, não passem daí para a jogada. Se livrar dos caminhos tortuosos do Bardo é não entrar nas bolhas. Você se visualiza com uma agulha sempre, apareceu a bolha “pah”, pode ser a espada de Manjushri, mas uma agulha já resolve.
Ser liberado do perigo dos caminhos tortuosos do Bardo será de grande ajuda. Quando um inválido cai, outras pessoas o socorrem e levantam. Do mesmo modo os amigos do Darma podem ser de grande ajuda, eles podem guiar a pessoa que está morrendo e rezar por ela, isso é muito benéfico.
Existe uma inseparatividade das mentes.
Dizem que os Budas são dotados de grande compaixão e se alguém os invoca pelo nome como imaculado Ratnashikhin, protetor Amitabha, Buda Sakyamuni e assim por diante…
Guru RInpoche, Dorje Drolo, Manjushri, Arya Tara…
...os sofrimentos dos reinos inferiores são dissolvidos tão pronto seus nomes são pronunciados.
Por que isso pessoal? Por quê? Se a gente chamar Jesus Cristo funciona ou não funciona? É tudo igual! Por quê? Porque quando invocamos, já não estamos na bolha, estamos no lugar onde a invocação se produz, essa vira a nossa paisagem mental, essa paisagem mental é diferente da paisagem mental ou da bolha correspondente ao sofrimento que vinha antes. Se a gente manter o olhar nessa direção aquilo produz as soluções. Naturalmente, diferentes Deidades produzem diferentes resultados porque elas correspondem a diferentes formas de compreensão do mundo, da experiência ao redor. Isso significa a Mandala da Deidade, nesse caso, quando nós nos referimos a Guru Rinpoche ou ao Buda Sakyamuni, ao Buda Samantabhadra, é o que há de mais elevado. As outras Deidades são aspectos do Buda Primordial, mas se a gente tem uma conexão com o Buda primordial, com Manjushri, por exemplo, que corta aquilo para nos permitir acesso ao Buda primordial, ao Prajnaparamita que nos indica diretamente aquilo que não é montado, não é criado, isso é super elevado. Tão pronto a gente faz isso, nós não temos como ter conexão com os reinos inferiores, não temos conexão com nenhum tabuleiro de jogo, nenhum. Tão pronto seus nomes são pronunciados aqueles sofrimentos se dissolvem, porque nós nos deslocamos de uma região de sofrimento para uma região da prece.
Do mesmo modo, se a pessoa que está morrendo for capaz de rezar adequadamente, os Budas evitarão que ela entre no caminho que conduz aos reinos inferiores, simplesmente devido ao fato de que seus nomes foram pronunciados.
Quando a gente diz isso dentro da noção da bolha de realidade, parece completamente mágico, mas se a gente está entendendo o aspecto sutil, o aspecto secreto, é óbvio, porque no momento que a pessoa faz isso ela já não está ali.
Isso é, portanto, extremamente útil. A prece é como se fosse nosso ajudante e nosso guarda pessoal no período da morte, é de grande importância e benefício.
Porque a prece, essencialmente, ela mesma é transferência de consciência, quando a pessoa está no Bardo e ela reza, junta as mãos e reza ela já não tá naquele lugar.
Primeiro de tudo, a pessoa em um processo de morte cai em um estado de ausência e inconsciência, quando a consciência se manifesta novamente a luminosidade aparece...
Que é como o sonho ou como a meditação, a gente senta e estamos super parados, daqui a pouco aparece no cantinho da mente: o verão volta nós vamos na lagoa, alguma coisa assim, o pessoal no nordeste aparecendo nas lives tudo de manga curta e nós aqui no frio. “Acho que eu vou para o nordeste”. Quando a consciência se manifesta novamente é isso, nós estamos começando a fazer a originação dependente.
A luminosidade aparece - ou seja, nós começamos a criar coisas - e se não for reconhecida ela se vai e as visões do Bardo, a realidade última começam a aparecer.
Começam a aparecer imagens. É como estar em um retiro, mas pode ser que no retiro, lá pelas tantas, comece a aparecer imagens dentro, essas imagens a gente começa a achar que tem que fazer coisas. Então os retiros eles deveriam ser sem nenhum tipo de coisa atrativa para correr de um lugar ao outro. A gente não deveria aspirar o surgimento de imagens que a nossa mente comece então construir e fazer coisas pra cá e pra lá. Isso significa que do aspecto sutil, mesmo que eu esteja parado eu começo a viajar, se durante esse período da nossa prática, a gente ainda vai acessar celular, computador, livro e vai fazer anotações, nós estamos viajando para várias bolhas, vamos perder o retiro inteiro, o retiro é o lugar aonde nós vamos praticar o Kayagatasati, Anapanasati, Satipatana, as instruções da iluminação da sabedoria primordial, eu vou ultrapassar as bolhas; mas se eu pegar panoramas de bolha e sustentar isso com qualquer outro elemento como computador, etc, celular ou qualquer coisa começar a fazer isso, isso é originação dependente e de modo geral eu não tenho a clareza que a originação dependente que está sendo feita é a manifestação da natureza última. Não tenho essa sensação, não consigo praticar dentro daquilo, por isso aquilo é um desvio, uma perda de tempo e isso enfraquece porque a gente cria uma região de fuga da lucidez para dentro de uma área em que estamos expandindo a originação dependente. Essa região de fuga para dentro da originação dependente é alguma coisa que sempre aparece por dentro dos retiros, é inevitável, porque a gente cansa de lucidez, é lucidez demais, ninguém aguenta mais tanta lucidez, precisa de um pouco de samsara. Tem que ter uma disciplina dentro dos retiros, tem que ter sempre alguém. Andiara significa “aquela que cuida”, não sei se tu sabia disso. Em sânscrito, tem que ter seres assim, mas um dia tu vai te liberar.
_Quando a consciência se manifesta novamente [_ou seja começa a surgir] a luminosidade aparece e se não for reconhecida [a gente não vê isso dentro da própria experiência] as visões de bardo da realidade última começam a aparecer
Então aparecem coisas. Esse Bardo da Realidade Última são os seis reinos, aparecem deuses, semi-deuses, humanos, seres famintos e seres dos infernos. A pessoa ora vai sorrir ora vai chorar, por quê? Porque ela está dentro dos vários âmbitos criados.
É quando as Deidades pacíficas e iradas com seus sons aterradores e luzes surgem.
De onde vem a luz do Bardo do Sonho? São as luzes da mente, então esses seres têm luzes junto, que incrível, quando a gente lê assim parece que é alguma coisa externa. Essa é a linguagem que se usa também no Livro Tibetano dos Mortos, aparecem as deidades que têm luzes são aterrorizadores, mas a prática do Livro Tibetano dos Mortos que aliás é um ensinamento de Guru Rinpoche é uma prática na qual ele vai descrevendo todos os tipos de aparências e vai reduzindo aquilo tudo sempre a natureza última da mente, a Darmata. Esse é o trabalho. Ele pega esse ambiente que é o ambiente que vai surgindo dentro da alucinação, do Bardo do vir a ser, do Bardo da Morte e vai reduzindo aquilo tudo a Darmata, o tempo todo, é muito lindo isso.
É quando as Deidades pacíficas e iradas com seus sons aterradores e luzes surgem e também as visões de encruzilhadas que conduzem a terríveis precipícios.
A pessoa chega em um lugar ela não sabe se vai por aqui ou por ali, se ela for por aqui ela não está sabendo, mas de repente tem um precipício no meio de uma escuridão e ela cai. A pessoa pode chamar isso também de casamento. No caso o Ananda foi conduzido a terríveis precipícios, se não fosse aquilo ia dar uma confusão, não fosse o Buda resolver.
Se não houver o reconhecimento de que os sons incríveis e os raios de luzes nada mais são que manifestações da própria mente…
Se a pessoa vê isso ela está praticando a não meditação que é chamada. Não é que ela não esteja meditando, ela está praticando a lucidez ela vê a natureza última nas aparências, isso é uma grande prática.
Se não houver o reconhecimento de que os sons incríveis e os raios de luz nada mais são que manifestações da própria mente, nada que não apenas o poder criativo, luminoso da lucidez da consciência, então surgirá um terror intenso.
É como, por exemplo, amanhã tem GreNal, se não parecer que os gritos de vitória do Grêmio são manifestações luminosas da mente, aí aquilo tem um terror, tem uma irritação, uma incomodação, mas as pessoas olham desse modo e vice versa. Vá que o Inter ganhe, aí eu vou passar uma semana sem vir aqui, até que eu veja as luminosidades todas.
Projeções da própria mente, nada que não apenas o poder criativo, luminoso da lucidez da consciência, então surgirá um terror intenso.
O terror está dentro da bolha. A bolha é a manifestação luminosa que produziu aquela aparência e sustenta aquela aparência. Então, se a gente naquele momento rezar: “que eu tenha lucidez”... não é que o resultado vem porque a gente rezou, o rezar já é produzir o resultado porque a gente já está em outro lugar quando reza. É simultâneo, rezou já não está na bolha do jogo, aquilo cessa, o sofrimento correspondente cessa. Só o fato de a gente ter uma região para a qual a gente pode rezar, condicionadamente parece que a gente reza para alguém, mas o rezar já é colocar a mente em outra posição, então já está fora daquele lugar. A reza tem poder porque não há bolha de realidade que seja verdadeira, quando a gente localiza uma Deidade como Manjushri, como Buda Primordial, como Guru Rinpoche, como Buda Sakyamuni, como Prajnaparamita, quando a gente localiza e se entende mais ou menos, a gente diz: “valha-me Prajnaparamita”. Só dizer isso já estamos no lugar de Prajnaparamita e só de estar nesse lugar aquilo não faz mais sentido e aí o sofrimento cessa instantaneamente.
As visões ocorrem, o medo surge, então as visões se dissolvem e somem, nesse ponto a consciência deixa o corpo.
Aqui ela deixa o corpo enquanto ela deixa a identidade, ela se retira da operação da identidade, ultrapassa isso.
Saindo pela abertura correspondente à experiência.
Não é que tenha alguma coisa que saia lá de dentro, mas dentro de uma abordagem da yana correspondente pode se descrever desse modo: a consciência deixa o corpo sair pela abertura correspondente à experiência, significa o quê? Se a pessoa sair pelo topo da cabeça, significa que na experiência do corpo, o último lugar que teve uma consciência de corpo foi o topo da cabeça. Isso significa sair pela abertura correspondente à experiência. Não há o espaço, não há o espaço externo, não há o lugar e não há nenhum lugar pra ir. Ainda assim nós podemos dizer que a consciência deixa o corpo pela abertura correspondente à experiência. O topo da cabeça é uma experiência que conduz à lucidez, se a pessoa tiver outras partes do corpo, aquilo pode conduzir a experiências específicas que aquelas partes do corpo induzem na mente. Isso pode ser os demônios famintos etc. Assim nós encerramos essa parte do Bardo Alucinado do Darmata, nós temos ainda o Bardo Cármico do Ressurgimento que é quando tudo se reconecta e começa a funcionar e temos uma sensação que a vida enfim retorna.
Eu queria ainda dizer duas palavras.
Nós estamos em um período de pandemia pessoal, eu vi, não sei se isso está confirmado, que a população brasileira diminuiu no último ano, impressionante porque a população brasileira está sempre expandindo, mas houve um número muito grande de morte, então houve esse ponto e muitas pessoas tem também pedido sobre o que fazer quando então as pessoas morrem e passam por grandes dificuldades, ou pessoas que estão se aproximando da morte elas pedem socorro.
Eu sempre mando esse texto do Dudjom Rinpoche e dou essa sugestão para que a pessoa recite ou leia esse texto durante 49 dias. Agora eu estou explicando esse texto, na conexão com os ensinamento, com as nossas práticas, eu considero que isso para mim é muito satisfatório porque é como se eu estivesse dando essa explicação, eu tenho mandado o texto mas não tenho dado a explicação e aqui esta a explicação e ela vai fica na linha temática a Elen vai colocar isso lá e acho que em algum momento vai ser transcrito também, eu fico feliz porque isso pode respaldar, pode facilitar esse caminho e conectar com as as próprias práticas como a gente tem feito, os ensinamentos do Dudjom Rinpoche e do Dudjom Lingpa.
Eu vejo que esses momentos, as mortes de nossos amigos, de nossos parentes, mãe e pai, eu pude acompanhar, algumas pessoas eu conhecia, eu lastimei assim realmente, mas teve pessoas que conseguiram se recuperar da covid e depois morreram de complicações posteriores da própria covid, é muito triste. Eu vi jovens ficando sem pai e sem mãe, primeiro morre o pai daqui a pouco morre a mãe, ainda assim eu prefiro oferecer não em uma perspectiva de dor mas em uma perspectiva de liberação, aqui eu vou rindo um pouco disso, vou trazendo desse modo porque eu aspiro que a gente tenha uma capacidade de ver essas circunstâncias todas como manifestações da ignorância e não a morte e a desgraça caindo sobre nós.
Nós precisamos converter a morte e a desgraça em manifestação luminosa da própria ignorância, que por sua vez são manifestação luminosa da mente primordial, se a gente não for capaz de olhar desse modo a gente não consegue a liberação, não consegue a liberação do sofrimento, porque a liberação do sofrimento não é uma alteração das condições, é uma compreensão de que existe uma realidade ampla viva que não é afetada pelas flutuações das condições, nem por vida nem por morte, se nos dermos um sentido muito denso a morte então nós não vamos conseguir ter o resultado correspondente aos próprios ensinamentos, a gente precisa ter essa capacidade de liberdade para entender também que rezou aquilo cessa, porque essas são realidade luminosas construídas. É isso pessoal, obrigado por enquanto.
CEBB Bacopari – 23/05/2021 - Manhã
Transcrição: Eloísa Koch
Revisão: José Benetti, Mônica Kaseker (07/08/2022)
Este é um material transcrito a partir de ensinamentos orais de Lama Padma Samten. Ele é usado exclusivamente para apoiar os estudos e práticas dentro da sanga, pedimos não reproduzir em outros sites. O material está em constante revisão e melhoria; quaisquer erros encontrados são devidos às limitações das pessoas envolvidas na transcrição e na edição, e serão corrigidos assim que possível.
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O Bardo do ressurgimento
Estamos na parte do bardo cármico do ressurgimento. Esta é a parte final do ensinamento de Dudjom Rinpoche. Ele está justamente se referindo à parte anterior que é o momento no qual a consciência abandona o corpo, logo surgem as visões da realidade última, as visões pacíficas e iradas aparecem, as visões ocorrem, o medo surge e as visões, então, desaparecem. Nesse ponto há esse apagamento e a consciência deixa de operar a partir da experiência do próprio corpo, ou seja, o corpo deixa de produzir as experiências que a mente passa a ver, assim, o corpo perde totalmente a vitalidade, ele desaparece. E a última parte do corpo que emitiu algum sinal é o lugar onde a consciência se conecta. Nesse sentido, se diz que quando a consciência deixa o corpo saindo pela abertura correspondente a essa experiência.
Tem um pé de página que diz: a consciência deixa o corpo no ponto simbolicamente correspondente ao âmbito samsárico no qual terá renascimento. Essa linguagem é determinística, então ela não funciona muito bem. Mas está bem. Carmicamente esse é o ponto. Até se diz: 'não toque no corpo'. Pois onde nós tocamos no corpo, o corpo sente. Aí tem um sinal. Cada parte do corpo que tocamos quando estamos vivos tem um estado emocional, um estado cognitivo diferente, ela conduz a alguma coisa. Se nós tocamos no corpo da pessoa que está morrendo, aquele lugar onde tocamos, dá um sinal para a mente da pessoa. Logo, conduzimos a pessoa para aquele lugar. Portanto, não é interessante. No budismo tibetano se diz: 'não toque no corpo'.
Aqui ele vai dizer que a consciência deixa o corpo no ponto simbolicamente correspondente ao âmbito samsárico no qual terá renascimento. Não há propriamente um determinismo nisso, porque, por exemplo, qualquer ser tem a capacidade de ter lucidez sobre qualquer darma, sobre qualquer aparência. Se tocar no corpo, a pessoa pode ter a lucidez correspondente e não ser influenciada, mas quando a pessoa é tocada, sempre tem um tipo de experiência que acontece a partir disso, essa experiência se torna algo, ela é gerada de um ponto de Alaya Vijnana. Então, aquela região onde Alaya Vijnana corresponde à experiência se torna o primeiro lugar dentro da originação dependente, a partir do qual outras experiências ocorrem. Assim, há essa indicação de que esse lugar de onde a consciência sai, ou seja, a última lembrança dela, a última experiência dela no corpo, é um lugar que vai conduzi-la para um reino específico. Há essa indicação, mas não é algo determinístico, porém a linguagem é toda determinística. Nós sempre precisamos voltar, pois a vacuidade é a experiência mais importante. Em todos esses ensinamentos nós sempre precisaríamos voltar aos cinco bardos, como Guru Rinpoche explica, à Mãe Darmata e aos Seis Selos. Esses são os ensinamentos que pautam e delimitam essas realidades que estamos descrevendo. Assim, a liberação sempre virá pelos Seis Selos, mas aqui ele descreve um pouco a liberdade e um pouco a prisão.
Quando a consciência deixa o corpo, ela sai pela abertura correspondente à experiência.
Aí o bardo seguinte, que é o bardo cármico do ressurgimento. Nesse ponto ocorre a separação entre a mente e o corpo. Essa noção é quase espírita. Aí tem uma coisa que abandona o corpo. Esta é a linguagem, mas o fato é que a mente e o corpo são inseparáveis, uma vez que as experiências de corpo pautam a mente. Mas onde está a mente? Ela está dentro do corpo? Com isso, nós voltamos para o Surangama [Sutra]. Essa noção de que a mente sai por um ponto e a consciência sai por um ponto é uma linguagem que não está completamente conectada com os ensinamentos mais elevados, mas essas são descrições para as pessoas que não têm os ensinamentos mais elevados. Essa linguagem vem desse modo.
Assim_, nesse ponto, ocorre a separação entre a mente e o corpo. Uma vez que a mente é agora independente do corpo_. O que está acontecendo? O corpo não está mais operando. Sendo assim, não tem nenhum sinal, não tem nada acontecendo. Então, a mente se torna livre, como por exemplo no estado de sonho. A mente é parcialmente livre. Isso significa que a mente, como está sempre viva, segue produzindo sinais e produzindo originação dependente. Mas esses sinais não vêm mais agora na conexão com o corpo. Por exemplo, quando estudamos a operação do corpo, contemplamos isso com o Kayagatasati Sutta, o Satipatana, o Anapanasati. Começamos a contemplar isso. Assim, nós vamos reconhecer que o corpo opera completamente inseparável da mente. Ou seja, aquilo que sentimos que é o corpo, quando paramos para olhar o corpo, é uma experiência da mente, não é uma experiência do corpo. Como eu dei aquele exemplo da mosca caminhando, no qual sentimos aquilo como uma coisa muito grande. Ou como um pernilongo procurando um lugar para nos picar. Aquilo parece muito grande. Não estamos mais em uma experiência de corpo, aquilo é uma coisa gigantesca. Se imaginarmos que tem um animal por perto, por exemplo, uma cobra ou um escorpião, a reação do corpo é exagerada. Aquilo não é uma sensação do corpo. Aquilo é a mente produzindo a experiência de corpo. No entanto, a mente não olha o corpo, ela olha a experiência que está acontecendo, que é a experiência de mente. Essas categorias são sempre assim. Tem um aspecto luminoso que aparece como objeto e nós olhamos esse objeto como um objeto separado, mas ele é a manifestação da mente. Aqui, o que significa nesse ponto ocorre a separação entre a mente e o corpo? Isso significa que aquilo que sentiríamos como corpo físico, não sentimos mais, e a mente está agora operando de uma forma livre.
Ele diz:
_Uma vez que a mente agora é independente do corpo, está sem suporte físico. _
O que significa suporte físico? É o aspecto grosseiro. Mas ele desapareceu, pois antes eu tinha olhos, ouvidos, nariz, língua e tato. Assim, temos uma ancoragem. Estamos aqui com os olhos abertos e com os sentidos operando. Mesmo que tudo que eu esteja vendo, ouvindo,sentindo, etc., seja a própria mente, porque todas as experiências que eu tenho, elas são essencialmente categorias da mente. Mas elas estão inseparáveis, portanto, das mentes associadas a olhos, ouvidos, nariz, língua e tato. Assim sendo, se eu tenho uma sensibilidade do olho, essa mente opera e estimula associada aos olhos. Ou seja, eu tenho uma mente associada aos olhos, uma mente associada aos ouvidos, etc. Não é que eu fique pensando sobre o que eu vejo. A mente associada aos olhos opera dentro dos olhos produzindo o que eu estou vendo, que é uma categoria da mente. Aí a mente, que é a sexta consciência, vê essas categorias que brotam dos sentidos físicos e elabora a partir disso. Mas aqui, as mentes associadas aos cinco sentidos físicos param com a conexão com os órgãos, elas ficam livres dessa associação.
O corpo material se foi, é apenas um corpo sutil composto de luz.
A mente está sem suporte físico, ela não tem o suporte que vem das experiências dos sentidos físicos e que produzem os objetos. Assim, a mente passa a operar e dá essa sensação de que estamos vivos dentro de um corpo. Porém, aqui nós precisaríamos entender que a mente que atua nos sentidos físicos não morre. Os sentidos físicos interrompem, mas a mente associada a eles passa a ver, agora, as impressões de todo o sonho. Essa é a razão pela qual dentro de um instante começam a surgir as impressões que são semelhantes a sonhos, pois nos sonhos a mente associada a olhos, ouvidos, nariz, língua e tato está operando, mas não está operando os órgãos. Mas ela produz o aspecto onírico e a sensação de visão. E a mente, a sexta consciência, pega essas imagens e trabalha como se fosse tudo vivo.
O corpo material grosseiro se foi, há apenas um corpo sutil, composto de luz.
Tem olhos, ouvidos, nariz, língua e tato operando a partir do aspecto luminoso, que é parecido, quase idêntico, ao aspecto da vida. Por exemplo, quando eu vejo o templo, estou vendo uma categoria luminosa, quando vejo o poste, isso também é uma categoria luminosa. Essencialmente a luz que vemos, inclusive a luz do sol, na verdade é a luz da mente. Temos sentidos físicos que oferecem um referencial para que esta luz interna apareça, logo, tudo aquilo que conseguimos ver externamente, conseguimos ver internamente também. Porque, na verdade, mesmo quando estamos vivos e operando por um corpo, tudo que vemos são as categorias da própria mente.
Esse corpo sutil carece das substâncias essenciais recebidas do pai e mãe e, consequentemente, a pessoa falecida não tem mais a percepção da luz do sol e da lua.
Essa é uma forma bonita de dizer, porque uma vez que os sentidos físicos não estão operando, a pessoa não vê o sol e a lua, mas ela tem a luminosidade básica. Esse é um ponto interessante, porque ela não vê mais sombras. Tudo tem luz, no entanto, ela não vê a luz do sol e da lua.
Entretanto, há um tipo de brilho luminescente, uma energia mental emitida pelo corpo de luz.
Quando diz isso, ainda que seja completamente correto, isso induz para nós: 'vamos descobrir então o que é o corpo de luz'. E aí começa a ficar uma coisa complicada. 'Que brilho luminescente é esse? Como surge um brilho luminescente?' Ele está explicando a luminosidade da mente, que está aqui [apontando o entorno]. Se vocês quiserem saber o que é o brilho luminescente, está aqui [mesmo gesto].
Há um brilho luminescente, uma energia mental emitida pelo corpo de luz. Isso cria na pessoa a impressão que é possível ver seu próprio caminho.
Aqui o que seria a pessoa? Seria a sétima consciência, que está baseada na sexta consciência, na qual tem estes sentidos físicos, que agora não são sentidos, mas dão uma sensação de visão. A pessoa tem uma sensação de visão, a sexta consciência opera. Essa consciência associa a isso, e o mesmo carma anterior, onde a pessoa também achava que sabia para onde estava indo, ou seja, 'em vista disso, vamos para lá!' A pessoa tem a impressão que pode seguir o seu próprio caminho, ou seja, ela está operando carmicamente.
Adicionalmente, todos os seres que estão vagueando no bardo do ressurgimento podem ver e ouvir uns aos outros.
Naturalmente, quando a pessoa está no bardo do ressurgimento, ela vê seres ao redor, que são seres da própria mente dela. Ela está nesse nível sutil e ela pode ver e ouvir no sentido de que outros seres, que também têm a sétima consciência operando, estão gerando suas próprias manifestações e essas manifestações estão inseparáveis dentro da mente búdica, una. Eles surgem como manifestações de Alaya Vijnana, das marcas mentais. É como se surgissem influências para ir para cá ou para lá. Tem visões do que deveria ser. Que é exatamente como estamos fazendo já agora.
Outro aspecto desse bardo é que tão pronto a consciência aspire estar em algum lugar, instantaneamente surgirá nesse exato lugar.
Isso também é uma coisa que parece um sidi, mas é como nós aqui pensando: 'bom, agora quando terminar o Covid, eu vou pegar o carro e vou para o nordeste.' Aí nós já estamos vendo um futuro. Aí é fácil, a pessoa estala os dedos e as coisas acontecem. É muito simples, já nos vemos naquela situação futura. É muito fácil criar isso, não precisamos nem morrer, não tenham pressa. A gente tem uma onisciência, uma capacidade de ver o próprio caminho e ver os outros seres e a gente pensa em estar em um lugar e instantaneamente está naquele lugar.
Os únicos lugares fechados [esse é o problema.. já estão fechados agora, que] são o ventre da sua futura mãe e Vajrasana, o lugar sagrado onde todos os budas atingem a iluminação.
Por quê? Porque se a pessoa conseguisse ver Vajrasana, ela atingiria a iluminação. A pessoa só vê categorias condicionadas. A pessoa também não vê a consequência do seu carma, ela não consegue ver o ventre da mãe, que é um conjunto de carmas que vai impulsioná-la ao renascimento físico. Então ela não vê isso, porque ela não vê carmas. Se diz que Vajrasana é Bodhi Gaya. Todos os seres atingem a iluminação em Bodhi Gaya, isso é Vajrasana. Mas Bodhi Gaya não é onde está a árvore. Bodhi Gaya é o lugar onde a mente está livre, a Mandala Primordial.
A mente da pessoa falecida também possui certa clarividência, ainda que dotada das cores das perturbações cármicas. Ela sabe o que os outros estão pensando.
A gente poderia dizer "ela pensa que sabe". Como nós também. A gente olha para cá, olha para lá: 'isso, aquilo, então isso, então aquilo'. Mas o que os outros estão pensando? Os outros não têm um pensamento, mas sim um fluxo confuso para todo o lado. Quando nós supomos: 'aquele lá pensa isso', ele pensa isso, mas já está pensando em outra coisa, daqui a pouco está sei lá onde. Então, quando a gente se fixa desse modo, a gente tem a sensação de que há isso ou aquilo. Isso seria uma clarividência, mas é uma clarividência dotada das cores cármicas.
Uma pessoa que tenha morrido recentemente pode perceber como os outros estão usando as posses que ela acumulou ao longo do curso de sua vida. (É como se ela tivesse adivinhando na mente do outro o que ele vai fazer.) O que eles estão pensando e como eles estão fazendo as práticas de acumulação de méritos e dedicando para seu benefício. Os vivos não vêem os mortos, mas os mortos vêem os vivos.
Tá certo que isso em parte é verdadeiro, mas em parte isso não é, porque os vivos podem ver as marcas mentais que correspondem aos mortos, do mesmo modo que a mente de quem não está operando com o corpo, mas tem ainda uma sétima consciência, também pode operar com a imagem, com a sensação de que vê os vivos.
Os seres do bardo se agrupam e sofrem com as sensações de fome e sede, calor e frio.
Então, esse é um ponto também. Como é essa fome e sede se não tem corpo? Qual é a comida que eles querem, se não podem comer? Isso são categorias mentais, eles estão flutuando, como num sonho. No meio do sonho podemos ter fome e sede. Os seres estão vagueando por dentro de Alaya Vijnana, dentro de impressões mentais, isso significa que o corpo nesse bardo do ressurgimento é um corpo totalmente de sonho.
Eles experimentam um sofrimento intenso enquanto vagueiam no estado intermediário.
Por quê? Porque é como um sonho à noite, podemos sonhar e sofrer, podemos ter pesadelos. Eles têm pesadelos, podem se sentir sufocados, torturados, cortados, mortos, abusados. Isso é a sétima e a sexta consciência passeando por dentro das impressões mentais que surgem como se fossem experiências dos sentidos físicos.
Aqueles que de fato vagueiam no bardo são os que não fizeram os retiros, falharam em praticar muitas virtudes em suas vidas e ao mesmo tempo acumularam muito sofrimento. Os seres que cometeram muitas negatividades não experimentarão o bardo do ressurgimento.
Por quê? Porque eles não chegam a ficar no bardo do ressurgimento. Uma vez que eles cometeram muitas negatividades, estão muito responsivos, estão fixados.
Tão pronto eles morrem e fecham seus olhos, instantaneamente surgirão em reinos inferiores.
Isso significa que o carma deles é tão intenso, tão agudo, que é como se estivessem morrendo com uma arma na mão, matando, enquanto eles morrem. As suas mentes ressurgem em um âmbito no qual eles seguem matando e morrendo. Nesse ponto, precisaríamos dizer: todos eles são budas, todos eles têm a natureza búdica intacta. Essas consciências todas estão manifestando a natureza búdica, construindo as suas realidades e vivendo por dentro das realidades que constroem. São semelhantes às aranhas, aos tuco-tucos, às cobras, todos construindo as suas realidades e vivendo ali como se aquilo fosse o mundo mesmo, como se fosse tudo; com uma dificuldade de entenderem os outros seres que não atuam desse modo. Como, por exemplo, o tuco-tuco tá vivendo aquilo e não consegue ver os cachorros, os outros pássaros. Esses, por sua vez, também vivem no seu mundo. Quando veem os tuco-tucos, eles veem os tuco-tucos no seu mundo de cachorros, de pássaros, no seu mundo de predador. Aqui também está cheio de corujas à noite esperando os movimentos dos tuco-tucos. São predadoras esperando e não olham os tuco-tucos na sua vida, não pensam que os tuco-tuquinhos ficarão sem mãe. Eles olham o seu mundo dentro de suas perspectivas. Como os seres humanos que olham para as vacas como bifes e churrascos, mas eu acho que os seres humanos olham um pouco melhor, porque são capazes de atender o que os animais precisam até mesmo pra poder explorá-los melhor.
Mas aqui, esses seres que experimentaram muitas negatividades estão muito tensos, muito responsivos. Mas quem eles são? Eles são mentes búdicas com realidades construídas, operando dentro de referenciais estreitos. Eles podem fazer qualquer outra coisa, portanto, eles podem atingir a liberação daquilo também. Mas nesse momento, eles são como nós mesmos, que não estamos atingindo a liberação. Por quê?
Tão pronto eles morrem e fecham seus olhos, espontaneamente surgirão nos reinos inferiores, por outro lado, aqueles que acumularam muitos méritos transferir-se-ão imediatamente para as terras puras.
Vamos supor que os praticantes durante a vida, a cada lua cheia, fizeram voto de Terra Pura. Aí, quando a coisa complica, eles pensam: oh! Valha-me terra pura, eu reconheço todos os seres com a natureza búdica, tudo aqui é esse ambiente Vajra, que incrível! Aí eles reconhecem as Terras Puras.
Em geral, uma vez que as pessoas como nós, nem são grandes pecadores, nem grandes santos, teremos que passar pela experiência do bardo do ressurgimento, e isso nada mais é do que sofrimento.
Essa é uma visão quase espírita, a pessoa morre, mas tem a sétima consciência que segue, que acha que está sabendo, como sempre achou que estava sabendo, mas agora ela está num ambiente no qual ela não consegue reconhecer direito, pois tudo flutua, e a mente dela salta para lá e para cá, ela se encontra num ambiente psicótico que é super aflitivo. Essas consciências irão flutuar por dentro disso, a não ser que elas olhem imediatamente a categoria de terra pura e reconheçam que toda a experiência que aparece é inseparável da mente, é luminosa e apresenta a natureza última que é livre e permite o surgimento das aparências.
Por outro lado, os mortos podem ser protegidos dos horrores do bardo e atingir a liberação, isso acontece, caso a pessoa tenha realizado muitas ações meritórias. (Ou seja, tenha feito prática) Tenha feito oferenda às Três Joias. Por exemplo, durante a vida, a pessoa construiu estupas, ela ofereceu recursos para a construção de templos, ajudou as pessoas que estavam em retiros, publicou textos, traduziu, financiou a expansão da sanga. Então, a pessoa tinha um funcionamento dentro do samsara. Mas, por exemplo, quando a pessoa está dentro do samsara e constrói uma estupa, esta não tem função dentro do samsara, pois não é uma coisa que ela faz para botar no seu currículo e encaminhar uma carta pra conseguir um emprego melhor. Sendo assim, dentro do samsara, construir uma estupa não funciona. Por outro lado, a pessoa ajudou nas construções dos templos, ajudou nos retiros, etc., e, mesmo que ela não tivesse uma compreensão do Darma, ela foi capaz de interromper o samsara comum, abriu uma janela, na qual ela acha que tem uma coisa elevada em alguma direção e ela faz um gesto e dirige energia naquela direção. Assim, quando ela estiver dentro do bardo do vir a ser, ela estará nesse estado psicótico, mas ela já saberá como interromper aquele processo todo, e poderá abrir uma janela, e pensar em uma coisa elevada e colocar energia. Por isso, ela tem a possibilidade de sair, porque ela já aprendeu a abrir esse espaço.
O melhor é que a pessoa tenha feito muitas ações meritórias, que são sempre mal interpretadas dentro do samsara. Mas as ações compassivas não vêm ao caso. Por exemplo, estamos dentro de uma guerra como esta que vimos agora. Aí vai uma ambulância do estado judeu recolher os feridos que o próprio exército judeu explodiu, aí aquilo fica meio estranho. Ou vão os palestinos, rastejam e puxam o judeu, não para matá-lo, mas para socorrê-lo. Ou seja, eles não irão conseguir, pois em meio a uma guerra, querer falar de paz é ser alvo para morrer. Assim, se estamos no meio do samsara e vamos falar de qualquer coisa que não seja ganhar dinheiro, ficar mais rico, construir coisas maiores e ficar mais poderoso, o pessoal irá nos achar estranhos, os familiares irão nos internar, pois irão achar que estamos dilapidando o patrimônio da família, seremos interditados. Essas ações, todas elas, são ações descabidas dentro do samsara, mas é isso que estamos precisando, ou seja, quando estivermos dentro do samsara do pós-morte, precisaremos fazer coisas descabidas ali dentro também. Então a pessoa precisará fazer alguma coisa fora do bom senso, pois o bom senso não funcionará, ela terá que fazer outra coisa, e é isso que são as ações meritórias, a capacidade de olhar com outro olho.
Tenha feito oferenda às Três Joias, tenha praticado caridade com os pobres.
Nessa categoria de ações meritórias, todas as práticas estão incluídas. Tudo que fizemos de práticas, de meditações. Por exemplo, só ficar no Satipatthana, só isso já é uma coisa contra o samsara. Se tiver um pai de bom senso, dirá: "Meu filho, você está aí parado! Faça alguma coisa! Alguém vai ter que sustentar você, você está aí parado! Tem alguém trabalhando para dar comida para você, você está perdendo seu tempo! aprenda a ser alguém útil!" O samsara não considera nada disso como alguma coisa valiosa.
E outros que têm construído as mandalas das deidades pacíficas e iradas e realizado ritual no qual tenha sido queimado um papel com o nome da pessoa falecida e se a iniciação tenha sido dada, conduzida a consciência da pessoa falecida a destinos mais elevados.
Essa é uma prática simbólica: escreve o nome da pessoa em um papel, põe numa varinha e depois isso será queimado. Essa é uma forma de eliminar a ligação da pessoa com a própria identidade. Na perspectiva budista é como se os cristãos fizessem o contrário. Eles tentam perpetuar. Eles botam um túmulo, colocam uma cruz com as datas. É como se a consciência ficasse fixada aquilo, tu prendes a pessoa naquilo. Precisamos fazer o contrário, precisamos dissolver a conexão ilusória com aquela identidade.
Esse conjunto de medidas é como se um grupo de pessoas corresse ao mesmo tempo para agarrar o outro, evitando que ele caia num precipício. Essa é a razão pela qual se diz que devemos dedicar muitas ações positivas aos mortos. Durante os primeiros 21 dias após o evento da morte, os mortos têm os mesmos tipos de percepções que tiveram durante a vida.
Por que 21 dias? Acho que é necessário criar alguma coisa, porque os dias são regidos pela luz do sol, mas nós não estamos mais vendo a luz do sol, então como é que ficam os dias? Estamos marcando os dias como? Mas tudo bem, eu não vou aqui me opor. Mas o que vai acontecer? No vigésimo primeiro dia, vai apagar tudo? Com certeza que não. O que acontece é que estamos em uma região de Alaya Vijnana e estamos operando. Só que tem uma mobilidade natural. Então, num final de um tempo, nós não estamos mais ali, estamos nos deslocando. A mente está tomando outros referenciais, aqueles referenciais usuais que respondiam justo por causa da operação dos cinco sentidos físicos não estão mais ali. Mas agora eu não tenho mais essa ancoragem, então as lembranças vêm e vão, e agora as lembranças vindo, começam a produzir outras elaborações que servem de base para a mente seguir. É assim: o namorado que sumiu por 21 dias, já sabe, vai dar problema, no final de 21 dias você se sente livre. Se alguém vier reclamar no 22º, vocês dizem: 21 dias é o prazo. Na linguagem comum do mundo a gente diz: a fila anda. Que fila? É a fila das impressões mentais, é isso que está acontecendo, aí tem outras impressões mentais e aquilo começa a andar.
Durante os primeiros 21 dias após o evento da morte, os mortos têm os mesmos tipos de percepções que tiveram durante a vida, têm a sensação de possuírem o mesmo corpo e mente como antes e percebem os mesmos ambientes que experimentaram durante a vida. Após, eles começam a ter percepções relacionadas ao lugar para onde tomarão renascimento na próxima vida.
Ou seja, os mortos vão se deslocando carmicamente, como nós fazemos durante a vida. Eu não estou mais morando na cidade de Rio Grande, onde vivi a minha infância e juventude, estou aqui no Bacupari e já estive em diferentes lugares. Então, essa mobilidade cada vez que a gente vai para algum lugar, aquilo corresponde a um renascimento. Já renasci em diferentes lugares e minha mente, agora, já não sei, daqui a pouco renasço em outro lugar. O que isso significa? Carmicamente, as condições internas e os referenciais vão se alterando, e a pessoa começa a pensar em uma outra coisa e daqui a pouco ela está em outro lugar, é isso. É como com vocês, cada um que está aqui por dentro da minha câmera e o pessoal que está aqui presencialmente comigo, cada um pensa alguma coisa, esse pensamento já é o bardo do renascimento, daqui um tempo, isso consolida e tem a transmigração correspondente.
Após, eles começam a ter percepções relacionadas ao lugar para onde tomarão renascimento na próxima vida. Essa é a razão pela qual se diz que o período de 49 dias, particularmente as primeiras três semanas é extremamente importante. Durante esse período, se muitos méritos forem acumulados por outras pessoas em proveito do falecido.
Ou seja, as pessoas que têm conexão no nível sutil serão lembradas. A posição de mente delas é vista pelo outro ser. Então a posição de mente, se ela se colocar simplesmente em meditação ou se colocar nas mandalas, ela influencia diretamente o outro, porque o outro vê essas posições de mente.
Durante esse período, se muitos méritos forem acumulados por outras pessoas em proveito do falecido, se diz que mesmo se a pessoa em questão estiver se dirigindo aos reinos inferiores, a compaixão das Três Joias pode conduzi-la a um destino mais elevado. Após tal período, entretanto, seu carma a conduzirá para os reinos inferiores.
É assim: por que o carma vai conduzir para os reinos inferiores? Porque as categorias são como se ela esquecesse aqueles seres, ela não os visse mais. Repentinamente, aquilo deixa de operar. Por exemplo, em uma certa idade, a pessoa não pensa mais o que o pai faria ou o que a mãe faria, mas tem uma idade em que a pessoa pensa que se fizer tal coisa, o pai o mata, isso será horrível, porque a pessoa tem aquilo bem vivo. Mas depois de um tempo, aquilo já não importa mais, então, é isso o que acontece.
Após tal período, entretanto, seu carma (a pessoa está olhando para o conjunto de referenciais que ela construiu, que se torna a base pela qual ela vai construindo as suas realidades. É o que acontece: a pessoa está no 10º elo e no 11º já está andando por conta própria_) a conduzirá para os reinos inferiores_ (porque ela está indo por condicionamentos). mesmo que a compaixão das Três Joias permaneça inalterada, ela não terá o poder de conduzi-la a um destino mais elevado até que o carma negativo seja exaurido.
Então, quando o carma negativo está exaurido, a pessoa tentou aquilo e não deu certo. A pessoa viu que aquilo produziu sofrimento e não deu certo, então de repente ela recua e pensa: "Uau! Onde está o Buda?" Aí sim, ela se torna sensível para operar com a realidade. Isso significa que o carma negativo se exauriu.
Esta, então, é uma explicação para a importância de acumular uma grande quantidade de mérito para proveito dos seres falecidos. (Ou seja, dedicar as práticas aos seres.) As pessoas que viveram ou vivem suas vidas ligadas ao Darma e estejam acostumadas a fazer as práticas, reconhecem quando estão no bardo do ressurgimento e que morreram.
Então, é como aqui, podemos perceber que sempre estamos de algum modo no bardo do ressurgimento. Estamos vagueando e sempre buscando alguma coisa.
Elas compreendem onde estão, relembram seu professor e sua deidade yidam. Aqui nós estamos no cemitério, de acordo com Guru Rinpoche. esse mundo que é como o cemitério, porque a nossa mente está confusa, é como se estivéssemos, mesmo vivos, no bardo do renascimento constante.
As pessoas que viveram ou vivem suas vidas ligadas ao Darma e estejam acostumadas a fazer as práticas, reconhecem quando estão no bardo do ressurgimento e que morreram. Elas compreendem onde estão, relembram seu professor e sua deidade yidam.
Aqui tem uma coisa interessante, o professor é a própria deidade yidam. Isso, olhado assim, em um primeiro momento, não percebemos, porque parece que o professor é alguém, é um ser, mas quando a gente olha para alguém, como por exemplo, a Sua Santidade Dalai Lama, a gente não vê o Dalai Lama, a gente vê as categorias que somos capazes de ver, vemos na imagem do Dalai Lama os aspectos internos que estamos produzindo. Da mesma forma que estamos vendo esta sala aqui. Logo, é a mente vendo a mente. Quando nos damos conta disso, a gente diz: quando eu vejo o Dalai Lama, me inspiro para fazer práticas, para praticar compaixão, etc. Ele empresta a imagem para que nós coloquemos o melhor que temos. Aí o melhor que temos surge como o Dalai Lama. Aquela imagem nos ajuda e com o tempo vamos purificando e reconhecemos o aspecto da inseparatividade. Reconhecemos que a própria luminosidade que cria a imagem é o aspecto primordial. Então, vamos juntando a deidade yidam com a expressão de Samantabadra e Kuntuzangpo, que é o Buda Primordial. Por isso que ele é a deidade yidam. Porque ele nos inspira diretamente. Então, se tomarmos uma deidade yidam fabricada, ela não tem o mesmo poder, porque o mestre é a deidade yidam, mas ele é inseparável da própria pessoa. Ele, na verdade, é a voz interna com a lucidez maior que fala dentro de nós e que agora ganha algo como se fosse uma aparência externa. Então, nós já carregamos uma deidade yidam
Os praticantes compreendem onde estão, relembram seu professor e sua deidade yidam e ao invocá-los concentradamente renascem nas terras puras de Sukhavati, Abirati, na Gloriosa Montanha Cor de Cobre. Para um lama realizado é também possível invocar a consciência do bardo para seu nome escrito em um papel (o nome do morto) e revelar a esta consciência o verdadeiro caminho.
Aquele ser tem uma conexão com o nome. Aí quando o lama olha o nome, ele experimenta as categorias mentais que ele tinha associado à própria imagem da pessoa. Essas categorias mentais, essa posição de mente, ressoam como uma posição de mente do outro, e aí ele olha essa posição de mente e reconhece, faz o exercício de reconhecê-lo como sendo expressão da natureza búdica e ele dissolve o aspecto ilusório na luminosidade primordial. Desse modo, ao fazer essa operação, o outro vê, e isso aponta o caminho.
Ao dar ensinamentos e iniciações, o lama pode mostrar a esses seres o caminho das terras puras do Budas.
Que é como caminhar na frente. Não é um conjunto de palavras, é tomar aquilo e caminhar na frente, é fazer a transformação de consciência que o outro faria, ele faz na frente.
Ou talvez levar a consciência do bardo a um novo renascimento humano. Tudo depende do carma, aspiração e devoção do falecido. De todos os bardos, o mais crucial é o bardo da vida presente. Por isso é agora, no bardo da vida presente, que precisamos agir e praticar corretamente de tal forma que não tenhamos no futuro que vaguear por outro bardos. A Sadhana do grande compassivo que é Chenrezig (o roteiro de prática de Chenrezig) é a verdadeira essência de todos os sutras e tantras.
Os sutras são os aconselhamentos, as instruções, é como o Buda descreve as realidades; e os tantras são as instruções pelas quais nós olhamos para as aparências comuns e reconhecemos o aspecto primordial dentro delas.
Esse ensinamento sobre Chenrezig é a verdadeira essência de todos os sutras e tantras. Guru Rinpoche destilou-a (ou seja, Guru Rinpoche apresentou-a) como um método pelo qual discípulos que tenham uma conexão com ela serão capazes de tomar renascimento na terra pura correspondente de Sukhavati. Subsequentemente, ele ocultou-a como terma.
Ou seja, aquilo ficou escondido, que é como se naquele tempo esses ensinamentos não pudessem ser verdadeiramente úteis, sendo assim, ficou escondido como terma para um tempo futuro.
E foi o vidyadhara Dudjom Lingpa que revelou este tesouro.
Podemos dizer que Dudjom Lingpa é a própria mente de Guru Rinpoche.
Então, isso está escondido no espaço, e Dudjom Lingpa vê e apresenta.
Nós podemos dizer que a suprema fonte originadora de todos os ensinamentos de todos os Budas é o Buda Samantabhadra (que é Kuntuzangpo, o Buda primordial, o espaço) ou Amitaba (que de fato são idênticos). Nunca agitando a pacífica amplidão de sua mente, o Buda Amitaba olha com compaixão incessante a todos os seres dos seis reinos.
Então aqui é alguma coisa que precisaríamos parar um pouquinho e olhar. Será que dentro desse espaço livre onde há Khadag, Lundrup, Tsal, Lung, há compaixão? Ou a compaixão é fabricada? O que Dudjom Rinpoche está dizendo é que Amitaba é inseparável de Samantabhadra, o Buda primordial. Darmakaya, Khadag, Lundrup, Tsal, Lung, Rigpa e, junto com isso, compaixão. Sendo que compaixão é a própria manifestação de Amitaba. Ele manifesta a equanimidade e o equilíbrio meditativo como expressão de compaixão. Esse é o seu ensinamento, um ensinamento silencioso. Ele para e induz os outros seres a pararem. Se os outros seres param, a ilusão, o processo dinâmico de originação dependente se interrompe e aí a clareza das coisas aparece. Amitaba dá ensinamentos desse modo. Esse lugar parado é totalmente inseparável de Samantabhadra, o Buda primordial. É nesse sentido que Amitaba e Samantabhadra são inseparáveis. Mas Amitaba é uma emanação compassiva de Samantabhadra.
Amitaba olha com compaixão incessante a todos os seres dos seis reinos, ele é chamado o Buda da luz infinita, da radiância do seu amor, surge Avalokitesvara, o grande compassivo.
Por que surge Avalokitesvara? Avalokitesvara, o próprio nome diz: aquele que ouve os sons do mundo. Então Amitaba senta e irradia a luz infinita e a compaixão. Mas os seres estão super ocupados, operando a partir do aspecto da originação dependente. Então eles não conseguem interromper. Como estão no meio de um jogo, estão olhando a jogada, não estão olhando a luminosidade da mente que construiu o tabuleiro, que constrói a jogada. Amitaba está convidando a pessoa, mas ela segue jogando. Então Amitaba cria um jogador, no caso Chenrezig, e este senta na frente da pessoa. A pessoa perdeu, mas Chenrezig diz: isso não é nada, isso é tudo construído, não é nada. Surge Avalokitesvara, o grande compassivo, que irá agir no mundo de um jeito muito parecido com os seres, aí é que surgem os bodisatvas. Ele cria o caminho do bodisatva. A pessoa está no meio da confusão, mas ele vai mostrar: olha, por aqui tem problema. Ali, isso, aquilo. Vai estar todo mundo preso dentro de uma mecânica, que o Buda chamou de primeira nobre verdade. Aí a pessoa dá uma olhada, se ela entendeu mais ou menos a primeira nobre verdade, ela vai começar o caminho do bodisatva.
Aí, quando surgir bodicita, ela vai pensar em ajudar. Então começa a surgir generosidade, uma generosidade fora de propósito, porque o mundo não é generoso. Generosidade - bodisatva de primeiro nível -, depois moralidade - segundo nível -, e assim vai indo. São as seis perfeições: generosidade, moralidade, paz, energia constante, concentração, sabedoria. Chenrezig cria o caminho do bodisatva, o caminho que irá resultar no buda iluminado.
Ele é a corporificação da fala compassiva de todos os Budas.
Aparece no mundo com a fala compassiva. Na presença de Amitaba, ele fez a promessa de não entrar na iluminação final - e permanecer com essa cara meio de bobo que anda por aí e por aqui falando aqui e ali, como um bodisatva, O que seria a iluminação? Ele abandona esse fluxo da originação dependente. Ele entende aquilo e segue operando, esse é o voto que ele tem com Amitaba. Enquanto o último ser não atingir a iluminação, Amitaba mantém a emanação para resolver aqueles problemas. Essa emanação vem no nível sutil. Ela surge como diferentes seres em todos os lados, manifestando compaixão num sentido grosseiro. A mente sutil se multiplica. Avalokitesvara surge como muitos diferentes seres e muitos diferentes mestres em diferentes lugares.
Na presença de Amitaba ele fez a promessa de não entrar na iluminação final e permanecer como um bodisatva.
Este é um ponto interessante. Quando os mestres se aproximam da morte, é frequente entre os tibetanos, os alunos pedirem para o mestre voltar. É um momento parecido com que o Buda pensou que talvez não tivesse que dar ensinamento nenhum. Aí os mestres disseram: "a minha parte eu já fiz, isso não sou eu. Isso é Chenrezig, eu não preciso vir de novo, não tem sentido manter essa sétima consciência focada nisso, e aí surgir um outro corpo a partir dessa continuidade, não precisa isso. Por quê? Porque Amitaba está produzindo compaixão e os seres compassivos aparecem, todos eles ilusórios, não precisa pegar um ser ilusório e perpetuá-lo. O Buda não voltou, então ele deu um mau exemplo? Como é que é? Buda podia ter voltado de novo dentro do reino e dizer: "agora isso é um grande reino e nós vamos fazer uma terra pura daqui", como um empreendedor. Mas ele não tinha essa mente de empreendimento.
O Buda se despediu: parinirvana. Tem sempre esse ponto, o mestre volta ou não volta? Mas aqui, Chenrezig fez a promessa de não entrar na iluminação final e permanecer como um bodisatva. Não tenham a menor dúvida, mesmo nos piores tempos de sofrimento, sempre aparecerão seres que são emanação de Chenrezig, que cuidarão das pessoas, protegerão as crianças e arrumar as coisas.
Agora já tem uma super energia para reconstruir Gaza, que foi toda destruída. Estão também reconstruindo partes que foram destruídas em Israel. Então aparece Chenrezig. Melhor que Chenrezig aparecesse e se mantivesse e não houvesse mais guerras, para a pessoa entender que aquilo é muito melhor. Mas os carmas seguem, porque foram feitas atrocidades e problemas. Então as pessoas se olham a partir das estruturas cármicas e se preparam para novos sofrimentos. Mas Chenrezig não desiste. Eu acho que as guerras não são bem relatadas porque elas precisariam ser acompanhadas através da descrição exata dos heróis que reconstruíram tudo. Pois nós vemos na Segunda Guerra Mundial uma destruição enorme, mas como foi o dia seguinte? Como eles deram leite para as crianças? Como eles cuidaram quem estava com frio? Como foi aquilo? Aí tem muito heroísmo, mas essa história não é contada, e não é contada, porque não está na mente, parece que o importante é realmente o choque e a destruição, isso parece ser relevante. E como as pessoas sobreviveram e tiveram dignidade e foram capazes de funcionar no dia seguinte? Olhem agora os meios de comunicação, não tem muitas notícias mais sobre como que essa reconstrução vai acontecer. Tem uma ou outra notícia que irá desaparecer, não sabemos mais, pois isso não importa. Lembram de uma época em que havia notícias da Síria o tempo todo, enquanto eles estavam se matando? Agora não sabemos mais nada sobre o que está acontecendo. Só sabemos que não estão se matando, pois não há notícia. O que eles estão fazendo, como é a reconstrução, como estão fazendo tudo andar, não sabemos. Mas Chenrezig está lá, é o papel dele.
Ele prometeu, em outras palavras, que seguiria ajudando os seres até que as últimas profundezas do samsara fossem sacudidas e esvaziadas de seres. (ou seja, até que a mente confusa desapareça) Naquele momento em diante, com grande compaixão, conduziu os seres aos três âmbitos de Sukhawati, a terra pura de Amitaba. Há a lenda de que houve um momento que ele pensou que tinha completado sua tarefa. (ou seja, ele foi consertando, consertando as coisas, consertou tudo e pensou: deu, está liberado!) Naquele instante, ele verificou que havia exatamente o mesmo número de seres, nem mais nem menos como havia antes. Então ele pensou: o Amitaba me enganou, me botou a trabalhar, eu arrumei tudo, mas está tudo igual, isso aqui é a mesma coisa que encher d'água um balde furado, não fica. Estou perdendo tempo.
Percebendo que os seres do samsara não haviam diminuído, ele deprimiu-se.
Cherenzig deprimiu-se. Isso significa que essa lenda vem para nos tocar. Nós temos compaixão, sentimos isso e começamos a nos mover, mas como estamos trabalhando com a sétima e oitava consciência e estamos trabalhando com o samsara, temos expectativas, fazemos aquilo para produzirmos um resultado e queremos ver esse resultado. Temos uma dimensão de apego naquilo que fazemos, nossa ação busca uma compensação, busca um resultado. No entanto, se diz que o Bodisatva deveria considerar que a sua ação em si mesma já é o resultado que ele quer. Logo, ele não está buscando uma ação subsequente a sua ação, pois sua ação se completa enquanto resultado quando ela é feita e não pelo que vai produzir. Assim, o bodisatva não tem expectativa, ele encerra a sua ação tendo feito uma boa ação. É como pai e mãe: eu fiz o melhor que eu pude, agora eles têm a vida deles. Eles seguirão.
Percebendo que os seres do samsara não haviam diminuído, ele deprimiu-se e refletiu consigo mesmo: nunca chegará o momento em que concluirei a tarefa de levar todos os seres para as terras puras.
Essa é uma percepção interessante, uma percepção de realidade. Porque a mente búdica constrói mundos e pode seguir construindo mundos e irá construindo os reinos todos. O fato que os seres podem sair desse ambiente e extinguir a ilusão é semelhante ao fato de que as águas vão todas fluindo para o mar. Não existe um momento em que todos os rios fluem e encerra-se, porque sempre haverá uma nova água. Então, o bodisatva é aquele que fica empurrando a água do rio, botando pra dentro do mar. Se ele tiver apego, criará problema.
…refletiu consigo mesmo: nunca chegará o momento em que concluirei a tarefa de levar todos os seres para as terras puras. Assim, seu voto de bodicita falhou. (se o dele falhou, estamos liberados) Sua cabeça rompeu-se em onze pedaços e seu corpo dividiu-se em mil fragmentos.
Acho essa parte muito comovente, ainda que seja simbólica, ela não é simbólica. Isso é o pesadelo dos bodisatvas. Ele está descrevendo o pesadelo, pois o bodisatva estará fazendo aquilo, aí ele pensa: isso é inútil, então, por que estou fazendo? Tem uma fala do Buda, quando ele se aproxima da morte, que diz: "Eu manifestei um corpo de sonho, pra benefício de seres de sonho, imersos em sofrimento de sonho. Eu não vim, eu não vou." Ele se dedicou com um corpo de sonho, que ele manifesta, para benefício de seres de sonho e sofrimentos de sonho. Esse é o encontro de Chenrezig com Manjusri . E Manjusri diz: "você, meu irmão, está perdido". Mas na verdade Chenrezig e Manjusri são o mesmo e eles são o próprio Buda.
Assim o voto de Chenrezig falhou, sua cabeça rompeu-se em onze pedaços e seu corpo dividiu-se em mil fragmentos. Nesse exato momento Amitaba apareceu e disse: "filho da minha linhagem, você corrompeu seu voto de bodicita? Reassuma-o e esforce-se pelo benefício dos seres como no passado." Dizendo isso, ele abençoou a cabeça fraturada e os mil pedaços do seu corpo. Avalokitesvara levantou-se novamente, agora com onze cabeças, e mil braços e olhos (dentro de cada braço tem a mão correspondente e um olho dentro. Esses olhos todos são os olhos da visão lúcida dos mil Budas; "mil" significa infinitos) para trabalhar para benefício dos seres. Graças a sua aspiração iluminada, seus mil braços emanaram um milhar de reis Chakravartim e de seus mil olhos apareceram mil Budas deste kalpa afortunado. Kalpa afortunado porque Chenrezig está presente, tem ensinamentos, os Budas vêm. Agora, por exemplo, pode ocorrer outro período onde não há Budas nem ensinamentos.
Todos esses mil Budas se manifestarão inteiramente devido à compaixão de Avalokitesvara.
Isso é o final do ensinamento, então, eu acho super profundo, esse é um tantra, porque ele revela o aspecto primordial junto com essa linguagem, é um ensinamento super especial.